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INVENTAR(IAR) A CRÍTICA NACIONAL: APROPRIAÇÃO DA

HISTORIOGRAFIA BRASILEIRA POR ANTONIO CANDIDO NA CONSTRUÇÃO DE


SEU OBJETO DE ESTUDOS

Thales Biguinatti Carias1

Monumentos, documentos, jornais, discursos, etc. Qualquer tipo de rastro é entendido


como possível de se compilar num arquivo. Como tal, nos é cara a acepção de que o arquivo é um
lugar destinado ao resguardo da memória. Esse afã por resistir à inexorabilidade do tempo é visto
por Jacques Derrida com outros olhos. Para o autor, ao deter-se nas relações de Freud com a
psicanálise e com o arquivo, podemos dispensar esse destino natural do arquivo por uma noção
mais perspectivista, capaz de centralizar, nas questões do arquivo, um problema de cultura; ou, mais
especificamente, de instituição. Com isso, retomamos um apontamento central, segundo o qual o
arquivo seria uma exterioridade resultante dos embates entre a pulsão de morte e a pulsão de
arquivo. Momentos anteriores aos próprios princípios de realidade e de prazer, o arquivo seria
muito mais instável do que se apresenta ao se constituir no âmago da pulsão por sua própria
destruição. Segundo Derrida, o mal de arquivo identifica-se ao mal radical; o mal que existe por ele
mesmo e que Arendt já havia separado do mal kantiano, como mal sempre interessado em algo
(nunca o mal por ele mesmo). De figura monolítica e transparente (o lugar da memória e da
perpetuação de uma cultura), o arquivo passa a simbolizar a própria instabilidade dessa cultura a
mobilizar desejos e pulsões.
A partir disso, o presente texto tentará ler essa tensão entre pulsão de morte e desejo de
arquivo nos interstícios da obra “Formação da Literatura Brasileira” (FLB), de Antonio Candido. Formatted: Font: Italic

Obra que dispensa demais apresentações, “FLB” parece se comportar com base, justamente, nesse
conflito entre uma pulsão de morte e o desejo de arquivo que estruturam e institucionalizam um
dado arcabouço cultural. Antonio Candido, nesses termos, seria um sujeito a organizar um arquivo
específico, segundo questões e preocupações específicas e objetivando uma operacionalidade futura
deste arquivo. Neste sentido, acreditamos ser cabível executar essa leitura da obra de Candido à luz
dos apontamentos sobre o arquivo derridiano.
Nossa hipótese central sobre a importância de “FLB” para o conjunto da obra de
Antonio Candido pode ser resumida da seguinte forma: o autor plasmou, ao discurso da crítica
literária, uma leitura específica da história nacional. Tendo como parâmetro os arcabouços da
modernização brasileira, Candido organizou seu sistema literário com base num discurso

1 Texto apresentado como requisito parcial para obtenção de créditos na disciplina “Como Viver Junto:
Coleções, Arquivos e Redes como Operadores Criativos”, ministrada pela Prof. Dra. Maria Elisa Rodrigues, vinculada
ao Programa de Pós-Graduação em Estudos de Linguagem (PPGEL) da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT).
historiográfico de grande monta e que referendava o ponto final desta formação, qual seja, o de
surgimento do modernismo como síntese criadora das tendências estéticas fecundadas em solo
nacional. Para tanto, dois marcos históricos específicos organizam e dão o sentido continuísta de
“Formação da Literatura Brasileira”: a Inconfidência mineira e o processo de independência. Ao Formatted: Font: Italic

