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Extensão de Cobertura ou Reorganização da

Atenção Básica? A trajetória do Programa de


Saúde da Família de Manaus-AM1
Coverage Extension or Reorganization of Primary Health
Care? The Implementation of the Family Health Program in
the City of Manaus, State of Amazonas

Nair Chase da Silva Resumo


Doutora em Saúde Pública. Professora do Curso de Enfermagem
da Universidade Federal do Amazonas (UFAM). Este trabalho analisa sete anos de implantação do
Endereço: Rua Terezina, 495, Adrianópolis, CEP 69057-070, Ma- Programa de Saúde da Família (PSF) de Manaus, pro-
naus, AM, Brasil. curando identificar mudanças no sistema municipal
E-mail: nairchase@yahoo.com.br
de saúde a ele relacionadas e capazes de contribuir
Luiza Garnelo para a redução de desigualdades em saúde. Contex-
Doutora em Ciências Sociais. Pesquisadora do Centro de Pesquisa tualiza a gênese do PSF no município, suas carac-
Leônidas & Maria Deane, Fundação Oswaldo Cruz. Professora do terísticas, contradições e limitações, investigando
Centro Universitário Nilton Lins.
se o programa construiu apenas uma trajetória de
Endereço: Rua Terezina, 476, Adrianópolis, CEP 69057-070 Ma-
naus, AM, Brasil.
extensão de cobertura ou contribuiu efetivamente
E-mail: luiza.garnelo@amazonia.fiocruz.br para a reorganização do modelo de atenção básica
à saúde. As categorias de análise priorizaram prin-
Ligia Giovanella
cípios específicos de gestão do PSF: caráter substi-
Doutora em Saúde Pública. Pesquisadora da Escola Nacional de
Saúde Pública Sérgio Arouca (ENSP), Fundação Oswaldo Cruz, Rio tutivo, integração com instituições e organizações
de Janeiro, Brasil. sociais, territorialização, planejamento situacional
Endereço: Avenida Brasil, 4036, sala 1001, 10° andar, CEP 21040-361, com base na família e na comunidade, participação
Rio de Janeiro, RJ, Brasil. popular e controle social. A metodologia utilizada
E-mail: giovanel@ensp.fiocruz.br foi quali-quantitativa, compreendendo a análise
dos dados de duas pesquisas avaliativas da imple-
1 Apoio Financeiro: Ministério da Saúde/Departamento da Atenção
Básica (DAB), Brasil.
mentação do PSF no município, realizadas em 2001
e em 2006. Os resultados mostram que, em Manaus,
o PSF se constitui em uma estratégia de extensão
de cobertura, com parcial superposição à estrutura
assistencial de atenção básica (AB) preexistente e
paralelismo de ações. Dadas as condições de sua
implantação, conclui-se que o PSF se expressa como
um programa isolado dentro do sistema municipal
de saúde, com potencialidade para se converter em
estratégia reestruturadora da AB em Manaus. A con-
fluência com a implantação dos Distritos Sanitários
poderá contribuir para um caminho de reorientação
do modelo assistencial que garanta atenção integral
e concretize o direito à saúde.
Palavras-chave: Atenção Primária à Saúde; Progra-
ma de Saúde da Família; Gestão em Saúde.

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Abstract Introdução
This paper analyzes seven years of implementation A Estratégia Saúde da Família tem, entre suas ori-
of Programa Saúde da Família (PSF - Family Health gens, o movimento da medicina familiar que surgiu
Program) in the city of Manaus, state of Amazonas, na década de 1960 nos EUA, em contraposição às
aiming at identifying its influence on changes in ideias hegemônicas no ensino médico da época. Essa
the municipal health care system that are capable proposta migrou para a América Latina, inclusive
of contributing to the reduction in health care ine- para o Brasil, onde se estruturou em um contexto
qualities. It contextualizes the genesis of the PSF in diferenciado. Aqui não teve como foco uma oposi-
the municipality, its characteristics, contradictions ção ao modelo de formação médica, mas a busca de
and limitations, thus investigating whether the uma prática generalista e humanizada, capaz de
program has built only a coverage extension history contemplar as ideias de determinação social das
or whether it has effectively contributed to the re- doenças. No entanto, o movimento da reforma sani-
organization of the primary health care model. The tária brasileira, que buscava tornar hegemônica a
analysis categories prioritized specific management ideia de saúde como direito de cidadania (Teixeira,
principles of the PSF: substitutive nature, integra- 2003/2004; Trad e Bastos, 1998; Garbois e col.,
tion with institutions and social organizations, 2008; Conill, 2008), tornou o acesso aos serviços
territorialization, situational planning based on the de saúde uma prioridade das políticas públicas. No
family and community, popular participation and Brasil, a promoção do acesso ao sistema de saúde foi
social control. The methodology was qualitati- implementada através da rede de cuidados primários
ve-quantitative, including the analysis of data de saúde implantada em todo o território nacional
from two studies evaluating the implementa- (Escorel e col., 2007).
tion of the PSF in the municipality, carried out in Segundo a Organização Pan-americana de
2001 and 2006. The results show that, in Manaus, Saúde (OPS) e a Organização Mundial de Saúde
the PSF is a coverage extension strategy, with partial (OMS) (2005), a Atenção Primária à Saúde (APS)
superposition on the preexisting primary medical tanto pode ser entendida como seletiva, isto é, um
care structure and parallelism of actions. Given the programa dirigido a populações e regiões pobres
conditions of its implementation we conclude that como um primeiro nível da assistência, ou seja,
the PSF expresses itself as an isolated program como porta de entrada do sistema; e ainda como
within the municipal health care system, with the estratégia de reorganização do sistema de saúde e
potentiality to become a restructuring strategy of como um tema de direitos humanos. Tais concepções
primary health care in Manaus. The confluence with não são excludentes e, não raro, coexistem entre
the implementation of the Sanitary Districts may be si (Mendes, 2002; OPAS/OMS, 2005). No Brasil,
able to contribute to redirect the medical attention a implementação da APS se fez, principalmente,
model, thus assuring integral care and concretizing através da chamada Atenção Básica (AB) à Saúde, a
the right to health. qual guarda características da concepção seletiva
Keywords: Primary Health Care; Family Health Pro- de APS, mas com reconhecida potencialidade para
gram; Health Management. reorganizar o sistema de serviços de saúde rumo a
uma operacionalização abrangente de APS (Mendes,
2002; Giovanella, 2008).
É nesse contexto que o Programa de Saúde da
Família (PSF) emergiu inicialmente como um progra-
ma vertical, induzido pelo Ministério da Saúde (MS)
mediante a disponibilização de incentivos financei-
ros aos municípios que o adotassem (Soares, 2000).
Como programa seletivo, o PSF teve como finalidade
promover a extensão de cobertura às populações

