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Ok marcianos! vocês venceram!

Gisela Swetlana Ortriwano∗

Índice Ouvintes de rádio em pânico tomam


drama de guerra como verdade
1 Pânico: marcianos virtuais atacam ter-
ráqueos reais 1 New York Times, 01.11.38
2 Limites da tecnologia, a presença real:
Nove horas da noite de 30 de outubro de
as guerras do rádio 4
1938. Durante 40 minutos, a CBS - Colum-
3 A estética do formato jornalístico 6
bia Broadcasting System - e suas afiliadas de
4 E atenção!!! Em edição extraordiná-
costa a costa, dentro do programa Radiotea-
ria... 9
tro Mercury, transmite A invasão dos marci-
5 A invasão marciana no espaço da ima-
anos. Adaptada da obra A guerra dos mun-
ginação 9
dos de H. G. Wells (1866-1946), centenas
6 Noites virtuais: antes e depois... BBC
de marcianos chegam em suas naves extra-
e rádio USP 13
terrestres a uma pequena cidade de New Jer-
7 Ok terráqueos! O rádio venceu: re-
sey chamada Grover’s Mill. Os méritos pú-
compondo fragmentos 15
blicos da adaptação, produção e direção do
“No início do século XX o mundo es- programa foram para sempre creditados ao
tava sendo atentamente vigiado por in- então jovem e quase desconhecido ator e di-
teligências superiores à do homem, mas retor de cinema Orson Welles (1915-1985).
igualmente maléficas. Enquanto os hu- E a história do rádio passou a ter um antes e
manos desempenhavam suas atividades um depois...
quotidianas eram observados, tão minu-
ciosamente quanto o homem com seu mi- Guerra falsa no rádio espalha terror pelos
croscópio pode examinar as criaturas que Estados Unidos
se multiplicam em uma gota d’água...” Daily News, 01.11.38

Jornalista, doutora em Ciências da Comunicação
e professora de radiojornalismo na Escola de Comu- 1 Pânico: marcianos virtuais
nicações e Artes da Universidade de São Paulo. Co- atacam terráqueos reais
ordena o Núcleo de Jornalismo, Mercado e Tecnolo-
gia. Autora de A informação no rádio(Summus). “Ok No especial do Raditeatro Mercury da vés-
marcianos: vocês venceram!” foi originalmente pu- pera do Dia das Bruxas de 1938 - denomi-
blicado In: MEDITSCH, Eduardo. Rádio e Pânico:
A Guerra dos Mundos, 60 anos depois. Florianópolis, nado Mercury’s Halloween Show -, através
Editora Insular, 1998, pp. 133-153. dos sons, foi representada uma invasão de
2 Gisela Ortriwano

marcianos do ponto de vista de uma cober- uma reportagem extraordinária. E, desses,


tura jornalística. Todas as características do meio milhão tiveram certeza de que o perigo
radiojornalismo usadas na época - às quais era iminente, entrando em pânico e agindo
os ouvintes estavam habituados e nas quais de forma a confirmar os fatos que estavam
acreditavam - se faziam presentes: reporta- sendo narrados: sobrecarga de linhas telefô-
gens externas, entrevistas com testemunhas nicas interrompendo realmente as comuni-
que estariam vivenciando o acontecimento, cações, aglomerações nas ruas, congestiona-
opiniões de especialistas e autoridades, efei- mentos etc.
tos sonoros, sons ambientes, gritos, a emoti- Três cidades foram paralisadas pelo medo.
vidade dos envolvidos, inclusive dos preten- Pânico ocorreu principalmente em localida-
sos repórteres e comentaristas, davam a im- des próximas a Nova Jersey, de onde a CBS
pressão de um fato real, que estava indo ao emitia e Welles situou sua história. Houve
ar em edição extraordinária, interrompendo fuga em massa e reações desesperadas de
outro programa, o radioteatro previsto.1 Na moradores de Newark e Nova York (além
realidade tratava-se do 17o programa da série de Nova Jersey), invadidas pelos marcianos
semanal de adaptações radiofônicas realiza- da história. “No bairro negro de Harlem,
das por Orson Welles e o Radioteatro Mer- em Nova York, centenas de pessoas saíram
cury (ou Teatro Mercury no Ar) que explo- às ruas gritando que Roosevelt (então presi-
rava as técnicas jornalísticas com a ambien- dente dos EUA) havia conclamado a popula-
tação sonora requerida. ção a que fosse para o norte. Estão se apro-
ximando as máquinas de Marte.“3
“O impacto foi tal que mesmo Orson
“O pânico se espalhou entre os ouvin-
Welles se surpreendeu quando milhares
tes, especialmente daqueles que casual-
de pessoas saíram às ruas, angustiadas e
mente rodavam o dial à procura de um
em pânico; algumas, desejosas de teste-
programa interessante, e passaram a acre-
munhar um fato que, acreditando verda-
ditar naquelas ‘notícias’ como verdadei-
deiro, lhes parecia significativo e histó-
ras. Foram estes espectadores casuais os
rico.”2
que mais se envolveram, como mostrou o
A CBS calculou na época que o programa noticiário da época.”4
foi ouvido por cerca de seis milhões de pes- O conceito de rotatividade de audiência,
soas, das quais metade passaram a sintonizá- que hoje faz com que as notícias sejam re-
lo quando já havia começado, perdendo a in- petidas à exaustão, ainda não era cogitado.
trodução que informava tratar-se do radiote- Na prática, estava presente. A recepção
atro semanal. Pelo menos 1,2 milhão toma- era coletiva, dando margem à existência de
ram a dramatização como fato verídico, acre- uma comunidade de ouvintes que, diversa-
ditando que estavam mesmo acompanhando mente da recepção intimista e individuali-
1
Simon, William G. “The Man and the Myth”. In:
zada que caracteriza o rádio atual, facilitava
New York university Magazine, Inverno 1987, p. 22. 3
Serva, Leão. “Os marcianos estão chegando”. In:
2
Garcia Camargo, Jimmy. La radio por dentro e Folha de São Paulo, 29.10.1985
por fuera. Quito, Ciespal, 1980, p. 19. 4
Ibidem.

