Durante estes anos iniciais, Jung ficou mundialmente conhecido por suas
pesquisas empíricas. Em 1909, ele seria convidado, juntamente com
Freud para realizarem conferências, nos EUA, na Universidade de Clark. O
convite se deu a partir das pesquisas realizadas por cada autor, antes da
colaboração mútua.
Jung percebe que um mesmo caso poderia ser analisado e ter bons
resultados se fosse interpretado sob o ponto de vista de Freud ou de
Adler. Surge então uma questão que será recorrente em sua obra: a
questão dos tipos psicológicos. Pois, não somente cada paciente possui
um tipo psicológico – como Freud e Adler são representantes de tipos
psicológicos totalmente opostos, ou que, no mínimo, não podem ser
explicados pelos mesmos princípios. O segundo grande livro de Jung
após o rompimento, Tipos Psicológicos (1920), procura responder à
problemática dos diferentes tipos de personalidade e é seu livro mais
conhecido e vendido. Nele, há a definição de termos que serão
conhecidos por todos como introversão e extroversão, além dos tipos
pensamento, sentimento, sensação e intuição.
Jung fazia questão de frisar que a sua abordagem diferia da de Freud não
só na questão da sexualidade, mas também no método interpretativo.
Apesar de ter chamado a sua psicologia de Psicologia Analítica (quase
uma inversão de Psicanálise), Jung dizia que o método de interpretação
de Freud era analítico, enquanto o seu método próprio era sintético.
O método analítico ou redutivo procura dividir as partes de um conteúdo
psíquico – como um sonho ou sintoma – em várias partes e analisar o
sentido existente ali, encontrando na análise de cada parte a chave da
interpretação. O método sintético ou hermenêutico procura fazer uma
síntese de todo o conteúdo, sem analisar cada parte com associações
livres, já que associar livremente a partir de um material levaria à outros
conteúdos.
De modo que o religioso, desde que seja definido de forma correta, é uma
questão que não pode ser ignorada por uma teoria psicológica. Como as
culturas são muito variadas e, neste sentido, cada cultura apresenta sua
forma de lidar com o religioso de forma particular, faz-se necessário um
amplo estudo. Com o conceito de inconsciente coletivo, este estudo
passa a ser importante não apenas para a antropologia, história da
religião ou ciências da religião, mas igualmente importante para a
psicologia. Pois conteúdos simbólicos, que foram elaborados ou
expressos em culturas totalmente diferentes, aparecem em sonhos e
sintomas dos pacientes na clínica.
Com o texto de 1912, Jung passa a pensar a libido não como uma “força”
psíquica apenas sexual. Para ele, a libido deveria ser pensada como uma
energia em geral, que poderia ser transformada ou reutilizada em outros
âmbitos e áreas. A partir de experiências pessoais e também a partir do
contato com pacientes, ele começa a desenvolver o conceito de
inconsciente coletivo, bem como a notar as diferenças entre os
pacientes – e as diferenças nas teorias filosóficas, psicológicas,
artísticas – através da ideia de tipos psicológicos.
Quando nós acumulamos uma vasta experiência clínica, como a que tive
nestes mais de oito anos atendendo pessoas de todas as idades e
lugares do Brasil e do mundo, não podemos de deixar de nos espantar
como as pessoas são extremamente diferentes. Frequentemente nos
esquecemos disso e achamos que “todo homem é igual”, que “toda
mulher faz ou pensa assim” ou então pensamos que existem tipos ou
grupos de pessoas parecidas.
Podemos notar então 9 razões e 9 fins para a terapia. Como ele mesmo
menciona, poderíamos fazer modificações a respeito de cada um destes
pontos. Neste texto, pretendo comentar cada uma destas 9 razões com
as minhas palavras e com a minha experiencia clínica.
RAZÃO 1: UM CONSELHO
No dia-a-dia é muito comum ouvirmos que o psicólogo pode dar um
conselho que vai ajudar a resolver uma situação. A verdade é que os
psicólogos não gostam muito de falar que dão conselhos, seja porque “se
conselho fosse bom, não se dava…” ou porque a ideia de aconselhar é
antiga e indica uma prática não científica. Poderíamos colocar uma outra
palavra no lugar como uma dica, uma indicação, uma sugestão.
Este conselho bastou para que eu visse que, embora gostasse de todas
aquelas disciplinas das ciências humanas, o lado profissional era
fundamental para a minha decisão.
