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Leitura analítica iniciada em 20 de julho de 2018 


─ 
CALVINO, João. A Instituição da Religião Cristã. São 
Paulo: UNESP, 2008. Tomo I. 
 
Daniel Gomide da Silva 
Bacharel em teologia 

 
 

 

 

 
Carta ao Rei 
João  Calvino  identifica  dois  objetivos  para  sua  obra:  ensinar  alguns  rudimentos  da 
fé  cristã  e  declarar  ao  monarca  Francisco  uma  confissão.  Entretanto,  essa  mesma 
doutrina  que  Calvino  deseja  ensinar  é  alvo  de  ataque.  O  ataque  acusa  a  doutrina 
defendida  por  Calvino,  dentre  outras  coisas,  de  sedição  e  de  malefícios.  As 
sentenças  levantadas  contra  essa  causa  são  denominadas  por  Calvino  de 
“mentiras, ardis e calúnias” (p 14). 
Calvino,  por  seu  turno,  conclama  ao  rei  exercer  seu  dever,  isto  é,  “reconhecer-se 
ministro  na  administração  do  reino  de  Deus”  (p  15),  pois  o  rei  age  legitimamente 
quando  reina  para  servir  a  glória  de  Deus  e  obtém  prosperidade  quando  é  regido 
pelo Seu cetro.  
Calvino  alega  estar  consciente  de  sua  miserabilidade  não  apenas  em  relação  a 
Deus,  mas  também  diante  de  seus  semelhantes,  de  sorte  que  não  tem  de  que  se 
gloriar,  a  não  ser  na  misericórdia  de  Deus  “para  que  não  sejamos  admitidos  à 
esperança  da  salvação  eterna  por  nada  que  seja  mérito  nosso”  (p.  16).  Não 
obstante  sermos  “paupérrimos  e  abjetos”,  é  preciso  “que  nossa  doutrina  seja 
elevada  acima  de  toda  a  glória  do  mundo  e  permaneça  invencível  sobre  todo  o 
poder,  uma  vez  que  não  é  nossa,  mas  do  Deus  vivo,  e  do  seu  Cristo,  que  o  Pai 
constituiu  Rei,  para  que  domine  de  mar  a  mar,  desde  os  rios  até  os  confins  da 
terra.  E  é  certo  que  a  domine  de  tal  modo  com  sua  força  férrea  e  brônzea,  com  o 
esplendor  dourado  e  prateado,  que  apenas  estalada  a  vara  de  sua  boca,  não  se 
quebre  diferentemente  que  um  vaso  de  oleiro,  do  mesmo  modo  que  os  profetas 
anunciaram sobre a magnificência de seu Reino [Dn 2,32; Is 11,4; Sl 2,9]” (p. 16). 
Calvino  então  menciona  outra  acusação,  a  saber,  “nossos  adversários  nos  acusam 
tomar  falsamente  a  palavra  de  Deus”.  A  resposta  de  Calvino  estabelece  um 
princípio  hermenêutico  denominado  “proporção  da  fé”  extraído  de  Rm  12:6.  Tal 
princípio  está  relacionado  à  postura  que  deve  ser  adotada  pelo  intérprete:  “O que, 
com  efeito,  converge  melhor  e  mais  adequadamente  com  a  fé  do  que  nos 
reconhecermos  desnudados  de  toda  virtude,  para  que  sejamos vestidos por Deus? 
Vazios  de  todo  bem,  para  que  sejamos  preenchidos  por  Ele?  Servos  do  pecado, 
para  que  sejamos  libertos  por  Ele?  Cegos,  para  que  sejamos  iluminados  por  Ele? 
Enfraquecidos,  para  que  sejamos  sustentados  por  Ele?  Afastarmo-nos  de  toda 
matéria  de  glória,  para  que  apenas  Ele  seja  eminentemente  glorioso  e  sejamos 
glorificados n’Ele?” (p. 16).  

 

Ao  declarar  plena  confiança  na  obra  de  Cristo,  Calvino  recorda  ainda  outra 
acusação,  isto  é,  de  que  tal  confiança é repleta de arrogância e presunção (p. 17). A 
resposta  de  Calvino  é  apontar  para  o  reconhecimento  de  sua  falência:  “E  tal  como 
nada  há  de  nosso,  mas  tudo  deva  ser  presumido  de  Deus,  não  somos  espoliados 
de  toda  glória  vã  senão  para  que  aprendamos  nos  gloriar  no  Senhor”  (p.  17).  E 
mais,  a acusação é mais uma calúnia, pois “somos censurados porque depositamos 
nossa  esperança  no  Deus  vivo  [1Tm  4,  10],  uma  vez  que  cremos  ser  esta  a  vida 
eterna:  conhecer  um  único  Deus  verdadeiro  e  aquele  a  quem  Ele  enviou,  Jesus 
Cristo [Jo 17, 3]” (p. 17). 
Calvino  alega  que  as  autoridades  do  catolicismo  romano  permitem  que  a 
verdadeira  religião  “seja  ignorada,  negligenciada,  desprezada”  e  que  “nem  os 
impressiona  muito  que  a  glória  de  Deus  seja  manifestamente  poluída  com 
blasfêmias,  desde  que  não  se  levante  um  dedo  contra  o  primado  da  Sede 
Apostólica  e  a  autoridade  da  mãe  Igreja”  (p.  18).  Por  outro  lado,  combatem, 
motivados  pelo  estômago,  em  favor  de  doutrinas  sem  embasamento  bíblico.  Esse 
mesmo  zelo  pelo  estômago  é  que  leva  tais autoridades a atacarem a fé reformada. 
Nesse  ponto  Calvino  identifica  outro  estratagema  do  catolicismo,  a saber, rotular a 
fé  reformada  de  novidade  para  então  escarnecer  dela  como  duvidosa  e  incerta  (p. 
18).  Calvino  não  se  deixa  impressionar  com  tal  ataque.  Ele  mina  a  força  dessa 
injúria  ao asseverar que “ao chamá-la de nova, injuriam de modo veemente a Deus, 
cuja  Sagrada  Palavra  não  merecia  ser  acusada  de  novidade.  Tenho,  por  certo, 
poucas  dúvidas  de  que  seja  nova  para  aqueles  que  tanto  o  Cristo  é  novo  como  o 
Evangelho  é  novo,  mas  os  que  aprenderam  que  seja  antigo  aquele  discurso  de 
Paulo,  que  Jesus  Cristo,  morto  pelos  nossos  pecados,  tenha  ressuscitado  para  a 
nossa justificação [Rm 4, 25], não encontram nada de novo junto de nós [...] Vem da 
mesma  fonte  de  ignorância  que  a  tomem  como  duvidosa  e  incerta.  Foi  anunciado 
que  o  Senhor  tenha  se  queixado,  pela  palavra  de  seu  profeta,  de  que  o  boi 
conhecesse  seu  dono,  e  o  jumento,  a  manjedoura  de  seu  senhor,  mas  que Ele não 
fosse entendido pelo seu povo [Is 1, 3]” (p. 19). 
Os  inimigos  da  fé  reformada  exigiam,  como  prova  de  sua  autenticidade, 
confirmação através de milagres. A resposta de Calvino  
 

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