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Ok marcianos! Vocês venceram! 3

- e até incentivava - os comentários inter- Herbert George Wells foi um dos precur-
pessoais, a troca de informações, experiên- sores da literatura de ficção científica. A
cias e emoções. Ainda hoje, a grande maio- Guerra dos Mundos, publicado em 1898, sob
ria dos acontecimentos importantes chegam a influência das idéias do astrônomo Schia-
primeiro pelo rádio, seja direta ou indireta- parelli, era um de seus livros mais conheci-
mente: quem avisou, ficou sabendo pelo rá- dos, com o palco da ação da história ambi-
dio. entado em Londres, Inglaterra. Orson Wel-
A peça radiofônica é de autoria de Howard les apressou o ritmo da trama. No original,
Koch com a colaboração de Paul Stewart, os episódios se desenvolvem ao longo de vá-
baseada na obra de H.G. Wells, e ficou co- rios dias. Na adaptação, tudo acontece em 40
nhecida como “rádio do pânico.”5 O roteiro minutos, criando uma poética para o rádio:
foi reescrito pelo próprio Orson Welles que, “Revelou a força de fixação e a credibilidade
além de diretor, foi também o produtor junto devotadas às notícias transmitidas por rádio,
com a Mercury Players e, na dramatização mostrou a capacidade de mexer com a psi-
fez o papel de professor da Universidade de que do espectador quando se trabalha com o
Princeton que liderava a resistência à inva- ritmo de sua respiração (descansos quebra-
são marciana. “Orson Welles misturou ele- dos por notícias quentes, novamente substi-
mentos específicos da estética radioteatral (o tuídas por descansos).”8
ficcional, a dramatização) com os existentes
nos noticiários da época (o verossímil, a rea- “Ao invés de entreter (como parecia
lidade convertida em relato).”6 anunciar no início do programa, ao apre-
sentar música de orquestra), o programa
“A fixação por parte dos marcianos de travestiu-se de informativo (o que tam-
suas máquinas destrutivas, a total inter- bém não era). Brincou de jornalismo, jo-
rupção das comunicações e a derrota de gou com a noção de tempo (a certa altura
milhares de ‘defensores’ pegou o público da peça, quando os ouvintes ainda acre-
ouvinte de surpresa. Durante um total de ditavam que o tempo da emissão decorria
40 minutos, centenas de milhares de ou- naturalmente, o narrador - o astrônomo
vintes atônitos acreditaram que os mar- Pierson - num longo monólogo começa
cianos haviam ocupado várias regiões do a ler seu diário da invasão e menciona
país, dizimado ao acaso centenas de pes- a passagem de vários dias, quando para
soas e incendiado vilarejos inteiros com o ouvinte tudo passara em pouco mais
seus ‘raios de calor’. Os ouvintes da rede de uma hora (nesse momento, a farsa
CBS reagiram como esperado: eles en- se revela); falou de congestionamen-
traram em pânico.”7 tos de trânsito (que ademais aconteciam
5
mesmo, provocados pelo programa); e
Vide Koch, Howard. The panic broadcast. Bos-
ton, Little Brown, 1970. da audioarte”. In: Zaremba, Lílian e Bentes, Ivana
6
Bosetti, Oscar E. Radiofonías - palabras y soni- (orgs.). Rádio Nova, constelações da radiofonia con-
dos de largo alcance. Buenos Aires, Ediciones Co- temporânea 2. Rio de Janeiro, UFRJ/ECO/Publique,
lihue, 1994, p. 63. 1997, p. 48.
7
Barber, Bruce. “Rádio: o parente assustador 8
Serva, Leão, op. cit.

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4 Gisela Ortriwano

abriu o programa lendo um boletim me- Formato jornalístico foi o padrão utilizado
teorológico.”9 por Welles para a introdução das informa-
ções, aproveitando a credibilidade que este
Segundo Jacques Chambron, agente lite- desfrutava, tudo fundamentado nos recursos
rário de H. G. Wells nos EUA, “a Colum- reais disponíveis em 1938 e aos quais os ou-
bia tinha obtido permissão de dramatizar vintes estavam acostumados. A adaptação
uma irradiação mas não fora explicado que a tomou por base a análise acurada da rea-
dramatização seria feita com uma liberdade lidade econômica, social, tecnológica e do
que equivalia a uma remodelação da obra, comportamento humano. O padrão dramá-
tornando-a diferente”.10 tico foi utilizado para o desencadeamento da
obra radiofônica. O desenvolvimento tec-
2 Limites da tecnologia, a nológico permitia as transmissões ao vivo11
desde os anos 20. Merece destaque a intro-
presença real: as guerras do dução de reportagens externas, uma vez que
rádio possibilitavam as transmissões dos aconteci-
O radioteatro começa com sua abertura habi- mentos jornalísticos ao vivo, diretamente do
tual, interrompido pelo anúncio da apresen- palco da ação.
tação de um suplemento musical, bem ao es-
“No final de 1927, o rádio tem a satisfa-
tilo da época (inclusive se, por algum motivo
ção de participar de um grande momento
um programa não pudesse ser apresentado,
histórico: a transmissão da chegada de
entrava o suplemento para cobrir a lacuna)
Charles Lindbergh à Washington, em seu
e pela prestação de serviço, o boletim me-
próprio avião. A CBS e a NBC registra-
teorológico. O assunto central de A Guerra
ram o fato, realizando a primeira trans-
dos Mundos foi sendo introduzido aos pou-
missão diretamente do palco da ação.”12
cos. Interrompendo a música de tempos em
tempos, são anunciadas as novidades, cada Outras inovações importantes seriam ado-
vez mais ameaçadoras. A pretensa transmis- tadas ainda nos anos 30. Entre elas, o tele-
são jornalística vai ocupando cada vez maior fone tornou-se um instrumento fundamental
espaço até que os flashes se tornam uma ex- para o sucesso das coberturas radiojornalís-
traordinária que cancela o suplemento musi- ticas.
cal que, por sua vez, cancelava o radioteatro.
11
Um locutor simula passar notícias, um repór- A respeito da trajetória do jornalismo no rádio,
ver: Ortriwano, Gisela Swetlana. “Fragmentos da
ter entrevista especialistas e autoridades, ou- história do radiojornalismo”. In: Os (des)caminhos
tro finge estar presente no palco da ação pre- do radiojornalismo. São Paulo, ECA-USP, 1990 (tese
senciando ao vivo os efeitos produzidos pe- doutoramento), pp. 34-96.
12
los marcianos invasores em uma das regiões Garcia Camargo, Jimmy, op. cit., p. 16. Após
mais povoadas dos Estados Unidos. realizar o primeiro vôo intercontinental, sem escalas,
de New York a Paris, no Spirit of St. Louis, nos dias
9
Ibidem. 20 e 21 de maio de 1927, Lindbergh era considerado
10
Nota publicada sobre a transmissão de A Guerra um herói nacional para os norte-americanos.
dos Mundos na Folha de São Paulo de 01.11.1938.