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desassistidas, ganhando visibilidade no cenário fatizam sua importância para a extensão de cobertu-
nacional (Escorel e col., 2007; Conill, 2008). Num ra a populações desassistidas (Teixeira, 2003/2004;
segundo momento, o PSF foi alçado à condição de Souza, 2002; Rosa e Labate, 2005); sua contribuição
estratégia para reorganização do sistema de saúde para a reorganização de sistemas locais de saúde
no âmbito municipal, e de transformação do modelo e para a reversão atual do modelo hegemônico de
assistencial hegemônico na atenção ambulatorial do assistência. Porém, também ressalvam que a ex-
Sistema Único de Saúde (SUS), caracterizado pela pansão de cobertura é relevante, mas insuficiente
atenção programática e à demanda espontânea. para propiciar a reorientação do modelo (Teixeira,
A adoção de novas práticas na ESF visa ultra- 2003/2004; Souza, 2002).
passar o enfoque seletivo da AB rumo à abordagem Em Manaus, pesquisas realizadas em 2002 (Es-
integral das dimensões biopsicossociocultural e corel e col., 2002) e 2006 (Mendonça e col., 2006)
relacional da população atendida e à construção de mostram que a trajetória percorrida pelo PSF tanto
uma rede regionalizada e hierarquizada de serviços se reflete nas contradições presentes no cenário na-
de saúde em espaços territoriais específicos com cional, quanto no contexto político e organizacional
vistas a promover também a intersetorialidade. local, que configurou sua criação. Aprovado no ano
A implantação do PSF no Brasil está cercada de 1998 em reunião extraordinária do Conselho
de controvérsias, havendo posições favoráveis e Municipal de Saúde de Manaus, a implantação do
contrárias a ela (Trad e Bastos, 1998; Garbois e col., programa só ocorreu em 1999. Nessa ocasião, deu-
2008; Viana e Dal Poz, 2005; Teixeira, 2003; Merhy e se uma mudança de rumos no processo de gestão do
Franco, 2002). Críticos da proposta (Merhy e Franco, programa, que, à revelia do Conselho Municipal de
2002; Franco e Merhy, 2003) são contundentes ao Saúde, foi implementado como Programa Médico
afirmar as limitações da proposta ministerial de re- da Família (PMF). A exemplo das demais cidades,
ordenadora, através da ESF, do modelo hegemônico Manaus seguiu a tendência de instalar as equipes
de atenção na AB. Esses autores argumentam que de saúde da família em áreas onde não existiam ser-
a medicina comunitária, os cuidados primários de viços de saúde, ou cujo acesso era precário, com alto
saúde e o PSF partilham propósitos de redução de risco sanitário, em processo de expansão demográfi-
custos e de simplificar a atenção à saúde ofertada ca e com populações de baixo poder aquisitivo.
aos grupos de baixa renda. Para eles, situações coti- Decorridos sete anos de implantação, é pertinen-
dianas, tais como a escuta qualificada das queixas, o te buscar respostas para a pergunta ora formulada:
acolhimento e o estabelecimento de vínculos entre os Em Manaus, o PSF construiu apenas uma trajetória
serviços/profissionais e a população não podem ser de extensão de cobertura ou contribuiu para a reor-
supridos nem pela clínica nem pela epidemiologia ganização do modelo assistencial na AB? Se o fez, de
ou pela vigilância à saúde; e no dia a dia dos serviços que modo isso ocorreu? Na busca de respostas a tais
tais ações permanecerão restritas ao senso comum questões elegeram-se como categorias de análise os
das equipes multiprofissionais, que não dispõem de princípios específicos de gestão do PSF: a) caráter
um modelo teórico que as oriente. Tais característi- substitutivo, ou seja, se o PSF foi capaz de induzir
cas inviabilizariam a desejada conversão do modelo mudanças no processo de trabalho nas Unidades
assistencial por meio do PSF. Igualmente há críticas Básicas de Saúde (UBS) já implantadas, redirecio-
(Teixeira, 2003/2004; Merhy e Franco, 2002; Franco nando-o segundo os princípios da vigilância à saúde,
e Merhy, 2003) quanto à busca de um modelo padrão, promovendo a adscrição de clientela, diagnóstico
nos moldes das chamadas ações programáticas, situacional de saúde da população e planejamento
para um país tão diversificado quanto o Brasil. Tal baseado na realidade local; b) territorialização,
opção promoveria a desvalorização das experiências entendida como a demarcação de um espaço social
locais, penalizadas por repasses financeiros inferio- circunvizinho às unidades de saúde, estabelecendo
res àqueles concedidos aos que optaram pelo modelo responsabilidade sanitária para com a população
consagrado pelo MS (Campos, 2008). ali residente; c) planejamento situacional com base
Os autores que avaliam positivamente o PSF en- na família e na comunidade, descentralizado e par-