RAZÃO 3: CONSCIENTIZAÇÃO
O inconsciente é o desconhecido, ou seja, é o que nós não sabemos de
nós mesmos, mas que, ainda assim, nos afeta diariamente e à noite nos
sonhos. Em certas ocasiões da vida, como na adolescência, na passagem
para a vida adulta e na metade da vida, notamos uma atividade do
inconsciente que é maior do que outros períodos mais calmos. Isto não
quer dizer que o inconsciente fique inativo por longos anos, mas apenas
que os conflitos entre o consciente e o inconsciente são maiores ou
menores.
RAZÃO 4: LIBERTAR-SE DA
INFÂNCIA
Atualmente, vemos em nossa sociedade ocidental diversas pessoas que
são adultas apenas na idade. Psiquicamente são tão crianças (no melhor
dos casos adolescentes) que não assumem responsabilidades nem
querer definir que rumo vão seguir. É neste sentido que Jung diz “libertar-
se da psique infantil após um longo trabalho efetuado”, ou seja, conseguir
seguir o desenvolvimento psíquico normal, que exige mais cedo ou mais
tarde que rompamos a ligação simbiótica com os pais – e, mais
frequentemente, com a mãe.
RAZÃO 6: LIVRAR-SE DE
SINTOMAS INCÔMODOS
Ao ler livros de psicologia clínica, com relatos clínicos, podemos ver
centenas de exemplos de sintomas estranhos, esquisitos, bizarros e até
pouco comuns. Mas no dia-a-dia do consultório os sintomas psíquicos são
frequentes e parecidos. Porém, para quem está com um sintoma, o sinto-
mal (como diz Lacan) é muito ruim e atrapalha em muitas áreas, como na
área profissional, de relacionamentos, área espiritual, etc.
RAZÃO 7: MUDANÇA NO
DESTINO
Destino aqui não quer dizer nada místico. Podemos mudar tranquilamente
para uma mudança nas condições de vida. Por exemplo, um paciente
procura a terapia porque não sabe o que quer fazer em sua profissão. Não
quer continuar na carreira, está desempregado e não sabe como se
reencontrar. Quando (por uma mudança do “destino”) surge uma
novíssima oportunidade – dentro da mesma carreira – mas com outras
formas de atuação, a terapia está concluída. Neste caso, não quer dizer
que são situações externas que vão fazer com que o processo
terapêutico acabe, mas, ao ter a sua situação mudada, a nova
possibilidade de vivência exterior acaba com a tensão interna anterior.
RAZÃO 8: ENCONTRAR OU
REENCONTRAR SUA RELIGIÃO
Jung, ao contrário de muitos pesquisadores mais céticos, acreditava que
todo ser humano tinha uma tendência a se encontrar espiritualmente.
Falei sobre esta questão em outro texto. Você pode ler aqui – Psicologia e
Deus
RAZÃO 9: ENCONTRAR A
PRÓPRIA FILOSOFIA
Esta última razão é muito próxima da anterior. A diferença reside que
encontrar a própria filosofia faz com que a dependência de uma
instituição externa (como uma religião, um credo ou uma seita) não seja
mais necessária. Pode ser que uma filosofia individual, um modo de
encarar a vida e a relação com os demais se encaixe perfeitamente em
uma orientação já existente em práticas ou ensinamentos religiosos.
Nem sempre é o caso e é por isso que Jung o cita.
O conceito de sombra
É como se fosse um saco em que você guarda tudo o que não pode soltar
senão a sociedade não irá te aceitar. Mas uma hora tudo que está
guardado no saco pode aparecer… A sombra, em alguns momentos, é
como uma personalidade autônoma, com tendências opostas ao que
fazemos.
Resumindo:
Sombra seria como olhar suas próprias costas, ou seja, você não a
enxerga. Enxergamos a nossa sombra nos outros, nesse fenômeno que
chamamos “projeção”, quando coloco no outro aquilo é meu, mas não
aceito. Tudo aquilo que negamos e guardamos dentro de nós, mas não
sabemos disso.
O conceito de persona
Pode ocorrer de o indivíduo utilizar a persona de tal maneira que ele vive
como gostaria de ser, e não o que realmente é. Exemplo: um policial que
é tenente vive essa persona em todos os lugares. Em sua casa ele trata
sua família como se estivesse num quartel general com regras, punições
e tudo o mais.
Mas se por ocaso eu viver sem persona? A pessoa não será aceita pela
sociedade, não conseguirá se relacionar com alguma pessoa sequer ou
viver em qualquer ambiente, pois jamais conseguirá se adaptar às
circunstâncias, e jamais estará receptivo para novas posturas e pontos
de vista.
