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O que é um golpe de estado?

Alvaro Bianchi

Discute-se muito a respeito da possibilidade de um golpe de estado no Brasil. Mas


a discussão não deveria ignorar a necessidade de uma rigorosa conceitualização, nem a
vasta bibliografia existente sobre o tema. Já no século XVII Gabriel Naudè definia o coup
d’état como “aquelas ações arrojadas e extraordinárias que os príncipes são forçados a
tomar em situações difíceis e desesperadas, contrariamente à lei comum, sem manter
qualquer forma de ordem ou justiça, colocando de lado o interesse particular em benefício
do bem público” (NAUDÈ, 1679, p. 110).
Em Naudè o coup d’état se confunde com a própria raison d’état. Em sua
exposição considerava, por exemplo, que a perseguição aos huguenotes na noite de São
Bartolomeu decretada pelo rei Carlos IX havia sido um golpe de estado, assim como o
assassinato do duque de Guise por Henrique III e a proibição pelo imperador Tibério de
que sua cunhada se casasse novamente e tivesse filhos que disputassem o trono. O livro
de Naudè já oferece uma pista para uma definição de golpe de estado: um conceito eficaz
de golpe de estado deve levar em conta seu sujeito e os meios excepcionais que este utiliza
para conquistar o poder.
A inspiração de Naudè era fortemente maquiaveliana. Sua obra não tinha por
objeto apenas a conquista do poder. Ela trata, também, das condições necessárias para sua
manutenção. Assim como o secretário florentino, Naudè ainda não fazia aquela distinção
propriamente moderna entre o príncipe e o Estado. Daí que o coup d’état fosse sempre
retratado como uma conspiração palaciana e seu protagonista fosse sempre o soberano.
Tratava-se de uma era de transição. Escrevendo contemporaneamente a Naudè, Thomas
Hobbes insistiria nessa identificação entre o soberano e a sociedade política, mas em
autores imediatamente posteriores, como John Locke o governante e o Estado já aparecem
como duas entidades separadas.
A ideia de coup d’état foi usada com parcimônia pela literatura do séculos
seguintes. A generalização na publicística da época da ideia de coup d’étatocorreu na
França apenas durante o século XIX. A historiografia desse século tendeu a interpretar a
derrubada do Diretório e a instituição do Consulado por Napoleão Bonaparte, no 18
brumário do ano VIII como um golpe de estado. Depois, em alguns panfletos como
naqueles de Jules Failly (1830), Jean-Baptiste Mesnard e Santo-Domingo (1830), os
eventos que culminaram com a ascensão de Louis Philippe ao poder, em 1830 foram
pensados como um coup d’état. Mas foi depois do golpe de Luís Bonaparte, em 1851,
que a literatura referente ao tema se difundiu. Karl Marx, com seu 18 brumário de Luís
Bonaparte é o mais conhecido, mas a literatura existente sobre o golpe promovido pelo
sobrinho de Napoleão é muito mais vasta. O próprio Marx lembra a respeito dois livros
notáveis, um de Pierre-Joseph Proudhon (1852) e outro de Victor Hugo (1852).
Uma mudança conceitual importante ocorreu no século XIX. O uso da ideia de
coup d’état na literatura política a partir do século XIX não tem por sujeito
exclusivamente o soberano e os golpes retratados não têm seu lugar apenas nos palácios
imperiais. A elevação de Napoleão à condição de primeiro-cônsul, por exemplo, foi
tramada no interior do Conseil des Anciens e do Conseil des Cinq-Cents e foi decidida
com a intervenção do exército. E seu sobrinho não teria conseguido realizar seus
propósitos sem a mobilização do exército comandado pelo general Jacques Leroy de Saint
Arnaud. Marx descreve os episódios que levaram à entronização de Luis Bonaparte como
uma série de golpes e contragolpes. A lei que a Assembleia preparava definindo as
responsabilidades do presidente da República foi descrita, por exemplo, como um golpe
contra Bonaparte (MARX, 2011 [1852], p. 51). Também eram denominadas de “coup
d’état da burguesia” a lei eleitoral de 31 de março de 1850, a qual restringia a participação
popular, e a lei de imprensa, que proscreveu os jornais revolucionários (MARX, 2011
[1852], p. 86).
A literatura do século XIX sobre o golpe de estado distingue-se do modelo
apresentado por Naudè. Naquelas obras que tem por objeto o golpe de Luís Bonaparte,
evidentemente o sujeito da ação ainda é o soberano. Mas as condições nas quais o golpe
se efetivou foram mais complexas do que aquelas existentes nas conspirações palacianas
e o número de atores envolvidos era maior. A trama que resulta no coup d’état era, assim,
mais intrincada e envolvia atores que estavam fora do palácio, em especial aqueles que
se encontravam na Assembleia Nacional e sem os quais o golpe não teria sido possível.