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ticipativo, que subsidie a programação das ações de culos com a comunidade e avaliação livre dos pontos
saúde no território; d) integração com instituições e positivos e negativos do PSF.
organizações sociais, seja no âmbito intersetorial, A segunda pesquisa, realizada entre 2004 e 2006,
seja na articulação com rede de maior complexidade; teve como objetivo estabelecer uma linha de base
e) participação popular e controle social das ações e do PSF com vistas à implantação de um sistema de
serviços de saúde (Brasil, 1997, 2003, 2006; Sousa monitoramento e avaliação no âmbito da atenção bá-
e Haman, 2009). sica no país (Mendonça e col., 2006). A investigação
Nessa perspectiva, este artigo tem como obje- levantou dados referentes à operacionalização do
tivos estudar as características de implantação e PSF em Manaus, no período de 1999 a 2006. Dentre
operacionalização do PSF em Manaus e analisar as fontes de dados secundários foram priorizados os
seus avanços e limites, além do potencial de contri- documentos oficiais do sistema municipal de saúde,
buição para substituir práticas convencionais de como planos de saúde, relatórios de gestão, manual
assistência à saúde na AB na cidade. do PSF de Manaus e relatórios do PMF/PSF, dispo-
nibilizados pela Secretaria de Saúde do município,
para os anos 1999 a 20062. A coleta e análise docu-
Metodologia mental foram orientadas por um resumo analítico
Este artigo analisa parte dos dados coletados em no qual se buscou sintetizar informações referentes
duas pesquisas vinculadas ao Projeto de Expansão aos indicadores de saúde, número de profissionais,
e Consolidação da Saúde da Família em Grandes instrumentos de planejamento, estrutura da aten-
Centros Urbanos (PROESF), do Ministério da ção básica no município, ações programáticas,
Saúde. Na primeira, realizada em 2002, buscou-se prioridades da agenda municipal de saúde e planos
avaliar o processo de implantação do PSF, analisar e metas para o período. Igualmente foi investigada
as características do programa em seus primeiros a coerência entre o plano municipal de saúde e os
anos de implementação em Manaus e os fatores que relatórios de gestão para o período correspondente,
facilitavam ou dificultavam a proposta de mudança além da utilização desses documentos como instru-
do modelo da atenção e de reorganização do sistema mentos para o controle social em saúde. Essa última
municipal de saúde, para o período de 1999 a 2002 variável foi analisada a partir das atas e resoluções
(Escorel e col., 2002). do Conselho Municipal de Saúde (Mendonça e col.,
Na pesquisa de 2002, dados foram coletados 2006).
mediante entrevistas com o secretário municipal de Outras técnicas utilizadas foram: estudo de corte
saúde, com o coordenador municipal do PMF/PSF, transversal sobre o modelo de gestão e atenção à saú-
com gerentes de programas de saúde e conselheiros de na atenção básica. Nesse último componente os
de saúde. O roteiro de entrevista compreendeu infor- dados foram obtidos a partir da aplicação de questio-
mações sobre o processo de implantação do PMF/PSF, nários fechados e de entrevistas semiestruturadas
organização e gestão, integração à rede assistencial e com o secretário de saúde do município, coordenador
conversão do modelo de AB, vínculo empregatício e ca- do PSF, coordenador da AB, membros das equipes
pacitação de recursos humanos, fatores facilitadores de saúde da família e gerentes intermediários da
e limitadores à implantação e desempenho do PMF/ atenção básica.
PSF e exercício do controle social. Para profissionais Em ambas as pesquisas foram calculadas amos-
das Equipes de Saúde da Família (ESF), aplicou-se tras aleatórias simples dos profissionais das ESF
questionário fechado estruturado em cinco tópicos: considerando o número total de ESF em cada um dos
inserção e capacitação no PSF, trabalho em equipe, quatro distritos sanitários existentes em Manaus.
integração do PSF à rede de serviços de saúde, vín- As respostas do questionário fechado foram sistema-

2 Documentos consultados: SEMSA. Secretaria Municipal de Saúde de Manaus. Manual do PSF de Manaus. Manaus: Secretaria Municipal
de Saúde de Manaus; s/d. SEMSA. Plano de Ação. Programa de Saúde da Família. Manaus: Secretaria Municipal de Saúde de Manaus; 1999.
SEMSA. Relatório de Gestão. Manaus: Secretaria Municipal de Saúde de Manaus; 2005. MANAUS. Prefeitura Municipal. Lei Municipal
n. 590 de 13 de março de 2001.

