1. Introdução
*
Professora do Programa de Pós-graduação em Direito da Faculdade Meridional (PPGD/IMED), em Passo
Fundo, Rio Grande do Sul. Doutora em Direito pela Universidade Federal do Paraná (UFPR). Mestre em
Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Especialista em Pensamento político brasileiro
pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). Graduada em direito e jornalismo pela Universidade
Federal de Santa Maria (UFSM). E-mail: mariliadb@yahoo.com.br; marilia.denardin@imed.edu.br.
1 Somados os presos provisórios, condenados confinados em presídios e prisões domiciliares, o Brasil
soma mais de 700 mil presos, o que o coloca em terceiro lugar no ranking mundial, perdendo apenas para
Estados Unidos e China. CNJ, 2014.
2 Cf. CNMP, 2013 e BRASIL, 2011.
3 BUDÓ, 2013a.
4 Apesar de se filiar à percepção do direito da criança e do adolescente como ramo do direito indepen-
dente do direito penal e com forte potencial abolicionista, adota-se neste trabalho um olhar realista sobre a
operacionalidade da aplicação do Estatuto nesses 25 anos. Não se pode simplesmente fechar os olhos para
o fato de que a medida de internação é vista como pena para grande parte dos operadores do direito, pela
mídia e pelo senso comum. É exatamente isso o que se percebe na análise realizada: o punitivismo se soma
ao menorismo, para dar origem a argumentos de vários tipos, que pouco ou nada fogem da doutrina da
situação irregular, pré-Estatuto.
11 PLATT, 2009.
12 BUDÓ, 2013a, p. 56.
13 BUDÓ, 2013a.
14 GARCÍA MENDEZ; COSTA, 1994.
15 Ibid., p. 37.
tidos a processo especial, e caso não fossem abandonados ou pervertidos e não precisassem de tratamento
mental, eram submetidos à internação em casa de correção por um a cinco anos. Caso fossem abandonados
ou pervertidos o prazo de internação era de três a sete anos. Essas mudanças, que passaram a impedir
que crianças fossem processadas e julgadas segundo os postulados do sistema adulto, tiveram também o
objetivo de aumentar a idade da inimputabilidade de maneira a angariar mais clientes da “proteção” estatal,
completamente despojada das garantias formais do processo penal. GARCÍA MENDEZ; COSTA, 1994.
21 BRASIL,1927.
22 Ibid., 1940.
23 Ibid., 1941.
24 Um exemplo, trazido por Rizzini, é o de testes de QI realizados pela psicóloga do SAM junto a três mil
menores internados, concluindo que 81% deles eram subnormais. RIZZINI, Irene; RIZZINI, Irma, 2004.
p. 31.
25 BRASIL, 1943.
26 Ibid., 1943.
27 O juiz de menores, ao decidir de plano, sem a necessidade de acusação, ao realizar diligências de ofício
e, simultaneamente, ao exercer um papel quase onipotente, era um verdadeiro inquisidor. Esse papel do
juiz, que repercutirá em todo o século XX no Brasil, foi gestado nos congressos europeus sobre criança e
adolescente do início do século, os quais fundamentaram a necessidade de uma justiça familiar para os
menores, na qual a defesa é figura praticamente anulada. PLATT, 2009.
28 Outra questão interessante é a trazida no §3º do artigo 2º: “Completada a maioridade sem que haja
sido declarada a cessação da periculosidade, observar-se-ão os parágrafos 2º e 3º do art. 7 do decreto-lei
n. 3.914, de 9 de dezembro de 1941”. O parágrafo da lei de introdução ao Código penal estabelece que o
internado “será transferido para colônia agricola ou para instituto de trabalho, de reeducação ou de ensino
profissional, ou seção especial de outro estabelecimento, à disposição do juiz criminal”. Ainda, o §3º prevê
que se observará o disposto no Código Penal sobre a revogação de medida de segurança. BRASIL, 1943.
29 Ibid., 1976, p. 21.
falta de estabelecimento adequado, a internação do menor poderá ser feita, excepcionalmente, em seção de
estabelecimento destinado a maiores, desde que isolada destes e com instalações apropriadas, de modo a
garantir absoluta incomunicabilidade. § 3º Se o menor completar vinte e um anos sem que tenha sido decla-
rada a cessação da medida, passará à jurisdição do Juízo incumbido das Execuções Penais. § 4º Na hipótese
do parágrafo anterior, o menor será removido para estabelecimento adequado, até que o Juízo incumbido
das Execuções Penais julgue extinto o motivo em que se fundamentara a medida, na forma estabelecida na
legislação penal”. Ibid.
36 Art. 112. Verificada a prática de ato infracional, a autoridade competente poderá aplicar ao adolescente
as seguintes medidas: I - advertência; II - obrigação de reparar o dano; III - prestação de serviços à comuni-
dade; IV - liberdade assistida; V - inserção em regime de semi-liberdade; VI - internação em estabelecimento
educacional; VII - qualquer uma das previstas no art. 101, I a VI. BRASIL, 1990.