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“Os repórteres podem informar de qual- mão. A credibilidade conquistada pelo rádio
quer local e seu relato coincide, em mui- era indiscutível. Não se tratava mais de uma
tos casos, com a própria ocorrência do novidade fascinante, de um modismo, mas
fato. Graças ao telefone, foram feitas co- de uma necessidade. As emissoras passam
berturas jornalísticas que ficarão na his- a montar suas próprias estruturas de infor-
tória, como o seqüestro do filho de Char- mação e a trabalhar com fontes especializa-
les Lindbergh; são produzidas importan- das, não dependendo mais dos veículos im-
tes reportagens, como ‘Nós, o povo’ e in- pressos e suas agências de notícias para po-
formes e reportagens sobre a guerra es- der informar. O rádio conquista espaços mas
panhola, algumas transmitidas ao vivo do pouco sabe do papel que desempenha na vida
palco da ação.”13 dos ouvintes.
A partir de meados dos anos 20, a concor-
Reportagens com a participação de vários rência com a imprensa já era bastante evi-
repórteres, falando de diferentes locais, tam- dente e a rivalidade começa a ficar cada vez
bém eram realizadas. O rádio e seu jorna- mais acentuada. Também os meios impres-
lismo faziam parte do cotidiano dos ouvintes sos percebem, logo, a potencialidade jorna-
na década de 30. lística do rádio e tratam de engendrar medi-
das procurando preservar para si o direito de
“Em 1938, a CBS norte-americana, em informar.
função da ‘Crise de Munique’, realizou Entre 1923 e 1940, o rádio, nos Esta-
o diálogo informativo com a participa- dos Unidos, defrontou-se com dois proble-
ção de correspondentes de cinco cidades: mas, resolvidos posteriormente a seu favor:
Londres, Viena, Berlim, Paris e Roma.”14 um, relacionado com a transmissão de músi-
cas (gravações versus apresentações ao vivo)
O radiojornalismo torna-se mais com-
e, outro, que nos interessa particularmente,
plexo e ganha maiores espaços. As trans-
com a possibilidade de emitir boletins notici-
missões passam a ter melhor qualidade so-
osos. A transmissão da invasão marciana de
nora aos avanços tecnológicos e à própria
1938 respeitou a marca deixada pelas duas
necessidade de informar a população que se
guerras do rádio no formato dos programas.
acostumara a receber as notícias em primeira
Com os avanços do rádio, os jornais im-
13
Díaz Mancisidor, Alberto. La empresa de radio pressos norte-americanos começaram a per-
en USA. Pamplona, Universidad de Navarra, 1984, p. der anunciantes, fato que se agravou com a
18. inclusão de noticiários na programação. As-
14
Ibid., p. 18. O autor refere-se à situação ge-
rada pelo Acordo de Munique, assinado pela Grã-
sim, no início dos anos 30, as agências de
Bretanha, França, Itália e Alemanha, pelo qual foi de- notícias (principalmente a Associated Press,
cidida a partilha da então Checoslováquia, em setem- a United Press e a Internacional News Ser-
bro de 1938 (portanto, pouco mais de um mês antes vice) deixaram de fornecer seus serviços às
da transmissão de A Guerra dos Mundos); em março, emissoras radiofônicas. Em sua maioria, as
a Alemanha já havia anexado a Áustria. A Segunda
Guerra Mundial era iminente e isso, seguramente, au- agências noticiosas eram controladas por ór-
mentou a eficácia da transmissão planejada por Orson gãos de imprensa e o rádio perdia uma fonte
Welles.

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6 Gisela Ortriwano

de notícias fundamental para o desempenho 3 A estética do formato


de suas funções. jornalístico
Em dezembro de 1933, foi fechado um
acordo entre as emissoras e as empresas jor- Os formatos radiojornalísticos conhecidos e
nalísticas, baseado em três itens: os progra- bem sucedidos em 1938 foram utilizados
mas de notícias no rádio teriam cinco mi- com rigor. Estão presentes aqueles que mais
nutos de duração e duas edições diárias; as atraiam o ouvinte norte-americano, reunindo
emissoras utilizariam a agência Press-Radio as características próprias de qualquer men-
Bureau, constituída em 01.03.1934 especial- sagem radiofônica.
mente para atender ao rádio; os programas Na peça há uma mescla de formatos en-
de notícias não poderiam ser patrocinados.15 tre o padrão dramático do radioteatro e o pa-
Desvantajoso para o rádio, esse acordo drão dos serviços de informação jornalística
não foi cumprido totalmente. Algumas emis- construindo, assim, um novo modelo esté-
soras formaram suas próprias agências de tico radiofônico. Welles misturou elemen-
notícias (como a Transradio Press Service e a tos específicos da estética radioteatral (a fic-
Columbia News Service) e, a partir de 1935, ção, a dramatização) com os elementos pre-
a United Press e a International News Ser- sentes nos noticiários (o verossímil, a rea-
vice (que, posteriormente, formaram a UPI lidade convertida em relato). Na apresen-
- United Press International) passaram a for- tação comemorativa do Dia das Bruxas de
necer material para o rádio. Apenas a Asso- 1938, os acontecimentos se sucediam, num
ciated Press manteve-se contra até 1939. Em crescendo, desde os relativamente críveis até
1940, foi levantada a proibição dos progra- os totalmente inacreditáveis. As primeiras
mas informativos serem patrocinados publi- notícias foram mais ou menos verossímeis,
citariamente. apesar de não usuais, como o informe me-
Os principais motivos que levaram ao tér- teorológico anunciando “uma ligeira pertur-
mino da disputa foram o fato de o rádio bação atmosférica de origem indeterminada”
conquistar espaços (aumento do número de ou “várias explosões de gases incandescen-
emissoras, de investimentos publicitários e tes, produzidas a intervalos regulares, no pla-
de audiência) e de muitas empresas jornalís- neta Marte”. Como se uma viagem interes-
ticas passarem a explorar, também, a radio- pacial dessa magnitude pudesse ser feita em
difusão de forma sistemática.16 minutos. Emocionalmente envolvido, o ou-
15
vinte não percebe, mesmo que tenha os co-
Detalhes sobre a questão das “duas guerras do rá-
dio” podem ser obtidos em: Dill, Clarence C. “Radio
nhecimentos para tal, as incoerências da nar-
and the Press: a Country View”. In: Annals of the rativa.
American Academy of Political and Social Science, Nos dias atuais, em tempos em que há
no 177, janeiro de 1935, p. 177. Também em: Smith, quantidade muito maior de informações dis-
Robert R. “The origins of Radio Network News Co- poníveis, facilidade para acesso a fontes di-
mentary”. In: Journal of Broadcasting, no 9, pp. 113-
122. versificadas etc., ainda convivemos com as
16
Díaz Mancisidor, Alberto, op. cit., pp. 68-69. barrigadas da imprensa. A história do boi-
mate em meados dos anos 80 merece cita-
ção. Alguns órgãos de imprensa brasileiros

