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SAMPAIO, P.

Oficinas de gênero
e cidadania na escola. Mneme -
Revista de Humanidades, v. 16, n. mneme – revista de humanidades
36, p. 54-76, 21 dez. 2015. ISSN 1518-3394

Oficinas de gênero e cidadania na escola

Gender workshops and citizenship at school

Paula Faustino Sampaio1

RESUMO: Este artigo apresenta o Projeto de Extensão “Oficinas de Gênero e Cidadania na Escola” e a utilização
da metodologia da oficina pedagógica na sensibilização, na definição, na produção, no aprofundamento e na
produção de novos conhecimentos acerca de gênero e cidadania na escola. O artigo problematiza as construções
históricas, sociais e culturais sobre relações de gênero a partir da experiência de construir coletivamente com
estudantes da graduação propostas de oficinas pedagógicas para escola pública.
PALAVRAS-CHAVE: Oficinas Pedagógicas. Gênero. Cidadania. Escola.

ABSTRACT: This article presents the Extension Project "Gender and Citizenship workshops in School" and the
use of the pedagogical methodology workshop on raising awareness in the definition, production, deepening and
production of new knowledge about gender and citizenship in school. And discusses the historical, social and
cultural constructions of gender relations from the experience of building collectively with graduation students
proposals for educational workshops for public school.
KEYWORDS: Pedagogical Workshops. Gender. Citizenship. School.

Relações de gênero na escola, sim!

É urgente pensar as relações de gênero na educação. Estas relações são marcadamente

assimétricas e hierárquicas, o feminino é dito como inferior e o masculino como superior, o

que caracteriza as relações de gênero na sociedade ocidental como máquinas de produção de

desigualdades, de naturalizações e de imutabilidade.

Por meio dos componentes curriculares das instituições de ensino é possível mostrar

porquê e de quais maneiras se deu e se dá a construção social dos gêneros masculinos e

femininos, bem como suas relações. Os estudos dos discursos e das práticas das instituições de

ensino tem mostrado como ocorreu e ocorre o processo de gendrificação nas escolas. A escola

é um dos lugares de produção de diferenças, distinções e desigualdades, como bem

caracterizou Louro (1997), e, por outro lado, a escola pode ser um lugar de resistências levadas

a efeito por meio de problematizações, de críticas e de interpretações das estratégias de

dominação.

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Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT). paulafaustinosampaio@hotmail.com.
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Na escola pensar as estratégias de dominação é pôr em questão o que é dito como

natural para as relações de gênero e pôr em evidência os conflitos entre os papeis e lugares

sociais impostos pela educação escolar e os vividos pelos sujeitos na escola. Transcender os

enquadramentos de gênero na escola discutindo seu próprio lugar neste processo histórico de

montagem, controle, fiscalização e disciplinarização dos corpos é um desafio posto pela

contemporaneidade aos educadores (as), de modo específico, e a sociedade de modo amplo.

Na contramão do exercício do poder disciplinar (FOUCAULT, 1979), que vigia, normatiza e

examina os sujeitos, a escola pode e deve discutir as relações de gênero.

Na construção de uma educação refletiva sobre as estratégias de poder e sobre o

processo de gendrificação, o diálogo com a ideia de gênero enquanto “[...] uma forma

primeira de significar as relações de poder” (SCOTT, 1995, p.84) abre uma perspectiva

relacional para pensar os sujeitos, os discursos e as práticas da/na escola. Também, na

educação, por meio da categoria analítica gênero, é possível pensar as representações, os

funcionamentos socioculturais, os símbolos, os mitos, os modelos, as normas sociais, as

subjetividades, os corpos e as políticas sobre masculinidade e feminilidade. Ainda, o diálogo

na educação com os conceitos de gênero e poder mobiliza ações estimuladoras de

desconstruções dos discursos religiosos, jurídicos, políticos e midiáticos que permeiam os

currículos e as práticas educativas.

Este artigo versa sobre a experiência do Projeto de Extensão “Oficinas de Gênero e

Cidadania na Escola”, Universidade Federal de Mato Grosso, Campus Rondonópolis, Pró-

reitora de Extensão, Cultura e Vivência, Edital n° 006/2014 – Programa de Bolsas de Extensão

para Ações Afirmativa –PBEXT/AF/2014. Este edital previa ações voltada aos “indivíduos e

populações em situação de vulnerabilidade social, em decorrência de sua condição: negra, de

gênero, étnica (populações tradicionais: indígenas e quilombolas), de orientação sexual, de

deficiência, pobreza e do campo.”

Dada a urgência de discutir relação de gênero na escola e a consonância do referido

edital, o objetivo central do Projeto de Extensão “Oficinas de Gênero e Cidadania na Escola”

foi problematizar as relações de gênero na escola. Também objetivou mobilizar

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conhecimentos históricos na perspectiva de gênero, possibilitar aos (as) estudantes dos cursos

de graduação uma atividade de extensão sobre gênero e cidadania, estimular estudos teóricos

e construir oficinas pedagógicas para a escola.

Neste texto, apresento o referido projeto de extensão, a metodologia da oficina

pedagógica e as problematizações sobre relações de gênero feitas por estudantes dos cursos de

graduação que participaram do projeto.

Projeto de Extensão “Oficinas de Gênero e Cidadania na Escola”

“Putinha, não presta pra casar”; “Eu pensava que sexo era como nos filmes pornôs”;

“Meu corpo só sabe o que é trabalhar, dinheiro não dá para nada, ser mulher é desgraça”; “Ser

mãe é a realização da mulher”; “Bichinha, traveco ... tudo invenção do capeta.” “Homem não

chora”, “Eu não vou deixar minha filha tomar essa vacina HPV, ela é moça direita”; “Fala

direito, engrossa essa voz”; “Menina não pode ser engenheira”; “Escola não é lugar para

discutir gênero e sexo.”

