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Publicação mensal • conteúdo atemporal • Apostolado da Igreja de Cristo

o Fiel Ca ólico
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Ser encontrado por Cristo | Progredir na vida espiritual


A Queda do Homem e a Misericórdia de Deus | Fé no Deus Pessoal
Neste mundo tereis aflições, mas tende
bom ânimo, eu venci o mundo! Jo 16,33

VAI AQUI, COM ESTA breve reflexão, uma dica preciosa, um pequeno diamante do grande
Tesouro que recebemos, um dom daqueles que Deus nos dá nas pequenas coisas desta vida
difícil, quando menos esperamos, a nós que por nossos méritos nada merecemos, mas que
Ele, por sua misericórdia infinita, faz questão de nos dar e que se poderá tornar uma fer-
ramenta utilíssima em nossa vida de fé, ajudando-nos a caminhar melhor e mais rápido.
A dica é esta: saber que há um sinal claro e infalível de que a sua fé em Deus anda
bem, que é legítima e verdadeira e que será proveitosa em todas as instâncias da sua vida.
Mais do que isso, um sinal que demonsta que sua fé é mais do que uma mera confissão ou
adesão formal, mas lhe proporciona uma íntima comunhão com Deus. O sinal é um ânimo
constante para se manter de pé e prosseguir, avançar com firmeza e avançar adiante rumo
EditoriAl

a novas metas que trarão o bem para todos. O mundo pode nos dar (e é mestre nisso)
milhões de motivos para que desanimemos, mas basta ser Deus o Ânimo e a motivação, a
razão do otimismo e da alegria, para que as forças se renovem sempre, infinitamente.
Nosso Senhor disse ao paralítico, entrevado numa maca, o que nos diz todos os dias
e a todo instante: "Coragem, filho! Tende bom ânimo!" (Mateus 9, 2). E logo concluiu: "Os
teus pecados estão perdoados!”. A nós diz o mesmo, e nos perdoa sem fim, se reconhecer-
mos e confessarmos nossos próprios pecados. Aquele paralítico era movido por uma grande
fé e confiança em que o Senhor poderia fazê-lo se levantar e andar, apesar de tantos moti-
vos para desanimar. E a primeira palavra que o Cristo lhe disse não foi: “Levanta”, mas sim:
“Coragem, filho!” – anima-te, alegra-te, ressuscita a tua alma, retoma o gosto pela vida,
porque não adianta ter duas pernas ótimas se o coração e a alma estiverem paralisados.
Se alguém diz que tem fé mas vive desanimado, algo está muito errado. A fé verda-
deira dá coragem, bom ânimo, levanta os paralíticos de corpo e de alma. Aos que creem
verdadeiramente, não há decepção nem amargura, dor nem frustração que os derrube. Eis
um sinal da fé verdadeira: Coragem, ânimo, alegria, boa disposição, otimismo.

Expediente
O Fiel Católico #27 – publicada originalmente em maio/2018. Esta revista é mantida pela Fraternidade
Laical São Próspero, grupo católico apostólico romano sediado na cidade de São Paulo (SP), com a missão
primeira de anunciar o Evangelho e esclarecer a autêntica fé cristã a partir do estudo da Teologia, da Filo-
sofia, da História e da Sã Doutrina de Nosso Senhor Jesus Cristo. Parte da distribuição é gratuita.
Colabore com este trabalho e receba as novas edições de ‘O Fiel Católico’ em seu e-mail. Informe-se
em nossa página: www.ofielcatolico.com.br ou escreva para ofielcatolico@gmail.com, ou, ainda, pelo
WhatsApp: (11) 9-8646-7461 (de segunda a sexta, das 9h às 19h, sábados das 10h às 14h).

• Direção geral: Henrique Sebastião • Editoração, diagramação, arte e projeto gráfico: Henrique Sebastião • Articulistas:
Prof. Rudy Albino Assunção; Prof. Dr. Joel Gracioso; Prof. Dr. Ivanaldo Santos; Igor Andrade; Felipe Marques; Vitor E. Matias
Figueiró; Henrique Sebastião; • Revisão de texto e revisão geral: Silvana C. Sebastião e Silva • Capa: Descida de Cristo aos
infernos, reprodução do Afresco da Anastasis (1315-1321), igreja do Santo Salvador em Chora, Istambul.
O CARDEAL NEWMAN
E sua regra de vida simples

O
Bem-Aventurado John Henry Newman foi Cardeal da Igreja e
um dos mais famosos ingleses conversos à fé. Era um distinto
homem das letras, um apologista erudito e um talentoso pre-
lado, todavia mais conhecido de todos devido à santidade de
sua vida, e um resultado disso foi a sua beatificação aos 19 de setembro
de 2010 por Bento XVI.
Newman era um intelectual bem familiarizado com os Padres e Dou-
tores da Igreja, mas, além disso, também sabia que a santidade não era
uma questão de grande aprendizado e estudos acadêmicos. A santidade
está ao alcance de todos – até mesmo de um camponês iletrado.
O caminho simples – Como pode alguém ser santo? Em sua obra
"Meditações e Devoções" (relançada pela editora Molokai em 2016) o
santo Cardeal delineia um caminho simples para a santidade. Aqui está:
É o dito dos homens santos que, se desejamos ser perfeitos, nós não
temos nada mais que fazer além de cumprir bem os deveres ordinários de
cada dia. Uma pequena via para a perfeição – pequena não porque seja
fácil, mas porque pertinente e inteligível.
Não há atalhos para a perfeição, mas há caminhos certos que nos le-
vam a ela. Eu penso que essa é uma instrução que pode ser de grande uso
prático para pessoas como nós. (...) Devemos ter em mente o que se quer
dizer por perfeição. Não significa nenhum serviço extraordinário, qualquer
coisa fora do caminho, ou especialmente heroica – nem todos têm a opor-
tunidade de realizar atos heroicos, de sofrimentos – mas estamos falando
sobre o que ordinariamente quer dizer a palavra perfeição.
Por perfeito nós nos referimos àquilo que não tem falha, que é com-
pleto, consistente, sólido. Referimo-nos àquilo que é o oposto de imperfei-
to. Como nós bem sabemos o que significa imperfeição em serviço religio-
so, nós sabemos por contraste o significado de perfeição. Então, é perfeito
aquele que faz o trabalho do dia perfeitamente, e nós não precisamos ir
além disso para buscar a perfeição. Você não precisa ir além da rodada do
dia. Eu insisto nisso porque penso que isso vai simplificar as nossas visões
e alinhar nossos esforços em um objetivo definido.
Se você me perguntar o que você deve fazer para ser perfeito, eu
digo primeiro – Não fique deitado na cama depois da hora de se levantar;
dê seus primeiros pensamentos para Deus; faça uma boa visita ao Santíssi-
mo Sacramento sempre que possível; reze o Angelus devotamente; coma
e beba para a glória de Deus; reze bem o Rosário; permaneça recolhido;
mantenha os maus pensamentos afastados; faça bem sua meditação no-
turna; examine a si mesmo diariamente; vá para a cama em uma boa hora.
E você já será perfeito.

'Cardinal Newman's simple rule of life', in 'The Catholic Gentleman'. Disp. em:
catholicgentleman.net/2017/03/cardinal-newmans-simple-rule-of-life/
Acesso 5/7/017
4
BUSCAREI, SENHOR,
A VOSSA FACE:
A FÉ NO DEUS PESSOAL
A fé cristã é uma fé com rosto, uma fé que diz:
“Você não está só; Alguém quis a sua existência!”
“Meu coração compreendeu o teu Mandamento:
'Buscai a minha Face'; vossa Face, Senhor, eu busco!”
(Sl 26,8)

Esse verso do salmista responde a um tema que percorre as


Sagradas Escrituras desde o Gênesis até o Apocalipse: está em toda
a história de Deus com os homens e prossegue até hoje, nas páginas
da nossa história. Algo que também palpita no coração das pessoas
do século XXI se expressa nesse anseio, de modo mais ou menos
explícito. Porque, ainda que durante anos pudesse parecer que o
declive da religião no mundo ocidental era inevitável, que a fé em
Deus era como uma moda obsoleta diante da cultura moderna e do
mundo científico, de fato a busca de Deus e de um sentido trans-
cendente para a existência continua viva.

TORNOU-SE MAIS DIFÍCIL RECONHECER O ROSTO


DE UM DEUS PESSOAL, OU PERCEBER DE MODO
VITAL A SUA PROXIMIDADE

Nessa busca do sagrado, não obstante, ocorreu uma notável


mudança qualitativa. O quadro das crenças é mais complexo e frag-
mentado hoje do que no passado. A prática caiu na Igreja Católica e
aumentaram os que se declaram cristãos mas não aceitam alguns as-
pectos da doutrina da fé ou da moral. Também existe uma tendência
a misturar livremente crenças diversas e, muitas vezes, totalmente
incompatíveis (por exemplo, o cristianismo e o espiritismo).
O número de pessoas que dizem crer em uma força criadora
impessoal e não em Deus cresceu, assim como o de membros das
religiões não cristãs, especialmente orientais, ou movimentos "New
Age". Para muitos, a imagem do divino vai perdendo nitidez e vai
surgindo em seu lugar a mancha difusa de uma força cósmica, de
uma fonte de energia espiritual ou de um ser distante e indiferente.
Em resumo, pode-se dizer que se tornou mais difícil reconhecer o
rosto de um Deus pessoal na presente atmosfera cultural, ou consi-
derar verossímil a mensagem cristã sobre o Deus que se fez visível
em Jesus Cristo, ou perceber de modo vital a sua proximidade.
Há culturas nas quais a visão impessoal de Deus se deve a que
a fé cristã teve pouca influência nelas, porém no mundo ocidental
se trata mais de um fenômeno cultural complexo: “Um estranho
esquecimento de Deus” pelo qual “parece que tudo caminha igual-
mente sem Ele”1. Esse esquecimento, que não pode evitar um certo
“sentimento de frustração, de insatisfação de tudo e de todos”2, ma-
nifesta-se entre outras coisas na tendência a considerar a religião a
partir de uma ótica individual, como um “consumo” de experiên-
cias religiosas, em função das próprias necessidades espirituais de
cada um.
Sob essa ótica, fica difícil compreender em um Deus que é
Pessoa e que quer se relacionar com os seres humanos, mas uma
concepção bastante difundida, tempos atrás, também não o faci-
litava: ver a prática religiosa como uma “obrigação” ou um mero
dever exterior para com Deus. Nesse sentido, ilumina-nos o olhar
penetrante do beato John Henry Newman sobre a História: “Cada
século é como qualquer outro, e para quem vive nele parece pior
que todos os tempos antes dele”3.
O contexto no qual a fé cristã se desenrola atualmente tem
uma nova complexidade. Mas também hoje – como ontem – é pos-
sível redescobrir a força avassaladora de uma fé com Rosto, uma fé
que nos diz: você não está sozinho no mundo; há Alguém que quis
que você existisse, que lhe disse “Viva!” (cfr. Ez 16, 6) e que quer
vêlo feliz para sempre. O Deus de Jesus Cristo, que já foi criticado
por supostamente “ter diminuído o alcance da existência humana,
espoliando a vida de novidade e aventura”4, quer realmente que
7
tenhamos vida, e vida em abundância (cf. Jo 10, 10), ou seja, uma
felicidade que nada nem ninguém poderá tirar de nós (cf. Jo 16, 22).