Por isso, embora pareça estranho, é tão importante o jeito do Pelé dizer
sobre ele mesmo. Ele distingue em sua fala, o todo tempo, o Pelé do
Edson Arantes do Nascimento, como uma forma de forçar a diferença
entre o personagem Pelé internacionalmente conhecido e o homem
comum chamado Edson.
Para não ser mal compreendido, o que quero dizer é que a pessoa com
quem ela vai se relacionar também tem que conhecer quem ela é, sem a
maquiagem, sem o tentar ser e aparecer. Claro, o uso da maquiagem, a
vaidade, o cuidado de si, não precisa ser abandonado. Mas na intimidade,
o ideal é ir além do superficial, da base.
A IDEIA DO PERFIL
PROFISSIONAL
Muitas pessoas não sabem, mas a psicologia industrial – depois chamada
de psicologia organizacional ou Recursos Humanos – teve seu início com
a seleção de pessoal para se trabalhar nas fábricas, isto no início do
século XX. Foi uma das primeiras áreas de trabalho para os profissionais
da psicologia e que, também, ajudou na criação, consolidação e
divulgação dos testes psicológicos, com o nosso famoso QI (Questionário
de Inteligência).
A ideia por trás do perfil é muito simples e pode ser resumida em uma
frase: “Para cada vaga há um tipo de personalidade adequado”. Um
exemplo simples pode nos ajudar. Imagine que você esteja na fila de um
supermercado. Na sua frente, estão 5 pessoas com suas compras. No
caixa, uma funcionária lenta e morosa passa um item por vez a cada 30
segundos. Você e todos na fila começam a ficar impacientes e pensam
porque a caixa não é mais rápida.
PERFIL PROFISSIONAL DE
PSICÓLOGOS E ESTUDANTES DE
PSICOLOGIA
Bem, agora que entendemos a ideia de perfil profissional e vimos uma
das principais teorias a respeito dos tipos de personalidade que
influenciou a criação de testes como o MBTI e o Quati que são utilizados
em empresas, podemos passar à dúvida que me fez escrever: Qual é o
perfil dos psicólogos e estudantes de psicologia?
O que eu quero dizer é que as áreas dentro da psicologia são tantas que
estas mesmas áreas comportam todos os tipos de perfis profissionais.
Timidez e introversão
Neste texto, vamos falar sobre uma pergunta essencial e que deve ser o
começo de todo o nosso questionamento e busca sobre o que é a timidez
e sobre o objetivo das milhares de pessoas que me perguntam na seção
Pergunte ao Psicólogo: Como superar a timidez?
E aqui temos que fazer uma distinção, marcar uma diferença entre dois
conceitos: A diferença entre a timidez e a introversão.
O que quero deixar claro aqui é que a timidez não é algo imutável e não é
um tipo de personalidade como a introversão e a extroversão.
Se, repito, uma pessoa muito extrovertida pode ter momentos de timidez,
uma pessoa introvertida também.
A timidez é:
– um sentimento de incomodo ou desconforto perto de uma ou mais
pessoas;
– a dificuldade de olhar nos olhos das pessoas que estão ao redor (no
mesmo ambiente);
O QUE É INTROVERSÃO?
De acordo com o livro Tipos Psicológicos – publicado pela primeira vez
em 1920, a introversão tem o seguinte sentido:
É importante notar que voltar-se para dentro não significa uma atitude
egoísta ou ruim, no sentido ético, ou prejudicial, no sentido de ser uma
doença mental. Na concepção de Jung, existem pessoas que são
introvertidas e pessoas que são extrovertidas. Todas elas possuem
momentos que estão no seu oposto, ou seja, uma pessoa introvertida
pode-se comportar em diversos momentos como um pessoa extrovertida,
e vice-versa.
INDIVIDUAÇÃO – O OBJETIVO DA
VIDA
Individuação é um outro conceito de Jung. É um conceito que pode ser
pensado dentro do consultório de psicologia ou na vida em geral. Acima,
falamos da psique que, em uma tradução do grego para o português,
poderia ser alma. A psique é muito maior do que geralmente imaginamos.
Se pensarmos apenas no fato de que passamos boa parte de nossas
vidas sonhando, e, no sonho não somos totalmente conscientes e nem os
controladores, veremos que a psique é muito maior do que o eu, do que a
consciência.