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tizadas em Planilhas Excel, gerando banco de dados, Apresentação e Discussão dos
mediante dupla digitação, transporte subsequente
para o programa SAS, possibilitando a geração de Resultados
estatísticas descritivas (Mendonça e col., 2006). A operacionalização do PSF em Manaus deu-se com a
Os marcos referenciais foram similares para instalação das Casas de Saúde da Família em 1999 e
as duas pesquisas, caracterizando-se como inves- 2000, de forma acelerada, inauguradas numa média
tigação avaliativa, entendida por Contandriopou- de três casas por semana, no período de implantação
los e colaboradores como aquela que “pretende do programa; ao todo foram construídas 160 casas
analisar a pertinência, os fundamentos teóricos, para 165 equipes multiprofissionais. Os documentos
a produtividade, os efeitos e o rendimento de uma de criação do programa mostram que seu objetivo
intervenção, assim como as relações existentes inicial foi estender a cobertura da atenção em saúde,
entre a intervenção e o contexto no qual se situa” por meio das ações básicas restritas, tendo como
(1997, p. 37). Por se tratar de uma pesquisa de base alvo as famílias residentes em áreas desassistidas.
nacional, da qual a investigação feita em Manaus À época, o PMF foi instituído como uma prioridade
representa apenas um segmento, o modelo teórico- de gestão; posteriormente as equipes receberam
lógico que a orientou foi único para todo o Brasil, e também a missão de operar como uma estratégia
está descrito em Bodstein e colaboradores (2006). de reorientação do modelo assistencial vigente na
As dimensões contidas no modelo lógico utilizado AB de Manaus (SEMSA, s/d).
e que operaram como categorias de análise foram: Dados da pesquisa avaliativa realizada em 2002
a) Político-institucional: projeto de governo, capa- sugerem que a implantação do programa foi produto
cidade de governo, governabilidade e prioridade da de uma iniciativa pessoal do prefeito, o qual resistia
Atenção Básica; b) Organização da atenção: práticas em aderir às diretrizes nacionais do PSF, por consi-
de gestão, práticas na oferta de serviços, susten- derá-las muito exigentes frente aos parcos incenti-
tabilidade e experiências inovadoras; c) Cuidado vos financeiros propiciados pelo MS (Escorel e col.,
integral: acolhimento, vínculo, qualidade técnica e 2002, p. 44). Em que pese à posição do prefeito, em
científica, condições e práticas de trabalho, trabalho 2001 o programa foi reestruturado a fim de tornar-se
em equipe; d) Desempenho dos sistemas de saúde: congruente com as normas nacionais de orientação
cobertura, cumprimento de metas pactuadas, exer- do PSF, facilitar seu reconhecimento pelo MS e fazer
cício do controle social e uso da informação para a jus aos incentivos financeiros do Piso da Atenção
gestão participativa (Bodstein e col., 2006; Minayo, Básica (PAB) variável. A necessidade de um melhor
2006; Silva e Formigli, 1994). Neste artigo limitar- relacionamento da Secretaria Municipal de Saúde
nos-emos à análise das dimensões “a”, “b” e parte da com o MS foi decisiva para a conversão de PMF em
dimensão “d” do supracitado modelo lógico. PSF em Manaus, tornando secundária a questão do
Ambas as pesquisas foram submetidas ao Comitê repasse financeiro (Escorel e col., 2002).
de Ética em Pesquisa da Fundação Oswaldo Cruz, As características de implantação foram mar-
sendo os Termos de Consentimento Livre e Esclare- cadas por uma vinculação direta ao gabinete do
cido elaborados de acordo com a Resolução 196/96 prefeito e por uma gestão paralela à da própria Se-
MS e devidamente assinados pelos respondentes. cretaria Municipal de Saúde. Quando implantado, o
Os dados foram disponibilizados pela Secretaria programa contava com espaço físico, orçamento e su-
de Saúde, de acordo com o solicitado pelos pesquisa- pervisão próprios, e salários diferenciados quando
dores. A confiabilidade das informações secundárias comparados aos dos profissionais que atuavam em
disponíveis foi considerada entre média e boa, po- outras UBS. Tais condições geraram repercussões
rém os documentos acessados continham lacunas negativas duradouras, que permanecem obstaculi-
que dificultaram a análise. zando a integração entre as diversas estratégias de
organização da rede básica em Manaus.

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A governabilidade do projeto de implantação do de recursos humanos. Por exemplo, para o período
PSF como um tipo de projeto de Governo foi conside- estudado, as Unidades de Saúde da Família (USF)
rada baixa pelos gestores e gerentes entrevistados. representavam 70% de unidades da rede de serviços,
Tal condição foi atribuída ao caráter personalista mas contavam com apenas 34% da mão de obra de
que marcou a instalação e implementação da propos- nível superior alocada no sistema municipal de saú-
ta, levando a um baixo grau de institucionalidade, de. Os dados evidenciaram também que, em 2004,
propiciando uma desvalorização e não priorização do total de repasses do Ministério da Saúde, 28,3%
do programa, após a saída do dirigente municipal foram destinados à AB, um percentual mais elevado
responsável pela iniciativa. que os 10,9% do orçamento municipal para a saúde
Apesar das muitas afirmações documentais de que foram aplicados em AB.
que a AB representava uma prioridade no plane- Os meios de gestão, com seus respectivos ins-
jamento em saúde no município de Manaus, elas trumentos de planejamento, adotados no sistema
não se confirmaram nem no conjunto das ações municipal de saúde (SMS) de Manaus foram inves-
programadas para o município nem na alocação tigados e estão sintetizados no Quadro 1.

Quadro 1 - Instrumentos de Planejamento do Plano Municipal de Saúde 2003-2005

Características da Gestão Município de Manaus


Prioridades, metas e estratégias Claras, objetivas e excessivas
Conhecimento/Incorporação do planejamento por gerentes Baixo
locais/unidades
Congruências entre as fontes de informação Baixa
Factibilidade da programação anual Média
Congruência entre o planejado e o executado Parcial
Indicadores/sistema de avaliação e monitoramento Parcial (indicadores do MS)
Autonomia de execução orçamentária pelo SMS Não
Modelo de organização da atenção (PSF versus não PSF) Paralelismo (PACS – Programa de Agente Comunitário de
Saúde -, UBS)
Grau de informatização das unidades Baixo
Alimentação dos sistemas nacionais de informação Central
Comunicação informatizada no SMS (nível central e unidades) Não
Informação subsidia tomada de decisão Não
Regionalização da atenção Em implantação

Fonte: Mendonça e colaboradores, 2006.