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caíram em uma brincadeira de 1o de abril das estranhas criaturas. Não é possí-


norte-americana e publicaram que foi con- vel dar uma explicação sobre o aconte-
seguido o cruzamento de tomates com bovi- cimento. A resignação e a desesperança
nos, apresentando inclusive depoimentos de do Secretário do Interior, ao aconselhar
renomados cientistas brasileiros sobre a fa- que ‘depositemos nossa fé em Deus’, não
çanha. Jornais e revistas (que são meios im- indicam uma direção efetiva frente aos
pressos, com documentação disponível em acontecimentos.”17
mãos de leitores), relutaram em admitir o lo-
gro mesmo depois da história ter sido des- A narrativa utiliza terminologia científica,
mascarada por outros órgãos de imprensa... ouvindo vários cientistas que reforçam as
Continuamos, no dia-a-dia do jornalismo, idéias expostas, confirmando o inusitado e
a utilizar uma linguagem inadequada e, mui- surpreendente do evento. Narrado por lo-
tas vezes, o jornalista não entende o assunto cutor de estúdio e repórteres, vai em cres-
que está abordando, apenas passando adiante cendo emocional conforme os acontecimen-
o que ouviu. Há molduras e pedestais que tos se desenrolam, reforçado por ambienta-
isolam o jornalismo e precisam ser derruba- ções sonoras e descrição de locais e objetos
dos para que a informação se integre com os que levam o ouvinte a criar imagens mentais.
demais gêneros de programas em que esteja A racionalidade científica é aliada à pretensa
presente, de acordo com a linha da emissora imparcialidade do jornalista e à atuação or-
e o público - segmentação - ao qual é desti- ganizativa das autoridades. Em contraposi-
nada, sem confundir realidade com ficção. ção está a emocionalidade das testemunhas
Os especialistas ouvidos no enredo de populares. Até que o quadro geral da situa-
Welles são mediadores que, com riqueza de ção se torne claro, a emocionalidade e des-
informações, explicam o acontecimento. O controle vão tomando conta de todos os en-
astrônomo é um tipo de cientista que tem es- volvidos. Talvez o clímax desse crescendo
pecial importância no relato, aparecendo sob esteja no momento em que o cientista admite
diferentes personagens que confirmam os da- não saber o que acontece... há fatos que a ci-
dos e avaliam a situação durante o transcor- ência não explica.
rer da ação. Outros especialistas são cha-
mados para sustentar a tensão argumenta- “Todos estes atores da trama radiofônica
tiva da transmissão e entram quando a nar- entram em cena a partir de um dos re-
rativa exige a presença de uma ação social cursos utilizados pelos noticiários: a en-
organizada, aparecendo então as autoridades trevista jornalística. Ou seja, o diálogo
constituídas: comandante de polícia, vice- entre os locutores que comandavam o
presidente da Cruz Vermelha, Capitão da programa do estúdio e os entrevistados
Marinha, Secretário do Interior dos EUA etc. que, fundamentados nos conhecimentos
de suas especialidades, emitiam opiniões
“O horror do ouvinte é compartilhado 17
Cantril, Hadley. “La invasión desde Marte”. In:
pelo testemunho ocular. Quando o pró- Revista Occidente, Madrid, Espanha, 1942. Citado
prio cientista se sente perplexo, o leigo por: Bosetti, Oscar E., op. cit., p. 64.
reconhece a inteligência extraordinária

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8 Gisela Ortriwano

sobre a avassaladora invasão marciana à muns as unidades móveis e o uso do telefone


Terra.”18 nas transmissões jornalísticas.
No final do programa, o narrador, Dr. Pi-
O timing é correto, tanto das informações erson, constatava a morte dos marcianos, ví-
jornalísticas como da ambientação sonora. timas de microorganismos terráqueos, con-
Na época, o rádio era realizado sem mui- tra os quais não tinham defesa. Os terríveis
tos dos recursos técnicos atualmente disponí- marcianos foram vencidos pelo seu próprio
veis. Ao vivo, sem gravação prévia, os efei- corpo. Mas essa notícia, na peça, só foi dada
tos produzidos no momento, no próprio estú- quando os ouvintes já tinham vivenciado o
dio, a partir dos mais variados materiais, exi- pânico.
giam planos de som muito bem planejados e Esses modelos são utilizados ainda hoje,
executados. Os sustos são não apenas infor- por exemplo, em programas policias, que já
mativos: os efeitos sonoros cumprem papel fizeram muito sucesso no rádio e hoje estão
fundamental. à granel na televisão. De maneira geral, em
coberturas jornalísticas de eventos que en-
“O resultado é uma série de intervenções volvem comoção pública, o padrão continua
que aguçam a audição, e que vão de sim- presente e é explorado à exaustão por muitas
ples aplausos, gritos e sirenes de carros emissoras que têm no sensacionalismo seu
de polícia, a silêncios e murmúrios da principal trunfo. A questão ética parece fi-
multidão, soluções intuitivas para alcan- car esquecida. Basta pensar em casos como
çar uma variedade de espaços radiofôni- a cobertura da doença e morte de Tancredo
cos, determinados por uma conjunção de Neves (21.04.1985), a morte do piloto Ayr-
distâncias do microfone, sobreposição de ton Senna (01.05.1994) ou dos componen-
vozes e silêncios.”19 tes do conjunto musical Mamonas Assassi-
nas (03.05.1996), entre tantos outros.
A cobertura em si, jornalisticamente cor-
Lembrar das coberturas esportivas que os
reta quanto aos procedimentos, é um fenô-
speakers brasileiros faziam desde os primei-
meno de abrangência geográfica, possível
ros tempos do rádio também é ilustrativa: se
com a tecnologia disponível na época nos
a condição técnica ou econômica não per-
EUA, onde as redes de rádio estiveram pre-
mitia, criava-se uma transmissão virtual, si-
sentes desde o início,20 assim como eram co-
mulando a presença do narrador no palco da
18
Bosetti, Oscar E., op. cit., p. 63. ação. Ou então, um evento virtual, como
19
Zaremba, Lilian. “Orson Welles: o labirinto au- os jogos inventados para o 1o de abril, em
ditivo de Guerra dos Mundos”. In: Rádio Nova, cons-
telações da radiofonia contemporânea, op. cit., p. 90
que resultados inverossímeis eram criados
(grifo da autora). visando a deixar os torcedores inconsoláveis.
20
As transmissões em rede já eram usuais, com a Desmentidos, às vezes, dias depois... Que
participação efetiva de diversas emissoras no que diz o diga Nicolau Tuma, o Speaker Metralha-
respeito à produção dos programas emitidos. Na ca- dora!21
deia radiofônica, ao contrário, as emissoras compo-
21
nentes apenas retransmitem o que é produzido pela Nicolau Tuma, que tem muitas histórias para con-
emissora líder, sem interferir com o conteúdo do pro- tar, é considerado o primeiro locutor esportivo do rá-
grama. dio brasileiro, tendo narrado partidas de futebol, cor-