37 CUSTÓDIO, 2008.
38 Já os dados da Secretaria de Direitos Humanos, do governo federal, indicam que, em 1996, havia cerca
de 4.250 adolescentes com restrição e privação de liberdade. BRASIL, 2011. Em 2013, eles já somavam
mais de 20.081. CNMP, 2013.
43 BUDÓ, 2013a.
44 PL n.º 179/2007.
47 PL n.º 3.700/2000.
48 Em realidade, todo movimento surgido nos Estados Unidos em prol das cortes juvenis no final do
século XIX tem em sua base o movimento dos “child savers”, composto por filantropos de classes altas e mo-
vido por um discurso essencialmente tutelar, baseado na incapacidade dos pobres e na bondade perante as
crianças abandonadas. Diante disso, a ausência de direitos e garantias do devido processo se justificava pela
própria bondade dos juízes. Daí que essa máscara protetiva que esconde a face punitiva tenha suas raízes
nas origens do menorismo, sendo reproduzida nos estereótipos até os dias de hoje. Nos mesmos Estados
Unidos das cortes juvenis, Cicourel, em sua obra publicada em 1968, ao isolar os fatores que influenciam as
decisões dos juízes perante os jovens, o autor percebe que as caraterísticas dos adolescentes que costumam
explicar o seu comportamento desviante (família desestruturada, uso de drogas etc.) não são exatamente as
suas causas, mas os critérios usados pelos atores do sistema de justiça juvenil para selecioná-los. Por outro
lado, aqueles jovens não pertencentes aos estereótipos, mesmo tendo praticado delitos, passam por filtros
de maneira a não chegar ao sistema. Trata-se do que o autor veio a denominar “second code” na ação dos
agentes de controle penal. CICOUREL, 1995.
49 CHARAUDEAU, 2011, p. 102.
50 Os princípios da ideologia da defesa social, analisados por Baratta, estão difusos na argumentação po-
lítica. Daí que a concepção abstrata e a-histórica de sociedade, entendida como uma totalidade de valores
e interesses prevaleça. Essa ideologia tem um efeito legitimante do controle penal e, sabendo-se que tal
controle é exercício de dominação, cabe compreender tais efeitos e questioná-los. BARATTA, 2002, p. 43.
51 A deputada Rita Camata (PSDB) trata sua proposta (PL n.º 7.398/2010) exatamente com essa expressão:
“A nosso ver, a proposta representa, além de uma resposta a questionamentos da sociedade sobre o aten-
dimento a adolescentes envolvidos em crimes hediondos, também uma alternativa concreta às mais de duas
dezenas de Propostas de Emenda à Constituição - PECs que, equivocadamente, propõem como ‘solução’ para
o problema da violência no país desconfigurar o art. 228 da Constituição Federal que determina que as pes-
soas menores de 18 anos de idade estão sujeitas a normas de uma legislação especial, e não ao Código Penal”.
52 Essa leitura aparece no PL n.º 5.037/2001, do deputado Enio Bacci (PDT): “Além disso, trata-se de um
meio termo entre os que defendem a redução da maioridade penal como solução para o grave problema
da violência e aqueles que defendem a manutenção do atual sistema e a manutenção do ECA, assim como
se apresenta”.
53 PL n.º 165/2007.
54 MAGLIO, 2010.
55 PL n.º 934/2007.
56 PL n.º 934/2007.
57 PL n.º 346/2011.
58 PL n.º 109/2007.
A sociedade não pode reagir da mesma forma que os criminosos, pois não so-
mos bárbaros. A época da barbárie, da escravidão, da violência indiscriminada
contra o homem foi substituída pelo humanismo. O século XX conquistou o
respeito à dignidade humana. A nova etapa e o desafio é o real respeito a este
estado alcançado. Não podemos correr o risco de indicar soluções bárbaras.
Sem cair na barbárie e na emoção do momento social, o país necessita de uma
reforma na legislação penal e processual penal. Entretanto, a falta de diferença,
para o adolescente, entre matar uma pessoa e matar dez pessoas, praticar o
ato infracional correspondente a um latrocínio ou a dez latrocínios, favorece
a percepção do “pode tudo”, de maneira nefasta. O comportamento correto e
adequado deve ser sempre premiado; o comportamento inadequado e grave
não deve ser aceito pela sociedade, e deve-se contribuir para incutir, no adoles-
cente, a idéia de que o respeito às normas é salutar e que tais comportamentos
não devem ser repetidos. O adolescente, assim, procurará evitar tais comporta-
mentos e, se não o fizer, será afastado do convívio social para ser reeducado63.