Estas foram algumas das afirmações feitas por estudantes da escola durante a

realização das oficinas pedagógicas do Projeto de Extensão “Oficinas de Gênero e Cidadania

na Escola”, e representam ideias recorrentes dos (as) estudantes da escola sobre as mulheres,

os homens, os corpos, a sexualidade, a saúde, a participação política, a homossexualidade e o

papel da escola

A escolha da escola de ensino fundamental e médio1 para atuação do Projeto de

Extensão deu-se em virtude da compreensão de que é na escola que se deve discutir os

discursos e as práticas que normatizam os sujeitos e os definem como masculino e feminino, e

porque a escola é uma das instituições produtoras das relações de gênero:

A escola entende disso. Na verdade, a escola produz isso. Desde seus inícios,
a instituição escolar exerceu uma ação distintiva. Ela se incumbiu de separar
os sujeitos — tornando aqueles que nela entravam distintos dos outros, os
que a ela não tinham acesso. Ela dividiu também, internamente, os que lá
estavam, através de múltiplos mecanismos de classificação, ordenamento,
hierarquização. A escola que nos foi legada pela sociedade ocidental
moderna começou por separar adultos de crianças, católicos de protestantes.
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Ela também se fez diferente para os ricos e para os pobres e ela


imediatamente separou os meninos das meninas. (LOURO, 1997, p. 57).

Discutir sobre gênero na escola certamente não é tarefa fácil, muito pelo contrário, é

tarefa desafiadora dos padrões sociais e culturais de gênero imperantes. Estes padrões de

gênero definem a fragilidade, a delicadeza, os cuidados com a família e a geração de filhos

como caraterísticas femininas, em oposição definem a virilidade, a força, o papel provedor da

família como características masculinas. Neste padrão de gênero, as características do

feminino e do masculino são tidas como biológicas, logo naturais e imutáveis. Trata-se do

padrão de relacionamento heterossexual, segundo o qual todas as pessoas devem organizar

suas vidas.

Além de desafiar na escola o padrão de relacionamento heterossexual, as discussões

sobre gênero criticam a heteronormatividade. Na heteronormatividade, todas as pessoas,

heterossexuais, homossexuais, bissexuais, assexuais, entre outros enquadrados na sexualidade

humana, devem viver suas vidas de acordo com o padrão heterossexual e com o corpo que

possuem: “existe uma relação mimética do gênero com a materialidade do corpo”

(NOGUEIRA et COLLING, 2015, p. 356).

Questionar as relações de gênero na escola vai de encontro a imposição social e

cultural do padrão heterossexual e da heteronormatividade, o que pode a vir a desestabilizar o

poder disciplinar da educação e provocar acirramentos quanto ao papel da educação nos

estudos, nas análises e na desconstrução dos padrões de gênero. Um exemplo da

complexidade, dos embates e das disputas do uso do conceito de gênero na educação pode ser

acompanhado na história recente das estratégias dos processos gendrificação na escola por

meio dos debates entorno dos Planos Nacional, Estaduais e Municipais de Educação.

Em 2014, na Câmara dos Deputados Federais foi vetado do inciso III do art. 2º do

substitutivo da Câmara do Plano Nacional de Educação (PNE, 2014, p.21), a saber, “a

superação das desigualdades educacionais, com ênfase na promoção da igualdade racial,

regional, de gênero e de orientação sexual”. Em 2015 nas Câmaras Municipais do Brasil

houveram vetos ao conceito gênero nos Planos Municipais de Educação. Paradoxalmente, os

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vetos são uma clara afirmação do padrão heterossexual para as relações de gênero e uma

evidencia do papel da escola na produção dos sujeitos dentro do padrão heteronormativo.

Frente às articulações e às estratégias dos setores conservadores do congresso nacional

brasileiro para vetar e eliminar o conceito gênero no Plano Nacional de Educação e nos Planos

Municipais e Estaduais de Educação, propusemos discutir gênero na educação com estudantes

da escola e da universidade, assim, mostrar que, apesar da afirmação dos congressistas e

vereadores de que a educação escolar deve ser neutra nos debates de gênero, estes por sua vez

assuntos da família e da igreja cristã, a escola e a universidade devem e podem discutir as

relações de gênero.

Neste contexto, estudantes dos cursos de graduação da Universidade Federal de Mato

Grosso, Campus Rondonópolis, narraram situações cotidianas marcadas por machismo e

homofobia vivenciadas por eles (as). As falas dos (as) estudantes em sala de aulas, nos

corredores, nas redes sociais indicavam a urgência do estudo e da ação sobre as relações de

gênero na educação básica e superior em diálogo com a comunidade interna e externa.

Para eles e elas, como definiu em relatório apresentado ao final do referido, o

estudante Thales Biguinatti Carias, estudante do 4º ano do Curso de Licenciatura em História,

a relação entre universidade e escola deve

distanciar se da imposição programática de um currículo pré-moldado e


procurar percorrer, em parceria com os estudantes da escola, por problemas
inerentes à própria constituição destes como sujeitos. A intenção, com isto, é
clara: Romper com a hierarquização entre “aluno” e “professor”; entre o
detentor de um saber e os receptores passivos deste. Para que a escola rompa
com a lógica da disciplinarização e docilização dos corpos, os que nela atuam
(não somente professores e alunos) precisam identificar os pontos de tensão,
os nódulos do conflito, as contradições inerentes ao cotidiano da própria
escola na tentativa de construir espaço próprio e autônomo. [...] a questão é:
De qual maneira a universidade pode contribuir para isto? (CARIAS, 2014,
p. 4)

Como discutir sobre relações de gênero e cidadania na educação e enfrentar as práticas

machistas e homofóbicas a partir das experiências dos sujeitos da educação? Como discutir

gênero e cidadania aproximando universidade e escola? Como pôr em debate na escola o


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longo processo de construção dos padrões de feminilidade e de masculinidade na sociedade

ocidental?