Mistério de um Rosto e ídolos sem rosto


De modo especial no Ocidente, hoje, algumas pessoas consideram
espiritualidade e religião como realidades antagônicas. Veem na
“espiritualidade” autenticidade e proximidade – trata-se das suas
experiências, dos seus sentimentos – mas na religião enxergam
principalmente um corpo de normas e crenças que parecem dis-
tantes da realidade objetiva, vivida e palpável do dia a dia.
A religião aparece assim, talvez, como um objeto de interesse
histórico e cultural, mas não como uma realidade essencial para
a vida pessoal e social. Junto a outros fatores, isso pode se dever a
certas carências na catequese, porque, de fato, a fé cristã está cha-
mada a se fazer experiência na vida de cada um, como os encontros
interpessoais, a amizade, etc.
São Josemaria Escrivá disse: “Se não for um encontro pessoal
com Deus, a vida interior não existe”5. Esse encontro, no entanto,
não responde à lógica imediata do automático. Não se acessa uma
pessoa como se acessa um site, simplesmente clicando em um link;
nem se descobre verdadeiramente uma pessoa como se encontra
um objeto qualquer. Inclusive, quando parece que a descoberta de
Deus foi repentina, como acontece no caso de algumas conversões,
os relatos dos conversos costumam mostrar como aquele momento
se vinha preparando desde muito tempo antes, a fogo lento. O ca-
minho em direção à fé, como a própria vida do fiel, tem muito de
espera paciente. “Devemos viver à espera deste encontro!”6. As idas
e vindas da história da salvação – tanto as que estão relatados nas
Escrituras como as que vemos na atualidade – mostram que Deus
sabe esperar. Ele espera porque lida com pessoas. Mas também por
8
isso, porque é Pessoa, o homem deve aprender a esperar. “Por sua
natureza, a fé pede para se renunciar à posse imediata que a visão
parece oferecer; é um convite para se abrir à fonte da luz, respei-
tando o mistério próprio de um Rosto que pretende revelar-se de
forma pessoal e no momento oportuno”7.
O episódio bíblico do bezerro de ouro no deserto (cfr. Ex 32,
1-8) é uma imagem perene dessa impaciência dos homens para com
o Sagrado. “Enquanto Moisés fala com Deus no Sinai, o povo não
suporta o mistério do Rosto divino escondido, não suporta o tempo
de espera”8.
Assim entendemos as advertências insistentes dos profetas do
Antigo Testamento – que atravessam os séculos até hoje – sobre a
idolatria9. Certamente ninguém gosta de ser chamado idólatra: a
palavra tem uma conotação de irracionalidade que a torna pouco
conciliadora. Entretanto, é interessante observar que os profetas
dirigiam a palavra sobretudo a um povo de fé. Porque a idolatria
não é só nem principalmente um problema “dos povos” que não
invocam o Nome do Deus Vivo e Verdadeiro (cfr. Jr 10, 25): tende
a conquistar espaço também na vida do fiel, como uma “reserva”
caso Deus não preencha as expectativas do coração, como se Deus
não fosse suficiente. “Diante do ídolo, não se corre o risco de uma
possível chamada que nos faça sair das nossas próprias seguranças
[e zona de conforto], porque os ídolos ‘têm boca, mas não falam’
(Sl 115, 5). Compreende-se, assim, que o ídolo é um pretexto para
se colocar a si mesmo no centro de toda realidade, na adoração da
obra de nossas próprias mãos”10.
Esta é, portanto, a tentação: garantir um rosto, mesmo que não
seja mais que o nosso, como um espelho. “Em vez da fé em Deus,
prefere-se adorar o ídolo, cujo rosto se pode fixar e cuja origem é
conhecida, porque foi feito por nós”11. Torna-se impossível a busca
9
do Deus pessoal, do Rosto que quer ser acolhido. Prefere-se optar
por rostos que nós mesmos produzimos em nossas imaginações, e os
escolhemos: são deuses “personalizados”; deuses “de prata ou ouro,
de bronze, de ferro, madeira ou pedra, deuses que não enxergam,
não escutam, não entendem” (Dn 5, 23), mas que se submetem a
nossos desejos.

DEUS ESPERA PORQUE LIDA COM PESSOAS;


MAS TAMBÉM POR ISSO, PORQUE É PESSOA,
O HOMEM DEVE APRENDER A ESPERAR

Podemos viver agarrados a essas falsas seguranças durante um


tempo mais ou menos longo. Mas é fácil que um revés profissional,
uma crise familiar, um filho problemático ou uma doença grave
derrubem essa tranquilidade artificial. – “Onde estão os deuses que
para ti fizeste? Venham eles salvar-te na hora da aflição!” (Jr 2, 28)
– O homem então percebe que está só no mundo; como Adão e Eva
no paraíso depois do Pecado, descobre que está nu, suspenso no
vazio (cfr. Gn 3, 7).
“Chega sempre um momento em que a alma não pode mais,
em que não lhe bastam as explicações habituais, em que não a sa-
tisfazem as mentiras dos falsos profetas. E, mesmo que nem então
o admitam, essas pessoas sentem fome de saciar a sua inquietação
com os ensinamentos do SENHOR”12.

O Deus pessoal
Em que sentido o cristianismo pode superar as insuficiências dos
ídolos e saciar essa inquietação? Enquanto que para outras religiões
ou espiritualidades “Deus permanece muito distante, parece que
não se deixa conhecer, não se deixa amar”13, o “Deus dos cristãos”
se fez ver: “Vemos Deus no rosto de Cristo, Deus fez-se ‘conheci-
10
do’”14. O Deus cristão é o Alguém por quem o coração humano sus-
pira. E Ele mesmo veio nos mostrar seu rosto: “o que ouvimos, o que
vimos com os nossos olhos, o que contemplamos e o que as nossas
mãos apalparam da Palavra da Vida (...), isso nós vos anunciamos”
(1 Jo 1, 3). Quando todas as seguranças humanas falham, quando a
vida e seu sentido tornam-se incertos, entra em cena o “Verbo da
vida”. Quem o rejeita fica prisioneiro da sua própria necessidade de
amor15. Quem abre portas para Ele e decide não confiar em suas
próprias seguranças ou no seu desespero, quem se reconhece dian-
te d’Ele como um pobre doente, um pobre cego, um pedinte, este
pode descobrir a sua Face pessoal.
Mas então, o que significa que Deus é Pessoa, que tem rosto?
E, principalmente, essa pergunta faz sentido? Quando Filipe pede a
Jesus que lhes mostre o Pai, o Senhor responde: “Quem me viu, viu
o Pai” (Jo 14, 9). O fato de que Deus se tenha feito homem em Jesus,
de que através de sua humanidade tenha se manifestado Deus em
Pessoa – evento que é o próprio centro da fé cristã– mostra que essa
pergunta não designa uma ilusão, mas que tem uma meta real.
No entanto, se Deus tem uma Face pessoal, e se Ele se revelou
em Jesus Cristo, por que se esconde do nosso olhar? Daríamos tudo
para poder vê-lo andar pelas ruas, ouvir o timbre da sua voz, pene-
trar o seu olhar, sentir o seu poder, perceber com uma experiência
mais íntima quem é Ele realmente; por que Deus continua a se es-
conder em seu Mistério, mesmo depois de ter vindo ao mundo? Na
verdade, o Gênesis – que não só fala sobre as origens, mas também
sobre os próprios eixos da História – mostra que é o homem quem
se esconde de Deus pelo pecado (cfr. Gn 3, 9-10).
Contudo, imaginemos: se Jesus estivesse ainda na Terra, nos-
sa relação com Ele seria realmente mais pessoal? Ora, cada cristão
devoto teria, no máximo, poucos instantes de vida para estar com
11
Ele. Umas palavrinhas e talvez uma foto, como se faz com as cele-
bridades… Se admitirmos, pois, que Deus se esconde, pode-se dizer
que Ele o faz precisamente porque quer estabelecer uma relação
pessoal com cada um que o busca: de Tu a tu, de coração a Coração.
Na relação com Deus acontece, do modo mais intenso possível, algo
que é próprio das relações pessoais: nunca acabamos de conhecer
totalmente o outro; é necessário buscá-lo. “Sim, por trás dos povos
te busco. / Não em teu nome, se o dizem, / não em tua imagem, se
a pintam. / Por trás, por trás, além”16.
“Quem me viu, viu o Pai” (Jo 14, 9). O fato de que Deus tenha
se encarnado faz da personalidade humana um caminho apropria-
do para se aproximar do Mistério do Deus pessoal. De fato é o único
caminho, porque não conhecemos de modo direto nenhum outro
modo de existência pessoal. Ao percorrê-lo, no entanto, é neces-
sário evitar o antropomorfismo, que é a tendência a descrever um
Deus à medida do homem, algo como um ser super ser humano,
um ser humano aumentado, perfeito. Já o próprio fato de que Deus
seja Trindade de Pessoas mostra como o seu Ser pessoal está além
dos limites da nossa própria existência; mas isso não nos impossi-
bilita de tentar uma aproximação do seu Mistério, fazendo uso das
asas da fé e da razão17.
Retomemos, pois, a pergunta: “O que significa ser pessoa?”.
Uma pessoa se distingue dos seres não pessoais. Ela “se possui a si
mesma pela vontade e se compreende perfeitamente pela inteli-
gência: é a transcendência de um ser que pode dizer ‘eu’”18.
Deus é, como dizia também Santo Agostinho com uma ex-
pressão de uma profundidade e beleza difíceis de superar, interior
intimo meo: Está mais profundamente dentro de mim do que eu
mesmo19, porque se encontra na origem mais profunda do meu ser.
Foi Ele quem pensou em mim, e nunca mais deixará de fazê-lo.
12
DEUS ESTÁ MAIS PROFUNDAMENTE DENTRO DE
MIM DO QUE EU MESMO, PORQUE SE ENCONTRA
NA ORIGEM MAIS PROFUNDA DO MEU SER

Precisamente aqui aparece uma fronteira decisiva entre nos-


so ser pessoal e o Ser de Deus. A nossa existência é radicalmente
dependente de Deus: existimos porque Ele quis; nosso ser está em
suas mãos.
“No início da filosofia ocidental, aparece repetidamente a
questão do arché, o princípio de todas as coisas, e são dadas res-
postas profundas e variadas. Mas, no fim de todas as construções,
elaborações e construções mentais complicadas, só há uma resposta
possível: perceber pela verdadeira Religião que o meu princípio está
em Deus. Digamos melhor: na Vontade de Deus dirigida a mim, do
que hei de ser, e ser o que sou”20. Deus decidiu que eu exista e seja
como sou, descontados os meus pecados; por isso posso me aceitar
e me considerar um bem. É o que acontece cada vez que o filho se
13
descobre amado por seus pais, cada vez que um olhar, um sorriso,
um gesto lhe diz: “Para mim é bom que você exista!”21: esse filho
se reconhece inteiramente dependente – e ao mesmo tempo amado
sem reservas. Os pecados? São como a sujeira e manchas de lama na
roupa de quem brincou uma tarde inteira a se sujar no quintal, que
é o mundo. A criança pode estar imunda e malcheirosa: será preciso
lavá-la; mas nem por isso a mãe a amará e desejará menos. Ao me-
nos assim é com os pecados (veniais) daqueles que, apesar de ainda
tropeçarem, amam verdadeiramente a Deus sobre todas as coisas.

***
Reconhecer que eu não sou a minha origem, portanto, não
supõe simplesmente aceitar a minha finitude: essa é uma conclusão
superficial das coisas. Na realidade, significa me abrir à infinitude
de Deus; significa reconhecer que “do ponto de vista da minha exis-
tência, somos dois. Minha existência é, em sua própria essência, re-
lação. Só subsisto porque sou pronunciado por outro. Reconhecer
essa dependência absoluta é simplesmente ratificar o que sou. Só
existo porque sou amado. E existir será, para mim, por minha vez,
amar, corresponder à graça com a ação de graças”22.
A Revelação cristã nos dá a conhecer a um Deus que se rege
por essa lógica. Um Deus que cria por Amor, por uma superabun-
dância de Amor. Mais: um Deus que é Amor. E precisamente no
encontro com Ele descobrimos o nosso rosto pessoal: descobrimos
quem somos.

A Face de Deus
“Não somos o produto casual e sem sentido da evolução – indica-
va Bento XVI ao ser eleito para a sede de Pedro. Cada um de nós
14
é o fruto de um pensamento de Deus. Cada um de nós é querido,
cada um de nós é amado, cada um é necessário”23. Essa realidade
não é simplesmente objeto da captação intelectual. Em outras pa-
lavras, não basta dizer: “Concordo, entendi”. É mais que mero co-
nhecimento, é uma faísca que acende a vida inteira: dá uma visão
do cristianismo que supera e muito a de um sistema intelectual e
transforma a vida a partir da sua raiz.

