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NENHURES 2: “LA, NAS CAMPINAS” Leyla Perrone-Moisés" Resuwo 4 alguns anos publiquei uma andlise do conto “Nenhum, nenhu- man a qual procurei demonstrar que, na topografia rosiana, ha um lugar que é “nenhures”. Prosseguindo na mesma linha, pretendo analisar o conto “La, nas campinas” (Tutaméia), cujo nticleo € uma Jembranga obsessiva da infincia da personagem. Essa andlise serd arti- culada a outros textos de Guimaries Rosa, em que 0 autor especifica vi- rios tipos de “saudades”, Procurarei demonstrar que, entre a “saudade de idéia” ea “saudade de coragio” (Grande sertao: veredas), o segundo tipo é uma aberttura para o conhecimento do inconsciente, € que os con- tos centrados nesse tipo de saudade convidam o critico a recorrer 3 psica- nilise. grande obra literdria, portadora de miltiplos saberes, oferece a critica muitas entradas nenhuma saida definitiva. A leitura psicanalitica é apenas uma intre muitas, e a critica ideal permanece sendo aquela capaz de integrar 0 maior naimero possivel de niveis de leitura. E nunca é demais lembrar que 0 risco das interpretagdes fundadas num tinico tipo de saber é 0 da redugao da obra 3 teoria ow ao método. Entretanto, alguns textos parecem solicitar, por sua temitica ou pro- jeto, uma visada critica particular, que se revela mais rentavel do que outras. Hé exatamente vinte anos, propus uma leitura psicanalitica de um conto de Guimaraes Rosa que parecia solicitar essa visada. ‘Tratava-se'de “Nenhum, ne- nhuma” (Primeiras est6rias). Dei a meu artigo o titulo de “Nenhures”.! Procurava entio demonstrar que, na topografia rosiana, hé um lugar que € nenhum lugar, € que esse ndo-lugar bem poderia ser 0 do inconsciente: “lugar” de onde vém as pulsdes, “lugar” onde ficam inscritas as lembrangas obsessivas, determinantes de percepgoes © comportamentos futuros. Segundo Lacan, ao inconsciente “o nome de todo lugar convém tanto quanto 0 de nenhum lugar. (Lacan, 1974, p. 15) Solicitada a participar deste encontro rosiano, numa mesa “psicanalitica”, dispus-me a enfrentar outro conto do autor, em que um lugar obsessivamente lem- * Universidade de Sio Paulo, | “Nenhures: consideragGes psicanaliticas 8 margem de um conto de Guimaties Rosa", Coléquio/Letras, 44, Lisboa, Fundagio Calouste Gulbenkian, 1978. Retomado em meu livro Flores da eserivaninha, Sio Paulo: Companhia das Leteas, 1990, 178 RIPTA, Belo Horizonte, 2, 178-189, 2° sem 1998 Leyla Perrone-Moisés brado assombra a personagem durante toda a sua vida, dando forma a esta ¢ a0 conto. Trata-se de “LA, nas campinas”, de Tutaméia.” Refresquemos a meméria dos leitores. O enredo do conto é minimo, em termos de agio. O protagonista da est6ria, Drijimiro, nada sabia de sua infincia. Crianga abandonada, viera de lugar desco- nhecido e ficara “bem de vi ia”. Mas uma lembranga perseguia: “Que jeito reco- brar aquilo, o que ele pretendia mais que tudo?”. Recordava um lugar, ciftado num fragmento de frase: “Frase tinica ficara-Ihe, de no nenhum lugar antigamente: — “L4, nas campinas...” ~ desinformada, inconsoante, absurda [...] Antes ele buscara, orfandante, por todo canto e parte. ~ “L4, nas campinas?...” — 0 que soubesse acaso. ‘Tinha ninguém para Ihe responder”. Acabou por renunciar: “Esqueccu-a, por fim. Calava reino perturbador; viver € obrigagio sempre imediata”. A lembranga s6 Ihe voltara no fim da vida, no fim do conto. Vejamos, um a um, os elementos que compéem essa est6ria, Em primeiro lugar, o agente, ou melhor dizendo, o paciente dessa trama. O melancélico Drijimiro® vive numa permanente sensagio de perda e, conseqiientemente, num estado de fal- ta. Mas s posse? De qualquer modo, ele vive a falta como perda, que é menos a perda de um lugar real, a que pudesse voltar, do que a perda da meméria integral desse lugar, posse que seria mais fundamente sua do que a das coisas tidas ¢ lembradas. Drijimiro fala a falta, € obrigado a dizé-la: “Nada diria, hermético feito um ria a falta uma conseqiiéncia da perda ou seria ela anterior a qualquer coco, se © fundo da vida nao o surpreendesse, a s6 saudade atacando-o, nao perdido 0 siso”. A necessidade de comunicar verbalmente a outros sua dor caracteriza Dri- jimiro como um simples neurético, ¢ ndo como um psicético. Dai o narrador indicar, com precisio, que ele nao perdera 0 siso. O desejo, como se sabe, € 0 desejo do Ou- tro, ¢ seu campo é a linguagem. A resposta do interlocutor € sempre frustrante, pois 0 desejo é sem objet : “Tinha ninguém para Ihe responder”. Mas dizer-se como de- manda, embora imperfeitamente, € a nica mancira que 0 desejo encontra para pros- seguir sua busca € minorar sua frustracao. Drijimiro fala porque a “s6 saudade” ataca. Poderiamos dizer que ele falado por seu desejo. 