Militares e burocratas
Uma pesquisa com o aplicativo Ngram Viewer do Google Books permite
vislumbrar a evolução do uso da expressão coup d‘etat. O aplicativo busca e quantifica
palavras ou expressões indicando a fração percentual delas no total do corpus de livros.
Não é um mecanismo muito preciso porque o corpus apresenta lacunas. Quando feita a
pesquisa em livros em francês, por exemplo, a expressão não aparece nenhuma vez entre
1850 e 1876, quando uma simples busca de livros por título na Biblioteca Nacional
Francesa já indica mais de 150 obras com a expressão. Mas quando se faz a busca no
corpus em inglês o resultado é muito interessante, como se pode ver no gráfico abaixo:

A partir da Primeira Guerra Mundial há um uso cada vez mais intenso da


expressão coup d’etat na bibliografia em inglês. Com a exceção de um declínio durante
a Segunda Guerra Mundial e nos anos imediatamente posteriores o crescimento é
contínuo até 1969, seguindo-se por uma acentuado queda nos anos posteriores. Essa
queda é simétrica aquela que a expressão dictactorship (ditadura) apresenta nos mesmos
anos e coincidiria de certa maneira com aquilo que Samuel Huntington (1991) chamou
de terceira onda de democratização, a qual teria ocorrido a partir de 1974.
Além de acompanhar o uso da expressão é importante compreender os sentidos
que ela passou a assumir no século XX. Na obra clássica do escritor Curzio Malaparte,
Technique du coup d’état (1981 [1931]), também ela inspirada em Machiavelli, o golpe
de estado é o próprio ato de conquista do poder político. Malaparte generaliza o conceito,
concebendo o golpe de estado como um momento da revolução e da contrarrevolução. O
livro provocou a ira de Leon Trotsky o qual era amplamente citado como um dos artífices
do golpe de estado que teria levado os bolcheviques ao poder.
Mas a literatura que se debruçou sobre os golpes de estado da segunda metade do
século XX achou por bem distinguir o coup d’état da revolução. É o caso, por exemplo
do livro de Edward Luttwak, Coup d’etat: a practical handbook (1969). Luttwak é um
conservador, especialista em assuntos militares e já trabalhou como consultor do
Departamento de Estado nos Estados Unidos. Seu livro sobre o golpe de estado foi
interpretado por muitos como uma manual prático para a realização de um golpe. Mas
como ele mesmo alerta ironicamente se fosse isso o livro não serviria de muita coisa. No
único caso em que foi comprovado seu uso o golpe fracassou e seu protagonista foi preso
e executado (LUTTWAK, 1991 [1969], p. 19).
Logo no início de seu livro, Luttwak define o golpe de estado como um fenômeno
moderno, decorrente da “ascensão do Estado moderno com sua burocracia profissional e
suas forças armadas” (LUTTWAK, 1991 [1969], p. 23). O golpe se distinguiria da
conspiração palaciana, a qual estaria relacionada, exclusivamente, à pessoa do
governante. Segundo Luttwak, “o golpe é algo muito mais democrático. Pode ser
conduzido ‘de fora’ e opera naquela área fora do governo mas dentro do Estado, que é
formada pelo funcionalismo público permanente, pelas foras armadas e a polícia. O
objetivo é desligar os funcionários permanentes do Estado da liderança política”
(LUTTWAK, 1991 [1969], p. 23).
A diferença entre o golpe a revolução estaria no sujeito desses processos.
Enquanto o coup d’état tem por sujeito a burocracia estatal, a revolução tem como
protagonista as “massas populares”. Destaque-se que Luttwak considera o golpe de estado
não é uma técnica apropriada para uma orientação política particular, ou seja, o golpe é
uma tática “politicamente neutra” de conquista do poder político e são bastante frequentes
os casos de golpes de estado levados a cabo por setores progressistas ou nacionalistas do
aparelho estatal.
No século XX a forma predominante foi a do “pronunciamento”, o golpe de estado
promovido pelos militares. Em suas origens no século XIX a forma do pronunciamento
estava frequentemente associada a movimentos liberais e o propósito do golpe era
expressar a “vontade geral” contra o governo. Mas com o passar do tempo esta forma
adquiriu contornos mais conservadores, e o golpe passou a ser visto como a manifestação
da “vontade real”, de uma estrutura espiritual duradoura que nem sempre coincidiria com