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O modelo parece ser tão promissor, moti- de improviso. Em qualquer dos casos, os
vando e cativando o ouvinte, que é utilizado fatos divulgados podem referir-se a even-
com muita freqüência pelos programas polí- tos inesperados ou já previstos, mas que de-
ticos que, sob o formato jornalístico, com re- vem ser transmitidos no momento de sua
pórteres, comentaristas e locutores (que po- ocorrência. A linguagem utilizada é de-
dem ser verdadeiros ou representados por terminativa, aproximando-se das manchetes.
atores), apresentam suas idéias e programas Se a transmissão da edição extraordinária é
partidários, ouvindo especialistas e trazendo muito longa, a linguagem tende a perder o
o palco da ação. caráter determinativo, assumindo o aspecto
de uma narração do que está acontecendo
no momento.22 Esses dois tipos de difu-
4 E atenção!!! Em edição
são da informação são mais utilizados por
extraordinária... emissoras que têm sua preocupação voltada
Quanto à forma de difusão das informações a para o jornalismo de natureza substantiva
invasão começa com o flash e termina como que envolve a transmissão direta do local
uma edição extraordinária, em que as men- do acontecimento. Nem sempre a transmis-
sagens são estruturadas rigorosamente em são, mesmo nesses casos, é direta, ao vivo;
função da oportunidade, conteúdo e tempo sendo emitida do estúdio, é adjetiva.23 No
empregado na emissão. Resumidamente, a caso, foram utilizadas tanto emissões de es-
categoria flash pressupõe um acontecimento túdio como ao vivo, diretamente do palco
importante que deve ser divulgado imedi- da ação, somando a credibilidade do locutor
atamente, em função de sua oportunidade com a dos repórteres/entrevistadores e espe-
mesmo que não se conheça todos os dados cialistas/autoridades, enriquecidos pelo som
do fato. A edição extraordinária também ambiente e a emocionalidade do testemunho
se refere a acontecimentos importantes, cuja ocular do fato.
divulgação é oportuna, interrompendo qual-
quer programa. Mas, nesse caso, a notícia já 5 A invasão marciana no espaço
é apresentada com pormenores, sendo mais
da imaginação
longa. De acordo com a importância do fato,
a emissora pode interromper toda a sua pro- O público sabia, nos Estados Unidos de
gramação e ficar informando sobre o aconte- 1938, que o rádio tem características muito
cimento enquanto houver novidades a apre- 22
Sobre as categorias de transmissões informativas
sentar. ver Ortriwano, Gisela Swetlana, A informação no rá-
Tanto o flash quanto a extraordinária po- dio, São Paulo, Summus, 1985, pp. 91-94.
23
dem ser emitidos do estúdio ou diretamente A respeito dos conceitos de jornalismo de natu-
do palco da ação, ou seja, o local do aconte- reza substantiva e adjetiva - ver Sampaio, Walter, Jor-
nalismo audiovisual, Petrópolis, Vozes, 1971, p. 72.
cimento que deu origem à notícia. O texto
O autor apresenta os conceitos para o jornalismo te-
pode ser previamente redigido ou emitido levisionado, mas eles podem facilmente adaptar-se ao
jornalismo radiofônico uma vez que envolvem a pre-
ridas automobilísticas e lutas de boxe, entre outros es-
sença - ou não - do palco da ação.
portes, há quase 70 anos...

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adequadas à transmissão jornalística.24 Al- do jornalismo. Os fatos podem ser transmi-


gumas delas merecem ser destacadas em tidos no mesmo momento em que ocorrem,
função de sua relevância para a discussão da possibilitando ao rádio estar à frente da tele-
questão do jornalismo radiofônico, formato visão (cujo aparato tecnológico é mais com-
adotado na adaptação de A Guerra dos Mun- plexo) e do jornalismo impresso. Um apa-
dos. relho telefônico (celular, telefone público)
O rádio fala e, para receber a mensagem, possibilita levar ao ar uma mensagem que
é apenas necessário ouvir. A linguagem oral está sendo elaborada no mesmo momento
pressupõe a presença das virtudes da lingua- em que é transmitida. Se, no início, as unida-
gem coloquial como clareza, objetividade, des móveis de transmissão permitiam que as
simplicidade etc. E, apesar de ainda não emissoras praticamente se deslocassem para
funcionar efetivamente com dupla mão-de- o palco da ação do acontecimento jornalís-
direção, o rádio nasceu como um meio de co- tico, com a tecnologia atualmente disponível
municação interativo que se viu limitado em o rádio ganhou ainda mais agilidade e baixo
sua capacidade bidirecional à medida em que custo de produção. A notícia no rádio pode
se constituía o sistema econômico de sua ex- chegar ao ouvinte antes mesmo de ter sua
ploração. A dupla mão-de-direção permite, forma final, ainda quase um boato, sendo no-
por outro lado, o diálogo real entre emissor vidade até para o jornalista que a transmite.
e receptor. Como norma geral, é preciso criar A mensagem precisa ser recebida - e com-
condições para que se estabeleça um diálogo preendida - no momento exato em que está
mental, levando o ouvinte a se tornar parti- sendo emitida/transmitida. Não é possível
cipante, a raciocinar junto, a ter condições ouvir de novo ou deixar para ouvir mais
para compreender e reagir à mensagem que tarde, como acontece com os meios impres-
está recebendo, participando interativamente sos (lemos e relemos o jornal quando, como
na elaboração da mensagem. e onde nos for mais conveniente e aprazível).
Nos anos 30, o rádio ainda não tinha mobi- A característica da instantaneidade é muitas
lidade quanto ao receptor (não havia transis- vezes confundida com a do imediatismo, in-
tor), mas do ponto de vista do emissor, o fato clusive em algumas de nossas poucas obras
já era conhecido. Com o desenvolvimento sobre o rádio e o radiojornalismo.
tecnológico ficava cada vez mais fácil trans- Instantaneidade e imediatismo são carac-
mitir de qualquer lugar, podendo acompa- terísticas distintas, não se confundem. O
nhar os acontecimentos diretamente do palco imediatismo diz respeito à questão da defa-
da ação. sagem temporal entre o acontecimento e sua
A mobilidade - tanto do emissor como do divulgação. A instantaneidade está intima-
receptor - permitiu que fosse explorada ple- mente ligada às condições de recepção por
namente a característica do imediatismo, de parte do ouvinte, simultânea à transmissão,
suma importância em se tratando da questão mas não necessariamente à ocorrência (como
24
no caso do imediatismo).
As características gerais do rádio foram por nós
tratadas com detalhes em A informação no rádio, op. O rádio envolve o ouvinte, fazendo-o par-
cit., pp. 78-81. ticipar por intermédio da criação de um diá-
logo mental com o emissor: é a sensoriali-