ler os escritores que compõem o sistema literário como portadores das tendências que sintetizam as
aspirações universalistas e particularistas, Candido firmou o objeto de sua crítica literária nos
interstícios do discurso historiográfico hegemônico sobre a formação do próprio Estado Nacional
brasileiro. Desta forma, inconfidência e independência ganham, na escrita de “FLB”, uma
completude que caminha para a nossa própria realização literária. Em outras palavras, resumiríamos
essa hipótese afirmando que, para concretizar sua crítica literária com os parâmetros técnicos e
científicos requeridos pelo novo contexto acadêmico, Candido lançou mão de um sentido histórico
já assentado e legitimado em seu tempo histórico. É essa organização da história nacional que se
confirma como um objeto de estudos para a nascente crítica literária (“epistemologia”?) e que vai
garantir a manutenção do escopo civilizacional que orienta a obra de Antonio Candido (“ética”?).
Os apontamentos de Derrida sobre o arquivo podem contribuir para aferir esta hipótese
no seguinte sentido: Se se nenhum arquivo passa incólume às intenções e projetos dos sujeitos que
os organizam, podemos ler essa intencionalidade no modo como Antonio Candido, particularmente
nos momentos finais do segundo volume de seu livro, exclusivamente dedicado a uma espécie de
antologia da crítica literária do século XIX, organiza o material da crítica literária anterior à sua
própria? Haveria alguma fissura constitutiva do arcabouço literário brasileiro que a antologia de
Candido tenta, se não esconder, ao menos incorporar ao sentido histórico impingido à organização
dos textos críticos que ele exerce no capítulo referido? Como já afirmamos que Candido,
possivelmente, constrói seu objeto de estudos a partir de uma dada matriz historiográfica, não
estaria essa própria matriz, com forças de instituição, impingindo, no próprio Candido, uma certa
organização do material de que ele dispõe? Mais do que resolver essas questões, o cruzamento de
nossa leitura de “FLB” com alguns apontamentos de Derrida a respeito do arquivo pretendem
evidenciar a pertinência delas e de sua abordagem no interior do texto já conssagrado de Antonio
Candido. Commented [MERM1]: Thales, excelentes e pertinentes
questões, que me parecem, em especial no momento de
homenagens infindáveis a Antonio Candido, fundamentais
não para minimizar sua importância no campo da crítica
O NOVO PROVÉM DO VELHO: REFLEXÕES SOBRE CONTINUIDADES E RUPTURAS literária nacional, mas para ler sua obra, também,
criticamente, ou a contrapelo, se quisermos retomar a
NA “FORMAÇÃO DA LITERATURA BRASILEIRA”: proposta benjaminianas.
Formatted: Font: Italic

“Formação da Literatura Brasileira” é do tipo de obra que já passou por incontáveis Formatted: Font: Italic

debates e interpretações. Neste caso, trataremos de um em específico, no intento de usá-lo para


subscrever melhor o problema de nossa pesquisa. Em diálogo com Paulo Arantes, Roberto Schwarz
tece algumas considerações sobre a palavra “formação” no contexto da obra de Candido e alguns de
seus contemporâneos. Neste sentido, Schwarz considera variações valorativas para o sentido da
palavra conforme usada por Sérgio Buarque de Hollanda, Celso Furtado, Gilberto Freyre e Caio
Prado Jr. No limite, essa valorização correspondia a determinada expectativa, transposta, nos
respectivos estudos, por orientações temporais. Por exemplo: se a formação do Brasil moderno
tinha, tanto em Buarque de Hollanda quanto em Freyre, origens lusitanas, cada um sentia essa
origem de um modo diametralmente oposto: Freyre com nostalgia; Hollanda com vontade de
superação (SCHWARZ, 1999, p. 17).
Se todos estes possuem algum tipo de valor no modo como analisam os aspectos da
formação que lhes convém, Schwarz afirma que isso tem a ver com o fato de tais formações estarem
em aberto, pelo menos naquele início de segundo quartel do século XX. Por outro lado, o dado de
que a “formação” tratada por Candido já estava encerrada, mormente com Machado de Assis, levou
o crítico a postular ser esta a causa para o fato de que, na “Formação da Literatura Brasileira”, Formatted: Font: Italic