Os dados mostram uso incipiente dos instru- dades; os médicos seriam os profissionais com maior
mentos de planejamento, baixa qualidade técnica participação em sua elaboração, seguidos pelos au-
na programação instituída, infraestrutura inade- xiliares de enfermagem, Agentes Comunitários de
quada e qualificação precária e tomada de decisão Saúde (ACS) e enfermeiros (Escorel e col., 2002). Já a
pouco sustentada por procedimentos racionais de investigação realizada em 2006 não mais encontrou
planejamento. ações regulares de programação local, e nem mesmo
reuniões de equipe para encaminhamento coleti-
Planejamento situacional com base na família e
vo dos problemas encontrados. Os profissionais
na comunidade atuavam de modo individualizado, contentando-se
De acordo com os dados da pesquisa de 2002, as ESF com a manutenção de rotinas preestabelecidas nos
discutiam semanalmente sua programação de ativi- serviços (Mendonça e col., 2006). Igualmente não

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foram encontradas atividades reconhecidas como ao Ministério Público para tratar do problema. Em
inovadoras ou intersetoriais. consequência, das 23 UBS da gestão estadual, 21
Na pesquisa de 2002, a participação da coorde- foram repassadas em 2004 e duas permaneceram
nação do PSF nas programações locais era vista sob a responsabilidade da Secretaria Estadual de
pelos profissionais entrevistados como baixa ou Saúde, tendo sido transformadas em unidades de
insuficiente. Em 2006, a coordenação do programa média complexidade.
foi tida como distante ou ausente das atividades Para o período de 2002 a 2005, de acordo com
desenvolvidas nas unidades, caracterizando uma gestores e gerentes entrevistados, o cenário polí-
piora do cenário descrito em 2002. A precarização tico da gestão do PSF foi marcado pela disputa de
dos vínculos de trabalho, a insuficiência de mão de hegemonia entre os governos estaduais e munici-
obra e a falta de capacitação dos profissionais foram pais pelo controle da AB. No caso do município de
apontadas como parte das causas da não adoção de Manaus, uma grande cidade com 1.800.000 habitan-
rotinas de planejamento local. tes, a trajetória de habilitação segundo as Normas
Nas duas investigações observou-se que o perfil Operacionais Básicas evidenciou a persistência do
epidemiológico da população atendida era desco- município na condição de Gestão Plena da AB, sem
nhecido, bem como suas demandas e necessidades alcançar a Gestão Plena do Sistema Municipal de
prioritárias. Em 2002, a USF congregava um grande Saúde. Tal cenário reproduzia, em grande parte, a
número de atividades que coexistiam com as ações situação existente nas décadas anteriores, marcada
extramuros. Na investigação mais recente, a obser- pela forte estadualização do sistema de saúde, inclu-
vação das ações rotineiras situou a USF como o local sive da AB, visto que em 2005 a Secretaria Estadual
quase exclusivo da realização das ações de saúde. A de Saúde ainda prestava 43% das consultas nesse
única atividade extramuros encontrada em 2006 foi nível de atenção, na cidade de Manaus.
a visita domiciliar realizada rotineiramente pelos A conversão do modelo tradicional de AB para
ACS e episodicamente por médicos e enfermeiros. PSF não foi prevista no projeto de implantação
Nos dois momentos, as atividades de assistência in- da Estratégia Saúde da Família no município de
dividual à demanda espontânea prevaleciam, exceto Manaus. Tal situação perdurou até a finalização da
no caso dos ACS, cujas atividades se voltaram para coleta de dados da pesquisa de 2006. Em ambas as
as famílias de suas áreas de abrangência. pesquisas aqui tratadas, não foi encontrada, nas
Embora um dos objetivos do PSF seja tomar as fa- fontes documentais acessadas, a programação de
mílias como núcleo básico do atendimento à saúde, a estratégias voltadas para a conversão das UBS pre-
trajetória do programa, flagrada por dois momentos viamente existentes em USF. A análise documental
de investigação, demonstrou que o indivíduo persis- do planejamento municipal no período evidenciou
tia como foco de atenção nas rotinas das USF. persistência, paralelismo e competição entre os
modelos de AB convencional e ESF, com programa-
O PSF de Manaus e a proposta de reorganização
ção de atividades e metas específicas para cada um
da Atenção Básica
deles, em cada ano investigado, além de ausência de
Caráter substitutivo e institucionalização do PSF ações de articulação e/ou integração entre as duas
Em 1998, o município de Manaus foi habilitado pela formas de atenção. Igualmente não foram encontra-
primeira vez na Gestão Plena da Atenção Básica do das programação de estratégias que favorecessem a
Sistema Único de Saúde; em 2001, habilitou-se na descentralização do planejamento e gestão local na
Gestão Plena da Atenção Básica Ampliada. Embora rede de USF no município.
o processo de habilitação indicasse que o município Ao paralelismo dos dois tipos de rede aliou-se a
seria o gestor da rede básica, o governo estadual implantação, a partir de 2005, dos distritos sanitá-
não repassou as UBS, dificultando a efetivação rios no sistema municipal de saúde de Manaus. As
da municipalização. O processo de transferência fontes documentais investigadas não explicitam
iniciou-se somente a partir de 2004, após a aber- com clareza como a distritalização promoveria a
tura de um processo jurídico-administrativo junto integração das duas redes de serviços. Entretanto,