1 Gitarei a pantr dal edigio: Tataméia (Terceiras est6rias), Rio de Janeiro; José Olympio, 1967 5 Numerosos estudos tém sido dedicados aos nomes préprios na obra de Guimaries Rosa. No encontrei ne- inhuma interpretagio para esse estranho nome de Daijimiro. Posso apenas obscrvar ‘etbo mirar,conveniente para alguém quc vive perseguindo uma miragem. E. que a terminagio miro em hnomes prdprios como Valdemiro, Almiro, ct. vem do grego Miron, “talvez igado a myro cinterpretado como “oque choracse lamenta’™ (Sebastiao Laércio de Azevedo, Diciondrio de nomes de pessoas Civilizagao Brasilei- 1a, 1993, p.419). 1550 pode parecer averinerpretation, mas quem lida com Guimardes Rosa, sabe que tudo é possivel principalmente a etimologia. Também posso observar que, por uma razao que desconhego, numero- fos nomes de personagensem Titaméia apresentam a recoreéncia da vogal : Drizlda, Ziica, Livira (ivi, Inlvia ou Vila), Jenzitico, Rijino, Guiteil, Sinhiza, Rgriz, etc. No texto de “Li, nas campinas", o nome Daijimiro tem assoniincias com 0s “miriqiilhos” do lugar lembrado. Fa letra i também est no nome das outras personagens: Divida, Tica e Rixfo, Quanto a0 nome Rixio, este parece ser um “signo motivado”. Rixio era “entendido e provador de eachaca”, “ardido”, fi as". Depois de fugit, volta “quebrado e rendli- do"; depois de morta, fica “il, fi, fil”. Tado faz ‘esse dessuizado, agitado e impulsivo Rixio tenha se metido-em muitasritar A exaltagio ativa de Riso €ocontraponto da melancolia estitica de Driimiro, ue ele contémn miro, do SERIPTA Dado Hann vac pW, Pac 1H 179 NENHURES 2: “14, NAS CAMPINAS” Drijimiro “tudo ignorava de sua infancia mas recordava-a, demais” (grifo meu). A palavra “recordar” contém “coragio” (cordis); recordar é muito diferente de Iembrar, O que se recorda € do dominio dos afetos, € menos uma coisa, pessoa ou lugar, do que um tom, uma qualidade, um estado do ser. A lembranca pode ser nitida, a recordagio ser4 sempre fluida, imprecisa. Com as lembrangas, sabemos li dar conscientemente; com as recordacées, lidamos como pode o coracio, e muitas vezes cle nao pode. E, entao, as recordagées nos aprisionam, num retiro melancéli- 0.1 F 0 caso de Drijimiro, apertado pelo “né das recordagdes”. Em varios pontos da vasta obra de Guimaraes Rosa aparecem reflexes bre o sentimento da saudade, Em Grande sertdo, diz Riobaldo: “O senhor sabe? J4 tenteou softido o ar que € saudade? Diz-se que tem saudade de idéia e saudade de coragio” (1956, p. 28). E muda logo de assunto. Nao resta diivida de que a saudade maior de Riobaldo, como a de Drijimiro, é “saudade de coragao”, nao aquela que se cultiva como lembranga, mas aquela que déi sem remédio. “Saudade de idéia” era aquela que Riobaldo sentia das madrugadas vividas em companhia dos outros cava- leitos, que gostava de lembrar: “até hoje eu represento diante de meus olhos aquela 0 80- hora, tudo tio bom; ¢, o que é, é saudade”, “Saudade de coragio” é a que sentia de Diadorim, ¢ seu discurso inteiro é a expresso desse sentimento fundo € doloroso. Na “Est6ria de Lélio ¢ Lina” (Corpo de baile, Ia saudade que Lélio tem da Moci- nha também € “saudade de coragio": “cla para ele havia de ser sempre linda no mundo, um confim, uma saudade sem raz4o”; “uma saudade gloriada, assim confu- sa (Rosa, 1956, p. 258-259). A “saudade de coragao”, procedente dos afetos, parece sempre confusa ¢ sem razao. A “saudade de coracao” de que sofre Drijimiro é ainda mais vaga do que a de Lélio, porque é um afeto quase sem suporte, ligado nao a uma pessoa mas a um lugar apenas entrevisto e desabitado. Esse desejo sem objeto palpavel é 0 que move a personagem ao longo de toda a sua vida, e faz dela um ser em busca. FE admiravel a caracterizagio da personagem pelo escritor, por meio de tracos breves mas densos de informagao, ¢ de uma coeréncia profunda que s6 podemos chamar de “verdade”. Drijimiro € definido por quatro predicados: cle sofre de uma falta, cle anda em bus- ca, ele sofre, ele oculta essa dor. Ora, na primeira visio que o narrador nos oferece da personagem, ela ja estd inteira, com todos esses predicados: “Drijimiro passava, debai- xo de chapéu, gementes as botinas” — 0 andar incessante, 0 segredo oculto ¢ a dor, materializados no chapéu desabado e nas botinas gementes. Drijimiro era “orfandan- te”, palavra que condensa a falta ¢ a busca, érfito ¢ andante. “Calava, andava, mais bezerros negociava”. Viver é preciso. Drijimiro vive “entre a necessidade ¢ a ilusio”, personificadas por duas mulheres. Divida, a esposa, como seu nome indica, vital: “Dona Divida debruga- va-se a janela, redondos os peitos, os perfumes instintivos”; “Divida, matéria boni- Ver Fabio Herrmann, 1997. Devo-the também outras valiosas sugestdes para a leitura deste conto. 180 wa IPTA, Belo Horizonte, 2, m3, p. 178-189, 2° sem, 1998

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