RECONHECER QUE EU NÃO SOU MINHA ORIGEM


SIGNIFICA ME ABRIR À INFINITUDE DE DEUS;
RECONHEÇO QUE EXISTO PORQUE SOU AMADO

Com essa nova visão, a oração adquire um lugar central na


existência, tal como vemos na vida de Jesus. Ao contrário de algu-
mas concepções que desfiguram seu sentido, a oração não consiste
em um esvaziamento de si, nem em um acatamento servil de uma
vontade alheia. A oração é, em primeiro lugar, descobrir que es-
tamos com Deus: um Alguém vivo, diferente de mim mesmo; Al-
guém em quem descubro realmente quem sou, em quem descubro
o meu verdadeiro rosto.
Ao nos reconhecermos criados por Deus, portanto, não nos
sentimos negados, mas precisamente afirmados. Alguém disse para
nós: “É bom que você exista!”. E esse Alguém, indo muito além
disso, o ratificou e definiu para sempre ao dar sua própria vida por
cada um de nós. A alternativa diante de Deus não é submeter-se
ou rebelar-se, mas fechar-se ao Amor ou, simplesmente, deixar-se
amar para corresponder amando. Nossa Origem é o Amor, e para o
Amor fomos escolhidos e chamados por Deus. Por isso, quando no
Céu “vejamos o rosto de Deus, saberemos que sempre o conhece-
mos. Formou parte, fez, sustentou e moveu, momento a momento,
desde dentro, todas as nossas experiências terrenas de amor puro.
15
Tudo o que era nelas amor verdadeiro, ainda na Terra era mais seu
do que nosso, e só era nosso por ser seu”24.

________________________
1. Bento XVI, Homilia, 21-VIII-2005.
2. Ibidem.
3. J. H. Newman, Lectures on the Prophetical Office of the Church, Londres 1838,
p. 429.
4. Francisco, Enc. Lumen Fidei, 29-VI-2013, n. 2.
5. É Cristo que passa, n. 174.
6. Francisco, Audiência geral, 11-X-2017.
7. Francisco, Lumen Fidei, n. 13.
8. Ibidem.
9. Cf., por exemplo, Ba 6,45-51; Jr 2,28; Is 2,8; 37,19.
10. Francisco, Lumen Fidei, n. 13.
11. Ibidem.
12. Amigos de Deus, n. 260
13. Bento XVI, Lectio divina, 12/02/2010.
14. Ibidem.
15. Cfr. U. Borghello. Liberare l’amore, Milano, Ares 2009, p. 34.
16. P. Salinas, La voz a ti debida en Poesias completas, Barral 1971, p.223.
17. Com a imagem das “asas” se refere S. João Paulo II à fé e à razão, no início de
sua encíclica Fides et Ratio (14/09/1998).
18. J. Daniélou, Deus e nós, Cristiandad, Madrid 2003, p. 95 (destaque nosso).
19. Santo Agostinho, Confesiones III.6.11.
20. R. Guardini, La aceptación de sí mismo – Las edades de la vida, Guadarrama,
Madrid 1962, p. 29.
21. Esta é a definição que dá do amor J. Pieper em sua conhecida obra Las Virtudes
fundamentales, Rialp, Madrid 2012, pp. 435-444.
22. J. Daniélou, Dios y nosotros, p. 108.
23. Bento XVI, Homilia da Missa de início do pontificado, 24-IV-2005.
24. C. S. Lewis, Os quatro amores, Martins Fontes.
________________________
Adaptado de 'Buscarei, Senhor, o teu rosto: a fé no Deus pessoal', do portal do
Opus Dei no Brasil, disp. em:
opusdei.org/pt-br/document/buscarei-senhor-o-teu-rosto-a-fe-no-deus-pessoal/
Acesso 10/5/2018
16
PROGREDIR
NA VIDA ESPIRITUAL
Um guia para a vida de
santidade baseado na obra
de Frederick Willian Faber

A
vida espiritual de cada pessoa humana nesta Terra é
toda cheia de contradições. Muita gente estranha essa
afirmação, mas isso quer dizer, em outras palavras, que
a natureza humana é decaída.
Uma das maiores aparentes contradições, e talvez das mais
difíceis de manejar, é a seguinte: na espiritualidade, por um lado é
importantíssimo termos um profundo conhecimento de nós mes-
mos e, ao mesmo tempo, ocuparmo-nos muito pouco com nossa
própria pessoa, o que não é muito fácil de conciliar.
Por um lado, nenhum conhecimento nos pode ser mais útil
do que saber a situação em que estamos perante Deus. Tudo de-
pende disso. É essa, para nós, a ciência das ciências, mais do que
a ciência do bem e do mal que tão violentamente tentou Adão e
Eva. Se estamos bem com Deus, tudo está bem conosco, ainda
que as mais pavorosas adversidades nos cerquem. Se não estamos
bem com Ele, nada está bem conosco, ainda que esteja aos nossos
pés e à nossa disposição tudo o que o mundo possui de melhor, os
maiores luxos, prazeres, pompas e honras possíveis nesta vida.
É natural que desejemos saber se progredimos na vida espiri-
tual, nada havendo de mal e nem de imperfeito nesse desejo, desde
que não seja demasiado. Seria para nós uma imensa consolação
acreditar que avançamos bem, que nos adiantamos no Caminho.
Se, pelo contrário, tivermos bons motivos para crer que alguma
outra coisa, um outro aspecto de nossas vidas vai mal, será sem
dúvida uma segurança e uma garantia saber que não andamos nas
trevas na matéria que nos toca mais de perto que qualquer outra: a
comunhão com Deus.
Não podemos, no entanto, por mais que o desejemos –, e isso
é algo muito, muito importante, porque por não saber disso vidas
se perdem –, ter completo conhecimento do nosso progresso na
vida espiritual. Isso é assim tanto pelas razões que pertencem so-
mente a Deus quanto pelas nossas próprias.
Deus, por razões que só Ele conhece, prefere ocultar seus
desígnios. Já nós, costumamos permitir que nosso amor próprio
e/ou vaidade exagerem o pouco que fazemos. Nem sabemos, com
certeza, se estamos em estado de graça. Trazemos e até acalenta-
mos, via de regra todos nós, “degredados filhos de Eva”, em nossas
almas, uma quantidade de pecados secretos, alguns que podería-
mos chamar “pecados de estimação” dos quais não aceitamos nos
separar, e, de fato, não devemos estar nunca totalmente tranquilos
nem mesmo quanto aos pecados que consideramos perdoados.
Há meios equivocados – e de morte – na tentativa de adqui-
rir esse conhecimento quanto ao nosso progresso espiritual, que
os corações dos impacientes e dos ansiosos procuram. A verdade
é que todo desejo, até mesmo aqueles aparentemente sadios, que
não for rigorosamente disciplinado e firmemente subjugado, tor-
na-se, com o tempo, exagerado e desregrado e então sabe encon-
trar, com astúcia fatal, os meios mais funestos de se satisfazer a si
próprio. Quando falamos do desejo de conhecer nosso progresso
na via espiritual, um desses meios é importunar nossos diretores
espirituais para saber qual a opinião que eles têm a nosso respeito.
E via de regra isto os repugna, porque eles não querem parecer
soberbos nem passar a impressão de que são possuidores de dons
sobrenaturais: de fato, assim são os espíritos verdadeiramente em-
penhados e/ou avançados nas conversões e nas vias espirituais au-
tênticas, e eles costumam saber que tal conhecimento raras vezes
nos favoreceria.
Quando nossos artifícios fracassam, procuramos nós mesmos
sinais artificiais da nossa estatura espiritual, como crianças que na
praia fincam paus na areia para marcar o limite da maré... Erramos
e teimamos –, é humano –, e, tanto mais erramos, mais teimamos.
O resultado final, claro, é a ilusão. Ainda quando não procu-
ramos conhecer o nosso estado interior por um desses meios fal-
sos, fazemos o que é igualmente incorreto, afligindo-nos constan-
temente sobre o assunto, o que nos expõe a perdermos bênçãos e
graças a quase a toda hora. Em verdade, com o nosso progresso
19
na Graça dá-se o mesmo que com a hora da nossa morte, por não
ser para o nosso bem termos conhecimento claro e exato de um
ou de outro.
Já é bem difícil que nos conservemos humildes, mesmo quan-
to os defeitos se manifestam claros e visíveis, e o pouco bem que
há em nós seja quase imperceptível. Que seria, então, se estivésse-
mos de fato crescendo em graça e dando passos largos no Amor
de Deus? De certo, quanto menos soubermos deste progresso,
tanto mais fácil será conservarmos a humildade. De mais a ausên-
cia desse conhecimento nos torna mais dóceis e obedientes, tanto
às inspirações do Espírito Santo quanto aos conselhos dos direto-
res espirituais, pois, assim como a ignorância dos seus males torna
os doentes submissos para com o médico, assim também sucede
na vida espiritual em relação à ignorância sobre nosso progresso.
E quanto é necessária a esse progresso a dupla obediência às ins-
pirações e à direção!
Essa incerteza, em si, é um perpétuo estímulo de maior ge-
nerosidade para com Deus. O grande inconveniente, pois, de uma
excessiva introspecção é que os nossos olhos exageram o que há
em nós de bom.
Quem conserva o olhar sempre fito no coração, tem uma
esquisita e exagerada noção do que faz por Deus. E é justamente
a desproporção entre a grandeza do que Deus fez por nós e do
Espírito de Amor paternal com que o faz, e a insignificância do
que nós fazemos por Deus e o espírito de mesquinhez com que o
fazemos, que nos leva a desejar com ânsia amá-lo mais e trabalhar
com maior abnegação por ele. Daí concluo que não seria em nos-
so proveito saber certa e exatamente quão adiantados estamos no
caminho da perfeição.
Um certo conhecimento do nosso estado é, todavia, possível,
desejável e mesmo necessário, enquanto for desejado com mode-
20
ração e procurado com reta intenção. Carecemos de consolo em
tão difícil e duvidosa batalha, e não estamos ainda suficientemente
desapegados para não encontrar consolação especial no conheci-
mento claro das operações da Graça em nossas almas. Não pode-
mos ser muito dados à oração, sem termos algum conhecimento
do proceder de Deus para conosco; e, na verdade, se não souber-
mos quais as graças que Deus nos dá, não lhes poderemos corres-
ponder. Assim, certa soma de conhecimentos nos é absolutamente
necessária para continuarmos a luta dos cristão, e os meios lícitos
de adquiri-los são a oração, o exame de consciência e as admoesta-
ções espontâneas do diretor espiritual.
O conhecimento, então, do nosso estado espiritual, é árduo
e arriscado. O menor conhecimento que nos possa satisfazer é o
bastante, porque é muito difícil procurálo com retidão e usá-lo com
moderação. Não podemos, porém, dispensá-lo de todo, ainda que
sua importância varie segundo a condição espiritual do indivíduo.
É importante, pois, termos uma noção clara no tocante à
condição da vida espiritual em que atualmente nos encontramos.
Quem se converte, quem retorna a Deus e começa vida nova, faz
penitência dos pecados e abjura as falsas máximas que até então
observara. Sente-se outro para com Deus, para com o Senhor Je-
sus Cristo; entrega-se a certas práticas de mortificação; obriga-se
a certas observâncias religiosas; põe-se sob a obediência de um
diretor espiritual. Então sente os primeiros fervores, é ajudado
pela prontidão sobrenatural em tudo o que se refere ao serviço de
Deus, pela doçura sensível na oração, pela alegria na recepção dos
Sacramentos, por um gosto novo pela penitência e pela humildade,
por uma facilidade para a meditação, e às vezes pela cessação total
ou parcial das tentações.
Esses primeiros fervores podem durar semanas, ou meses,
ou um ano ou mesmo dois, mas depois sua obra está feita. Cor-
21
respondemos mais ou menos fielmente. Tais fervores têm suas
características próprias, suas peculiaridades, seus sintomas, suas di-
ficuldades. Têm um feitio particular e necessitam de uma direção
especial, que não conviria de outra forma. Agora já passaram e
estão fora do nosso alcance. Iremos encontra-los de novo no dia
do Juízo, e não antes.
Mas onde nos deixaram eles? No começo de uma fase da
vida espiritual, numa época muito penosa e crítica. O mero desa-
parecimento do fervor, que não foi senão um favor temporário,
deixa-nos submersos em um desagradável sentimento de tibieza.
As características trevosas desse estado atual nos levam a crer que
estamos mais abandonados a nós mesmos que outrora. A Graça
parece que nos ajuda menos. O natural volta, quando o fervor que
o dominava nos deixa, e vibra com vivacidade espantosa. Sentimos
que o nosso apoio agora está no brio e na honestidade dos pro-
pósitos da vontade; sentimo-nos menos protegidos pelos vários
recursos da vida sobrenatural.
As orações tornam-se mais áridas. O terreno que cavamos é
mais duro e pedregoso. O trabalho perde o encanto à medida em
que se torna mais penoso. A perfeição nos parece menos fácil e a
penitência, insuportável.
É chegado, então, o momento da coragem e a hora da prova
do nosso valor real. Começamos a viajar nas regiões centrais da
vida espiritual, e estas são, na sua maior parte, regiões áridas, como
de deserto. É aqui que tantos voltam atrás, sendo rejeitados por
Deus como santos em potencial mas que não deram certo, almas
de vocações inutilizadas.
A alma a quem nos dirigimos agora já chegou a esse ponto,
e caminha custosamente, queimada pelo sol, castigada pelo vento,
pelo fio da noite, tem lama até os tornozelos, anda desesperada
pela escassez das nascentes d’água fresca, queixosa pela falta de
um abrigo quieto e aconchegante, inclinada a parar e desistir do
Caminho e da obra, por julgá-la já impossível.