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um trecho do Relatório de Gestão de 2005 (SEMSA, gráfico em Manaus atingiu uma média de 3,73% ao
2005) recomendava efetivar a “implantação das ano, no período de 2000 a 2007, com estimativa de
sedes distritais de forma gradativa, objetivando a in- crescimento para 2008 e 2009 de 2,28% a.a3. A baixa
corporação das equipes do PMF às unidades básicas capacidade instalada gerou uma defasagem entre a
de saúde tradicionais e a definição das referências população cadastrada no PSF, ou seja, aquela cuja
para as especialidades”. O teor do documento sugere responsabilidade sanitária é formalmente reconhe-
que as equipes de saúde da família sejam incorpo- cida pela rede PSF e aqueles efetivamente atendidos,
radas ao modelo tradicional de oferta de atenção cujo número ultrapassa a capacidade instalada das
básica, e não o inverso, tal como preconizado pela unidades e para os quais não existe uma efetiva
proposta do Ministério da Saúde. programação de metas e provisão de insumos.
Um aspecto importante, ainda que insuficiente O sistema também conviveu com a carência de
para a conversão do modelo, é o desempenho do sis- profissionais qualificados para atuar no PSF. O ges-
tema de saúde, que será aqui analisado através da tor entrevistado informou que não foi possível abrir
cobertura da atenção ofertada pelo PSF em Manaus. vagas em concurso público realizado no período para
Embora sua implantação em Manaus tenha ocorrido profissionais do PSF, devido à insuficiência de espe-
em 1999, e em 2001 o programa contasse com 171 cialistas em saúde da família com habilitação para
equipes multiprofissionais atuando (Tabela 1), não formar um quadro permanente no órgão. Persistiu,
houve incremento do número de equipes nos anos portanto, a precarização da força de trabalho, contra-
subsequentes, ao passo que o crescimento demo- tada mediante regime temporário de trabalho.

Tabela 1 - Cobertura do PMF/PSF Manaus, no período de 1999 a 2009

Ano *1999 *2000 *2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009
N° Equipes 106 166 171 82 a 150 173 173 173 125 a 180 150 a 180 167 a 177 167
Cobertura 33,27 45,84 46,88 19,48 a 35,64 a 39,08 a 39,08 26,16 a 30,58 a 34,05 a 33,71
% 35,40 40,63 40,09 40,66 36,70 36,09

Fontes: Escorel e colaboradores, 2002; Mendonça e colaboradores, 2006.


Brasil, 2009 (Disponível em: http://dtr2004.saude.gov.br/dab/historico_cobertura_sf.php).

A tabela 1 mostra que a cobertura do programa pela alta rotatividade de profissionais. Ao longo do
oscila significativamente no decorrer dos anos, mas período analisado, foram poucos os momentos em
mantendo uma tendência de declínio. Apesar da ace- que as unidades dispuseram de “equipe cheia”, ou
lerada expansão inicial de cobertura, com implanta- seja, que contavam com a totalidade de integrantes
ção de grande número de equipes no período de 1999 previstos nas normas do prog rama.
a 2001, em Manaus o PSF nunca atingiu 50% de co- Para avaliar a institucionalização da Estratégia
bertura da população-alvo, mantendo-se a tendência de Saúde da Família no país, Mendes (2002) propôs
de declínio nos anos recentes. Numa série histórica uma escala de quatro estágios: i) Transição inicial –
de 1998 a 2001, observou-se que o programa contri- cobertura de 10 a 25% e instabilidade institucional;
buiu significativamente para o crescimento da rede ii) Transição intermediária – cobertura de 25 a 50%
ambulatorial da cidade, que saltou de 273 unidades e baixa institucionalidade; iii) Transição termi-
para 437. Em 2001, o número de USF correspondia a nal – cobertura de 50 a 70% e institucionalização
44,6% da rede ambulatorial do SUS sob a gestão mu- nos serviços de saúde (posição da APS na rede de
nicipal (Escorel e col., 2002). Destaca-se que os dados serviços), nos espaços educacional (formação dos
brutos de cobertura escondem as oscilações geradas profissionais), corporativo (organização dos pro-

