Resumo
Este artigo propõe o uso do software editor de texto do programa Words como recurso
metodológico de ensino de língua materna, em aulas de produção textual, viabilizando o uso do
principal tipo de correção textual proposto por Ruiz ( 2001) – a correção textual-interativa. Por
meio dela, o professor estabelece uma interlocução não codificada com o aluno, escrevendo-lhe
bilhetes que focam problemas referentes à globalidade do texto, ou seja, de natureza
macroestrutural, voltados não apenas à materialidade textual, mas principalmente, às relações
entre a forma de expressão e seu sentido. Desse modo, as intervenções do professor são mais
producentes por lhe possibilitarem uma variedade de ações dialógicas - sugerir, questionar,
elogiar, esclarecer, comentar, etc., favorecendo ao aluno melhores condições de reescrita do
texto. Portanto, o uso de ferramentas de gerenciamento do editor de texto, como o controle de
alterações, cujo recurso permite visualizar comentários e aceitá-los ou não, embora bastante
conhecido, parece ainda, pouco explorado como procedimento metodológico de ensino, mesmo
em instituições com amplo acesso às tecnologias. O artigo se organiza em duas partes, uma
teórica, que visa à exposição de alguns fundamentos da perspectiva sociointeracionista da
linguagem e sua relação com a correção textual-interativa; e a outra, aplicada, propondo
atividades de análise reflexiva coletiva e individual do aluno sobre a escrita por meio do editor de
texto. Dessa forma, pretende-se divulgar novas estratégias de ensino, confirmando o que afirma
Valente ( 1995) quanto à necessidade de o educador conhecer o que cada ferramenta tecnológica
tem a oferecer e como pode ser explorada em diferentes situações educacionais. A articulação
entre as recentes teorias de linguística aplicada ao ensino e as ferramentas tecnológicas adequadas
pode contribuir para uma atuação pedagógica de qualidade.
Palavras-chave
Editor de texto. Correção textual-interativa. Ensino de produção textual.
Introdução
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com o texto e seu autor. Trata-se de uma postura construtiva e interativa na correção com a
intenção de construir o comportamento do aluno revisor dos próprios textos. Assim, o principal
propósito da prática de correção deve ser o de levar o aluno à reflexão sobre seu próprio discurso
e os efeitos de sentido que produzirá no interlocutor.
Entretanto, tradicionalmente, o quadro de ensino de produção escrita na escola de
educação básica parece ter recebido poucas influências das tendências orientadas para a
perspectiva dialógica da língua. O modo como o professor de língua encara a produção escrita do
aluno como produto acabado que deve ser corrigido segundo um código homogêneo e
independente dos alunos, constitui uma prática cotidiana oposta à visão de inter-relação forma,
conteúdo e contexto.
Corrigir vai além das marcações usadas por muitos docentes nos textos de seus
alunos, pois requer reflexão sobre o uso da língua, não se limitando à correção de aspectos
gramaticais. Cabe ao professor explicitar ao aluno como as inadequações de seus textos podem
interferir na coerência e coesão. Segundo Therezo (2002:24),
Por coesão entende-se a articulação de palavras na frase, de frases no período, de períodos no parágrafo
e de parágrafos no texto. Se não houver boa utilização de pronomes e dos sinônimos não se obterá
coesão referencial. Se não se empregarem bem as conjunções, será prejudicada a coesão seqüencial.
Quanto à coerência, desnecessário reafirmar que é imprescindível, numa exposição de idéias, pois é
responsável pelo eixo condutor do pensamento. Alicerce do raciocínio lógico, ela é a articulação dos
sentidos no texto e fundamenta-se na progressão interna do conteúdo das idéias e na compatibilidade
externa com o real.
preciso considerar “os fatos textuais e discursivos, e ter como apoio o uso da língua em textos
reais, isto é, em manifestações textuais da comunicação funcional” ( Antunes, 2006: 32).
Serafini (2001) propõe seis princípios que fundamentam a prática da correção, os quais
são:
1) A correção não deve ser ambígua. É imprescindível que o professor corrija o texto de
forma pontual, precisa e que oriente claramente o aluno quanto ao que precisa ser mudado na
reescrita.
2) Os erros devem ser reagrupados e catalogados. Trata-se da necessidade de se classificar
os usos da língua feitos pelos alunos/aprendizes, pois dessa forma, refletem sobre o código.
3) O aluno deve ser estimulado a rever as correções feitas, compreendê-las e trabalhar
sobre elas. A reflexão sobre os usos da língua representa uma forma de análise linguística.