Por exemplo na citação dos Tipos Psicológicos, Jung fala que uma
pessoa pode ser introvertida e ter como função principal uma destas
quatro funções: pensamento, sentimento, sensação e intuição. Se eu
tenho uma função intuitiva forte, terei uma função sensação fraca pois
são 2 opostos que se excluem. (Sentimento X pensamento; Intuição X
sensação). Ao realizar uma, deixamos de fora a outra.
Pela fato de esta ser a última coisa que é desejada, por ser o oposto do
que o eu introvertido quer, é o que deve ser feito. Pois a individuação
exige compromisso ético. E a ética da psicologia analítica é tomar conta
de Si-Mesmo e, ao fazê-lo, estar disponível para os outros.
O inconsciente coletivo, por outro lado, não representa o que eu vivi, mas
o que a humanidade como um todo viveu. No livro Estudos sobre
Psicologia Analítica, Jung escreve:
Jung notou, em suas viagens pelo mundo, que um indivíduo que não
conhecia (conscientemente) um mito grego, por exemplo, sonhava com
ele.
5 POSSIBILIDADES DE ORIGEM
DOS SONHOS
1) Origem somática: eventos que ocorrem no interior do corpo e podem
suscitar conteúdos na atividade onírica.
2) Eventos externos: como ruídos, frio ou calor, iluminação que podem ser
percebidos inconscientemente e afetar o contexto do sonho.
Por isso, Jung diz que “os sonhos são as palavras-guia da alma”. Os
sonhos guiam a alma em uma direção determinada.
Isto fica ainda mais claro ao pensarmos em uma cadeia de sonhos. Jung,
em seu livro “Psicologia e Alquimia” descreve e analisa 800 sonhos de um
físico quântico chamado Pauli. Em um número grande de sonhos vemos
que existe uma relação de sonhos passados com sonhos atuais. Com
isto, surge a pergunta: – o que é guiar?
De acordo com o Dicionário Eletrônico Houaiss – o mais completo da
língua portuguesa e o qual recomendo – guiar significa:
1) conduzir
2) amparar
3) aconselhar, esclarecer
4) dirigir, levar a
5) encaminhar
Os opostos se atraem?
Podemos pensar que cada um de nós nos sentimos atraídos por algo que
nos falta, por algo que não é semelhante ou parecido com o que temos ou
conhecemos. Nesse sentido, buscamos o que nos falta, buscamos o que é
diferente, buscamos o que é oposto. Como na concepção chinesa de Ying
e Yang
Pode ser que uma pessoa seja extremamente falante e a outra seja
calada, enquanto um gosta de sair, outro gosta de ficar em casa. Pode
ser que uma pessoa do casal seja brava, enquanto a outra é a calma em
pessoa…
Claro que não é uma regra. Mas existe um movimento psíquico circular,
em que voltamos em pontos nos quais já passamos, reencontramos o que
havíamos esquecido ou deixado para trás…
O amor, nesse sentido, diz muito sobre a procura que estamos sempre
fazendo por nós mesmos. Encontramos sempre na outra pessoa o que
ainda não encontramos em nossa alma.
Pense agora nas novelas e filmes que você já viu. Quantas e quantas
vezes não vemos uma história parecida? O casal se apaixona, tem tudo
para dar certo, mas há um impedimento. Às vezes é a família que impede,
às vezes é a condição social ou econômica, às vezes é uma outra pessoa
(que ama desesperadamente um deles) e tenta impedir a felicidade do
casal. De qualquer forma, o roteiro, a história e o mito são esses: um
casal apaixonado e um impedimento, um impedimento sério e difícil.
Essa história que Shakespeare escreveu na peça Romeu e Julieta não foi
inventada por ele. Encontramos em outras culturas histórias
semelhantes. Alguns séculos antes de Shakespeare, temos por exemplo o
romance de Tristão e Isolda – que é tema de uma ópera de Wagner.
A partir deste contato que Jung sente ser um contato real (que quase
nunca teve com um europeu), ele consegue ver o que representa a nossa
sociedade industrial, colonialista, capitalista para alguém de fora:
O índio diz:
“Veja como é cruel o homem branco… Seus olhos tem uma expressão
fixa. O que eles estão buscando? O homem branco sempre quer alguma
coisa; eles estão sempre incomodados e inquietos. Nós não sabemos o
que eles querem. Nós não o compreendemos. Nós pensamos que eles
estão loucos”.
Jung então lhe pergunta porque ele achava que o homem branco estava
louco.
