Sumário
1. Introdução 2. Formação do direito nas sociedades primitivas 3. Características e fontes do
direito arcaico 4. Funções e fundamentos do direito na sociedade primitiva 5. Considerações
finais 6. Referências bibliográficas
1. Introdução
1
Professor e pesquisador nos cursos de Graduação e Pós-Graduação em Direito da UFSC. Doutor em Direito e professor
titular de História das Instituições Jurídicas. Membro efetivo do Instituto dos Advogados Brasileiros.
2
GILISSEN, John. Introdução histórico ao direito. Lisboa : Fundação Calouste Gulbenkian., 1988, p.33.
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nas outras colônias) para os não indígenas e, por vezes, para os indígenas evoluídos; e outro
(sistema legal), do tipo arcaico para as populações autóctones.3
Tendo em conta estas asserções iniciais, cabe pontualizar alguns aspectos do direito
nas sociedades primitivas como formação, caracterização, fontes e funções.
3
GILSSEN, John. Op. cit., p. 34.
4
LUHMANN, Niklas, Sociologia do direito. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro 75, 1983, v.I, p.182-184.
5
COULANGES, Fustel de . A cidade antiga. São Paulo; Hemus, 1975, p. 68-150.
6
Sobre o papel dos antigos reis-sacerdotes, consultar: FRAZER, Sir James George. O ramo de ouro. São Paulo: Círculo do
Livro, s/d, p. 32-33.
7
Cf. RADCLIFFE-BROWN, Alfred R.. O direito primitivo. In: Estrutura e função na sociedade primitiva. Petrópolis:
Vozes, 1973, p. 262-263,269.
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8
Cf. SUMNER MAINE, Henry. El derecho antiguo Parte general. Madrid: Alfredo Alonso, 1893, p. 18-19.
9
SUMNER MAINE, Henry. Op. cit., p. 20.
10
SUMNER MAINE, Henry. Op. cit. p. 22.
11
SUMNER MAINE, Henry. Op. cit., p.22.
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comunidade e, por fim, a pluralidade dos direitos não escritos, Gilissen reconhece também
que o direito arcaico está profundamente contaminado pela prática religiosa.12 Tal é a
influência da religião sobre a sociedade e sobre as leis, que se torna intento pouco fácil
estabelecer uma distinção entre o preceito sobrenatural e o preceito de natureza jurídica. Na
verdade, o direito estava totalmente subordinado à imposição de crenças dos antepassados,
ao ritualismo simbólico e à força das divindades. Um secretismo nebuloso mesclava e
integrava, no religioso, as regras de cunho social, moral e jurídico.13
Por último, Gilissen chama atenção para o fato de que os direitos primitivos são
direitos em nascimento , ou seja, ainda não ocorre uma diferenciação efetiva entre o que é
jurídico do que não jurídico. Assinala-se no entanto, que as regras de controle podem variar
no tempo e no espaço. Os critérios que permitem auferir, na sociedade moderna, o que é
jurídico podem não ser aplicados às comunidades da pré-história. Admite-se, assim, que um
costume de épocas arcaicas assume um caráter jurídico na medida em que constrangendo,
garante o cumprimento das normas de comportamento.14
Ainda, seguindo as incursões históricas do erudito pesquisador belga, cabe
mencionar uma breve passagem pela questão das fontes do direito entre as sociedades sem
escrita. Do pouco que se sabe e que, com certeza, pode-se apontar, é que as fontes jurídicas
primitivas são poucas, resumindo-se, na maioria das vezes, aos costumes, aos preceitos
verbais, às decisões pela tradição, etc.
No que concerne aos costumes, há de se reconhecer como a fonte mais importante
e mais antiga do direito, manifestação que se comprova por ser a expressão direta, cotidiana
e habitual dos membros de um dado grupo social. Novamente, aqui, a religião aparece como
fenômeno determinante, na medida em que o receio e a ameaça permanente dos poderes
sobrenaturais é que garante o rígido cumprimento dos costumes.15
Neste quadro, colocam-se, igualmente, certos preceitos verbais não escritos
proferidos por chefes de tribos ou de clãs, que se impõem pela autoridade e pelo respeito
que desfrutam. Trata-se de verdadeiras leis ainda que não escritas, repousando no prestígio
daqueles que detêm o poder e conhecimento.