Pelo infinito Amor que é Deus, não se entregue ao desânimo,


ou tudo estará perdido.
Sei que você pensa que se ao menos soubesse que está avan-
çando, que se pudesse realmente crer que está fazendo progressos,
então forçaria suas pernas cansadas a prosseguir. Bem, dois valem
mais do que um, diz a Sagrada Escritura. Pois então, vamos traba-
lhar juntos durante algum tempo, durante a leitura destes artigos,
falando dos nossos obstáculos – eu, o seu diretor, também os te-
nho, e muitos! – e dos meios que temos para superá-los.
Não somos os santos perfeitos ou progredidos que quería-
mos ser, isso já sabemos. Faz-se necessário também um exercício
de humildade e o reconhecimento maduro de que já não aspira-
mos, talvez, às alturas alcançadas pelos grandes santos e, portanto,
não devemos tomar as liberdades dos grandes santos. As nossas
lições, para que sejam de fato frutuosas e não fantasias de crianças,
23
devem ser sóbrias, seguras, simples. Não devemos nem voltar atrás
e nem parar no meio do Caminho.
Então, estamos progredindo? Infelizmente, no caminho ce-
leste não há placas nem demarcações pelas quais possamos medir
as distâncias; só há trilha e horizonte aparentemente sem fim. Co-
ragem! Vamos indicar, a partir daqui, cinco sinais de progresso. Se
você tiver um, está bem; se dois, melhor; se três, ainda melhor; se
quatro, ótimo. Se tiver os cinco, alegre-se sumamente.

1. Está você descontente com o seu estado atual, qualquer que


seja, e anseia por algo de melhor e de mais elevado?
Se a resposta for “sim”, então há razão para ser grato a Deus;
esse descontentamento é um dos seus melhores Dons, e sinal evi-
dente de que realmente estamos progredindo na vida espiritual.
Devemos nos lembrar, porém, que esse descontentamento deve
ser de natureza a aumentar nossa humildade, e não a causar uma
inquietação de espírito nos exercícios espirituais. Deve consistir em
um desejo impaciente de adiantamento na santidade, acompanha-
do de profunda gratidão pelas graças passadas e grande confiança
nas futuras, e de um sentimento de viva indignação pela quantida-
de muito maior de graças recebidas do que correspondidas.

2. Pode parecer estranho, mas é sinal de progresso estar sempre


a tentar novos esforços. O grande santo Antônio fazia a perfei-
ção consistir nisso. Para pessoas que confundem novos esforços
na vida devota com o incessante levantar e recair dos pecadores
habituais, parece, por ignorância, motivo de desânimo. Não de-
vemos confundir esses esforços contínuos e sempre novos com
a inconstância que tantas vezes leva à dissipação e nos retêm no
caminho do Céu. Esses esforços visam coisa mais alta e, portanto,
mais árdua, enquanto a inconstância está cansada do jugo e procu-
24
ra conforto e variedade. Nem tão pouco consistem esses esforços
em mudar de livros espirituais, de penitências ou métodos de ora-
ção, muito menos de diretores. Consistem principalmente em duas
coisas: primeiro, em renovar a intenção de querer a maior glória de
Deus, por amor; segunda, reanimar o fervor.

3. É também sinal de progresso na vida espiritual o termos em


vista algo de determinado, como seja envidar esforços para ad-
quirir certa virtude, emendar certo defeito ou praticar certa peni-
tência. Tudo isso é prova de diligência e também indício do vigor
da Graça em nós. Se não atacarmos um ponto particular da linha
do inimigo, dificilmente será uma batalha. Se atirarmos sem alvo,
só resultará barulho e fumaça. Não é provável que progridamos
se caminharmos a esmo, sem um fim claramente escolhido e sem
empregar os devidos esforços e atividade para alcançá-lo, depois
de o ter conscienciosamente escolhido.

4. Mas é ainda maior sinal de progresso termos na alma a firme


convicção de que Deus quer algo de nós em particular. Estamos
certas vezes cientes de que o Espírito Santo nos está atraindo em
uma direção de preferência a outra; de que Ele deseja a remoção de
certo defeito ou quer que nos encarreguemos de alguma obra pia.
Os escritores espirituais chamam a isto “atração”. Para alguns
será uma atração perseverante que dura toda a vida. Para outros
muda constantemente. Para muitos é tão obscura que só a per-
cebem de vez em quando; para outros, enfim, parece não haver
chamado especial1. Quando essa atração se alia a um ativo conhe-
cimento próprio e a uma constante vigilância na oração interior, é
____________________________________________________________________
1. Madre de Blonay notou que aqueles a quem Deus destina a passar gran-
de parte da vida como superiores de comunidades, não sente pela maior
parte uma atração particular, pois oque o Espírito Santo deseja formar
nessas almas é um espírito universal.
25
um grande dom de Deus pelas imensas facilidades que proporcio-
na para levar a alma à perfeição; assemelha-se quase a uma reve-
lação especial. Sentir, pois, com sóbria reverência, essa atração do
Espírito Santo, é sinal de progresso. Todavia convém lembrar que
ninguém deve se inquietar pela ausência de tal sentimento, que não
é nem universal nem indispensável.

5. Aventuro-me também a dizer que certo desejo geral, e cada vez


mais crescente, de adiantamento na perfeição, não deixa de ter
certo valor, como sinal de progresso, e isso, apesar do que tenho
dito da importância de visar determinado objetivo. Acho que não
estimamos bastante esse desejo geral da perfeição. Naturalmente
não nos devemos deter nele, nem nos contentar unicamente com
ele. Só nos é dado para prosseguirmos.
Quando, porém, consideramos o quanto ainda se apegam ao
mundo a maioria dos bons cristão e quão espantosa é a sua ce-
gueira pra com os interesses de Jesus e quão inacessíveis são a
princípios sobrenaturais, devemos confessar que esse desejo de
santidade vem de Deus, que é um grande dom e que muita coisa
de consequência superior est´[a nele compreendida. Deus seja lou-
vado por toda alma no mundo que tem a felicidade de possui-lo.
É quase inconsistente com a tibieza, o que não é, em sim
pequena recomendação; e embora possamos subir e ir além desse
mero desejo, ainda assim ele continua a ser uma condição indis-
pensável para atingir o que lhe fica acima.
Não devemos, entretanto, ignorar os perigos inerentes. Tudo
desejo sobrenatural recebido e não correspondido praticamente
nos deixa em pior estado do que nos encontrou. Para ficarmos
seguros, devemos proceder sem demora, transformando o desejo
em ato: oração, penitência, ação zelosa; nunca, porém, precipitada-
mente ou sem tomarmos bom conselho.
26
Aí temos, pois, cinco sinais mais ou menos prováveis de pro-
gresso e nenhum está tão acima da inteligência que não esteja ao
alcance do mais fraco dentre nós. Não quero dizer, todavia, que
a existência desses sinais implique que tudo esteja certo na nos-
sa vida espiritual; mas mostra que estamos vivos, adiantando no
caminho da Graça. Possuir qualquer desses sinais é possuir algo
de inefável, algo de mais preciosos que tudo que nos possa dar a
Terra de melhor e mais elevado. Insisto: se temos um desses sinais,
está bem; se dois, melhor; se três, melhor ainda; se quatro, ótimo.
Se tiver os cinco, alegre-se sumamente.
Ora, veja! Já caminhamos um pouco. Penetramos mais adian-
te no deserto, e se não menos cansados, pelo menos um pouco
mais animados.