Partimos do princípio da indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão na

formação acadêmica para construir o referido o projeto de extensão, que ambicionou

apresentar um discurso crítico em gênero e cidadania opondo-se ao discurso hegemônico que

foi fortalecido com o veto ao conceito gênero no Plano Nacional de Educação pelo Congresso

Nacional Brasileiro, apesar das manifestações dos movimentos sociais feministas e de alguns

(as) congressistas favoráveis a inclusão do conceito gênero na educação.

Também, o projeto de extensão propôs constituir um espaço de construção de ideias e

de ações mobilizadoras dos conceitos. Estudar, debater, pensar e construir sobre relações de

gênero com crianças, adolescentes, jovens, adultos e idosos que estão nas escolas são ações

componentes do compromisso com cidadania enquanto base para afirmação da vida e da

dignidade de toda pessoa humana, conforme defende Candau (1995).

A relação entre ensino, pesquisa e extensão deve também possibilitar a produção do

conhecimento, sendo capaz de contribuir para a transformação da sociedade. A extensão,

como via de interação entre universidade e sociedade, constitui-se em elemento

operacionalizador da relação entre teoria e prática na formação acadêmica e como um meio

de estabelecer diálogos para além dos limites institucionais de acordo com a percepção do

estudante do Curso de Bacharelado em Psicologia e participante do Projeto de Extensão,

Wallace Rodolfo Pereira da Silva:

[...] é nosso objetivo que essa discussão ultrapasse os muros da escola e


alcance, de fato, a comunidade, num diálogo recíproco e profundo que
aponte para caminhos novos na construção de uma comunidade melhor;
uma comunidade fraterna numa sociedade líquida e fluida, porém humana.
Isso nos dá esperança! (SILVA, 2014, p.16)

Pensando no estabelecimento de “caminhos novos” para experienciar as problemáticas

de gênero na interface universidade-escola-comunidade, o Projeto de Extensão convidou (as)

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estudantes dos cursos de graduação da Universidade Federal de Mato Grosso, Campus

Rondonópolis.

Deste modo, sete estudantes foram classificados como bolsistas no Edital n° 006/2014

Programa de Bolsas de Extensão para Ações Afirmativa –PBEXT/AF/2014, sendo duas

estudantes do curso de Licenciatura em História, quatro estudantes do curso de Bacharelado

em Enfermagem e uma estudante do curso de Bacharelado em Psicologia. Ainda, houve a

participação de vinte estudantes voluntários (as), sendo sete estudantes do curso de

Bacharelado em Psicologia, nove do Curso de Licenciatura em História e quatro estudantes do

Curso de Bacharelado em Enfermagem. Portanto, o projeto de extensão contou com a

participação de vinte e sete estudantes, que formaram dez grupos para produzir e vivenciar

oficinas de gênero e cidadania na escola.

O referido projeto de extensão foi elaborado para em seu próprio fazer desenvolver a

metodologia da oficina, ou seja, ver, saber, comprometer-se e agir em torno de uma

problemática, conforme define Candau (1995). Para esta educadora, a oficina pedagógica é

um espaço de construção coletiva do conhecimento, de análise da realidade, de confrontos e

trocas de experiências.

O referido projeto de extensão tem como proposta metodológica o desenvolvimento

da metodologia de oficina pedagógica. A metodologia de oficina pedagógica é um espaço de

construção coletiva do conhecimento, de análise da realidade, de confrontos e trocas de

experiências. Nesta metodologia, ver, saber, comprometer-se e agir em torno de uma

problemática são ações fundamentais, conforme define Candau (1995). No projeto de

extensão, a metodologia de oficina pedagógica foi vivenciada na preparação das propostas de

oficinas pedagógicas para a escola e nas formações dos (as) estudantes participantes do

projeto.

Neste sentido, a metodologia de oficina pedagógica é unidade produtiva de

conhecimentos a partir de uma realidade concreta. E, por isso, o Projeto de Extensão foi

elaborado a partir das percepções e das problematizações dos (as) estudantes dos cursos de

graduação acerca das relações de gênero na sociedade brasileira.

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Inspirados nas proposições da estudiosa Candau (1995) desenvolvemos a metodologia

da oficina pedagógica. A metodologia da oficina pedagógica é constituída pelos seguintes

momentos: a) sensibilização sobre as relações de gênero na nossa sociedade; b) definição,

produção e aprofundamento dos temas de cada oficina pedagógica; c) a produção de novos

conhecimentos na vivência das oficinas pedagógicas na escola e na reflexão sobre as

experiências.

Na universidade, com os (as) estudantes dos cursos de graduação, realizamos no

primeiro momento a sensibilização sobre as relações de gênero na sociedade brasileira em três

etapas, a saber: 1. Rodas de Conversa e palestras sobre gênero, corpo, sexualidade, poder e

juventude; 2. Pesquisas e análises de reportagens, de notícias, de estudos especializados e de

materiais didáticos disponíveis na rede mundial de computadores e na biblioteca do câmpus;

3. Interação com os (as) alunos (as) da escola pública parceira do Projeto de Extensão, no

turno noturno, no ensino fundamental e médio, em especial na modalidade de educação

jovens e adultos.2

As pesquisas na rede mundial de computadores tiveram por objetivos buscar

referencial bibliográfico e didático e, também, gerar leituras e reflexões sobre os temas. Ainda,

esta etapa estimulou indagações sobre a metodologia: o que utilizar? Como selecionar? Como

elaborar a oficina pedagógica tendo em vista o público escolar, os estudos realizados no

projeto de extensão e as expectativas individuais e coletivas?

