Mariana Cavalcanti
Professora da FGV-RJ
O artigo apresenta um relato etnográfico sobre o The article Awaiting, in Ruins: Urban Planning,
Programa de Aceleração do Crescimento nas Fave- Aesthetics and Politics in the Rio de Janeiro of
las (PAC-Favelas) em Manguinhos, antiga zona in- ‘Pacification’ brings an ethnographic account on the
dustrial do subúrbio carioca. O artigo começa por PAC-Favelas (favelas upgraded under the Growth Ac-
reconduzir a estética das obras ao contexto político celeration Plan) in Manguinhos, former industrial sub-
mais amplo da cidade, no qual a política das Unida- urb of Rio de Janeiro. The article begins by replacing
des de Polícia Pacificadora (UPPs) ocupa um lugar the aesthetics of the works in the city’s broader political
estratégico. Examino, então, as transformações im- context, in which the Pacification Police Units (UPPs)
postas pelo PAC às estruturas de autoridade na fa- occupy a strategic position. It therefore examines the
vela, afetando relações de poder e de mediação po- transformations imposed by the PAC on the structures
lítica há muito estabelecidas. Finalmente, volto-me of authority in the favela, affecting long-established
para o papel desempenhado pelos novos sujeitos power relations and political liaisons. Then it focuses
políticos que atuam precisamente nos interstícios on the role played by the new political actors engaged
das estruturas de informalidade urbana constituti- precisely in the interactions between structures of ur-
vos da vida nas favelas cariocas. ban informality that constitute life in the Rio slums.
Palavras-chave: Rio de Janeiro, favelas, urbanismo, Keywords: Rio de Janeiro, favelas, urban planning,
PAC, UPP PAC, UPP
E
m 8 de janeiro de 2012, os seis edifícios que por cerca
1 Este texto ganhou forma
de 50 anos abrigaram a antiga sede de uma fábrica de final a partir da leitura cui-
leite em Benfica, Rio de Janeiro, foram implodidos para dadosa de Colin McFarlane
e Luiz Antônio Machado
dar lugar a um conjunto habitacional de baixa renda, como da Silva, a quem agradeço.
parte do Programa de Aceleração do Crescimento nas Favelas Sou também grata a Da-
niela Fichino, que teve a
(PAC-Favelas). A ruína fabril localizava-se na antiga zona in- paciência de ajudar na tra-
dustrial da cidade, no entorno do complexo de favelas conhe- dução e na montagem da
versão final em português.
cido como Manguinhos, e desde 2000 encontrava-se ocupada O artigo condensa e analisa
por centenas de famílias. A implosão marcou o fim de um dados obtidos em dois pro-
jetos de pesquisa: “Memó-
longo processo de realocação e indenização dessas pessoas rias da CCPL: Favela Fabril”,
em uma história permeada por atrasos, revezes e momentos financiado pelo Lincoln Ins-
titute of Land Policy e pelo
de puro desespero para todos os envolvidos. No terreno da CNPq, e “Bringing the State
antiga fábrica serão construídas 686 unidades habitacionais, Back into the Favelas of Rio
de Janeiro: Understanding-
para onde muitos dos antigos moradores deverão retornar. Changes in Community
Enquanto isso, essas famílias recebem um aluguel social men- Life After the UPP Pacifica-
tion Program”, financiado-
sal no valor de R$ 400 enquanto esperam a entrega definitiva pelo Banco Mundial.
DILEMAS: Revista de Estudos de Conflito e Controle Social - Vol. 6 - no 2 - ABR/MAI/JUN 2013 - pp. 191-228 191
das chaves. Desde o início das obras do PAC em Manguinhos,
em 2008, essa foi a segunda instalação industrial demolida
para dar lugar a um conjunto habitacional construído para os
antigos ocupantes dos terrenos. Outras seguirão.2
O espetáculo da implosão atraiu considerável cobertura
midiática. Dezenas de jornalistas se aglomeraram ao redor da
área restrita, em cima de um viaduto que oferecia uma vis-
ta privilegiada do local. O vice-governador do estado (que é
também secretário de Obras Públicas) e o diretor da Empresa
de Obras Públicas do estado (Emop) compartilhavam os ho-
lofotes com um sem-número de líderes comunitários, muitos
deles representantes de favelas na região que também estão
passando por obras de modernização de infraestrutura e de
urbanização no âmbito do PAC-Favelas. A euforia generali-
zada que se seguiu à monumental implosão da ruína fabril
– protelada por tanto tempo – criou a oportunidade para um
passeio improvisado das autoridades pelas obras do progra-
ma, para inspecionar seu progresso e conjecturar a respeito
das futuras intervenções urbanísticas em Manguinhos.
Eu estava no local, filmando um documentário sobre
o processo de esvaziamento e implosão da antiga fábrica
e dirigia a equipe que acompanhara, durante a manhã do
evento, os passos de uma líder comunitária. O grupo se di-
recionou para o local em que estava sendo realizada a ele-
vação da linha férrea, uma das principais intervenções do
projeto urbanístico do PAC-Favelas no local. Éramos cerca
de 20 pessoas, entre lideranças locais, políticos, assessores e
nossa equipe. Discretamente, a liderança que protagonizava
as filmagens desapareceu por uma viela. Uma troca de olha-
res com a fotógrafa que me acompanhava bastou para que
eu pedisse ao técnico de som que desligasse o microfone de
lapela que ela usava. Não havia dúvida de que a líder comu-
nitária havia escapado para avisar “na boca” da presença dos
2 Processos semelhantes políticos nos interstícios da favela. Sua ausência foi breve.
estão em andamento em
todos os antigos subúrbios Ela retornou ao grupo rápida e discretamente.
industriais da cidade. Paulo Caminhávamos ao longo dos velhos trilhos de trem de-
Fontes e eu nos referimos a
esse fenômeno como ”fa- teriorados, que, à primeira vista, eram indiscerníveis sob a
velas fabris” (CAVALCANTI e estrutura de concreto na qual os novos estavam sendo colo-
FONTES, 2011; CAVALCAN-
TI, FONTES e BLANK, 2012). cados. O suporte dos trilhos, ainda em construção, já apre-
Ver também o documentá-
rio sobre esse caso particu-
sentava, sobrepostas, camadas de pichações; ruínas e entu-
lar: Favela fabril (2012). lhos das obras em curso somavam-se ao lixo que cercava
A ‘complexidade’ de Manguinhos
Vamos ter que reunir os jovens, mostrar aos jovens para quê
a polícia serve, que eles não vêm apenas para fazer tiroteios e
prender pessoas. Eles precisam ver o policial como alguém que
pode ajudar e não como um predador.