essa valoração com relação ao próprio objeto de pesquisa é seja de menor intensidade. Com a
literatura já bem formada, Candido contava com o distanciamento necessário para postular seu
objeto de pesquisa de modo mais científico, porque menos ensaístico, que os demais. Antes de
avançarmos na argumentação, cabe destacar que não se trata de acusarmos Schwarz de algum tipo
de positivismo ingênuo, já que o mesmo faz questão de considerar que, apesar de formado, esse
passado literário nutre efetivos vínculos com o presente de Candido (SCHWARZ, 1999, p. 18).
De tudo isso, convém destacarmos que essa diferença entre Candido e os demais é
transposta por Schwarz para o contexto referente à fundação da Faculdade de Filosofia da USP,
onde Candido se formara. Neste aspecto, Schwarz tangencia o problema central de nossa pesquisa,
não obstante o restante de sua argumentação ir para caminhos diferentes. Diz Schwarz:

Do lado do assunto, a idéia de formação apreendia, dava visibilidade a um


dinamismo decisivo, a saber, a gravitação cultural da Independência, no interior da
qual Arcadismo e Romantismo - estilos tão opostos - puderam ter uma inesperada
funcionalidade comum. Do lado do presente, da história dos estudos brasileiros, a
idéia tinha a ver com os novos patamares teóricos ligados ao surgimento da
Faculdade de Filosofia da USP. Ao positivismo rasteiro dos estudos literários
tradicionais, opunha a exigência de um objeto logicamente constituído, com seus
movimentos próprios de valorização, inclusão e exclusão. Essa posição avançada,
com razões e pressupostos refletidos e explícitos, coisa inédita entre nós, até hoje
não foi bem assimilada. Assim, alguns apontam o déficit em entusiasmo brasileiro
da parte de Antonio Candido (!), que não incluiu na sua Formação - por não
fazerem parte dela - grandes figuras como Gregório de Matos e o padre Vieira, ao
passo que outros críticos, ou os mesmos em momentos diversos, o acusam de
bitolamento nacionalista por historiar uma aspiração nacional (SCHWARZ, 1999,
p. 19.)
Como o final desta citação já nos indica, o argumento de Schwarz passa a considerar a
concepçaoconcepção do nacionalismo em Candido. Tal concepção, para Schwarz, representa um
uso materialista da tradição, circunscrevendo os efeitos e limites desta pauta para a formação do
arcabouço literário brasileiro (SCHWARZ, 1999, p. 20). Com efeito, o que pretendemos levantar
como problema de pesquisa não inviabiliza ou contradiz as argumentações de Schwarz. No entanto,
é preciso considerar que ela não foi explorada pelo autor e permanece sem uma discussão adequada,
ainda que extremamente pertinente. Referimo-nos à análise da própria construção do objeto de
pesquisa executada por Candido em “Formação da Literatura Brasileira”, momento decisivo de Formatted: Font: Italic

sua obra crítica. Commented [MERM2]: E, acho importante pensar, a


construção, a partir de então, da própria concepção de
Ora, se o próprio Schwarz já assinalou que a característica desta nova formação uspiana literatura brasileira (e de sua conformação histórica) em
grande parte das universidades do país.
é a constituição lógica do objeto de pesquisa, delimitando-o, selecionando seus critérios básicos e
observando seu processo de formação e estabelecimento históricos, devemos nos perguntar como
Candido faz isso tudo operar no interior de sua obra para além de uma questão de método, mas
investigando os pontos de contato entre este objeto descrito e os lugares social, ético e
epistemológico do crítico. Com efeito, é importante salientar, ainda seguindo o argumento de
Schwarz, que a ideia de distanciamento é o que preconiza essa maior e melhor objetificação da
tradição. Neste sentido, perguntamo-nos em que medida esta objetificação é, de fato, uma
consequência lógica do distanciamento? Nos dois volumes da obra em questão, Candido não deixa
de organizar o material do passado que lhe é disposto. Construindo essa organização, ele não iria
interferir na própria natureza deste objeto? Acreditamos que há um flanco aberto para algumas
reflexões nesse sentido. Como Candido organiza o material do passado? Como esse material
tensiona com a própria concepção de Candido sobre o mundo e seu presente? É possível pensarmos
que este material, não sendo inerte, também influi nas decisões de análise e conclusão do trabalho
de Candido? Como o cientista se comporta diante de seu objeto, sobretudo quando este se trata de
um arcabouço cultural de grande monta? Nossa tentativa de intersecção da noção de arquivo Commented [MERM3]: Mais uma vez, questões
pertinentes e aprofundadas. Talvez valha a pena inserir a este
derridiana com a organização da crítica literária oitocentista no Brasil feita por Candido tentará rol de questões, a partir de suas reflexões que dialogam com
a questão metodológica e com o procedimento científico, o
lançar luzes sobre estes problemas. próprio lugar que os estudos em literatura ocupavam no
âmbito da ciência, assim como a própria concepção de
ciência de então e, avançando para sua leitura da obra, pensar
nessas questões também hoje.
UM LAR PARA A MEMÓRIA? O ARQUIVO DERRIDIANO E AS MARGENS ENTRE O
SUJEITO E O OBJETO:

O grande ponto a ser explorado nas discussões do arquivo derridiano é o modo como
ele, a partir da pulsão de morte freudiana, nos lembra de que o arquivo é um produto e, ao mesmo
tempo, produtor da cultura. Ora, seguindo a argumentação de Derrida, devemos estar atentos ao fato
de que o arquivo, tal qual nos aparece, como uma exterioridade, é fruto de um certo “mal radical”;
de uma pulsão destrutiva, algo que o próprio Freud só aceitou mediante grande resistência
(DERRIDA, 2001, p. 20). Nesta pulsão pela destruição, pulsão algo de originária, interpela-se uma
dissimulação erógena da presença. O desejo de arquivo interpõem-se, portanto, como uma vontade
de permanência, ou de sobrevivência. Sustentar essa vontade implica em esconder a pulsão pela
destruição que lhe deu origem. Como num processo de retroalimentação, o desejo se fixa na
exterioridade do arquivo. Esse exterior,; essa casa da memória que no próprio nome enceta uma
ambiguidade latente ente privado e público, e cuja origem é sua própria destruição conserva
também a autoridade instituída.
O processo que possibilita essa passagem do arquivo do privado ao público se dá por
meio do que Derrida chama de consignação. Neste sentido, o poder topo-nomológico (de origem e
autoridade) se cruza com o poder de consignação, como reunião de signos, para a publicização da
autoridade e sua instituição:

A consignação tende a coordenar um único corpus em um sistema ou uma


sincronia na qual todos os elementos articulam a unidade de uma configuração
ideal. Num arquivo, não deve haver dissolução absoluta, heterogeneidade ou
segredo que viesse a separar (secenere), compartimentar de modo absoluto. O
princípio arcôntico do arquivo é também um princípio de consignação, isto é, de
reunião (DERRIDA, 2001, p. 14).

A autoridade, como comando, necessita de apagar os sinais de sua origem, que são os
de sua própria destruição. Assim, a exterioridade do arquivo, por meio da consignação, acaba por
tornar a noção de arquivo algo difícil de se arquivar. O que somos capazes de fazer, no entanto, é
ficarmos atentos ao processo que torna possível a passagem da consignação à institucionalização do
arquivo. Atentarmo-nos a esse processo significa percorrer um rastro deixado pela dissimulação Commented [MERM4]: Muito bom.

erógena constituinte da autoridade do arquivo. Noutras palavras, desestabilizar o arquivo naquilo


que lhe é próprio: no processo de reunião dos signos da memória como desejo frente à pulsão de
morte.
Se estivermos corretos, o método da desconstrução derridiana não se propõe a acabar
com a autoridade instituída, mas a perturbar sua estabilidade. Em cruzamento com os apontamentos
feitos até então, a ideia da perturbação se concretiza, na noção de arquivo derridiana, com a imagem
do fantasma. Ainda no rastro das leituras de e sobre Freud, Derrida centraliza o papel da psicanálise
nessa perturbação do arquivo instituído. Deste modo, as noções de repressão e recalque seriam bons
instrumentais para desarmarmos a aparente estabilidade do arquivo tal como nos é apresentado e
empreendermos uma diferenciada busca pela verdade; não mais como estado monolítico e final do
conhecimento, mas como caleidoscópio de rastros entre passado e presente: uma “verdade Commented [MERM5]: e também futuro, creio eu...