3 Informação disponível em : www.ibge.gov.br, acessado em 12/09/2009.

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fissionais de APS) e de representação populacional reestruturação das áreas de cobertura do PSF na
(saúde da família como valor societal); iv) Momento cidade. Nas atuais condições de organização de
de consolidação – cobertura acima de 70% e institu- serviços, a investigação demonstrou que as áreas
cionalização nos cinco espaços, ainda que de forma de abrangência das USF, localmente subdivididas
assimétrica (Mendes, 2002, p. 31-34). nas chamadas “microáreas”, não obedecem aos
Se considerarmos os critérios estabelecidos por critérios habituais de territorialização em saúde.
Mendes (2002) para definir o grau de implantação do De acordo com os entrevistados, na implantação do
PSF em Manaus, é possível enquadrá-lo em momento PSF sua delimitação se deu apenas em função do
de transição intermediária situando-se na faixa de conhecimento que os ACS detinham dos arredores
cobertura de 25 a 50%, com baixa institucionaliza- das unidades em que trabalhavam. Após um recen-
ção, ainda distante da consolidação. seamento domiciliar feito por eles, definiu-se uma
Nessa mesma ordem de questões, um entrave densidade populacional máxima por microárea, a ser
de grandes proporções ao PSF em Manaus é a não acompanhada por um ACS, caracterizando-se desse
implantação de sistema de referência e contrarre- modo a territorialização de cada USF. Destaca-se que
ferência, mesmo após sete anos de existência do a territorialização levada a cabo pelo programa não
programa. O mesmo problema já foi identificado em guarda congruência com outras formas oficiais de
outros locais, nos quais se observou que a implanta- territorialização, como a delimitação por setores
ção da estratégia saúde da família gerou incremento censitários praticada pelo Instituto Brasileiro de Ge-
de demanda para os níveis de maior complexidade, ografia e Estatística (IBGE), o que dificulta o acesso
que não se organizaram para incorporar a pressão aos indicadores socioeconômicos que expressem as
de demanda produzida pela expansão da cobertu- condições de vida dessas populações e prejudica o
ra do nível primário, gerando filas de espera pelo planejamento local.
atendimento (Teixeira 2003/2004). Além disso, tal Isso, porém, não parece ter dificultado certos
como em outras realidades (Franco e Merhy, 2003), benefícios da territorialização, tais como o estabe-
os gestores e gerentes entrevistados reconheceram lecimento de vínculo entre a população e os serviços
que a falta de atendimento de urgência nas USF de saúde. Já em 2002, 95% das pessoas entrevistadas
acarreta baixa credibilidade de uma estratégia como por pesquisadores que investigavam a implantação
a da Saúde da Família.
do PSF em Manaus (Escorel e col., 2002) referiam
Os três primeiros anos do PSF foram marcados
conhecer o profissional que lhes assistia; o mesmo
pela valorização de ações de educação em saúde nos
percentual de respondentes considerou-o atencioso;
domicílios, passando posteriormente a priorizar
90% deles informaram que alguém da família já
a assistência fornecida no interior das unidades,
havia sido assistido por algum profissional da ESF.
parcialmente voltada para a demanda programada,
Nessas respostas, o ACS se destacou tanto por ser
tipo atenção programática. Nessas circunstâncias,
conhecido quanto por conhecer bem os problemas de
a baixa resolutividade das USF levava os ACS a en-
saúde da população atendida, e por manter um bom
caminhar a demanda espontânea e/ou em situações
relacionamento com as famílias sob seus cuidados.
de emergência para outros serviços, gerando forte
insatisfação entre profissionais e usuários, que não Se considerarmos que o primeiro requisito para o
viam vantagem na vinculação a uma USF (Mendonça estabelecimento de vínculo é o conhecimento entre
e col., 2006). as pessoas atendidas, os dados da pesquisa indicam
que esse laço foi firmado no início da operacionaliza-
Territorialização ção do programa. Na pesquisa de 2006, os usuários
A implantação dos distritos sanitários em Manaus mantiveram sua opinião satisfatória quanto ao aten-
com sua respectiva territorialização iniciou-se dimento dos ACS, mas expressaram queixas frente
apenas em 2005, ainda que tivessem sido criados à recorrente falta de profissionais de saúde de nível
em março de 2001, por meio da Lei n. 590 (Ma- superior, medicamentos e exames complementares
naus, 2001). Tal iniciativa também implicou em de diagnóstico nas unidades.

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Integração com instituições e organizações sociais com o controle social. Com a extinção do cargo, em
A integração com as instituições e organizações 2005, essa representação passou a ser feita pelos
sociais é recomendada na Política Nacional da coordenadores dos distritos sanitários, pressupon-
Atenção Básica (Brasil, 2006) como forma de suprir do-se que, estando o PSF inserido nos mesmos, sua
globalmente as necessidades de saúde dos usuários representatividade estaria efetivada.
que demandam as USF. Sobre tal aspecto, a análise As pesquisas mostraram que, por ocasião da
dos documentos pesquisados em Manaus mostrou implantação do programa, apenas o cadastramento
que as propostas de integração das USF com outras da população adscrita foi efetivado e que as ações
instituições e campos de ação (intersetoriais) em sua de saúde eram desenvolvidas com base nas ações
área de abrangência não surgem como prioridade de programáticas por ciclo de vida e agravos prevalen-
ação, no período estudado. A observação da rotina tes. A população não participou da elaboração do
dos serviços também indicou a inexistência de in- diagnóstico de saúde da comunidade e do planeja-
tegração nos diversos níveis do sistema da saúde e mento local, o que obstou seu entendimento sobre o
a penalização dos usuários, que enfrentam longas processo saúde-doença do território e o exercício da
filas quando necessitam de atendimento em unida- cidadania. Além disso, a ausência de ações regulares
des de complexidade maior que aquela instalada na de educação em saúde nas USF inviabilizou a capa-
AB (Souza e Garnelo, 2008). citação dos usuários para a adoção de estratégias de
A referência para os serviços especializados era promoção da saúde, além do exercício qualificado
dificultada pela divisão institucional de tarefas do controle social.
entre instituições municipais (responsáveis pela Um dos objetivos definidos para o PSF é o de “es-
AB) e instituições estaduais (responsáveis pela timular a organização da comunidade para o efetivo
rede especializada), cujas disputas políticas têm exercício do controle social”. As formas prioritárias
obstaculizado a elaboração de um planejamento desse exercício, expressas na Constituição Federal
que articule e integre demandas e programações de 1988 e na Lei Orgânica do SUS n. 8142/90, são as
de saúde para o sistema como um todo, penalizando conferências de saúde e os conselhos de saúde. Ape-
ainda mais o usuário. sar dessas recom endações oficiais e da avaliação
positiva que o programa obteve junto ao CMS de Ma-
Participação popular e controle social naus, a pesquisa não encontrou prova documental
As propostas de reorganização da atenção básica em ou depoimentos que corroborassem a ideia de que as
Manaus começaram a ser discutidas no Conselho ações do PSF tenham contribuído para incrementar
Municipal de Saúde (CMS) em 1991, ocasião em que a participação social nos locais em que atua.
o Plano Municipal de Saúde (PMS) já apontava para
o PSF como a porta de entrada do sistema de saúde.
Apesar da recomendação, as premissas iniciais não
Conclusão
foram viabilizadas, tendo-se, em seu lugar, implan- Extensão de cobertura ou reorganização da Atenção
tado o PMF. Básica? A Estratégia Saúde da Família foi inicial-
De acordo com os documentos consultados, mente proposta para Manaus como Programa Saúde
o exercício do controle social sobre o PSF deu-se da Família nos moldes concebidos pelo MS. Abortada
ao longo dos anos pelo CMS, que acompanhou o essa modalidade de implantação, surgiu em seu
cumprimento das ações previstas no PMS e empre- lugar o Programa Médico da Família, cuja caracte-
endeu diversas visitas às USF. Da mesma forma, os rização inicial já o descredenciava como proposta
Relatórios de Gestão e os relatórios de visitas de de mudança, uma vez que praticava um modelo mé-
conselheiros, para o esclarecimento de denúncias dico-centrado, voltado para o atendimento curativo
envolvendo o programa, também teriam auxiliado de indivíduos doentes, em detrimento do modelo de
no controle social. A partir do ano de 2004, o coor- atenção voltado para usuários e coletividades. Suas
denador do PSF passou a ocupar um dos assentos principais conquistas foram a expansão de cobertu-
do CMS, viabilizando uma maior aproximação ra da AB, com ampliação do acesso a ela e da força