62 PL n.º 157/2007.
63 PL n.º 1.895/2011.
Assim, não adianta colocarmos de um lado aqueles que querem até a pena de
morte para os menores e de outro aqueles que desejam deixar a situação como
se encontra. Ambas as posições discrepam do sentimento da nossa sociedade.
Não podemos mais assistir esse quadro sem adotar uma medida segunda (sic) a
nossa realidade e assimilar o que ocorre no mundo moderno, criando uma situ-
ação jurídica que permita a aplicação de uma medida justa, sem nenhum cunho
policialesco, mas protegendo o nosso povo, sem deixar a violência ser absorvida
pela própria sociedade. Dessa maneira, propomos a alteração do Estatuto da
Criança e do Adolescente criando uma Comissão da Infância e Juventude com-
posta de profissionais da área da saúde que, de maneira cientifica, elaborarão
um laudo que será requisito para o juiz estabelecer a medida a ser aplicada ao
adolescente. Outra medida apresentada é o fim do prazo máximo de interna-
ção, que será de competência do juiz de acordo com o tipo de ato praticado.
Juntamente com isso, estamos também determinando a separação do maior de
idade do menor. Temos a certeza que essa proposição espelha o sentimento da
sociedade e que essa Casa de Leis irá aperfeiçoá-la na sua tramitação65.
64 PL n.º 5.037/2001.
65 PL n.º 120/2007.
Todas essas medidas [por ele propostas no projeto] vem (sic) de encontro (sic)
ao anseio da sociedade, tendo em vista as terríveis notícias de barbaridades
cometidas por adolescentes que se aproveitam da inimputabilidade para come-
ter crimes. Foi o caso do menino carioca que morreu ao ser arrastado por um
carro em assalto por pelo menos quatro quilômetros, para citar notícia mais
recente, das inúmeras que tomam conta das capas de jornais de todo o Brasil67.
68 PL n.º 4.753/2009.
69 BUDÓ, 2015.
70 PL n.º 3.700/2000.
A maior parte das justificativas dos projetos em análise trouxe, sob algum
enfoque, a ideia de que a medida socioeducativa de internação tem como
objetivo a modificação do adolescente. Isso ocorreu isoladamente ou em
conjunto com outras funções, em especial as de prevenção geral. Vários
termos foram utilizados para designar essa intervenção no indivíduo, tais
como: reeducação, ressocialização, recuperação, reintegração social, re-
-encaminhamento para a vida social, reinserção na sociedade. Contudo,
81 BARATTA, 2004b.
82 GARCÍA MÉNDEZ, 2007.
83 PL n.º 179/2007.
84 PL n.º 3.858/2012.
85 BUDÓ, 2012b.
86 PL n.º 6.923/2002.
87 PL n.º 6.923/2002.
88 BRASIL, 1976. p. 21.
89 Esses princípios estão previstos também na Convenção Internacional dos Direitos da Criança (alínea b
do art. 37), nas Regras de Beijing (regra 19) e nas Regras Mínimas das Nações Unidas para a Proteção dos
Jovens privados de liberdade (ponto 2).
90 Exemplos: PL n.º 1.895/2011; PL n.º 2628/2003; PL n.º 2.754/2008.
91 Exemplos: PL n.º 165/2007; PL n.º 7.208/2010; PL n.º 2.588/2003.
92 Exemplos: PL n.º 120/2007; PL n.º 165/2007.
93 Exemplos: PL n.º 7.008/2010; PL n.º 7.398/2010.
94 PL n.º 395/2007.
95 Para uma análise da aplicação desse conceito no Superior Tribunal de Justiça, cf. BUDÓ, 2013b.
96 TONIAL, 2013.
97 PL n.º 2.847/2000; PL n.º 2.588/2003; PL n.º 395/2007; PL n.º 7.208/2010; PL n.º 347/2011; PL
n.º 348/2011; PL n.º 1.052/2011.
98 PL n.º 2.523/2003.
99 PL n.º 4.295/2004.
deputado Márcio França (PSB), por exemplo, busca explicar quem são os
adolescentes que se inserem no rótulo de perigosos, para quem estariam
previstas as medidas de segurança por tempo indeterminado:
6. Conclusão
107 Nessa importante questão psiquiátrica, não se pode deixar de visualizar tudo o que Foucault teorizou
a respeito das relações entre saber e poder, em especial quanto à produção do delinquente pelo discurso
científico do século XIX, e que se reproduz até os dias atuais. Cabe aqui inserir suas palavras: “O laudo psi-
quiátrico, mas de maneira geral a antropologia criminal e o discurso repisante da criminologia, encontram
aí uma de suas funções precisas: introduzindo solenemente as infrações no campo dos objetos susceptíveis
de um conhecimento científico, dar aos mecanismos da punição legal um poder justificável não mais sim-
plesmente sobre as infrações, mas sobre os indivíduos; não mais sobre o que eles fizeram, mas sobre aquilo
que eles são”. FOUCAULT, 2009, p. 23.
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