Já no segundo momento de desenvolvimento da metodologia de oficina pedagógica

realizamos a definição, a produção e o aprofundamento dos temas de cada uma das dez (10)

oficinas pedagógicas. Para definição e produção de cada oficina pedagógica foi necessário

conhecer, além das definições de gênero e cidadania, os conceitos de saúde, corpo, poder,

sexualidade e juventude.

Dentro do momento de definição, produção e aprofundamento da temática central,

realizamos atendimentos aos (às) estudantes participantes do projeto e definimos o objetivo

central e os passos de cada oficina pedagógica voltada aos estudantes da escola pública.

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Neste momento, os (as) estudantes da universidade participantes do projeto de

extensão solicitaram um modelo de planejamento didático para organizar as oficinas

pedagógicas. A estudante Adriadna Lispector Rodrigues Pereira, 4º ano Curso de Licenciatura

em História, criou um modelo de planejamento didático com os seguintes itens: tema,

objetivo central, objetivos específicos, conteúdo programático, metodologia detalhadas,

recursos materiais, carga horária, público alvo, resultados esperados e referencial

bibliográfico.

Por fim, no terceiro momento de desenvolvimento da metodologia de oficina

pedagógica, estimulamos a produção de novos conhecimentos a partir da vivência das oficinas

pedagógicas na escola e da reflexão sobre a experiência em seminários e produção de

relatórios. A partir das experiências com a realização das oficinas pedagógicas na escola os (as)

estudantes participantes do projeto de extensão também produziram pôsteres para

participação em eventos acadêmicos.

Deste modo, entre os meses de fevereiro e julho de 2014 desenvolvemos os momentos

da metodologia de oficina pedagógica acimas referidos. Na compreensão dos (as)

participantes do projeto de extensão, Guilherme Gustavo Henrique Salvati, Jovelina Lenir

Carlini da Rocha e Paula Akeime Umekawa, os três estudantes do 4º ano do Curso de

Licenciatura em História:

O Projeto de Extensão “Oficinas de Gênero e Cidadania” expandiu


perspectivas ao juntar os cursos de Enfermagem, Psicologia e História da
Universidade Federal de Mato Grosso – Campus Universitário de
Rondonópolis uma produção de conhecimento própria entre estudantes
universitários e estudantes do ensino básico. (SALVATI; ROCHA;
UMEKAWA, 2014, p.1)

Interrogar-se, interrogar a sociedade, interrogar os discursos e as representações,

interrogar a respeito das relações de gênero e da cidadania no dia-a-dia permitiu a cada uma e

um dos (as) participantes do projeto de extensão construir autonomia para pensar e discutir

com alunos(as) da escola pública. As atitudes de desafiar e desafiar-se exigem

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a presença de educadores e de educandos criadores, instigadores, inquietos,


rigorosamente curiosos, humildes e persistentes... os educandos vão se
transformando em reais sujeitos da construção e da reconstrução ao lado do
educador, igualmente sujeito do processo. (FREIRE, 1997, p. 29)

Metodologicamente, o projeto de extensão visou desenvolver as ações a partir das

demandas dos (as) estudantes da universidade em consonância com as observações sobre o

cotidiano das relações de gênero na escola.

Problematizar as relações de gênero por meio de oficinas pedagógicas

Um dos desafios do Projeto de Extensão “Oficinas de Gênero e Cidadania na Escola”

foi vivenciar na universidade a metodologia das oficinas pedagógicas concomitante

problematização das relações de gênero e a elaboração de propostas de oficinas pedagógicas

para serem vivenciadas na escola pública.

Os (as) estudantes universitários participantes do projeto de extensão após as visitas a

escola pública e os diálogos com os estudantes da escola sobre as oficinas pedagógicas,

passaram a refletir acerca das experiências dos (as) estudantes da escola nos enfrentamentos

ao machismo e à homofobia; a indagar-se sobre os conhecimentos e os entendimentos a

respeito dos conceitos gênero, relações de gênero, homem, mulher, homossexual,

heterossexual, cidadania, poder, escola, jovem, adulto, idoso, branco, negro, indígena, rico,

pobre; e a estudar sobre as configurações passadas e presentes acerca das relações de gênero.

Nas visitas houveram observações de aulas, de procedimentos metodológicos adotados

por professores (as) e da interação entre professores (as) e alunos(as) nas aulas. Na percepção

das estudantes Adriadna Lispector Rodrigues Pereira e Cirlene Correa Cadidé Oliveira, ambas

estudantes do 4º ano Curso de Licenciatura em História,

[...] visitamos a instituição objetivando conhecer mais sobre os (as) jovens


que viriam a participar conosco nesse projeto. Em uma das visitas no período
noturno realizamos nossa observação com a turma do terceiro ano C ensino
médio regular, escolhida por nós. Em geral, a turma apresentou ser bem
jovem. [...] Observamos que a maioria da turma era composta por meninos.
Outro fator observado que muito nos desafiou foi o fato de a turma
apresentar-se apática às aulas. Não demonstravam muito interesse mesmo
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diante de um professor e uma professora que pareceriam se esforçar em dar


uma aula mais prazerosa. Diante disso, buscamos nos aproximar de
metodologias que os fizessem participar mais. Algo que os fizessem falar.
Participar. E acima de tudo permitirem-se a descobrir coisas novas, que
talvez, arriscaríamos dizer, desconheciam. (PEREIRA; OLIVEIRA, 2014, p.3)

As visitas, as observações e as conversas na escola explicitaram que a construção da

proposta de oficina pedagógica deviam considerar a diversidade etária, étnica, de classe social,

além da diversidade de gênero. Foram realizados novos atendimentos aos estudantes

participantes do projeto de extensão para orientação quanto a diversidade do público alvo em

sua interface com o conceito de gênero, o que constituiu-se oportunidade para aprofundar as

temáticas e a metodologia.