Por fim, parece significativo mencionar, como fonte criadora de preceituações
jurídicas nas sociedades arcaicas, certas decisões reiteradas utilizadas pelos chefes ou
anciãos das comunidades autóctones para resolver conflitos do mesmo tipo. Conjuntamente
ao que se designa de precedente judiciário , Gilissen acrescenta também os procedimentos
orais propagados por gerações como os provérbios e adágio .16
12
Cf. GILISSEN, John. Op. cit., p. 35.
13
GILSSEN, John. Op. cit., loc. Cit.
14
Cf. GILISSEN, John. Op. cit., p.37.
15
GILISSEN, John. Op. cit., p. 37-38
16
Cf. MALINOWSKI , Bronislaw. Crimen y costunbre en la sociedad salvaje. Barcelona: Ariel, 1978, p. 26, 69, e 70.
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Este fator novo que se distingue das imposições religiosas e das forças naturais vem
a ser revelado pelo conjunto prático de regras jurídicas civis que, enquanto instrumento
integrador, é caracterizado pelos fatores da reciprocidade, incidência sistemática,
publicidade e ambição. Assim, o papel do direito é fundamental como elemento que regula,
em grande parte, os múltiplos ângulos da vida dos grupos na Melanésia e as relações
pessoais entre parentes, membros do mesmo clã e da mesma tribo, fixando as relações
econômicas, o exercício do poder e da magia, o estado legal do marido e da mulher, etc.
Esta modalidade de regras civis distingue-se das regras fundamentais penais que protegem
a vida. A propriedade e a personalidade e que instituem-se pela sanção do castigo tribal.
Mas, se não há sanção religiosa e tampouco castigo penal, quais são forças poderosas que
fazem cumprir estas regras de direito civil? Para Malinowski esta fundamentação há de se
buscar na concatenação das obrigações, que estão ordenadas em cadeia de serviços mútuos,
seja, um dar e tomar que se estende sobre longos períodos de tempo, cumprindo ambos
aspectos de interesses e atividade... . Por conseqüência, a força compulsiva destas
regras procede da tendência psicológica natural pelo interesse pessoal (...) posta em jogo
por um mecanismo social especial, dentro do qual se demarcam estas ações
obrigatórias. Parece claro aqui uma das teses nucleares que explicita e fundamenta a
presença do legal nas sociedades autóctones: o direito não é exercido de forma arbitrária e
unilateral, mas produto de acordo com regras bem definidas e dispostas em cadeia de
serviços recíprocos bem compensados.
Em suma, de todos os sistemas de regras legais das sociedades primitivas, o
destaque maior é atribuído ao direito matrimonial. Não só é o mais abrangente sistema legal,
como o fundamento essencial dos costumes e das instituições. A força do direito matriarcal
define que o parentesco só se transmite através das mulheres e que todo os privilégios
sociais seguem a linha materna. Daí decorre a rigidez da lei primitiva com relação ao
comércio sexual dentro do clã, principalmente, no que se refere ao crime
incesto(principalmente com a irmã) que gera as práticas de punição mais severas.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
sociedades primitivas, o direito civil não podia ser violado. Por outro lado, o direito seria
objeto de consenso, sendo muito mais respeitado entre os autóctones do que na sociedade
moderna. Escreve Norbert Rouland que algumas investigações etnográficas mostram o
contrário, pois o indivíduo, pensando que há menos vantagem do que a inconveniência em
respeitar a lei, acaba muitas vezes violando-a.25
Em suma, foi pertinente começar a longa trajetória histórica das instituições
jurídicas através de uma breve reflexão sobre as formas, natureza e características da
legalidade nas sociedades primitivas.
6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
25
Cf. ROULAND, Norbert. Op. Cit., p. 101