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de trabalho ali alocada, bem como a valorização do de implantação.
programa pelos usuários. Aos entraves e às limitações regionais do pro-
Entretanto, os dados aqui trabalhados mostraram grama agregam-se os problemas estruturais do
que o PSF não adquiriu um caráter substitutivo das PSF, dentre os quais se destaca a obrigatoriedade
UBS antecedentes à sua implantação e que perma- do formato único nacional, incapaz de enfrentar a
neceu como um sistema paralelo na rede de AB em diversidade das condições sociais existentes no país.
Manaus, mostrando-se, portanto, incapaz de induzir Além disso, a mudança do modelo de assistência
mudanças nos processos de trabalho nesse nível de hegemônico tende a enfrentar barreiras, dada a re-
atenção. A territorialização foi empreendida, mas de sistência dos profissionais afetos ao antigo modelo
modo incompleto, restringindo-se às áreas ao redor e dos usuários, que tendem a preferir o atendimento
das USF, sem impactar efetivamente as estratégias especializado, apesar dos limites de oferta enfren-
de territorialização do sistema municipal de saúde tados no SUS.
como um todo. O planejamento situacional tendo Os desafios que se colocam à estratégia de mu-
como base as necessidades das famílias e comuni- dança do modelo de AB são muitos. A superposição
dades foi inicialmente implantado, mas refluiu nos de dois modelos, que há muitos anos persiste em
anos subsequentes, até cessar completamente. A Manaus, pode ser tomada como um tempo limite de
intersetorialidade, expressa mediante a integração transição. Vislumbra-se uma retomada da perspec-
com outras instituições e organizações sociais, não tiva de mudanças com a implantação dos distritos
se consolidou nos anos que sucederam a implanta- sanitários, no final de 2007, os quais têm a potencia-
ção do programa. Não se evidenciou a presença de lidade de contribuir, efetivamente, para a almejada
participação popular na gestão local das USF. Nas reorganização do modelo de AB e conformar uma
instâncias mais amplas de controle social, como o rede adequadamente integrada.
Conselho Municipal de Saúde, evidenciou-se baixa
permeabilidade aos temas de interesse do PSF. A
documentação acessada não demonstrou presença
Referências
significativa de informações geradas em nível local BODSTEIN, R. et al. Estudos de Linha de Base do
para a tomada de decisão nos fóruns maiores de Projeto de Expansão e Consolidação do Saúde da
controle social. Família (ELB/Proesf): considerações sobre seu
O programa teve, no período de 1999 a 2001, sua acompanhamento. Ciência e Saúde Coletiva, Rio
fase de expansão, num ritmo acelerado, o que in- de Janeiro, v. 11, n. 3, p. 725-731, 2006.
viabilizou uma melhor qualificação das ESF. Ainda BRASIL. Ministério da Saúde. Saúde da família:
que o PSF seja citado, em diversos documentos do uma estratégia para a reorientação do modelo
SMS de Manaus, como uma estratégia estruturante assistencial. Brasília, DF, 1997.
da AB com vistas à reorganização do modelo assis-
BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de
tencial, a análise mostrou que ele se instituiu como
Assistência Saúde. Coordenação de Saúde da
um programa isolado. Alcançou relativo sucesso na
Comunidade. Manual do sistema de informação de
extensão de cobertura, mas essa trajetória não foi
atenção básica. Brasília, DF, 2003.
mantida, instalando-se uma tendência de queda nos
anos subsequentes. BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de
A isso se associaram outros problemas, como Atenção à Saúde. Departamento de Atenção
a baixa resolutividade das ações desenvolvidas Básica. Política Nacional de Atenção Básica.
nas USF e a impossibilidade de operacionalizar a Brasília, DF, 2006.
referência para os níveis de maior complexidade; a BRASIL. Ministério da Saúde. Departamento de
manutenção da prioridade ao atendimento curativo Atenção Básica. Evolução do credenciamento
dos indivíduos, em detrimento dos cuidados oferta- e implantação da estratégia saúde da família.
dos às famílias e à comunidade; e a não prioridade do Brasília. 2009. Disponível em: www.saude.gov.br/
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Recebido em: 19/05/2009


Reapresentado em: 22/12/2009
Aprovado em: 04/02/2010

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