Neste momento, percebemos que os conhecimentos históricos estavam sendo

mobilizados. A percepção da impossibilidade de pensar o (s) corpo(s), a(s) família(s), a

sexualidade, a saúde, as juventudes e os gêneros sem considerar o processo de construção

social e cultural ficou patente.

Para os (as) estudantes Guilherme Gustavo Henrique Salvati, Jovelina Lenir Carlini da

Rocha e Paula Akeime Umekawa, já citados acima:

é papel da história desestabilizar-se, descontruir e construir, desnaturalizar e


refletir sobre os determinismos, [...]têm feito parte do papel dado aos
historiadores. Neste sentido, no que diz respeito ao Ensino de História, cabe
aos educadores, através de processos de ensino/aprendizagem estimular nos
estudantes a problematização das coisas que aprendemos como dadas [...].
(SALVATI; ROCHA; UMEKAWA, 2014, p. 2)

Os (as) estudantes do Curso de Licenciatura em História problematizaram o papel do

ensino de história na desconstrução das ideias naturalizadas e se colocaram como sujeitos do

ensino e da aprendizagem em História.

Para Auad (2006), as características para o feminino e para o masculino vem sendo

construídas ao longo do tempo. Assim, as relações entre o feminino e o masculino foram se

engendrando historicamente e socialmente.

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Como defende Auad (2006), questionar o que percebemos como tipicamente feminino

ou tipicamente masculino pode estimular a notar como muitas diferenças entre homens e

mulheres não são naturais. Há de se duvidar de clichês como “isso é coisas de mulher” ou

“isso papo de homem”. Estas ideias revelam alcances dos processos de naturalização dos

padrões de gênero.

Para os (as) envolvidos (as) no projeto de extensão interessava também perceber os

significados atribuídos pelos (as) estudantes da escola pública à diferença sexual. Estes

significados podem ser variáveis e contraditórios, pois, como afirma Scott (1995, 16) “a

maneira como as sociedades representam o gênero, utilizam-no para articular regras de

relações sociais ou para construir o sentido da experiência”. Por isso, importa observar os

sistemas de significação coletivo e individual sobre os gêneros feminino e masculino para

entender a diferença cultural assentada sobre o sexo e refletir até que ponto a cidadania é

vivida de forma plena.

A partir deste entendimento, os (as) estudantes passaram a indagar como os sujeitos

tidos como femininos e os sujeitos tidos como masculinos se constituíram enquanto sujeitos

em suas relações de gênero, discutindo como foram gendrificados através de modelos de

família, de mulher, de homem, de moral e de comportamento, dentro da

hetoronormatividade.

Neste processo de problematização, produziram oficinas pedagógicas. No projeto de

extensão, foram produzidas dez oficinas pedagógicas, sendo três oficinas pedagógicas que

articularam os conceitos Gênero, Cidadania e Saúde; três oficinas pedagógicas mobilizaram os

conceitos Gênero, Cidadania, Poder e Corpo; e quatro oficinas pedagógicas utilizaram os

conceitos Gênero, Cidadania, Juventude e Resistência. Cada oficina pedagógica foi construída

com a carga horária de vinte horas aulas e foram realizadas na escola pública.

Os (as) estudantes universitários ao articular os conceitos Gênero, Cidadania e Saúde

elaboraram aos seguintes títulos e objetivos gerais:

1. Título: Oficina pedagógica “Ser ou não ser, eis a complicação”. Objetivo Geral:

“Pensar junto com os (as) alunos (as) sobre gênero e a sexualidade”;

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2. Título: Oficina pedagógica “Ter filho não é obrigação! Ser pai e ser mãe: imposição

ou escolha?” Objetivo Geral: “Desenvolver uma posição crítica a respeito da

geração de filhos, dos papéis sociais de mãe e pai e da formação de família

homoparentais”.

3. Título: Oficina pedagógica “Quem cuida da minha saúde? Saúde do homem e

saúde da mulher”. Objetivo Geral: “Refletir e discutir sobre as informações da

experiência cotidiana, da mídia e da escola sobre saúde do homem e da mulher”.

Estas oficinas foram propostas por estudantes do Curso de Bacharelado em

Enfermagem. Ao pensar saúde da mulher e do homem estas estudantes problematizaram a

biologização dos corpos, a hierarquia sexual, a ideia de que a mulher é cuidadora e o homem

cuidado, bem como os tabus sobre sexualidade.

Um dos desafios postos foi pensar os diversos sujeitos como construção social e

cultural atravessado por discursos. Um dos discursos que atravessa os sujeitos é o

determinismo biológico no qual o homem é dito como sujeito universal e a mulher como o

contrário do homem. O discurso biológico com pretensão de neutralidade define o que é ser

homem e o que é ser mulher, bem como diferencia a saúde para homens e para mulheres.

A ideia de que existe dois sexos biológicos (macho e fêmea) com respectivos órgãos

reprodutivos, amplamente difundida deste o século XVIII, permeia a ideia de saúde atrelada a

reprodução da espécie humana, que vem sendo criticada pelos feminismos deste os anos

sessenta do século XX, quando o movimento feminista passou a discutir sobre os direitos

reprodutivos das mulheres para além do que estava circunscrito no campo biológico, cujo

modelo normativo fundado no par sexo-reprodução coadunava com o padrão da

heterossexualidade. Naquele momento negava-se e criticava-se a visão de que a mulher era o

seu útero e buscava elabora oficinas de gênero, cidadania e saúde na perspectiva de gênero e

feminista.