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dade que se faz presente. O ouvinte visua- torno de um único receptor, permitindo que
liza o fato narrado através dos estímulos so- um aumentasse a angústia e a ansiedade do
noros que recebe, da entonação vocal, da to- outro, situação que colaborava na geração do
nalidade, do ritmo da mensagem. A imagi- pânico, reforçando a ação: os que não esta-
nação é despertada pela emocionalidade das vam ouvindo a transmissão iam sendo infor-
palavras e dos recursos de sonoplastia, per- mados pelos outros, provocando reação em
mitindo que o receptor dê asas às suas ex- cadeia.
pectativas individuais, à sua imaginação. A credibilidade foi reforçada pela recons-
A sensorialidade é uma característica que trução da ambientação sonora, pela recriação
pode trazer resultados benéficos para uma dos sons que a imaginação popular acredi-
série de tipos de programas (humor, drama- tava serem próprias de naves espaciais e de
tizações etc.). Mas na transmissão jornalís- ambientes externos e a credibilidade das vo-
tica é necessário vigiá-la: qualquer deslize zes dos personagens foi dada a partir de es-
pode levar a reações indesejáveis como pâ- tereótipos firmados na cultura americana da
nico, revolta etc. É conveniente conter a época.
imaginação do receptor limitando-a aos fa- O rádio existe em um espaço imaginário,
tos, elaborando a mensagem jornalística sob criando imagens mentais e estabelecendo o
seu aspecto mais racional, evitando a lingua- contato pelo diálogo mental. “Uma imagem
gem e a interpretação apelativas que levam, vale por mil palavras”. Para criar uma ima-
fatalmente, ao sensacionalismo. Se aliamos gem mental adequada ao jornalismo, vai ser
a esse quadro a sonoplastia adequada, recri- realmente necessário utilizar as mil palavras
ando o pano de fundo das transmissões jor- para que seja a imagem certa, aquela que
nalísticas, as imagens mentais serão criadas corresponda ao fato. Para Walter Sampaio,
e o diálogo mental estabelecido, ocorrendo a existe uma estrutura redacional que contém
comunicação. as informações e uma torrente verbal encar-
Cada vez mais, o rádio é visto como um regada de garantir que as informações che-
amigo, ou o substituto de um amigo au- guem ao ouvinte do modo mais correto pos-
sente. Por intermédio do diálogo mental, os sível.25
apresentadores, locutores, repórteres, canto- No que diz respeito a esse aspecto, pode-
res etc. tornam-se íntimos do ouvinte. É a mos fazer uma comparação com os concei-
característica do intimismo: o rádio fala com tos de território e mapa, emitidos por Haya-
muita gente ao mesmo tempo, como se fa- kawa. Território representa “o mundo de
lasse com cada um em particular. primeira mão”, os acontecimentos que es-
A recepção é hoje individualizada e o tão diretamente diante de nossos sentidos e,
walkman o receptor preferido. No entanto, mapa, os acontecimentos que recebemos ver-
a audiência coletiva não pode ser esquecida: balmente, “relatos” feitos por pessoas que
nos anos 30, o rádio ainda não tinha as carac- presenciaram o fato e que, muitas vezes, são
terísticas do intimismo e da recepção indivi- 25
Sampaio, Walter, op. cit. Os conceitos são apre-
dualizada, somente possíveis graças ao tran- sentados na comparação entre a linguagem radiofô-
sistor e à miniaturização. Era ouvido pelas nica e a televisionada.
famílias ou grupos de pessoas reunidos em

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apenas “relatos de relatos de relatos, que afi- de século - ou até por isso, segundo alguns -,
nal vão ter aos relatos de primeira mão, fei- são comuns as ondas de fenômenos (hoje em
tos por pessoas que foram testemunhas ocu- dia, pela velocidade das informações, cada
lares do acontecimento”. Junto a esses “re- vez mais globalizadas) como o chupa-cabras,
latos”, recebemos também as “inferências” as loiras-vampiras, ou até a crença de que
feitas sobre os “relatos”, ou até “inferências seja possível que as pessoas, mesmo depois
feitas sobre outras inferências”, fazendo com de mortas, embarquem com suas bagagens
que o material original - o fato - muitas vezes materiais na cauda do cometa que as levará à
chegue deturpado - seja voluntariamente ou nave espacial e a outros mundos e vidas me-
não.26 lhores... com variantes, presença eterna entre
Outras peculiaridades do meio radiofônico os humanos na busca da terra sem males.
devem ser levadas em consideração. Algu- Welles aproveitou a atualidade e oportuni-
mas, decorrentes das próprias características dade do momento vivido nos EUA. A trans-
básicas, como, por exemplo, a capacidade de missão constituiu um alerta para o próprio
persuasão, de formação de opinião, de che- rádio. Ficou demonstrado que sua influên-
gar diretamente aos domicílios atingindo a cia era tão forte e determinante que pode-
todos que estejam sintonizados etc. ria causar reações imprevisíveis na audiên-
Mas nem sempre as características do rá- cia. As características do meio, aliadas a de-
dio são positivas quanto à comunicação pre- terminadas condições do momento histórico
tendida. Entre as ocorrências negativas, po- como, por exemplo, o anseio em sair total-
demos citar a ausência de percepção visual, mente da Grande Depressão, as tensões na
que pode levar à deturpação da imagem real, Europa deixando cada vez mais próxima a
o condicionamento da instantaneidade na de- possibilidade de um novo conflito mundial
codificação da mensagem, a possível fadiga, (situações que geravam insegurança), a cre-
a distração, eventual dependência (do meio, dibilidade no jornalismo e na ciência, a di-
do programa, do apresentador), a fugacidade vulgação de obras de ficção científica aven-
da mensagem etc. O rádio tem necessidade tando a hipótese de haver vida inteligente em
de referências anteriores para que as ima- outros planetas e possíveis viagens interpla-
gens mentais correspondam ao fato uma vez netárias etc., levaram a uma reação que fugiu
que não se pode criar imagens reais do que a qualquer previsão: estavam reunidos na-
é desconhecido. De narração em narração, quela radiofonização os ingredientes certos
ou como diz Hayakawa, de “relato em re- para provocar o pânico.
lato”, as imagens mentais vão sendo criadas Transmissão histórica, deixou como prin-
de acordo com as informações anteriores dis- cipais legados a certeza de que a reali-
poníveis por cada indivíduo e sua formação zação de estudos sistematizados sobre au-
cultural como um todo, com tendência maior diência/recepção eram fundamentais, assim
ou menor para a crendice, a credulidade ou a como comprovou, na prática, o poder do rá-
comprovação científica. Mesmo neste final dio na formação da opinião pública. Evi-
26
denciou, sobretudo, a necessidade de pesqui-
Hayakawa, S. I. A linguagem no pensamento e na
ação. 2a ed., São Paulo, Pioneira, 1972, pp. 21-23. sas aprofundadas sobre os mistérios do meio
radiofônico. Começando a estudar especi-