27
DA QUEDA DO HOMEM,
DA NATUREZA HUMANA
E DA MISERICÓRDIA
INFINITA DE DEUS
O texto a seguir, uma livre adaptação do capítulo I da obra 'This Tremendous Lover',
de Dom Eugene Boylan, OCR (1904-1964) aborda questões teológicas fundamentais
com base na interpretação clássica (literal) das narrativas do AT, notadamente do rela-
to da Criação do Livro do Gênesis. Atualmente, como se sabe, a quase totalidade dos
teólogos, assim como o Magistério da Igreja, admitem a interpretação dos personagens
Adão e Eva mais como a personificação analógica da humanidade primitiva, já que
o próprio estudo da filologia demonstra que "Adão" e "Eva" não são necessariamente
nomes prórios de pessoas históricas. Sem abrir mão da fé primordial de que fomos
criados por Deus e por Vontade divina –, tenha sido ou não a partir da criação de um
casal primordial –, a Igreja deixa para a pesquisa científica as investigações das realida-
des pré-históricas. O Livro do Gênesis, evidentemente, usa de linguagem figurada ou
parabólica em divrersos trechos para nos revelar verdades espirituais muitíssimo mais
profundas do que a mera narrativa literal de acontecimentos primais. Deus pode ter
criado o ser humano, homem e mulher, servindo-se da evolução da matéria até chegar
ao grau de complexidcade dos organismos humanos –, o que, alíás, concorda com a
ordem do surgimento dos seres vivos dada pela Bíblia –, e isso em nada diminui a fé
cristã ou a inerrância da Bíblia Sagrada.
“N
o princípio”, diz-nos S. João, “era o Verbo, e o Verbo estava
com Deus e o Verbo era Deus” (Jo 1,1). Todas as coisas co-
meçaram com Deus que, Ele próprio, não tem princípio,
pois existe desde sempre.
Nossa vida neste mundo é limitada em muitos sentidos, e também nós
só podemos compreendê-la, em suas diversas dimensões, muito imperfeita-
mente, pois ela nos chega pouco a pouco, um dia de cada vez, sucessivamen-
te, e não toda de uma vez. Temos de esperar que a um momento se suceda
outro momento, assim como as contas do Rosário que passam através dos
dedos das pessoas devotas.
Mas a vida de Deus é ilimitada em todo sentido; Ele a possui toda, de
uma vez, ontem hoje e amanhã como uma só coisa completa, perfeita, fina-
lizada. O Ser supremo existe por Si mesmo, é infinito sob todos os aspectos,
infinitamente "feliz", pleno e completamente suficiente a Si mesmo. Nem
podemos julgar que Ele se sinta só, pois, além de em Deus existir a Trindade
de Pessoas divinas, n'Ele repousa e tem seu início e seu fim toda a diversida-
de de vida que conhecemos e que não conhecemos.
No conhecimento humano, podemos distinguir um entendimento
que conhece, um objeto que é conhecido e uma ideia que representa, na
mente, o objeto conhecido. Existe sempre, porém, uma grande diferença
entre a ideia e o objeto a que ela corresponde. No conhecimento divino,
todavia, há a perfeição. Deus conhece-se a Si mesmo, e seu conhecimento é
tão perfeito que corresponde exatamente ao objeto conhecido. A Ideia, ou
o “Verbo”, como diz S. João, que Deus tem de Si mesmo é tão perfeita que é
o próprio Deus: a segunda Pessoa da Santíssima Trindade; o Verbo é Deus.
Não há “dois deuses”, mas há duas Pessoas em um só e único Deus, o Conhe-
cedor e o Conhecimento: o Pai e o Filho. Estes Dois são Um só Deus.
Em Deus existe também Vontade e Entendimento, e Deus se ama de
acordo com o seu conhecimento. O Amor mútuo do Pai e do Filho é perfeito,
e esse Amor é também uma Pessoa: a Terceira Pessoa da Santíssima Trinda-
de, a quem chamamos Espírito Santo. Estas Três Pessoas são Um só Deus.
Falha-nos a linguagem; nossos idiomas, bem como nossa capacidade
intelectual, são insuficientes para que possamos falar da Vida e da Felici-
dade da Santíssima Trindade, que tudo compartilha sem nada dividir, pois
cada uma das Três Pessoas é o mesmo Deus – pois existe um só Deus. Sua
29
união de amor é tão íntima que essas três Pessoas têm uma só natureza, uma
existência, uma vida. Tudo lhes é comum, ainda que cada uma tenha aquilo
que poderíamos chamar sua "personalidade" distinta.
Em resumo, a Vida de Deus é uma União extática de conhecimento e
amor – felicidade completa e sem fim. Deus não tem necessidade de qual-
quer outra coisa; sua realização, plenitude e felicidade são de tão elevado
grau que nada as poderia aumentar.
Apesar disso Ele decidiu, em sua infinita bondade, compartilhá-las
com mais alguém. E foi assim que nos criou, tirando-nos do nada, ou do
que era não Deus. Deus não poderia, sem contradição, agir por qualquer
motivo que não fosse Ele próprio. Sendo a Verdade Infinita, Deus não nega
sua própria supremacia. Entretanto, ao idealizar o plano de toda a criação
para sua própria glória, decidiu glorificar-se a Si próprio, tornando felizes as
suas criaturas. E quando essas criaturas se revoltaram contra os seus planos,
Ele foi mais longe em sua bondade e dispôs as coisas por forma a encontrar
sua glória na sua misericórdia. É esse um princípio fundamental que nunca
deve ser esquecido: Deus criou o mundo para sua própria glória, mas glori-
fica-se nesta vida pela sua misericórdia.
Os anjos eram puros espíritos, independentes da matéria, dotados de
poderes essenciais de conhecer e amar, uma vez que esses poderes perten-
cem a todos os seres racionais. O Universo material foi criado em primeiro
lugar, sem vida de qualquer espécie; a seguir, vieram as formas mais baixas
de vida, a que chamamos vida vegetativa, composta de seres com o poder de
crescer e reproduzir-se. Seguiu-se-lhe a criação dos animais, seres que têm
o poder de sensação e o que se pode chamar de apetite sensitivo, além dos
poderes de que são dotadas as plantas. Por fim, Deus criou o homem como
indivíduo único, chefe da raça humana, mas nele manifestou a sua bondade
de modo especial.
A essência da natureza humana compõe-se de duas partes: animali-
dade e racionalidade. O homem encontra-se, assim, em posição única no
Universo, porque participa, de todas as formas, da natureza de todas as cria-
turas: o seu corpo é feito de matéria, como o resto do universo; alimenta-se
e cresce como indivíduo, e multiplica-se como raça do mesmo modo que
as plantas; compreende com os sentidos e experimenta desejos sensitivos,
como os animais irracionais, e participa até da natureza dos anjos, porque
30
é um ser racional dotado de entendimento e vontade. Numa palavra, pode
conhecer e pode amar, e nisso até se assemelha a Deus.
Mas essa mesma complexidade da sua natureza pode conduzi-lo a
dificuldades, porque a natureza animal, no homem, tem conhecimento e
desejos próprios que podem opor-se e mesmo antecipar-se às decisões da
sua natureza intelectual mais elevada, a qual deve regular suas ações. Além
disso, essa complexidade poderia significar que a vida corpórea do homem
teria de acabar, pois ele não é, por sua natureza, imortal. Foi no que diz res-
peito a estes dois pontos que Deus mostrou a sua bondade: porque, na cria-
ção do homem, Deus não se mostrou satisfeito em dotá-lo com a perfeição
de tudo o que a natureza humana exigia, mas foi além, acrescentando dois
privilégios. O primeiro, o privilégio da imunidade da morte; o outro foi o
que é conhecido como dom da integridade.
Para compreender este último privilégio, temos de partir do princípio
de que, sendo animal, o homem é dotado do poder de conhecimento dos
sentidos e pode experimentar desejos do que é agradável aos mesmos. Pode
desejar alimentos ou prazer, pode exaltar-se; está, na realidade, sujeito a
todas as paixões animais. Ora, esta vida dos sentidos, no homem, procura o
seu próprio bem, que não é de forma alguma idêntico ao bem real indicado
pelas suas faculdades racionais. Pode, assim, surgir um conflito no próprio
ser do homem, como diz S. Paulo: “A carne tem desejos contrários ao espi-
rito” (Gl 5,17) – e poderá tornar-se necessário um grande e penoso esforço
para assegurar a devida supremacia da razão.
Adão e Eva foram ainda dotados de outro privilégio: o da “integrida-
de”, em virtude do qual sua razão tinha domínio completo sobre sua nature-
za animal; não podiam ser arrastados pelos desejos dos sentidos para ações
irracionais, e o seu juízo não podia ser enganado pelas paixões. Tinham do-
mínio completo sobre si mesmos, e a sua natureza operava em completa
harmonia e devidamente subordinada às suas faculdades mais elevadas.
Mas a benignidade de Deus nem então se mostrou satisfeita. Toda a
criação está cheia de sua misericórdia e, na própria formação de Adão e Eva,
sua bondade generosa e sua misericórdia manifestaram-se magnificamente.
Não contente em fazê-lo participar de toda a natureza criada, Deus dignou-
-se a erguer o homem até o fazer participar da sua própria natureza divina.
É certo que esta participação da Natureza de Deus não converte o homem
31
em Deus; o homem não participa da natureza divina como participa, por
exemplo, da natureza animal; a mudança nele operada por esta participação
é mais acidental que substancial; mas, ainda assim, o homem foi elevado à
ordem sobrenatural, foi-lhe dada uma vida que está muito acima do seu fim
e poderes naturais; foi elevado ao estado da Graça Santificante.
Poderiam-se escrever muitas páginas sobre esta matéria, mas o ver-
dadeiro significado da Graça continuaria sendo um mistério. Pretendemos
apenas resumir aqui o nosso pensamento. Diga-se, porém, desde já, que o
amor ou encontra igualdade, ou a produz: para que exista verdadeiro amor
entre dois seres, torna-se necessária certa igualdade de natureza. Para que o
homem pudesse amar a Deus, dignou-se Deus conceder-lhe uma tal parti-
cipação na natureza divina que o habilitasse a possuir, por forma misteriosa,
qualquer coisa que correspondesse ao poder, próprio de Deus, de conhecer
e amar a Deus.
Por um privilégio extraordinário, o homem estava destinado, a par-
ticipar – embora em grau finito –, da vida da Santíssima Trindade, e esta
comparticipação devia começar mesmo aqui, na Terra.
Este foi um privilégio essencialmente sobrenatural; um privilégio a
que a natureza do homem não tinha qualquer direito, nem nela havia qual-
quer razão que o exigisse, por qualquer título. Adão e Eva receberam a vida
sobrenatural, e todas as suas faculdades foram dotadas de novos poderes
32
e qualidades, que os habilitariam a viver essa vida nova, tão superior à sua
natureza, e impossível de alcançar pelos seus próprios esforços.
Era um estado absolutamente sobre-humano, e que exigia poderes
sobre-humanos; representava uma elevação do homem a uma ordem in-
teiramente nova e sobre-humana. Significava que o homem era colocado
perante um fim de felicidade suprema inteiramente novo e sobre-humano,
que se pode definir como uma participação na própria felicidade de Deus.
Desde então, a felicidade natural, mesmo no seu mais alto grau, já não o po-
deria satisfazer. O homem teria consequentemente de se decidir: ou unir-
-se a Deus e partilhar da sua alegria, ou então permanecer para sempre no
inferno da privação eterna.
A própria natureza das coisas impôs ao homem certas obrigações de
adoração e obediência a Deus, de quem era tão dependente. Mas Deus im-
pôs ainda um preceito especial a Adão e Eva, a fim de lhes recordar a sua
sujeição e os habilitar a honrá-lo. Sanções terríveis cairiam sobre eles, se
tal preceito não fosse acatado. Colocou Adão e Eva num jardim de delícias,
onde tinham tudo o que era necessário à sua felicidade completa, mas ex-
cluiu uma árvore e determinou que não comessem dos seus frutos: “Porque,
em qualquer dia que comeres deles, morrerás certamente” (Gn, cap. 2).
A história da transgressão dessa ordem, por Adão e Eva, e sua con-
sequente expulsão do jardim são bem conhecidas, mas as consequências
tremendas que resultaram destes acontecimentos, a enormidade da ofen-
sa, suas causas e seu desfecho não são tão bem compreendidos. A primeira
personagem a entrar em ação nesses acontecimentos foi o demônio que, em
forma de serpente, falou com Eva e a aconselhou a desobedecer às ordens de
Deus. Quem era o demônio?
Para responder a essa pergunta, temos de recordar que Deus já tinha
criado certo número de seres racionais, chamados anjos. São puros espíri-
tos, com completa independência da matéria, e pessoas dotadas de grandes
faculdades mentais. São muito superiores ao homem e pertencem a uma
classe de seres muito mais elevada.
A própria forma como exercem as suas operações mentais é diferente
da do homem, pois, enquanto este procede passo a passo no processo gra-
dual do raciocínio, eles veem a verdade imediatamente e à primeira vista,
sem se enganarem. As faculdades intelectuais dos anjos, inclusive dos per-
33
tencentes aos graus mais baixos da hierarquia angélica, são muito superio-
res às maiores inteligências humanas. Segundo se deduz, aos anjos, depois
de terem sido criados, foi dada liberdade de servirem a Deus e de se lhe sub-
meterem. Mas um dos mais categorizados, chamado Lúcifer, acompanha-
do dum exército de adeptos, recusou-se a tal submissão. Sua atitude pode
resumir-se na frase clássica: “Não servirei”.
O resultado dessa revolta foi a condenação dos anjos rebeldes ao in-
ferno; e aqueles que obedeceram a Deus foram confirmados na sua amiza-
de, entrando em plena posse das alegrias do Céu. Não é unânime a opinião
sobre o motivo exato que levou esses anjos à revolta. Alguns sustentam que
Deus os pôs a par do seu plano de os elevar à participação em sua própria
natureza, o que implicaria o fim de sua supremacia em sua própria ordem
e uma nova dependência de Deus. Outros dizem que lhes foram manifes-
tados os planos de Deus referentes à raça humana, e que eles se insurgiram
contra a proposta de terem de se sujeitar às naturezas humanas de Cristo e
de sua Mãe. Mas, fossem quais fossem as circunstâncias que os incitaram à
revolta, o seu pecado foi de orgulho e desobediência.
Seria erro pensar que a condenação imediata dos anjos rebeldes, sem
terem tempo de reconsiderar e se arrepender, possa ter qualquer reflexo na
misericórdia de Deus. A própria sublimidade das faculdades dos espíritos
angélicos é tal que a reconsideração, no sentido em que a tomamos, seria
sem sentido. Estavam em plena posse da realidade dos fatos, e absolutamen-
te isentos de qualquer paixão terrena ou de falta de reflexão que perturbasse
os seus juízos e, por isso, conheciam bem suas obrigações e mediram a he-
diondez do seu crime, com uma clarividência que nem podemos conceber.
Nenhuma parcela de tempo para reconsiderar os levaria a voltar atrás
em sua decisão. Pelo seu pecado, perderam a felicidade do Céu e tornaram-
-se merecedores das penas inenarráveis do inferno. Isso implicava o terrível
castigo da perda de Deus, da perda de toda a possibilidade de amarem a
Deus ou a qualquer outra coisa, e isso vinha aliado ao conhecimento claro
de que só no amor de Deus podiam encontrar felicidade, e que o seu ato livre
tinha tornado esse amor impossível para sempre.
O ódio que passaram, então, a devotar a Deus e a tudo o que lhe per-
tencia não se pode descrever. Quando se aperceberam do plano de Deus de
criar a raça humana e de erguer os seus membros às posições sublimes que
34
eles próprios tinham perdido, sua fúria não conheceu limites. A partir desse
momento, aquelas inteligências poderosas não se pouparam esforços para
destruir a raça humana.
E foi com esse fim que seu chefe, que conhecemos como o demônio,
falou a Eva sob a forma de serpente, perguntando-lhe por que razão Deus
tinha determinado que ela e Adão deviam se abster de comer os frutos de
uma árvore especial. Ao ouvir sua explicação, replicou negando que a morte
seria o resultado da desobediência e que, se comessem deles, “seriam como
deuses, conhecendo o bem e o mal” (Gn 3,5).
Não é fácil explicar o significado exato desta frase; envolve a ideia de
independência completa de Deus e o poder de ajuizar, por eles próprios, o
que seria o bem e o que seria o mal. Era, de fato, um apelo ao orgulho – esse
desejo desordenado de importância própria. E como tal foi ele recebido.
As explicações coloridas e tocantes que por vezes se dão quanto à fra-
queza de Eva, que se teria deixado arrastar pelo encanto dos frutos, ou pela
sede num dia particularmente sufocante, ou ainda pela sua falta de reflexão,
não têm qualquer fundamento. Eva, possuindo o dom da integridade, não
podia se deixar arrastar por qualquer fraqueza proveniente da rebelião de
seu apetite sensitivo. Pelo contrário, ela sabia claramente – e mais clara-
mente do que o podemos imaginar –, o que significaria a transgressão da
ordem divina para ela, para seu marido e para toda a raça humana, de quem
seria mãe. Mas, apesar disso, “tomou do fruto dela e comeu; e deu a seu ma-
rido, que também comeu”.
Só depois do pecado de Adão é que foi possível avaliar as terríveis con-
sequências da rebelião, que envolviam a ruína da felicidade temporal e eter-
na de toda a raça humana. À primeira vista, parece não haver proporção en-
tre o pecado e suas consequências – o ato de se comer uma “maçã” e a ruína
de toda a raça humana – tanto mais que alguns pretendem ver nessa história
uma alegoria sobre qualquer pecado mais grave, um pecado talvez da carne.
Tal teoria é incorreta e desnecessária, porque Adão e Eva não eram apenas
homem e mulher, mas possuíam também o dom da integridade e, por isso,
não podiam ser arrastados por qualquer paixão. Para apreciar a verdadeira
malícia do seu pecado, temos de ler no seu espírito e procurar compreender
a enormidade do seu orgulho e desobediência; porque esse foi o pecado dos
nossos primeiros pais – orgulho e desobediência, esta derivada daquele.
35
É bom que tenhamos em conta a perfeição da natureza de Adão. Sua
mente era dotada de faculdades e de conhecimento, dons esses que nenhum
dos seus filhos possuiu em tão alto grau. Sem estar sujeito a paixões, ele via
a vida com toda a clareza, compreendia perfeitamente a sua dependência de
Deus e os deveres que tinha para com Ele. Sabia perfeitamente que Deus o
tinha erguido gratuitamente à condição de participante da sua própria na-
tureza divina, e o tinha tornado seu amigo. Sabia ainda que ia ser o pai da
raça humana, e que fora favorecido com os dons da sabedoria e com os co-
nhecimentos necessários para instruir sua descendência. Sabia, além disso,
que sua participação na vida de Deus pela Graça dependia de sua obediência
a Ele, e entendia claramente que, se perdesse a Graça pelo pecado, não só ele
próprio a perderia, como também a perderiam seus filhos.
Conhecendo tudo isso, ele, calma e deliberadamente, decidiu revoltar-
-se contra as ordens expressas de Deus, e com seu orgulho e revolta rejeitou
os planos divinos para a felicidade de toda a raça humana.
Os primeiros efeitos dessa revolta manifestaram-se imediatamente,
quando o par delinquente compreendeu logo que o seu privilégio de integri-
dade estava perdido. No próprio momento em que, pela revolta, eles firma-
ram a independência da sua natureza humana e rejeitaram a subordinação
a Deus, que era necessária para poderem participar da natureza divina, a
sua natureza animal deixou de estar sujeita à razão e começou, então, essa
infindável revolta da carne contra o espírito, que se chama concupiscência.
Mas não foi só isso: as próprias forças químicas que constituíam o seu corpo
revoltaram-se também, pois que, retirado o dom da imortalidade, era fatal a
desintegração de todo o organismo humano pela morte. Foram expulsos do
jardim de delícias e condenados a ganhar o seu pão “com o suor do rosto” até
que, depois de uma vida de trabalho e esforços, voltassem pela morte ao pó
de onde tinham vindo.
O fato de Adão e Eva terem-se arrependido do seu pecado e terem sido
perdoados por Deus não salvou seus filhos. Seus descendentes nasceram no
estado de privação da Graça, conhecido como Pecado Original, e passaram
a estar sujeitos a todas as misérias inerentes à perda da amizade de Deus e à
sua sujeição ao poder do demônio.