a opinião pública e que teria como guardiã uma instituição igualmente duradoura, o
exército (ver, p. ex. LUTTWAK, 1991 [1969], p. 28).
Ainda assim, Luttwak assinala as diversas ocasiões entre 1945 e 1978 nas quais o
golpe teria tido como protagonistas frações políticas ou militares “esquerdistas”. É o caso
dos golpes fracassados de 1959 no Iraque, 1960 na Guatemala, 1966 no Egito, 1966 no
Sudão, 1968 no Iemen, 1971 no Madagascar e 1972 na República Popular do Congo.
Haveria ainda o golpe bem sucedido de uma “facção esquerdista” do exército Sírio em
1966 e o golpe promovido pelos comunistas na Tchecoslováquia em 1948 (cf.
LUTTWAK, 1991 [1969], Tabela II). Embora o conceito de esquerda que o autor utiliza
possa ser questionado esses eventos, nos quais geralmente facções nacionalistas e
modernizantes do exército tiveram o protagonismo já são suficientes para questionar a
hipótese de que o que define um golpe de estado é seu caráter reacionário.[1]

Repensando o conceito
A maior parte dos golpes de estado inventariados por Luttwak tiveram por
protagonistas facções do exército e seu livro considera o golpe predominantemente como
uma operação militar tática. O golpe militar é, sem dúvida, a forma predominante durante
o século XX. Isso fez com que muitas vezes o copu d’état fosse identificado
exclusivamente com sua variante militar. É o que ocorre na definição que David
Robertson oferece em The Routdlege Dictionary of Politics: “Coup d’état descreve a
derrubada repentina e violenta de um governo, quase invariavelmente por militares ou
com a ajuda de militares” (ROBERTSON, 2004, p. 125).
Mas a uma definição tão limitada não permite considerar a hipótese de golpes
promovidos por grupos do poder Legislativo ou Judiciário ou por uma combinação de
vários grupos e facções. Esse parece ser o caso brasileiro em 1964, quando a mobilização
militar encontrou o respaldo no Senado, que declarou “vaga a presidência da República”
e no Supremo Tribunal Federal, que realizou uma sessão na madrugada do dia 3 de abril
para empossar Ranieri Mazzili na presidência. Recentemente, os golpes que derrubaram
Manuel Zelaya em Honduras, no ano de 2009, e Fernando Lugo no Paraguai, em 2012,
tiveram por protagonistas facções do poder Legislativo. O conceito precisa, portanto, ser
alargado. Aquela ideia inicial de Naudè pode ser retomada com esse propósito, mas como
um ponto de partida. O conceito deve deixar claro quem é o protagonista daquilo que se
chama coup d’état, os meios que caracterizam a ação e os fins desejados.
O sujeito do golpe de estado moderno é, como Luttwak destacou, uma fração da
burocracia estatal. O golpe de estado não é um golpe no Estado ou contra o Estado. Seu
protagonista se encontra no interior do próprio Estado, podendo ser, inclusive, o próprio
governante. Os meios são excepcionais, ou seja, não são característicos do funcionamento
regular das instituições políticas. Tais meios se caracterizam pela excepcionalidade dos
procedimentos e dos recursos mobilizados. O fim é a mudança institucional, uma
alteração radical na distribuição de poder entre as instituições políticas, podendo ou não
haver a troca dos governantes. Sinteticamente, golpe de estado é uma mudança
institucional promovida sob a direção de uma fração do aparelho de Estado que utiliza
para tal de medidas e recursos excepcionais que não fazem parte das regras usuais do
jogo político.
Também aqui o espírito de Machiavelli se faz presente. Compreender o que é um
golpe de estado é o primeiro passo para poder enfrenta-lo. Substituir o conceito por
slogans pode ter efeitos positivos para a mobilização das pessoas. Mas não é um recurso
que permita compreender a realidade presente. A própria mobilização obtida é, por essa
razão, incapaz de uma ação política eficaz. Frequentemente ela aponta para a direção
errada. Um componente importante da atual crise da esquerda está em sua recusa a
compreender a realidade. Prefere sempre a comodidade das antigas fórmulas. A análise
torna-se, assim, serva da política. Mas sem o controle do pessimismo do intelecto, o
otimismo da vontade transforma-se em ativismo verbal. E às vésperas de um coup d’état
no Brasil, o que não tem faltado é esse inócuo ativismo verbal.