E por outro lado, é interessante saber que existem povos, ainda hoje, que
conseguem realizar o indicado pelo Professor Henrique José de Souza:
“Pensar com o coração e sentir com a mente”.
O livro vermelho [Das Rote Buch, em alemão e The Red Book, em inglês]
foi um caderno de folhas grandes e capa vermelha em que C. G Jung
escreveu sobre o seu próprio caminho de individuação.
Na verdade, ele foi intitulado como Liber Novus, em latim Livro Novo, mas
como possuía a capa vermelha ficou conhecido na história da Psicologia
Analítica como Livro Vermelho mesmo.
Está disponível pela Editora Vozes, custando cerca de 500 reais. O valor,
aparentemente alto, no entanto se justifica pelo fato de ser um fac-símile
da edição original. Ou seja, em 2008 os editores escanearam – com os
scanners mais avançados – o “diário” secreto de Jung, que depois de sua
morte esteve guardado em um banco na Suíça.
“Muitos não querem saber qual é o seu desejo, porque poderia parecer
impossível ou perturbador. Mas mesmo assim o desejo é o caminho da
vida. Se você desconhece o seu desejo, então você não segue a si
mesmo mas vai em direção a caminhos estranhos que os outros
indicaram para você.
Então você não vive a sua própria vida, mas uma vida alienada. Mas
quem deve viver sua própria vida senão você mesmo?
É não apenas estúpido trocar a sua vida por uma vida alienada, mas
também um jogo hipócrita, porque você nunca poderá viver realmente a
vida dos outros, você pode apenas pretender fazê-lo, decepcionando os
outros e você mesmo já que só você pode viver sua própria vida”. (C. G.
Jung – Livro Vermelho, p. 249)
De que adianta ter uma vida só porque os outros disseram a você que é a
vida que você deve ter? Você já se questionou, já se perguntou, já pensou
se a vida que você está levando é a vida boa para você?
Pode ser para outros, podia ser para você há tempos atrás, mas hoje é?
No primeiro caso, notamos que a paciente era surda, não por problemas
fisiológicos, mas em virtude de sua histeria. Ainda que uma parte de sua
psique não ouvisse, outra podia ouvir, pois conseguira acompanhar a
nova tonalidade tocada pelo médico no piano. No segundo caso, a
paciente tem uma cisão na qual a sua consciência se identifica com sua
classe social na realidade, enquanto que no inconsciente, todos os
personagens são o oposto, a outra metade complementar.
Fiz questão de citar estes dois casos – poderia citar outros – para
mostrar como a histeria pode se manifestar de modos diferentes (um no
físico, outro no sintoma psíquico através de um sonho). Existem outros
casos citados pelo autor ao longo de suas obras completas, porém a
maior parte de seus escritos elabora sintomas e o desenrolar sintomático
de pacientes psicóticos, como dissemos.
FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
Esquizofrenia
SUICÍDIO E ALMA
O que pensamos quando pensamos em suicídio? Covardia, fraqueza,
morte precoce e anti-natural, doença mental? Se colocarmos todos os
nossos pensamentos de lado, nossos preconceitos a respeito do tema e
de quem pensa em se matar ou se matou, o que fica?
Para nos livrarmos dos pensamentos usuais, temos que conhecer quais
são as principais referências a seu respeito. Sociologia, teologia, direito,
medicina formularam seus princípios e compreensões do suicídio e do
suicida, cada qual ao seu modo, mas tendo sempre como perspectiva o
externo e o exterior.
Para a medicina, o suicídio é uma morte não natural e como todo o seu
esforço visa a manutenção da vida, este é um ato reprovável. A
psiquiatria, área menos nobre da medicina, encontra no suicídio o seu
vilão. Por isso, o suicídio deve ser prevenido, se há tentativa, a
internação compulsória e a medicamentalização constituem a saída.
Com o texto de 1912, Jung passa a pensar a libido não como uma “força”
psíquica apenas sexual. Para ele, a libido deveria ser pensada como uma
energia em geral, que poderia ser transformada ou reutilizada em outros
âmbitos e áreas. A partir de experiências pessoais e também a partir do
contato com pacientes, ele começa a desenvolver o conceito de
inconsciente coletivo, bem como a notar as diferenças entre os
pacientes – e as diferenças nas teorias filosóficas, psicológicas,
artísticas – através da ideia de tipos psicológicos.
Cristo vem para reatar o vínculo entre Deus e o Homem, ele é a figura
central de mediação que pode restabelecer o contato do individuo com
Deus.