A obra 'This Tremendous Lover' foi publicada no Brasil sob o título 'Amor Sublime'. Dom
Eugene Boylan (1904-1964), monge trapista, destacou-se como autor de temas espirituais.
36
Introdução Geral
à Teologia

TERCEIRA PARTE DO CURSO DE INICIAÇÃO À TEOLOGIA


COM BASE NA OBRA DO SACERDOTE E MESTRE, FILÓSOFO,
TEÓLOGO E AUTOR, PE .MAURÍLIO TEIXEIRA LEITE PENIDO.
A Fé, Virtude Teologal

N
a definição do Concílio do Vaticano [I], “a fé é uma virtude so-
brenatural pela qual, sob inspiração e com ajuda da Graça de
Deus, cremos como verdadeiras as coisas por Ele reveladas, já
não por causa da verdade intrínseca percebida à luz natural da
razão, mas por causa da autoridade do mesmo Deus que revela e não pode
enganar-se nem nos enganar”.

Fé divina, chamamos à primeira virtude teologal. Fé, porque falece a


evidência intrínseca da verdade; só temos o testemunho divino; os misté-
rios da religião são verdades cuja existência admitimos, conquanto não os
demonstremos nem mesmo os entendamos claramente, por ultrapassarem
de todo nossa capacidade intelectual. Assim é, por exemplo, que não conce-
bemos bem como Deus pode ser a um tempo uno e trino. “Bem-aventurados
os que não viram e creram” (Jo 20, 29).

Fé divina ou teologal e não fé humana, porque esta muitas vezes é uma


opinião incerta, enquanto aquela é certa, firmíssima; divina ainda porque
divino é o objeto que atinge: a Verdade incriada, nosso fim sobrenatural e
fonte de nossa santificação, logo a fé é uma participação do conhecimento
que Deus tem de si mesmo, porque o motivo de nossa aceitação é tão so-
mente o veraz testemunho de Deus; divina enfim, porque nossa aquiescên-
cia é fruto da iluminação e o sopro do Espírito de Deus, que suavemente nos
inclina a consentir à Revelação.

Esta última razão insinua que a fé é uma virtude sobrenatural. Enten-


de-se por virtude a qualidade moral que nos dispõe habitualmente a obrar o
bem; a fé é, pois, virtude, já que nos dispõe a crer frutuosamente as verdades
cristãs. Mas não é virtude puramente humana; antes é sobrenatural, por es-
tar seu objeto acima do poderio do nosso intelecto, e porque não podemos
adquirir pelo próprio esforço – como as virtudes naturais – mas ela nos deve
ser infundida por Deus, embora seu exercício suponha a colaboração do li-
vre arbítrio: cremos porque queremos crer.
Contudo o livre arbítrio so poderá inclinar o intelecto a assentir à ver-
dade, misteriosa e divina, quando movido pela graça. Ademais, para que a
mente seja alçada a um nível fora do seu alcance, forçoso é – como veremos
mais adiante – que a graça previna e ajude inteligência e vontade; só assim
lhes será possível aceitar a mensagem de Deus.

Virtude teologal: esta qualificação esclarece que tudo, na fé, se refere


a Deus: ele é autor da fé porque no-la concede por sua graça, iluminando a
mente e inclinando a vontade, comunicando-nos a sua própria verdade di-
vina; é o fim da fé, porquanto cremos em Deus; é enfim motivo da fé porque
cremos em virtude do testemunho de Deus.

O texto fundamental de S. Paulo aos Hebreus indica-nos as verdades


que constituem o objeto da fé: “É necessário que o que se aproxima de Deus
creia que ele existe e que é galardeador dos que o buscam” (Hb 11, 6). Por
outras palavras: o objeto da fé é Deus em Si e na sua Providência. O Após-
tolo nos indica esse objeto em toda a sua generalidade, porque fixa aqui um
mínimo indispensável à salvação; mas é claro que esse conhecimento sobre-
natural de Deus e do que a ele nos leva, pode revestir e de fato revestiu, graus
bem diversos. Assistimos, no decorrer da história sagrada, a um progresso
na manifestação desse mesmo e único objeto: é sempre Deus conhecido,
porém Deus conhecido mais profunda e detalhadamente.

Na humanidade primitiva seria a existência do Criador que recompen-


sa os bons por meios conhecidos de sua sabedoria (e a isso se reduziria ainda
hoje a fé do pagão de boa vontade). Posteriormente, Deus, com paciente
pedagogia, começou a amestrar pouco a pouco a humanidade. Aos patriar-
cas, depois a Moisés, mais tarde aos profetas, esse Objeto vai descobrindo
seus refolhos. Como é belo e profundo o que o Antigo Testamento nos dá a
conhecer sobre a natureza de Deus e sua Providência! Eis, porém, que Deus
“havendo antigamente falado muitas vezes e de muitas maneiras a nossos
pais pelos profetas, a nós falou nestes últimos dias pelo Filho” (Heb 1,1). E o
Filho nos revelou o mais íntimo mistério de Deus e si – a Trindade na unida-
de – e o mais misericordioso mistério da Providência de Deus – a Encarna-
ção redentora. É a revelação definitiva, nem temos que esperar outra.
39
Conhece enfim o homem as verdades que está chamado a contemplar
e a desfrutar na bem-aventurança, e os meios de chegar a esta.

Tão rica, todavia, a Revelação que, terminada embora quanto ao con-


teúdo, com a morte do derradeiro Apóstolo, vai, não obstante, progredindo
o conhecimento que os cristãos dela alcançam. Continuamente novas face-
tas do divino Objeto se nos manifestam. Novas, não no sentido que não exis-
tiam antes no tesouro da Revelação, mas novas no sentido de não haverem
sido explicitamente apreendidas antes, pela consciência cristã.

Assim é que pelos séculos em fora, “novos” dogmas são propostos pela
Igreja à crença de seus filhos; no último Ano Santo, por exemplo, alegraram-
-se os católicos de ver definida a Assunção gloriosa da Bem-aventurada Vir-
gem aos Céus.