Referências bibliográficas
AUGERAUD, W. Le coup d’état du 18 brumaire et ses conséquences. Bruxelles: J.-H.
Briard. 1853.
FAILLY, Jules. Jugement du coup d’état et de la Révolution de 1830. Paris: Delaunay,
1830.
GABRIEL, Alexandre. Le coup d’Etat de décembre 1851 dans le Var. Draguignan: imp.
de Gimbert fils, Giraud ,1878
HUGO, Victor. Napoléon le Petit. Bruxelles: A Mertens, 1852.
HUNTINGTON, Samuel P. The third wave: democratization in the late twentieth century.
Norman: University of Oklahoma, 1991.
LUTTWAK, Edward. Golpe de Estado: um manual pratico. Rio de Janeiro, RJ: Paz e
Terra, 1991 [1969].
MALAPARTE, Curzio. Técnica do golpe de estado. Lisboa: Europa-América, 1983.
MARX, Karl. O 18 brumário de Luís Bonaparte. Prólogo de Herbert Marcuse. São Paulo,
SP: Boitempo, 2011 [1952].
MESNARD, Jean-Baptiste. Le Coup d’état et la Révolution. Paris: de Selligue. 1830
NAUDÉ, Gabriel. Considérations politiques sur les coups d’Estat. Paris: s.e., 1679.
PROUDHON, Pierre-Joseph. La Révolution sociale démontrée par le coup d’état du 2
décembre. 2 ed. Paris: Garnier frères 1852.
ROBERTSON, David. The Routledge Dictionary of Politics. 3 ed. London: Routledge,
2004.
SANTO-DOMINGO, Joseph-Hippolyte de. Les Prêtres instigateurs du coup d’état, ce
qu’ils ont fait, ce qu’ils auraient fait, ce qu’ils peuvent faire. Paris: A.-J.,1830.
TÉNOT, Eugène. Paris en décembre 1851: étude historique sur le coup d’état (5e
édition). Paris: Le Chevalier, 1868
Nota
[1] Poderíamos acrescentar que, de acordo com o conceito de Luttwak, os levantes
militares de 1922 e 1924 e até mesmo o putsch comunista de 1935 no Brasil seriam golpes
de estado fracassados promovidos por “facções esquerdistas do exército”, enquanto a
chamada Revolução de 1930 seria um golpe bem sucedido promovido pela mesma fração.

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