Jung complementa a frase acima com a seguinte crítica, “[…] com isso
estaríamos confirmando, mais uma vez, que ‘tudo que é bom vem de fora’,
onde devemos busca-lo para nossas almas estéreis”. (JUNG 2011, p. 20)
O que torna nós, humanos, seres com alto potencial criativo? Como surge
a inspiração para escrever um magnifico poema, ou compor uma melodia,
ou até mesmo pintar um quadro que possa ser a melhor expressão do que
sentimos? Será mesmo que todas essas manifestações são
simplesmente pura “invenção” racional?
“Tudo o que se quer dizer sobre esse ‘sagrado’ deve ser [será dito] em
categorias racionais, portanto culturais. Aí, já se trata de outro momento,
que é o momento hermenêutico, o momento do desdobramento da
experiência nas fraldas da respectiva cultura de um povo. Usa-se aí de
analogias, metáforas, símbolos, etc., que são, no seu conjunto, espécies
de gênero da linguagem da experiência religiosa”. (RAIMER 2010, p.4)
Como diria um sábio professor meu – “A arte só pode servir a ela mesma,
pois de outra forma, ela deixaria de ser arte.”
Estudando: Psicologia Analítica
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10º Módulo: O conceito patologizar - James Hillman
“O problema que ocupava o primeiro plano de meu interesse e de minhas
pesquisas era o seguinte: o que se passa no espírito do doente mental?”
(JUNG, 2006, p. 141)
De acordo com este autor, para que possamos nos aproximar novamente
a psicologia da patologia, é preciso que haja uma quebra de paradigmas
quanto à forma de enxergar o que é doença e o que é saúde. Para tanto,
Hillman desenvolve um conceito que nos gera certa estranheza. Ele dá o
nome de patologizar, e defende que a patologia faz parte da própria
expressão da psique, como se o natural da alma fosse o movimento da
patologização, de criação de doenças, morbidades, anormalidades, de
possuir falhas e distúrbios de qualquer ordem ou comportamento.
Para que a psique possa se manifestar com toda sua grandeza, ela
produz fantasias patologizantes a fim de que, o humano possa
experimentar as perspectivas deformadas e aflitas inerentes a ele
mesmo.
SIGNIFICADO DE
PATOLOGIZAR OU
PATOLOGIZAÇÃO
Hillman nos coloca que os termos específicos da psicologia como,
neuroses, complexos, repressões, são referentes a conscientizações
altamente diferenciadas das condições que a alma apresentou através da
observação e reflexão psicológica nos últimos três séculos.
Hillman nos coloca que durante o século XVIII e XIX, estava “na moda”
que a psiquiatria isolasse as desordens específicas inventando nomes
próprios, como autismo, catatonia, exibicionismo, esquizofrenia e etc. E a
partir daí, classificar o mundo da psique como outros fizeram com o
mundo animal e vegetal, dividindo-os em categorias e subclasse de
gênero, espécie e cor, ou seja, pensamento típico que veio com as ideias
Iluministas que até hoje dominam a forma com que concebemos o
mundo.
Expondo sobre o uso dos rótulos o autor critica rótulos como “psicopata”
ou “maníaco-depressivo”, pois apesar de trazem clareza intelectual ao
problema também lacram em vasos fechados o conteúdo daquilo que
nomeiam, e a pessoa assim nomeada é relegada à prateleira da
“psicopatologia da anormalidade” (HILLMAN 2010, p. 141)
Por fim, só nos resta refletir acerca dos fenômenos da psique, pois é
extremamente difícil e complexo estabelecer uma linha que separe saúde
e a doença, se é que de fato existe tal separação como exemplificou
Hillman. Até que ponto o que acreditamos ser patológico e errado, não
seria de fato, uma pura manifestação profunda e verdadeira do nosso ser
enquanto totalidade, enquanto alma pura simplesmente humana?
Eu enquanto psicólogo, acredito que faz todo sentido olhar por esta
perspectiva proposta por ele, mas, ainda não consigo ter clareza quanto
incapacidade de não ter o que fazer perante as pessoas que me procuram
em sofrimento. Se eu consegui compreender bem as colocações de
Hillman, não é sobre não “tratar” os pacientes, mas sim a forma como o
tratamento é feito que deveria mudar, e talvez, através da nova forma
proposta por ele chamada de o “cultivo da alma”, que para mim ainda é
obscura.