Reveste-se destarte o conhecimento de fé de uma crescente comple-


xidade, por avultarem as verdades distintas a serem cridas. Essa multipli-
cidade de atos de fé reduz-se, porem a perfeita unidade, porquanto tudo o
que cremos é Deus revelado e Deus revelado por ele próprio. Através de tão
numerosos enunciados, aderimos sempre e exclusivamente ao verdadeiro
Deus por causa da palavra do Deus verídico.

Tão estreita unidade de objetivo não obsta a que possamos e devamos


estabelecer certa hierarquia entre as diversas afirmações de fé; não é que
umas sejam dignas de maior crença do que as outras: cremo-las todas por
igual; é que o mesmo Deus acentuou-as mais ou menos. Assim o conteúdo
da Escritura, todo ele revelado, é todo ele de fé; todavia sobrelevam os passos
que nos informam diretamente acerca de Deus e do que a ele nos leva. É ób-
vio que a revelação da sarça ardente (”eu sou o que sou”) ou a promulgação
do Sinai (mandamentos da lei) revestem importância religiosa incompara-
velmente maior do que as crônicas do reino de Judá. Estas só são de fé por
estarem contidas nas Sagradas Letras, obra do Espírito Santo, e por se refe-
rirem a Deus, indiretamente embora, quanto descrevem os caminhos de sua
providência par com o povo eleito.

Entre as mesmas verdades primárias, algumas há, denominadas “arti-


gos de fé”; são enunciados mais distintamente articulados pela voz divina.
40
Exprimem os grandes mistérios, os aspectos de máxima relevância no objeto
da fé. Tais são as diversas proposições do Símbolo dito dos Apóstolos, que
aprendemos em criança.

Reina grande diferença entre os fiéis quanto ao numero de verdades


de fé menos fundamentais, conhecidas explicitamente. Algumas são apre-
endidas só por teólogos, por exemplo: certas constituições dogmáticas mais
difíceis do Concílio Tridentino.

Por serem acidentais, essas diferenças não chegam a estabelecer uma


graduação entre os crentes. Com efeito, todos aderem ao mesmo Objeto:
Deus que revela. Quem conhece explicitamente apenas os artigos do Credo,
neles conhece implicitamente tods as demais verdades reveladas, porquanto
estas estão realmente contidas naquelas. Abraça-as também implicitamen-
te, por estar sempre disposto a crer qualquer verdade desde que lhe seja pro-
posta pela Igreja.

Existem sim graus de fé, porém estes se referem não mais ao Objeto,
senão à intensidade da adesão do fiel. S. Paulo na primeira epístola aos Tes-
salonicenses afirma seu desejo de visitá-los “para que supramos o que falta
à vossa fé” (1 Tess 3, 10). Já na 2ª epístola, louva-os pelos progressos alcança-
dos: “Sempre devemos, irmãos, dar graças a Deus por vós, como é de razão,
porque a vossa fé cresceu muitíssimo...” (2 Ts 1,3).

Donde se colige que os santos, apesar de crerem as mesmíssimas ver-


dades que nós cremos, têm mais fé do que nós, porque se rendem com in-
tensidade, firmeza e devoção maior, à Verdade divina. Por isso devemos su-
plicar com os discípulos: “Senhor, aumentai-nos a fé!” (Lc 17, 5).

E também de todo o coração, devemos multiplicar, desarmados, nos-


sos atos de fé, procurando antes de tudo aderir a Cristo-Deus, assentir à sua
palavra e, só por causa dela, aos vários enunciados dogmáticos."

** Na próxima edição: "O motivo da fé".


Ser encontrado por Cristo
Por Felipe Marques – Fraternidade São Próspero
A NTES DE INICIAR esta reflexão, deixemos que o papa Bento
XVI nos auxilie com um trecho da introdução de sua carta
encíclica “Deus Caritas est”:

Ao início do ser cristão, não há uma decisão ética ou uma grande


ideia, mas o encontro com um acontecimento, com uma Pessoa que
dá à vida um novo horizonte e, desta forma, o rumo decisivo.

Pois bem, ser católico é – entre tantas coisas – ter-se encontrado


com Cristo e, a partir desse encontro, lutar para mudar de vida, visto
que a própria existência ganha um novo sentido. Ou melhor, ganha
sentido. Melhor ainda, ganha coisa infinitamente mais do que um sim-
ples sentido: a vida ganha O Sentido único de todas as coisas.
Diversas vezes somos levados a crer que encontramos a Deus de-
vido aos nossos próprios esforços. Esse modo de pensar é perigoso, pois
podemos cair no erro descrito no capítulo 11 do Livro do Gênesis (epi-
sódio da Torre de Babel), que narra como os cidadãos do mundo qui-
seram construir um caminho para o céu – onde imaginavam que Deus,
literalmente, habitava, supondo que assim poderiam alcançá-Lo – com
suas próprias mãos e forças, para que seus nomes ficassem gravados
para sempre na História(!).
É óbvio que a ação humana é necessária para encontrar a Deus,
porém, nós não somos os primeiros na ordem do amor. São João narra
isso de forma clara no versículo 10 do capítulo 4 de sua primeira Carta:

Nisto consiste o amor: não em termos nós amado a Deus, mas em ter-
-nos Ele amado, e enviado o seu Filho para expiar os nossos pecados.

Isso se faz necessário conhecer para que não queiramos tomar o


lugar de Deus, para que sejamos mais humildes e aceitemos a nossa
posição de criaturas e, assim, possamos iniciar uma verdadeira vida es-
piritual, uma vida de intimidade com Deus. Resumindo: Deus o amou,
leitor mesmo antes da sua conversão, mesmo antes de você ter alguma
noção de que estava pecando, mesmo antes de você rezar o santo Ter-
ço... Deus já o amava, mesmo enquanto você rolava na lama do pecado!
Pois bem, Nosso Senhor tem cuidado de nós desde o momento em que
nascemos, e dispensa as graças necessárias para que possamos encon-
trá-Lo. Ora, afirmo isso com certeza, porque Ele mesmo veio ao nosso
encontro – e não há maior graça que essa – conforme é narrado no
Evangelho segundo São Lucas:

Quem de vós que, tendo cem ovelhas e perdendo uma delas, não
deixa as noventa e nove no deserto e vai em busca da que se perdeu,
até encontrá-la? E depois de encontrá-la, a põe nos ombros, cheio
de júbilo, e, voltando para casa, reúne os amigos e vizinhos, dizen-
do-lhes: 'Rejubilai-vos comigo, achei a minha ovelha que se havia
perdido. Digo-vos que assim haverá maior júbilo no Céu por um só
pecador que fizer penitência do que por noventa e nove justos que
não necessitam de arrependimento. Ou qual é a mulher que, tendo
dez dracmas e perdendo uma delas, não acende a lâmpada, varre a
casa e a busca diligentemente, até encontrá-la? E tendo-a encon-
trado, reúne as amigas e vizinhas, dizendo: Regozijai-vos comigo,
achei a dracma que tinha perdido. Digo-vos que haverá júbilo entre
os anjos de Deus por um só pecador que se arrependa. (15, 4-10)

Enfim, você é essa dracma perdida... Você é a ovelha perdida que


Deus buscava encontrar! Deus já lhe procurava, mesmo que você não
se desse conta de sua existência. O SENHOR não é um “deus passivo”
que não se move e permanece em seu “descanso sabático” até que suas
criaturas lhe alcancem... Não. Deus é Amor e o amor é ativo, o amante
não repousa até se unir ao objeto amado; o amor verdadeiro é doação, e
sua maior expressão é encontrada em Cristo Crucificado. Por isso, exor-
to-o a entender que Deus não o ama mais só porque agora você é menos
pecador, ou reza mais e pratica alguns atos de piedade... Não seja pre-
sunçoso pensando que você merece ser ouvido porque agora alcançou
um alto nível de amizade e intimidade com Deus. Muito pelo contrário.
Quanto mais amigo de Deus você for, mais humilde você será. Como
ensina Santa Teresa de Ávila, “a humildade é caminhar na verdade”.
44
Na verdade de que somos pó e que ao pó voltaremos (Gn 3, 19),
tendo consciência de que sem Deus somos capazes de fazer as piores
coisas jamais pensadas, é preciso responder à pergunta: na ordem do
amor, em que lugar está o ser humano? O ser humano que se encontra
com Cristo está no segundo lugar na ordem do amor, pois agora, ciente
de que Deus o ama, a pessoa amada quer retribuir o amor que recebe
do SENHOR. Ou seja, nosso amor, ainda que falho, é sempre uma res-
posta ao amor que recebemos de Deus. As orações, vigílias, a luta pelas
virtudes, a recitação do santo Rosário, a luta contra os pecados... Enfim,
tudo o que fazemos por Deus é sempre uma resposta, e não o princípio
da relação de amor que há entre criatura e Criador.
Sendo assim, então, como e onde podemos expressar essa respos-
ta, esse nosso amor para com Deus? Ninguém melhor do que o próprio
Deus para nos ensinar:

Então o Rei dirá aos que estão à direita: 'Vinde, benditos de meu
Pai, tomai posse do Reino que vos está preparado desde a criação
do mundo, porque tive fome e me destes de comer; tive sede e me
destes de beber; era peregrino e me acolhestes; nu e me vestistes;
enfermo e me visitastes; estava na prisão e viestes a Mim'. Pergun-
tar-lhe-ão os justos: 'Senhor, quando foi que te vimos com fome e
te demos de comer, com sede e te demos de beber? Quando foi que
te vimos peregrino e te acolhemos, nu e te vestimos? Quando foi
que te vimos enfermo ou na prisão e te fomos visitar?'. Responderá
o Rei: 'Em verdade Eu vos declaro: todas as vezes que fizestes isto a
um destes meus irmãos mais pequeninos, foi a mim mesmo que o
fizestes'. Voltar-se-á em seguida para os da sua esquerda e lhes dirá:
'Retirai-vos de mim, malditos! Ide para o fogo eterno destinado ao
demônio e aos seus anjos. Porque tive fome e não me destes de co-
mer; tive sede e não me destes de beber; era peregrino e não me
acolhestes; nu e não me vestistes; enfermo e na prisão e não me vi-
sitastes'. Também estes lhe perguntarão: 'Senhor, quando foi que te
vimos com fome, com sede, peregrino, nu, enfermo, ou na prisão e
não te socorremos?'. E ele responderá: 'Em verdade Eu vos declaro:
todas as vezes que deixastes de fazer isso a um destes pequeninos,
45
foi a mim que o deixastes de fazer'. E estes irão para o castigo eter-
no, e os justos, para a vida eterna. (Mt 25, 34 - 46)

Com isso, concluímos este raciocínio breve, porém é preciso inse-


rir, ainda, mais uma personagem na história: o outro! Sim, nosso próxi-
mo é o terceiro na ordem do amor, pois, é nele que expressamos nossa
doação a Deus de forma mais perfeita, como ensina São João em sua
primeira carta:

Se alguém disser: Amo a Deus, mas odeia seu irmão, é mentiro-


so. Porque aquele que não ama seu irmão, a quem vê, é incapaz de
amar a Deus, a quem não vê. Temos de Deus este mandamento: o
que amar a Deus, ame também a seu irmão. (4, 20 - 21)

Só conseguiremos amar o outro por causa de Deus, e assim cum-


prir o que São João ensina, se tivermos bem clara qual a nossa posição
real diante de Deus. Se falta a humildade, falta a Fé, e se falta a Fé, não
há vida espiritual, não há relacionamento com Deus. Por isso, contra o
orgulho, sempre que você for assaltado por pensamentos de vanglória,
pense neste conselho de São Josémaria Escrivá, e coloque-se em seu
lugar de novo:

Tu não podes tratar ninguém com falta de misericórdia; e, se te pa-


recer que uma pessoa não é digna dessa misericórdia, tens de pen-
sar que tu também não mereces nada. - Não mereces ter sido cria-
do, nem ser cristão, nem ser filho de Deus, nem pertencer à tua
família... (Forja, 145)

Que possamos repetir com o humilde centurião, todos os dias de


nossas vidas, a seguinte máxima: “Domine, non sum dignus”. Porque,
realmente, por nossos próprios méritos, não somos dignos de nada! E
então se cumprirá certamente aquilo que o Senhor prometeu: "Porque
todo aquele que se exaltar será humilhado, e todo aquele que se humi-
lhar será exaltado" (Lc 14, 11). Que assim seja!