As oficinas pedagógicas que articularam os conceitos Gênero, Cidadania e Saúde

objetivaram discutir processos de genereficação por meio da saúde da mulher e do homem,

entendendo que, conforme assevera Louro (1997, p.21), “Seja no âmbito do senso comum,

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seja revestido por uma linguagem "científica", a distinção biológica, ou melhor, a distinção

sexual, serve para compreender — e justificar — a desigualdade social.”

As indagações “O que é ser homem e o que ser mulher? Ser pai e ser mãe é imposição

ou escolha? Quem cuida da minha saúde?” das oficinas pedagógicas propostas pelas

estudantes de enfermagem participantes do projeto de extensão visaram estimular os

pensamentos dos (as) estudantes da escola e provocar a desestabilização do discurso biológico,

cuja distinção entre sexo masculino e feminino inferioriza o feminino e coloca o corpo da

mulher como um mistério. Ao pensar e propor desestabilização do lugar do discurso biológico

sobre os corpos, as estudantes do curso de enfermagem passaram a refletir sobre o papel da

saúde na sociedade, o papel da enfermagem como agente do discurso biológico e como

subverter este discurso que é também sexista e machista.

As estudantes do curso de Bacharelado em Psicologia produziram as oficinas pedagógicas

partindo dos conceitos de Gênero, Cidadania, Poder e Corpo com os seguintes títulos e

objetivo geral:

1. Título: Oficina pedagógica “Tramas do poder-saber: Sexualidade, família e relações de

poder em discussão com jovens e adultos”. Objetivo Geral: “Estabelecer um diálogo

entre os participantes sobre as concepções de Sexualidade, Família e Poder para

mostrar o caráter histórico e social, portanto, não natural das relações de poder”.

2. Título: Oficina pedagógica “Beleza à venda: corpo, mídia e mercado”. Objetivo Geral:

“Problematizar e discutir nas escolas o padrão de beleza atual imposto e reforçado

socialmente pela comercialização midiática do corpo e imagem do belo.”

3. Título: Oficina pedagógica “A imposição do corpo ideal como dispositivo de inserção

social”. Objetivo Geral: “Dialogar e refletir sobre alguns efeitos da imposição do corpo

ideal na construção da subjetividade de mulheres e homens.”

Para as estudantes Kamila Kristina Leite, Cristina Lopes da Conceição, Mayra

Dhessyka M. Ferreira e Simone Martins, Curso de Bacharelado em Psicologia, que

propuseram oficina pedagógicas com os conceitos de Gênero, Cidadania, Poder e Corpo:

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Na contemporaneidade, a beleza vem sido tratada como valor ou fim em si


mesmo, através da aparência, atravessando os modos como os sujeitos
estabelecem suas relações sociais. Assim, vivemos em uma sociedade em que
estar na moda e dentro dos padrões de beleza pré-estabelecidos por ela, é
requisito básico e fundamental para que você esteja dentro dos funcionais de
normalidade. Aqueles que “atrevem-se” ir à contramão destas normas
absolutas tornam-se tão marginalizados ao ponto de serem taxados e
conhecidos apenas pela “disfunção” que possui em relação aos demais, que
em outras palavras traduzimos como estigmatização do sujeito. [...] foi
pensando nisso que desenvolvemos a proposta de problematizar e discutir
nas escolas o padrão de beleza atual imposto e reforçado socialmente e a
comercialização midiática do corpo e imagem do belo. (LEITE;
CONCEIÇÃO; FERREIRA; MARTINS, 2014, p.1) Grifo das autoras.

Estas oficinas pedagógicas foram elaboradas para refletir sobre influência da

representação midiática do corpo na construção da subjetividade do sujeito, evidenciando o

caráter histórico destas representações e a construção das subjetividades por meio da

problematização dos discursos sobre a beleza, e para estimular a expressão de experiências dos

sujeitos da escola frente ao discurso midiático no qual o corpo magro, caucasiano e jovem é

tido como padrão de normalidade.

Partiram da ideia de que de os sujeitos não são passivo diante da mídia, apesar do

poder de imposição do discurso midiático na definição do corpo da mulher e do homem.

Assim, entendendo que, atravessados por discursos, os sujeitos da contemporaneidade

buscam dizer quem são e onde estão frente ao padrão de beleza da mídia, as propostas de

oficinas pedagógicas elaboradas pelos (as) estudantes do curso de Psicologia e História

visaram a problematização na escola do padrão de beleza e da imagem do belo no processo de

subjetivação do corpo ideal na sociedade contemporânea.

A partir do entendimento da subjetividade como produção histórica e social e da

mídia como vetor de subjetivação (COLLING, 2015) as oficinas pedagógicas que trabalharam

com os conceitos de Gênero, Cidadania, Poder e Corpo buscaram conversar com os (as)

estudantes da escola sobre como eles e elas, de forma individual e coletiva, relacionavam-se

com as ideias de corpos veiculadas nos programas de televisão e em revistas sobre moda.

Pensaram acerca dos modos de subjetivação frente aos significados sociais e culturais

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atribuídos aos corpos pela mídia. Os corpos foram estudando como uma construção social,

cultural e histórica a partir do que foi dito sobre ele, dos investimentos discursivos e práticos

que produzem os corpos em gênero, classe, etnia e grupos etários.

No âmbito do conceito de poder defendido por Foucault (1979), o objetivo destas

oficinas pedagógicas foi também discutir com os (as) estudantes da escola alguns

funcionamentos, exercícios e operações dos processos produtivos do corpo, da sexualidade e

da subjetividade na contemporaneidade. Nos debates propostos aos estudantes a ideia de

resistência foi considerada como norteadora, uma vez que “a partir do momento em que há

uma relação de poder, há uma possibilidade de resistência. Jamais somos aprisionados pelo

poder; podemos sempre modificar sua dominação em condições determinadas e segundo uma

estratégia precisa.” (FOUCAULT, 1979, p. 241.)