Ao retirar nosso chão, ele não nos deu nada em que nos apoiar. Acredito
que isso possa ser um tanto arriscado, pois a partir do momento que ele
estimula a destruição de nossas bases, e logo em seguida, não nos
oferece nada para reconstruirmos, nós vemos frente a duas opções; ou
voltamos às velhas atitudes, ou temos que por nós mesmos, buscar um
novo caminho de recomeço a falar sobre psicologia.
Seja qual for à atitude que tomemos daqui para frente, acho bem difícil
que os temas aqui trabalhados não fiquem ecoando ao redor de nossa
mente, talvez esta seja, a real proposta dele.
A religião para Carl Gustav Jung foi, desde muito cedo, o centro de sua
atenção e o alvo de seus estudos. O fascínio que ela exercia no psicólogo
suíço era tamanho, que boa parte de suas obras pode ser considerada
uma tentativa de se compreender o fenômeno religioso, formando, no
conjunto geral do pensamento deste autor, um grande tratado sobre
religião. Vindo de uma tradição protestante, desde cedo, foi
confrontado com o fenômeno religioso, principalmente em sua própria
casa [2] , Sem contar as inúmeras experiências com o transcendente
narradas por ele em célebres obras. [3]
Essa preocupação conduziu Jung a uma fervorosa tentativa de inserir
seu estudo, tanto em um campo da psicologia, quanto da medicina
psiquiátrica em meio à cultura alemã materialista [4] , na qual a
psicologia que imperava nascera no berço de Wundt e Skinner, como uma
psicologia organicista destituída de alma. Deste modo, as reflexões e seu
principal pensamento para a questão da religião encontram melhor
ensejo nas suas obras de referência do tema. Jung tenta compreender os
fenômenos religiosos pelo viés da psicologia, principalmente destacando
a influência do inconsciente. A obra destinada a tratar desse assunto foi
intitulada nas primeiras compilações, Psicologia da Religião Ocidental e
Oriental [5].
Mas o que parece ser o ponto auge das considerações sobre a religião é
o texto Resposta a Jó [11]. A perspectiva adotada por Jung nesse escrito
parece ser um tanto diferente. Se até o momento os textos giravam em
torno de demonstrar que psicologia e religião não eram inimigas, mas
antes, possuíam pontos em comum. Em Jó vemos uma especulação
declarada no campo da teologia. Jung, seguindo a trilha de Jó,
tenta enfrentar o problema do bem e do mal vividos amargamente por
esse personagem bíblico.
Sobre essa questão, Azevedo comenta: […] nos parece que o termo
religio, enquanto observância escrupulosa do rito, enquanto um zelo
constante em relação aos deuses, dizia respeito aos atos do próprio
cotidiano; cotidiano que, por sua vez, deveria se configurar por esse
cuidado constante em relação aos deuses. Talvez essa característica
explique porque, inicialmente, religio era um termo ordinário do vocábulo
romano; pois, parece-nos que todos os atos faziam parte do âmbito de
religio (Azevedo, 2010, p. 92).
Tanto nas obras completas quanto nas cartas parece haver um erro
referente à grafia do termo relegere. Jung utiliza a palavra religere, que
não existe no latim, para se referir ao mesmo sentido do termo relegere
cunhado por Cícero na obra, De Natura Deorum (A Natureza de Deus). De
toda forma, o conceito de religião usado por Jung se remete às raízes
antigas do paganismo, no qual está vinculado à prática correta dos ritos,
exigindo uma postura de escuta, observação e submissão por parte do
ser humano ao desejo ou à vontade dos deuses.
Em outro trecho Jung irá afirmar que a religião é “um equilíbrio entre o
eu e o não-eu psíquico, uma religio, ou seja, um levar em conta
escrupulosamente a presença das forças inconscientes, que não
podemos negligenciar sem correr perigo”(OC, v. XVI/2, p. 80, § 395-396).
Aqui é possível perceber o ponto chave que permite a vinculação da
religião em seu modelo de psicologia. Não é por acaso que Jung toma
emprestado o termo relegere de Cícero. Este parece significar, para ele, a
possibilidade de utilizar o conceito de inconsciente para se referir aos
fenômenos percebidos como ocultos, transcendentes, atribuindo-lhes um
lugar na esfera psíquica. O termo relegere permite uma leitura mais
ampla para a religião, sem tomar partido de um contexto
necessariamente cristão, além de possibilitar a vinculação com a teoria
dos arquétipos e do inconsciente coletivo.