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ficamente o rádio, veio à tona a problemá- passava por período de penúria econômica
tica muito mais complexa das audiências e que levou a uma greve geral durante o mês
de suas possibilidades de manipulação. de maio do mesmo ano.27
A experiência permitiu que várias das ca- Entre os casos mais recentes, citamos o
racterísticas do rádio, da audiência e da es- que ocorreu na Rádio USP, de São Paulo.
trutura da mensagem radiofônica, pudessem Numa imitação e homenagem a Orson Wel-
ser analisadas e posteriormente utilizadas - les, o produtor independente Geraldo Anhaia
ou evitadas - conscientemente. Deixou pa- Mello, no terceiro programa Verdades e
tente, acima de tudo, a questão da responsa- Mentiras,28 transmitido pela Rádio USP/FM,
bilidade do comunicador com relação à men- das 20h00 às 21h00 do dia 04 de dezembro
sagem que emite e suas conseqüências, entre de 1985, noticia a mentira do deslizamento
elas, o sensacionalismo. de uma parte da Serra do Mar, na Cosipa,
em Cubatão, provocando vazamento de ga-
ses perigosos, advertindo ainda que todos de-
6 Noites virtuais: antes e
veriam fugir da região. “O fato só não causa
depois... BBC e rádio USP pânico devido à pequena audiência da emis-
Os resultados de A Guerra dos Mundos são sora.”29
mundialmente famosos e dividiram a estética “Não fiquem em suas casas, abandonem
radiofônica em antes e depois dessa trans- a cidade, fujam do gás venenoso, pe-
missão. Mas outras irradiações do tipo, me- guem carros, barcos, navios, o que pude-
nos abrangentes e espetaculares - ou me- rem”. Essa advertência foi feita à popula-
nos famosas por não terem conseguido reu- ção da Baixada Santista, “em voz grave,
nir tantos elementos desencadeadores da re- sobre os acordes angustiantes da música
ação dos ouvintes - , têm sido realizadas - ‘Mr. Gones’, do grupo americano ‘We-
ou tentadas -, em diversas ocasiões desde as ather Report’, após o mesmo locutor ter
primeiras experiências de transmissão radi- anunciado um desmoramento na serra do
ofônica. Mar. Ele informou que as instalações da
Um dos antecedentes conhecidos e con- Cosipa e os depósitos da Union Carbide,
sideráveis teve características semelhantes em Cubatão, haviam sido soterradas, an-
com a produção de Welles e ocorreu na Grã- teontem à noite.”30
Bretanha. Em 16 de janeiro de 1926, na 27
Citado por Bosetti, Oscar E., op. cit., p. 55.
BBC - British Broadcasting Corporation - 28
Verdades e Mentiras é o nome de um filme de
o sacerdote católico Ronald Knok descreveu Orson Welles, de 1973, que conta a história de um
a revolta de uma suposta multidão de de- falsificador de quadros que, usando a ambigüidade,
sempregados que, depois de atravessar a ci- discute os conceitos do que seja verdade e mentira.
29
dade de Londres, tomava de assalto o Parla- In: Cronologia das Artes em São Paulo: 1975-
1995. Comunicação de massa - rádio e televisão. Vol.
mento e executava um ministro do gabinete
5. São Paulo, Centro Cultural de São Paulo, Divisão
do governo. Esta narrativa de Knok, um co- de Pesquisas, Equipe Técnica de Pesquisa de Comu-
nhecido escritor de novelas policiais, provo- nicação de Massa, 1996, p. 90.
30
cou grande tumulto em uma comunidade que “Rádio USP pode sair do ar por causa da farsa
sobre Cubatão”. In: Folha da Tarde, 06.12.1985.

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As conseqüências não foram tão graves ou Mar, segundo os especialistas, está real-
marcantes como as de 1938 uma vez que as mente ameaçada de deslizamentos devido à
variáveis em jogo não tinham a mesma força poluição causada pelas indústrias petroquí-
de meio século atrás: a diversidade de fontes micas sediadas em Cubatão e pelos constan-
de informação é muito maior e a Rádio USP tes desmatamentos das encostas, fato que es-
tem pequena audiência e não atinge com fa- tava sendo bastante divulgado em 1985. Na
cilidade a Baixada Santista. região envolvida, a Vila Parisi, os problemas
de poluição eram muito graves, sendo inclu-
“A notícia, repetida com insistência ao sive conhecida como Vale da Morte. Além
longo de 22 minutos do programa, acres- disso, pouco tempo antes, havia ocorrido a
centava que os danos causados às instala- tragédia de Vila Socó, também na região,
ções industriais haviam provocado vaza- quando o vazamento de um gasoduto pro-
mento em depósitos de isocianato de me- vocou explosões seguidas por incêndios que
tila, um gás mortal, e aconselhava a po- destruíram todos os barracos da vila, dei-
pulação de Cubatão e da Baixada a aban- xando quase uma centena de mortos. Como
donar suas casas, para evitar a repetição pano de fundo, existia a própria instabilidade
das tragédias de Vila Socó e da cidade político-econômica do país que iniciava sua
de Bhopal, na Índia, em que milhares fase de transição democrática.
de pessoas morreram envenenadas pelo
gás.”31 “Na verdade, a tensão na cidade foi muito
grande. Por volta das oito e meia da noite
Existindo clima propício, o rádio do pâ- já havia pânico entre os órgãos ligados
nico tem terreno fértil para prosperar sob o à emergência e à defesa civil em Cuba-
formato jornalístico. A proliferação de bo- tão. Eram centenas de telefonemas de
atos continua a existir mesmo com muitas São Paulo, de Santos, de Cubatão.”32
fontes de informação à disposição. Houve
transtornos diversos, tanto para ouvintes A Rádio USP tem pequena audiência em
quanto para a direção da emissora. O des- Cubatão. Causou tumultos nos órgãos de de-
mentido só foi feito 30 minutos após inici- fesa e segurança que tiveram também dificul-
ada a transmissão. Inúmeras pessoas ligaram dade em checar a veracidade do fato e garan-
para a polícia, o Corpo de Bombeiros e a De- tir que ele não existiu. Houve autoridades
fesa Civil, os meios de comunicação se mo- que deram graças a Deus pelo fato de o pro-
bilizaram para checar a informação e a Rádio grama ter ido ao ar no horário da novela Ro-
USP foi ameaçada de ter seu funcionamento que Santeiro, da Rede Globo, que com seu
suspenso. ibope elevado evitou que o problema pudesse
Também neste caso, uma série de elemen- ter sido mais grave.
tos circunstanciais eram favoráveis. Para Em 1938 houve movimentos de censura
começar, era noite e chovia. A Serra do nos EUA contra o rádio após o episódio da
31 32
“Dentel pode punir rádio que deu notícia falsa “Dentel processa a rádio que disse que serra
de tragédia em S. Paulo”. In: Jornal do Brasil, caía”. In: O Globo, 06.12.1985.
06.12.1985.