Também considerando o conceito de resistência foucaultiano, os (as) estudantes do curso

de Licenciatura em História produziram oficina pedagógica norteadas em três conceitos, a

saber: Gênero, Cidadania, Juventude e Resistência. Estas oficinas pedagógicas elaboraram os

seguintes títulos e objetivo geral:

1. Título: Oficina pedagógica “Jovens em ação: gênero, cidadania e juventude”. Objetivo

Geral: “Problematizar as concepções de juventude a partir dos modelos de jovem

impostos pela família, escola e comunidade através de cenas de filmes na cultura

ocidental e evidenciar experiências de resistência”.

2. Título: Oficina pedagógica “Ser mulher, ser homem no século XXI”. Objetivo Geral:

“Refletir historicamente sobre o que é ser mulher e o que ser homem nos dias atuais

por meio de propagandas televisivas e mostrar as conquistas do movimento

feminista”;

3. Título: Oficina pedagógica “Mulher foi feita para o tanque e homem para o

botequim?” “Representações acerca das mulheres e das relações de gênero nas

canções”. Objetivo Geral: “Provocar a percepção das ideias machistas e, em oposição,

de ideias de igualdade e equidade em canções comuns no cotidiano de jovens”

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4. Título: Oficina pedagógica “Jeito jovem: entre o(s) feminino (s) e masculino (s)”.

Objetivo Geral: “Discutir os conceitos dos estudantes sobre juventude, gênero e

cidadania para problematizar as construções socais e suas implicações na vida

cotidiana através de construção de um documentário.”

As propostas de oficinas pedagógicas elaboradas pelos (as) estudantes do Curso de

Licenciatura em História evidenciaram a preocupação com uma das funções do ensino de

história que é de historicizar, de debater e de propor na escola a operacionalização da

categoria analítica gênero. Estas oficinas pedagógicas objetivaram mostrar ser possível pensar

historicamente as relações de gênero com os (as) jovens, analisando diversas linguagens a

exemplo de canções, filmes, propagandas, para perceber o estabelecimento de significados

para as diferenças do corpo da mulher e homem jovem.

Estas oficinas pedagógicas buscaram confrontar o que se pensa sobre os jovens e as jovens

pobres com o que se diz nas canções, filmes, propagandas assistidos por jovens da periferia de

Rondonópolis, estado de Mato Grosso, com o que se os (as) jovens fazem no seu cotidiano e

com o que se é. Inspirados (as) em Foucault (2006, p. 219), quando afirma que "é preciso a

cada instante, passo a passo, confrontar o que se pensa e o que se diz com o que se faz e o que

se é", estas oficinas pedagógicas visaram a suscitar experiências de protagonismo juvenil na

escola de modo a resistir a um ensino de história em que os (as) jovens são tidos como

passivos.

Por isso, estas oficinas inovaram ao trazer à baila a reflexão histórica sobre juventude e

gênero e ao propor dialogar com os (as) jovens da escola sobre os papéis de gênero e as

expectativas da família, da escola e da comunidade referentes ao comportamento de jovens

homens e jovens mulheres, que para Weller (2005) são fundamentais na compreensão das

culturas jovens na perspectiva de gênero. Nestas propostas de oficinas pedagógicas, a ênfase

na problematização dos estereótipos sexistas, machistas, racistas e classistas norteou a

definição dos objetivos, bem como a seleção de linguagens.

Dialogando com Silva Jr. et Guimarães (2012) que escreveram sobre ser jovem no Brasil

no âmbito dos processos de construção das identidades juvenis e de sujeitos de direitos, os (as)

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estudantes Guilherme Gustavo Henrique Salvati, Jovelina Lenir Carlini da Rocha e Paula

Akeime Umekawa afirmaram:

Encontramos várias interpretações, no nosso cotidiano, do que é “ser


jovem”. De um lado, uma fase idealizada da vida, “considerada a fase da
beleza, do prazer, da liberdade, da energia, dos sonhos, uma ideia romântica
de juventude como a melhor fase da vida”, como comenta Selva Guimaraes
no livro Ser Jovem no Brasil (2012, p. 7). Por outro lado, é uma fase cercada
de preconceitos e estereótipos por parte da sociedade, sendo vista muitas
vezes como um problema. O jovem normalmente é apontado como imaturo,
individualista, consumista e inconsequente, não sendo, assim, considerado
um protagonista social. sic (SALVATI; ROCHA; UMEKAWA, 2014, p.3).

Os (as) proponentes das oficinas pedagógicas em Gênero, Cidadania, Juventude e

Resistência ao construir oficinas pedagógica para a escola pensar a própria condição de jovem

na sociedade brasileira. Ao analisar o processo histórico de construção de ideias sobre a

juventude brasileira puseram em questão os rótulos de “rebeldes sem causa” dos anos 1950, de

“juventude transviada” dos anos 1960, de geração shopping center na década de 1990, entre

outros rótulos.

Os discursos sobre a juventude foram discutidos considerando que, segundo Silva Jr. et

Guimarães (2012, p. 7), “É comum, ainda, ouvirmos que o jovem não ‘deve ser levado a sério’

[...] É uma pessoa em formação, em transição para a vida adulta, um projeto de futuro...” Na

contramão do discurso de “jovem não deve ser levado a sério” as propostas de oficinas

pedagógicas levaram os jovens a discutir sobre esta ideia para perceber quais enfrentamentos

são feitos no dia-a-dia pelos (as) jovens da periferia de Rondonópolis, estado de Mato Grosso.

Neste contexto, no entendimento de Weller (2007) discutir a construção social do que

é ser jovem-homem e do que é ser jovem-mulher implica refletir as culturas jovens nas quais

se dão este o processo de construção de gênero. Por esta compreensão, conhecer e dialogar

sobre as experiências de socialização, de sociabilidade, de sexualidade et. dos (as) jovens foi

ponto de partida para as elaborações das propostas de oficinas pedagógicas.