Outra questão que muitas vezes embaça o conceito de religião nas obras
do autor também pode ser apresentada por Nise da Silveira, que relata:
“do ponto de vista de Jung a religiosidade é uma função natural, inerente
à psique. Fenômeno universal, a religião é encontrada desde os tempos
mais remotos em cada tribo, em cada povo […] religião é um instinto”
(Silveira, 2007, p. 125. [Grifo nosso]). Hopcke também compartilha do
ponto de vista que a Religião é tomada no pensamento de Jung por um
instinto [18].
Religião aparece aqui não como um instinto, mas como uma função da
psique. Esta questão também pode ser observada quando Jung fala do
aspecto numinoso dos arquétipos, principalmente relacionado ao
arquétipo do si-mesmo (OC, v. IX ). A religião também aparece em seus
escritos como uma tentativa inata de proteção contra o inconsciente,
destacando os rituais como medidas para afastar estes perigos 9 OC, v. V
& XI ). Talvez o mais próximo que podemos chegar da religiosidade
humana como um instinto ou como algo inato surge desta afirmativa:
Há aqui uma pertença mútua, de modo que um não pode ser sem o outro.
Perguntamos então: onde está o Numinoso? Otto responde: “Só se pode
indicar através do tom e do conteúdo particular da reação dosentimento
que provoca o seu aparecimento na consciência e que é necessário
experimentar em nós próprios” (SOUZA, 2013, p. 1-2).
O símbolo nos leva à parte que falta do homem inteiro. Ele nos põe em
relação com nossa totalidade original e cura nossa divisão, nossa
alienação da vida. E como o homem total é bem maior que o ego, o
símbolo nos põe em relação com as forças suprapessoais que constituem
a fonte de nossa existência e do significado que temos. Essa é a razão
para que se honre a subjetividade e para que se cultive a vida simbólica
(Edinger, 1995, p. 182).
[2] “Na família de minha mãe havia seis pastores protestantes. Meu pai e
dois de seus irmãos também o eram. Ouvi, portanto, inúmeras conversas
religiosas, discussões teológicas e sermões. E eu dizia sempre comigo
mesmo: ‘Sim, sim, tudo isto é muito belo… Mas, e o segredo? O mistério
da graça também é um segredo. […] Eu pensava então: ‘Em nome do Céu,
deve haver alguém que saiba disso! A verdade deve estar em alguma
parte.’ Vasculhava a biblioteca de meu pai e lia tudo o que encontrava
acerca de Deus, da Trindade, do espírito e da consciência. Devorei livros
sem encontrar o que buscava. […] Li a Bíblia de Lutero que pertencia a
meu pai” (Jung, 2006, p. 64). Nesta mesma obra, Jung também relata
que mergulhou fundo na filosofia à procura de respostas sobre Deus.
[3] As obras: Memória, Sonhos e Reflexões; O Livro Vermelho estão
abarrotadas de relatos pessoais que constatam esse fato.
[6] Como foi utilizada a mesma edição para todas as obras de Jung
citadas nesse trabalho, optou-se por colocar a referência como: Obras
Completas (sigla OC), volume (em algarismo romano), número e
parágrafo. No caso da obra citada acima – OC, v. XI/2.
[16] Poucas vezes (se não as únicas) aparece o termo religare: uma nota
de rodapé, no volume XI/5, no qual Jung diferencia relegere de religare .
Em cartas, também com o intuito de diferenciar as duas origens para a
palavra religião. Fica claro que Jung não usa o termo religare.
Jung gostava de mencionar este princípio pois, assim como não podemos
colocar uma alavanca no espaço para mover a terra, não podemos
também sair de nossa psique. Embora isto represente uma verdade
indubitável, ele também elaborou o conceito de objetividade psíquica, ou
seja, a psique não é apenas e tão somente um amontado de
características subjetivas, mas apresenta-se para o observador atento de
maneira objetiva.
A OBJETIVIDADE PSÍQUICA
PARA JUNG
O começo da elaboração do conceito de objetividade psíquica está
no Livro Vermelho, um livro de difícil definição, mas que pode ser
pensado como um diário no qual Jung escreveu seus sonhos,
pensamentos, visões, fantasias e imaginações ativas. Por apresentar
narrativas, ou seja, aventuras e diálogos com personagens de seu mundo
interior, o livro de igual modo pode ser pensado como literatura, embora
ele gostasse de defini-lo como advindo da natureza, não como arte.
Isto ajuda, com certeza, a ter coragem para se permitir pensar tudo e
qualquer coisa, a ir aonde o pensamento for, seja uma profundeza abissal,
seja uma profundeza celeste.