4) Deve-se corrigir poucos erros em cada texto. A preocupação com a autoestima
linguística do aluno é fundamental para que ele persevere em suas produções textuais escritas.
5) O professor deve estar predisposto a aceitar o texto do aluno. Acolher as possibilidades
de produção do aluno significa compreender seu perfil ( idade, sexo, nível socioeconômico).
6) A correção deve ser adequada à capacidade do aluno. De nada adianta corrigir todos os
aspectos linguísticos e discursivos se o aluno não compreende esses fenômenos.
Pode-se inferir, então, que determinados padrões de correção, sobretudo se vinculados à
tarefa de reescrita, são extremamente significativos para a reflexão sobre a atividade de produção
de textos, exercendo relevante papel no processo de aprendizagem da modalidade escrita.
Outro aspecto que merece ser destacado são os objetivos da correção do professor:
- Conferir o grau de conhecimento temático (informatividade) apresentado no texto pelo
autor/aprendiz.
- Examinar as relações entre a forma de expressão e o sentido.
- Reexaminar assimilações de conteúdos, ou seja, as transposições e aplicações feitas dos
textos de apoio para o texto solicitado.
- Avaliar o nível da linguagem utilizada de acordo com o gênero, o contexto e o leitor
alvo.
- Conferir a adequação à proposta de produção solicitada.
- Conferir a adequação ao gênero.
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Toda essa complexidade que subjaz o trabalho de revisão de textos escolares assegura a
noção de texto como trabalho, construção que se processa na interação. E por meio do editor de
texto que esse processo se configura de forma dinâmica e motivadora para os alunos ( crianças e
jovens) da sociedade atual.
Embora não tenha sido criado com esse objetivo, o editor de textos do Words é um
recurso pedagógico que permite a revisão textual-interativa, porque possibilita ao professor
inserir comentários, ou seja, fazer intervenções mais produtivas e dialógicas (sugerir, questionar,
elogiar, esclarecer, contra-argumentar etc.), provocando o aluno a refletir sobre as relações entre
a forma de expressão e seu sentido. Por outro lado, permite ao aluno controlar alterações, isto é,
saber quais alterações foram feitas na primeira versão; aceitar ou rejeitar alterações, obrigando-
se a analisar os comentários feitos pelo professor em balões nas laterais do texto. Observe-se um
exemplo de correção textual-interativa de um verbete escrito por um aluno de 1º do Ensino
Médio noturno de escola pública:
Chá de cadeira quem nunca tomou um, lá estava eu trabalhando fui fazer uma entrega
chegando a o estacionamento bati de cara com uma combi que estava carregando no momento
que estacionei feixaram o portão tive que esperar, após 30 minutos depois fui atendido fiquei
revoltado coisa que ia durar 10 minutos.
C.:
Você deu um bom exemplo do que significa a expressão
popular, mas, para produzir um verbete de enciclopédia, primeiro
precisa explicar o significado dela; o exemplo vem depois. Use nível
de linguagem formal.
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possibilidade de armazenar conteúdos didáticos, permitindo a pesquisa do aluno na internet na sala de aula.
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produção em situação escolar, extrapolando os limites da tarefa escolar para ser entendido como
unidade significativa de interlocução à distância que produz conhecimento.
É, porém, a prática da correção que passa a ter mais ênfase, pois não só ocorre uma
simulação de práticas sociais comuns nos meios editoriais, como também o recurso favorece ao
aluno o exercício da reflexão sobre seu próprio discurso e os efeitos de sentido que produzirão no
interlocutor.
Considerações finais
Cabe ao educador conhecer o que cada ferramenta tecnológica tem a oferecer e como
pode ser explorada em diferentes situações de aprendizagem. Mas isso apenas não é suficiente. É
necessária a articulação entre as ferramentas adequadas e as teorias recentes de sua área de
conhecimento, neste caso, as de lingüística aplicada ao ensino. Revisar um texto, principalmente
o de um aluno que se encontra em formação, significa contribuir para a construção de sua
identidade, visto que ela se constitui pela língua. Por isso revisar é uma responsabilidade voltada
para ações dialógicas, o que requer que todo professor que revisa um texto em situação escolar
supere a visão limitadora da tarefa escolar e o entenda como unidade significativa de interlocução
à distância que produz conhecimento.
REFERÊNCIAS
ANTUNES, I. Muito além da gramática: por um ensino da gramática sem pedras no caminho.
São Paulo: Parábola, 2007.
RUIZ, Eliana Maria Severino Donaio. Como se corrige redação na escola. Campinas, SP:
Mercado de Letras, 2001.