Destarte, as construções das propostas das oficinas pedagógicas evidenciaram também

os desafios da elaboração de uma educação democrática e promovedora da igualdade, bem

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como os processos de construção das relações de gênero. O Projeto de Extensão “Oficinas

Gênero e Cidadania na Escola”, enquanto uma atividade de extensão voltada à comunidade

escolar, por meio do processo de construção das propostas de oficinas pedagógicas

possibilitou a tomada de consciência e a reflexão sobre as relações de gênero, estimulou a

formação de visão crítica, a atuação social dos (as) estudantes universitário na comunidade no

âmbito de uma cultura igualitária, democrática e não reprodutiva de estereótipos de gênero na

educação.

É possível afirmar que os (as) estudantes puseram em prática a afirmação “Quem

ensina, aprende ao ensinar e quem aprende ensina ao aprender” (FREIRE, 1997, p.25). A

construção do Projeto de Extensão Oficinas de Gênero e Cidadania na Escola evidenciou a

importância do trabalho coletivo, criativo e reflexivo na formação cidadão dos (as) futuros

profissionais educadores (as), historiadores (as), psicólogos(as) e enfermeiros (as). As

construções das oficinas pedagógicas estimularam a estudar, a pensar, a analisar, a

problematizar e a construir coletivamente, bem como nos estimularam a ouvir, a dialogar, a

interagir, a falar e acolher as diversas experiências de se fazer mulheres e homens, abrindo

novas possibilidades de reflexão sobre gênero e cidadania por meio de oficinas pedagógicas na

escola.

Considerações finais

As expectativas eram altas. Almejávamos oficinas pedagógicas em gênero e cidadania

capazes de problematizar as relações de gênero, a oposição mulheres e homens, os padrões de

sexualidade, de beleza e de saúde relacionando os conceitos de poder, juventude, corpo e

subjetividade. Ao longo dos dez meses de vigência do projeto de extensão o grupo de

estudantes universitário que se formou estudou este conceito paralelamente as

problematizações sobre as desigualdades que marcaram e marcam as relações de gênero no

Brasil.

Neste contexto, a metodologia de desenvolvimento do projeto de extensão, enquanto

uma oficina de gênero e cidadania, possibilitou aos (as) estudantes espaço para protagonismo,

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autonomia e construção de proposta de oficinas pedagógicas. Por sua vez, este espaço foi

criado e recriado pelos (as) estudantes pari passu a construção de conhecimento em gênero e

cidadania, o que se mostra profícuo na formação acadêmica sustentada no tripé ensino,

pesquisa e extensão.

Deste modo, o Projeto de Extensão “Oficinas de Gênero e Cidadania na Escola” ao

perguntar como as hierarquias de gênero foram e são construídas, legitimadas, contestadas e

mantidas em um determinado lugar e tempo, questionaram as hierarquias de gênero, as

percepções e as formas de relacionar-se e de se fazer mulheres e homens, problematizando,

assim, a naturalização das categorias, na sociedade, convidando e estimulando os estudantes

da universidade e da escola a problematizar a realidade social, bem como a se colocar na

função social e cidadã transformadores desta realidade.

Por fim, enquanto a construção do projeto de extensão foi estimulada por frases

marcadas por sexismo, machismo e homofobia ouvidas na escola, como mostramos no início

deste artigo, e que comumente podem ser ouvidas em outros espaços da sociedade,

evidenciando a situação de desigualdade entre mulheres e homens, o desenvolvimento do

referido projeto de extensão nos permitiu ouvir frases de questionamento e resistência à

desigualdade nas relações de gênero: “Menina pode sim ser engenheira”; “Toda mulher pode

ou não casar, a decisão é dela”; “Sexo é parte da vida”; “Meu corpo me pertence, Meu corpo

minhas regras”; “Feminismo? Política? Isso é coisa de mulher”; “Basta de homofobia, basta de

machismo, basta de misoginia”, “Homem chora”; “Escola é lugar para discutir gênero e sexo,

sim.” São frases que nos provocam a novos desafios, a novos sonhos e a mais trabalhos no

Projeto de Extensão “Oficinas de Gênero e Cidadania na Escola” pró igualdade e equidade de

gênero na escola.

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Artigo recebido em 30 de setembro de 2015. Aprovado em 09 de novembro de 2015.

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Notas

1
A escola pública estadual parceira do Projeto de Extensão “Oficinas de Gênero e Cidadania na Escola” situa-se
na periferia do perímetro urbano do Município de Rondonópolis, estado de Mato Grosso. Funciona nos turnos
matutino, vespertino e noturno. Oferece Ensino Fundamental de 1º a 9º ano e Ensino Médio (1º a 3º ano). No
turno noturno oferta o Ensino Fundamental na Modalidade de Educação Jovens e Adultos e Ensino Médio
Regular e na Modalidade de Educação de Jovens e Adultos. É uma escola que atende aproximadamente mil e
quinhentos estudantes. Neste artigo optou-se por não mencionar o nome da escola uma vez que o Projeto de
Extensão “Oficinas de Gênero e Cidadania na Escola” volta-se para a escola pública, e não somente a escola
parceira deste projeto de extensão.

2
Vale ressaltar que a escola pública parceira do Projeto de Extensão permitiu a realização das atividades do
projeto de extensão durante o horário das aulas. Assim, o projeto de extensão foi assumido como componente
curricular do segundo semestre letivo do ano de 2014. Cada oficina pedagógica dispôs de vinte horas/aulas. Sobre
a realização das oficinas pedagógica e como se deu a relação com os professores da escola escreveremos em
próximo artigo.

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