46
O DRAMA DO
FIM DOS TEMPOS
Obra do Revmo.
Padre Emmanuel-André
47
QUINTO ARTIGO
escrito em julho de 1885

OS PREGADORES DO ANTICRISTO
Visão de São João

–I–

Os livros santos que entram em tantos detalhes sobre o homem do pecado,


nos fazem conhecer um misterioso agente de sedução que lhe submeterá a
terra. Este agente, ao mesmo tempo um e múltiplo, é, segundo São Gregó-
rio, uma espécie de corpo ensinante que propagará por toda parte as perver-
sas doutrinas da Revolução.
O Anticristo terá seus ajudantes de ordem e seus generais; possuirá um
inumerável exército. Mal se ousa tomar ao pé da letra o número que São João
nos dá falando de sua cavalaria (Ap 9, 16). Mas ele terá sobretudo a seu ser-
viço falsos profetas como ele, iluminados do diabo, doutores de mentiras;
inimigo pessoal de Jesus Cristo, macaqueará o divino Mestre, cercando-se de
apóstolos ao contrário.
Falemos então, segundo São João, destes doutores ímpios que cha-
maremos pregadores do Anticristo.

– II –

São João, no capítulo XIII de seu Apocalipse, descreve uma visão parecida
com a de Daniel. Ele vê surgir do mar um monstro único, reunindo em si
mesmo uma horrível síntese de todos os caracteres das quatro bestas vistas
pelo profeta. Este monstro parece o leopardo; tem pés de urso, goela de
leão; tem sete cabeças e dez chifres.
Ele representa o império do Anticristo, formado por todas as corrup-
ções da humanidade. Ele representa o próprio Anticristo que é o nó de todo
esse conjunto violento de membros incoerentes e díspares.
48
Chega-se a ver o impostor, com o cortejo de cristãos apóstatas, muçul-
manos fanatizados, judeus iluminados, que o seguirá por toda parte.
Ora, enquanto São João considerava esta Besta, viu uma das cabeças
ferida de morte; depois a chaga mortal foi curada. E toda a terra se maravi-
lhou com a Besta. Os intérpretes vêm nisto um dos falsos prodígios do Anti-
cristo; um de seus principais ajudantes de ordem ou talvez ele mesmo, apa-
recerá ferido gravemente, acreditar-se-á que morreu, quando de repente,
por um artifício diabólico, se recuperará cheio de vida. Esta impostura será
celebrada por todos os jornais, muito crédulos nesta ocasião; o entusiasmo
irá ao delírio.
“Então", continua São João, "os homens adorarão o dragão que deu
o poder à Besta, dizendo; quem é semelhante a ela, e quem poderá pelejar
contra ela?”.
Assim, tanto o diabo será adorado como o Anticristo; e não será um
duplo culto, o primeiro sendo adorado no segundo. São João nos faz assistir
em seguida à perseguição contra a Igreja.

“E foi dada à Besta uma boca que proferia coisas arrogantes e blasfêmias;
e foi-lhe dado o poder de fazer guerra durante quarenta e dois meses.”

Esta é a mesma palavra de Daniel e designa o tempo da perseguição no


seu paroxismo. Quarenta e dois meses, é justo três anos e meio.

“E abriu a sua boca em blasfêmias contra Deus para blasfemar o seu


Nome, o seu Tabernáculo e os que habitam no Céu.”

“E foi-lhe permitido fazer a guerra aos santos e vencê-los. E foi-lhe dado


poder sobre toda tribo, e povo, e língua, e nação.”

“E adoraram-na todos os habitantes da terra, cujos nomes não estão


escritos no livro da vida do Cordeiro, que foi imolado desde o princípio
do mundo.”

“Se alguém tem ouvidos, ouça!”

49
“Aquele que levar para o cativeiro, irá para o cativeiro; aquele que matar
à espada, importa que seja morto à espada. Aqui está a paciência e a fé
dos santos”. (13, 3-11).

É assim que o apóstolo bem amado descreve a terrível perseguição. A todas


as ameaças se juntam todas as seduções; disto resultará um fanatismo delirante
que lançará o mundo inteiro aos pés da Besta. Mas todos os assaltos do inferno
fracassarão diante da “paciência e a fé dos santos”.

– III –

São João nos pinta em seguida o grande agente de sedução que dobra-
rá os espíritos dos homens ao culto da Besta.

“E vi outra besta que subia da terra e que tinha dois chifres semelhantes
aos de um cordeiro, mas que falava como o dragão.”

“E ela exercia todo o poder da primeira besta na sua presença; e fez que a
terra e os que a habitam adorassem a primeira besta, cuja ferida mortal
tinha sido curada.”

“E operou grandes prodígios, de sorte que até fez descer fogo do céu
sobre a terra à vista dos homens.”

“E seduziu os habitantes da terra com os prodígios que lhe foi permitido


fazer diante da besta, persuadindo os habitantes da terra que fizessem
uma imagem da besta, que tinha recebido um golpe de espada e conser-
vou a vida.”

“E foi-lhe concedido animar a imagem da besta, de modo que falasse; e


forçar a todos os homens, sob pena de morte, a adorar a besta.”

“E fará que todos, pequenos e grandes, ricos e pobres, livres e escra-


vos, tenham um sinal em sua mão direita, ou nas suas frontes; e que
ninguém possa comprar ou vender, exceto aquele que tiver o sinal ou o
nome da besta, ou o número de seu nome.”
50
“É aqui que está a sabedoria. Quem tem inteligência, calcule o número
da besta. Porque é número de homem; e o número dela é seiscentos e
sessenta e seis.”

(Ap 13, 11-18)

Tal é a segunda parte da profecia de São João. São Gregório interpreta


esta misteriosa passagem no sentido, como dissemos, de que o Anticristo
terá seu colégio de pregadores e de apóstolos ao contrário. E esses doutores
da mentira serão qualquer coisa como nossos sábios modernos, misto de
mágico ou espírita.
Eles terão a aparência do Cordeiro. Adotarão na aparência as máximas
evangélicas de paz, de concórdia, de liberdade, de fraternidade humana; e
debaixo dessas aparências propagarão o ateísmo mais desavergonhado.
Eles terão a aparência do Cordeiro. Apresentar-se-ão como agentes
de persuasão, respeitosos para com as consciências; e depois, farão morrer
entre tormentos aqueles que se recusarem a ouvi-los.
“Seus ouvintes", diz fortemente São Gregório, "serão todos réprobos;
sua tática, diz ele ainda, consistirá em proclamar que o gênero humano, du-
rante as épocas de fé, estava mergulhado nas trevas; e saudarão o advento
do Anticristo como a aparição do dia e o despertar do mundo” (Mor. in Job.
lib. XXXIII).
Essas pregações serão apoiadas por falsos prodígios. Instruídos pelo
diabo e por seu agente a respeito de segredos naturais ainda desconhecidos,
os missionários do Anticristo espantarão e seduzirão as multidões com toda
espécie de sortilégios; farão descer fogo do céu, e farão falar as imagens do
Anticristo que terão erigido.
Mas isso não é tudo. Forçarão os homens, sob pena de morte, a adorar
essas imagens falantes. Obrigarão os homens a levarem na mão direita ou
na testa, o número do monstro. E aquele que não tiver esse número não po-
derá nem comprar nem vender.
Aí aparece o terrível requinte da suprema perseguição. Aquele que
não levar a estampilha do monstro estará por isso mesmo fora da lei, fora da
sociedade, passível de morte.
Mas não vemos também nós, desde o presente, desenharem-se alguns
ensaios dessa tirania?
O que são todos esses mestres do ensino sem Deus, senão os precur-
sores do Anticristo? A Revolução quer ter seu corpo ensinante, encarregado
oficialmente de descristianizar a juventude, e de imprimir na testa de todos,
pequenos e grandes, pobres e ricos, a estampilha do Deus-Estado. O ensino
obrigatório e leigo não tem outro fim. Já se preparam leis para interditar a
entrada nas carreiras públicas de quem não tenha recebido a assinatura das
escolas do Estado. No dia em que essas leis abomináveis passarem, pode-se
pôr luto pela liberdade humana. Estaremos sob uma tirania sombria, sufo-
cante, infernal. O Anticristo poderá chegar.
Esperemos, a consciência pública é ainda bastante cristã e não supor-
tará tal tortura. Também procura-se, de todas as maneiras possíveis, ador-
mecê-la.
Além disso, que os fiéis se consolem! Todos esses extremos só servirão,
nos desígnios de Deus, ao brilho da paciência e da fé dos santos.

52
ORAÇÃO PARA DEPOIS DA COMUNHÃO
de Santo Tomás de Aquino
Dou-vos graças, Senhor santo, a humildade, a obediência e todas
Pai onipotente, Deus eterno, as virtudes; sirva-me de firme de-
A Vós que, sem merecimento da fesa contra os embustes de todos os
minha parte, mas por efeito de vos- meus inimigos, tanto visíveis como
sa misericórdia, dignaste-vos saci- invisíveis; serene e regule perfeita-
ar-me, sendo eu pecador e vosso in- mente todos os movimentos, tanto
digno servo, com o Corpo adorável da minha carne como do meu es-
e com o Sangue precioso de vosso pírito; una-me firmemente a Vós,
Filho, Nosso Senhor que sois o único e verdadeiro Deus;
Jesus Cristo. e seja, enfim, a feliz consumação do
meu destino.
Eu Vos peço que essa Comunhão
Dignai-vos, Senhor, eu vos suplico,
não me seja imputada como falta
digna de castigo, mas interceda Conduzir-me, a mim pecador, a essa
eficazmente para alcançar o meu festa inefável, onde, com o vosso
perdão; seja a armadura da minha Filho e o Espírito Santo, sois para
fé e o escudo da minha boa vontade; os vossos santos luz verdadeira,
livre-me dos meus vícios; apague gozo pleno e alegria eterna, cúmulo
os meus maus desejos; mortifique de delícias e felicidade perfeita.
a minha concupiscência; aumente Pelo mesmo Jesus Cristo,
em mim a caridade e a paciência, Senhor Nosso. Amém!
* Tradução clássica de Alexandre Correia
Ae
aSUMA TEOLÓGICA
fb DE SANTO TOMÁS DE AQUINO*

— Questão 2: Deus existe?

O principal intento, pois, da doutrina sagrada é transmitir o conhecimento


de Deus, não somente enquanto existente em si, mas ainda como princípio
e fim dos seres, e, especialmente, da criatura racional, como é claro pelo que
antes se disse. Ora, pretendendo fazer a exposição desta doutrina, 1o. tra-
taremos de Deus; 2o. do movimento da criatura racional para Deus; 3o. de
Cristo que, enquanto homem, é via para tendermos a Deus.

Mas a consideração sobre Deus será tripartida. Assim, 1o. trataremos


do que pertence à essência divina; 2o. do que pertence à distinção das pes-
soas; 3o. do que pertence à processão, que de Deus têm as criaturas.

Sobre a essência divina, porém, devemos considerar: 1o. se Deus exis-


te; 2o. como é, ou antes, como não é; 3o. devemos considerar o que pertence
à operação de Deus, a saber, a ciência, a vontade e o poder.

Na primeira questão discutir-se-ão três artigos.

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55
SUB TUUM PRAESIDIUM!

Cartões de oração antigos – série OFC (27) MARIA SINE LABE CONCEPTA
Simone Martini & Lippo Memmi, Madonna della Misericordia. 1308-10.

À vossa proteção recorremos, Santa Mãe de Deus. Não desprezeis


as nossas súplicas em nossas necessidades, mas livrai-nos sempre
56 de todos os perigos, ó Virgem gloriosa e bendita! (oração do séc. III)
Foto por James Guilford

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