protética”. “Uma vez que um quase espectro faz assim sua aparição, trata-se também do direito à
manifestação de uma certa verdade (um pouco espectral, em parte espectral) na figura de uma
espécie de “‘fantasma real”’. A espécie, o aspecto, o espectro. Eis o que ainda resta investigar sobre
a verdade, o que especular com o verdadeiro dessa verdade” (DERRIDA, 2001, p. 116).
Nossa tentativa, em diante, será justamente tentar evidenciar essa fissura que o arquivo
instituído tenta dissimular. Dissimular a fissura como um modo de apaziguar o passado,; de
controlar seus fantasmas, é uma das características do Estado, de acorodo com os apontamentos
derridianos, bem como na interpretação dada por Homi Bhabha no texto “DissemiNação: O tempo,
A Narrativa e as margens da nação moderna” (BHABHA, 1998, p. 198). Ademais, Michel de
Certeau também se preocupa com o problema da instituição de modo mais específico, qual seja, no
próprio fazer-se da operação historiográfica. Neste sentido, não seria exagero considerarmos que as
preocupações de Certeau possuem um diálogo amplo com o que fora exposto por Derrida, até então,
sobre o arquivo:

Em história, é abstrata toda "doutrina" que recalca sua relação com a sociedade. Ela
nega aquilo em função de que se elabora. Sofre, então, os efeitos de distorção
devidos à eliminação daquilo que a situa de fato, sem que ela o diga ou o saiba: o
poder que tem sua lógica; o lugar que sustenta e "mantém" uma disciplina no seu
desdobramento em obras sucessivas, etc. O discurso "científico" que não fala de
sua relação com o corpo social é, precisamente, o objeto da história. Não se poderia
tratar dela sem questionar o próprio discurso historiográfico (CERTEAU, 1982, p.
69-70).

Naturalmente, seria um grave descuido considerarmos que Candido não pensou nas
relações entre sua própria obra e o momento e lugar de sua escrita. Não obstante, a ideia que
ilustramos mais acima a partir das considerações de Schwarz é tida como um dado quase natural. A
escrita de Candido avança, em termos científicos, dado ao contexto uspiano em que sua obra
aparece. Poucos são os trabalhos que se dedicam a revisar as implicações desta consideração no
modo como Candido elabora seu próprio projeto intelectual. Citemos os dois principais trabalhos, a
saber: “A tradição esquecida: Os parceiros do Rio Bonito e a sociologia de Antonio Candido”
(JACKSON, 2002) e “A vida social das formas literárias: crítica literária e ciências sociais no
pensamento de Antonio Candido” (RAMASSOTE, 2013). Não obstante, tais trabalhos não avançam Commented [MERM6]: Não constam de sua lista de
referências.
na questão sobre a força da “instituição historiográfica” na constituição do próprio objeto de estudos
de Antonio Candido, qual seja, o da crítica literária nacional como um sistema orgânico à
civilização. Se estivermos corretos, essa força irá borrar as margens cerradas entre sujeito e objeto
que levaram Schwarz a considerar o relativo distanciamento entre um e outro como ausência (ou
pelo menos controle) de valoração do sujeito no sentido de “Formação da literatura brasileira”.
Nesse sentido, o modo como Candido se relaciona com o arquivo será o grande operador para testar
essa hipótese.
A CRÍTICA COMO CONSCIÊNCIA DA CULTURA: UM ARQUIVO DO DESEJO DE
ARQUIVAR:

Se o cruzamento entre a noção de arquivo derridiana e a leitura da organização da


crítica literária do século XIX for frutífera, não será de todo estranho estranha a ideia de que, ao
inventariar os críticos que lhe precedem, Antonio Candido também inventa a crítica literária como
uma tradição e/ou instituição. Isso por um dado que escapa às conclusões de Schwarz, segundo a
qual o distanciamento sujeito/objeto traria uma vantajosa atenuação no subjetivismo característico
dos ensaístas “pré-Candido”. Referimo-nos ao fato de que o arquivo não possui um estado de
inércia; um grau zero no qual o sentido se estabiliza e passa a ser pouco relativo com o sujeito que
lhe intervém. Pelo contrário, dispor de um breve inventário da crítica oitocentista como modo de
fechar um livro destinado a colocar num sistema o arcabouço literário nacional pode ser lido como
um ato de consignação. Nesse sentido, Candido reúne esses críticos para construir uma forma de
inteligibilidade deste passado que esteja atrelada à institucionalização de seu próprio projeto. Por
outro lado, não se trata de uma autonomia do sujeito na construção desse objeto instituído. O
passado exerce, no modo como Candido executa essa organização, uma grande força. Commented [MERM7]: Ótima reflexão. Sob outra
perspectiva discuti questões similares em minha tese de
Iniciemos nossa argumentação constatando algumas diretrizes sobre a importância deste doutorado.

ato de consignação para a tese de Antonio Candido. É de conhecimento amplo a argumentação


central de Candido na “Formação da Literatura Brasileira”, mas não custa reiterarmos o ponto Formatted: Font: Italic

principal: A grande contenda entre arcadismo e romantismo, nos momentos formadores da literatura
brasileira, e que versa sobre o teor mesmo de nossa literatura (entre o universalismo e o
particularismo), é reconduzido reconduzida pelo autor do campo da polêmica para o campo de um
processo integrador, no qual o arcadismo se formaria como uma necessidade histórica; como uma
prerrogativa para que o Brasil comungasse do circuito letrado do Ocidente. Feito isso, ou seja, tendo
o arcadismo funcionado como um momento no qual os brasileiros puderam “aprender” o que é a
literatura e como fazê-la, o romantismo pôde então se consolidar como a grande escola literária que
foi no século XIX. Nestes termos, a grande ironia fora o romantismo encastelar-se numa prática
literária demasiadamente particularista, caindo, não raras vezes, num exotismo cujo arrefecimento
criativo estava num grau muito próximo ao arcadismo, universalista e aristotélico, que os
românticos tanto criticavam.
Não obstante, arcadismo e romantismo passaram a ser vistos como agentes integrantes
deste novo sistema. Assim é que faz sentido a definição do “Ser” da literatura para Antonio
Candido. Se a literatura constitui o arcabouço cultural do ocidente, isso quer dizer que ela não é
algo isolado do todo desta cultura. Neste sentido, o sistema literário composto por autores, públicos
e obras em interação constante obsta qualquer tipo de classificação natural, isolada e/ou
independente da vida cultural que nutre aquela literatura. Ao destacar o particularismo do
Romantismo como dado de interação satisfatória desse sistema, Candido identifica o surgimento da
literatura com o próprio surgimento do Estado nacional no plano cultural; no plano do sentimento e
das aspirações nacionalistas.
O que gostaríamos de discutir, a partir disso, é que Candido mapeia este processo (no
Arcadismo e no Romantismo) atrelado a dois fatos históricos que, de acordo com o livro, caminham
para o despertar deste nacionalismo, a saber, a inconfidência mineira e a independência. As coisas
ficam mais complexas quando percebemos, seguindo a construção de Candido, que o autor toma a
narrativa nacionalista hegemonicahegemônica como a única possível, apagando as
heterogeneidades e diferenças no bojo da disputa sobre os sentidos e a memória destes dois “fatos”. Commented [MERM8]: Thales, sei que as narrativas
históricas correspondentes a estes fatos passaram por
Neste nível da argumentação, devemos perguntar: a inconfidência mineira, de fato, encerra algum diversas revisões, lembro-me de ter lido algumas coisas a
respeito, em especial, da construção da ideia de nação a
tipo de expectativa nacionalista (ainda mais brasileira!) nos agentes históricos do momento, ou é o partir de uma certa narrativa criada para a Inconfidência
Mineira, mas não consegui recuperar essas leituras com
Estado já formado projetando sua sombra para uma certa “origem” a legitimar o seu “comando”? precisão (ah, a memória...). Você saberia me dizer se
revisões historiográficas são anteriores ao lançamento do
Outrossim, o próprio processo de independência já estaria com sua clausura destinada a consolidar livro em pauta de Candido? Você menciona, no fim deste
parágrafo, o livro de Pimenta, mas ele já é dos anos 2000.
o Estado Nacional brasileiro, ou este “destino” foi o resultado de um processo de longa disputa
sobre o modo como o novo estado de coisas deveria ser nomeado e rememorado? Ora, no campo
historiográfico, essas questões já foram há muito levantadas; basta lembrarmos o trabalho do
professor João Paulo Pimenta, em que o discurso jornalístico serve de base para que ele mapeie a
disputa de sentidos que se dava nos momentos decisivos da independência (PIMENTA, 2002).
No entanto, não há um estudo satisfatório a identificar como essa projeção do Estado
como instituição ordena, também, a própria constituição do sistema literário preconizado por
Candido como objeto de pesquisa. Neste sentido, a organização que Ccandido faz dos críticos
brasileiros do século XIX, bem como suas matrizes de pensamentos e respectivos desdobramentos,
nos ajudam a perceber como isso se forma e conforma.
Isso porque o capítulo que encerra os dois volumes da “Formação da Literatura Formatted: Font: Italic

Brasileira” parte, justamente, da constatação da arbitrariedade da organização das produções de


determinada época em escolas ou tradições literárias. Diante disso, e preocupado com o grau de
subjetividade que pode estar incrustado em sua própria obra, Candido julga conveniente fechar o
trabalho dando atenção a como os próprios sujeitos contemporâneos julgavam os trabalhos de seus
pares. Isto o leva à crítica: “porque ela é de certo modo a consciência da literatura, o registro ou
reflexo das suas diretrizes e pontos de apoio” (CANDIDO, 1975, p. 319). Ao classificar a crítica
literária como a conscciência do “outro” do qual ele estuda, Candido julga ter acesso direto ao
passado de que trata. Não seria exatamente essa a vantagem frente aos demais analistas da
“formação” do Brasil que Scharwz destacara? Mas e quando o modo como Candido dispõe e
conjectura sobre essa “consciência do outro” deixa sobreescrever a expectativa dele próprio frente
ao processo?
A ideia não é tanto censurar a análise de Candido, mas mostrar que o fato da
“formação” tratada estar encerrada não obsta os possíveis contatos entre sujeito e objeto no próprio
processo de construção do conhecimento. Mais ainda: é possível falar que o ato de Candido em
organizar esse acervo de textos críticos e lhe impingir um sentido é um ato de consignação de um
material do passado com um sentido institucional latente na medida em que, no interior do debate
da época, seleciona os elementos que só serão bem desenvolvidos futuramente, com Sílvio Romero,
autor objeto de análise em livro pregresso do próprio Candido. Seria, então, essa consignação uma
passagem à institucionalização de seu próprio projeto crítico? Commented [MERM9]: Excelente problematização.

Podemos aferir essa seleção na medida em que Candido pinça o valor histórico em meio
à mediocridade daquela nascente crítica. Esse valor corresponde, justamente, à sedimentação do
sistema conjugado de obras, autores e público em função do nacionalismo literário, cujo mérito se
deve porque:

Sobretudo, desenvolveu um esforço decisivo no setor do conhecimento da nossa


literatura, promovendo a identificação e avaliação dos autores do passado,
publicando as suas obras, traçando as suas biografias, até criar o conjunto orgânico
do que hoje entendemos por literatura brasileira – um cânon cujos elementos
reuniu, para que Sílvio Romero o definisse. (CANDIDO, 1975, p. 328)

Esse esforço, devemos salientar, se realizou em 3 categorias complementares: 1:


definição e interpretação geral da literatura brasileira; 2: Esforço de organização e composição de
uma “história literária” e 3: manifestação de juízos de valor sobre as criações literárias de seus
ccontemporâneos. Essas 3 categorias são as bases do sistema literário e Candido avança numa
questão que, apesar de amparada nos mesmos pressupostos que os seus, caminha para um sentido
divergente, fortemente censurado pelo autor: a crescente associação entre neoclassicismo e colônia.
Negar o passado português como “busca por novos modelos” (CANDIDO, 1975, p. 328).
O ponto fora da curva nessa associação esquemática fica por conta de Santiago Nunes
Ribeiro, a quem Candido lamenta profundamente sua morte precoce; visto que seria um crítico que
renderia muito mais, caso tivesse a oportunidade. O principal trabalho de Nunes Ribeiro, “Da
nacionalidade da literatura brasileira”, publicado na minerva brasiliense, destaca o fato defendido
pelo próprio Candido: desde o neoclassiconeoclássico, a literatura brasileira já é autônoma:

Este ensaio de Santiago Nunes é o momento decisivo na elaboração de uma


teoria geral da literatura brasileira como algo independente. Os escritos de
Januário, Magalhẽs, Pereira da Silva, tinham provocado opiniões adversas,
que a reputavam inseparável da portuguesa; manter o ponto de vista
autonomista era essencial, nessa fase em que o impulso criador se ligava
estreitamente ao desígnio ideológico de colaborar na construção nacional.
(CANDIDO, 1975, p. 338)

Esse argumento é importante para percebermos como Candido vai selecionando os


autores segundo a afinidade com sua própria tese e, muito além disso, não deixa de referendar a
memória instituída segundo a qual você teria ou uma literatura vinculada à portuguesa ou uma
literatura brasileira autônoma. A questão do devir deixa de ficar em aberto em função de um porvir
já instituído; que é o da literatura brasileira. Não há a possibilidade, no argumento de Candido, de a
literatura colonial não ser nem portuguesa, nem brasileira (nome que levaria séculos até ser
cogitado como realidade histórica e literária). É nessa medida que dizemos ser o passado da
independência um agente decisivo na organização da literatura brasileira executada por Candido.
Quando o devir cede espaço para um porvir já conformado, aquilo que julgamos ser um objeto já
distanciado de nosso olhar analítico, pode exercer uma força definidora e que dissimula sua fissura
constituinte.

REFERÊNCIAS

BHABHA, Homi K. DissemiNação: O tempo, A Narrativa e as margens da nação moderna.


In:________. O Local da Cultura. BH: Ed. UFMG, 1998.
CANDIDO, Antonio. Formação da literatura brasileira: momentos decisivos (vol II). 5 ed. BH:
Ed. Itatiaia; SP: EDUSP, 1975.
CERTEAU, Michel de. A Escrita da História. RJ: Forense universitária, 1982.
DERRIDA, Jacques. Mal de arquivo: uma impressão freudiana. RJ: Relume Dumará, 2001.

PIMENTA, João Paulo. Estado e nação no fim dos impérios ibéricos no Prata (1808-1828). 1a..
ed. São Paulo: Hucitec, 2002.
SCHWARZ, Roberto. Sobre a “Formação da literatura brasileira”. In: Seqüências brasileiras:
ensaios. Editora Companhia das Letras, 1999. P.17-23.

Thales,
seu trabalho final, como os demais textos apresentados, apresentada profundidade reflexiva aliada
tanto a um aguçado olhar crítico quanto a uma escrita de verve ensaística bastante apurada. Não sei
se essa discussão tomará parte em sua pesquisa, ou se desenvolveu-se apenas para a disciplina, mas,
em ambos os casos, parece-me um texto bastante relevante no contexto atual por levantar
problematizações em torno do modo como se constitui certo pensamento sobre a literatura
brasileira. Caso passe por desdobramentos, parece-me que a seção que mais necessita ser
aprofundada é a última, em especial quando se volta ao próprio texto de Candido que encerra o
Formação.
Parabéns, foi um prazer ler seu texto e pensar com ele.
Nota: 10

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