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invasão marciana, mas não existia uma le- 7 Ok terráqueos! O rádio


gislação prevendo o caso. Houve pressões, venceu: recompondo
mas gradualmente a opinião pública foi con-
fragmentos
quistada, comandada por jornalistas influen-
tes que passaram a mostrar que o episódio Os formatos jornalísticos básicos de A
deveria servir de exemplo, alertando para o Guerra dos Mundos continuam sendo em-
fato de que a dramatização fez um favor ao pregados. Em seus primeiros anos, o po-
povo, chamando a atenção para os proble- der do rádio foi temido devido, principal-
mas que um grande pânico poderia causar se mente, ao desconhecimento de suas poten-
ocorresse um real ataque inimigo ao país. cialidades e conseqüências. Hoje, a situação
não é muito diferente: mais que o poder do
“De acordo com um dos muitos estudos rádio, o poder da comunicação continua te-
realizados após o caso, foram essas pes- mido, agora pela convergência das mídias,
soas que, em seguida, procuraram influ- via informática. É a vez da Internet ocupar o
enciar os legisladores para que proibis- lugar central no palco das discussões.
sem ‘tal fantasmagoria’ nas ondas do rá- Alguns estudiosos temem que programas
dio. Não é provável que um programa de tecnologia da informação pública e de co-
semelhante pudesse detonar a mesma re- municações possam ser realizados às cegas
ação hoje em dia.”33 por governos que não se incomodem com
as conseqüências sociais, que podem ser po-
A Rádio USP também sofreu pressões, tencialmente devastadoras. Joe Chester, do
principalmente por tratar-se de uma Rádio Instituto de Tecnologia da Irlanda diz que
Universitária da qual são cobrados compro- sempre houve, através da história, suposição
missos éticos e morais que não são exigidos de benefícios implícitos advindos de novas
de emissoras comerciais, por exemplo. As tecnologias. Mas muitas vezes os impac-
pressões punitivas aconteceram sob a forma tos negativos demoraram para ser reconhe-
de ameaças de cassação do prefixo, advertên- cidos e suas conseqüências sociais freqüen-
cia, suspensão, multa, prisão para o produtor temente suplantam qualquer benefício. O
etc. De concreto, uma das primeiras medidas mesmo pode ser dito com razão de muitas
foi a retirada do ar de todos os programas ao tecnologias novas, como a realidade virtual,
vivo, que passaram a ser previamente grava- a Internet e os softwares inteligentes.34
dos. E, além da retirada do ar de Verdades O rádio vive um momento de grande vita-
e Mentiras, todo o projeto de participação de lidade criativa. A informática tem se mos-
produtores independentes com novas idéias trado um importante aliado. Por meio do
sobre o fazer rádio acabou comprometido e Real Audio pode ser ouvido em qualquer lu-
desarticulado a médio prazo. E, sem dúvi- gar, satisfazendo a característica da proximi-
das, além de relembrar a todos as responsa- dade psicológica mesmo que a distância fí-
bilidades, reforçou a autocensura na criação
34
e realização de programas... In: Jellinek, Dan. “Especialista adverte para pe-
rigos de programas de comunicações”. O Estado de
33 S. Paulo, 04.04.1998, p. D6.
Barber, Bruce, op. cit., p. 49.

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sica entre o emissor e o ouvinte seja muito do jornalismo, a interatividade solicitada pe-
grande: o amigo está lá, para muitos diálogos las emissoras é adjetiva.36 Via de regra, não
mentais, em seu papel de background, pano é permitida a participação de viva voz, no
de fundo de qualquer atividade que esteja que poderíamos chamar interatividade subs-
sendo desempenhada, sem requerer atenção tantiva. O uso do telefone, convencional ou
exclusiva. Mas o acesso às novas formas de celular, apesar de recurso importante para o
comunicação e a participação interativa exi- rádio, oferece pouco espaço para o ouvinte
gem competência tecnológica e poder aqui- uma vez que implica menor controle sobre
sitivo. o discurso, mesmo que problemas técnicos
Bertolt Brecht (1898-1956), poeta e dra- possam facilmente derrubar uma ligação te-
maturgo alemão, em textos escritos na vi- lefônica indesejada...
rada das décadas 20/30 denominados Teoria Talvez Orson Welles tenha intuído, duas
do Rádio,35 imagina-o com dupla mão-de- décadas antes, idéias desenvolvidas pelo ca-
direção, alertando que a interatividade é um nadense Marshall McLuhan (1912-1981),
anseio antigo do ouvinte. A questão é tra- teórico dos meios de comunicação de massa
tada muito mais sob a ótica da política, da e inventor da expressão aldeia global. Se-
organização democrática da sociedade e do gundo McLuhan, durante pouco tempo o rá-
relacionamento entre cidadãos, do que sobre dio foi um meio de entretenimento. Sua es-
a exclusividade de uma ou outra tecnologia sência, é a de meio informativo, revelada
de informação. Nesses textos, Brecht con- mais claramente após o surgimento da televi-
traria uma visão desenvolvimentista e lembra são. Notícias, hora certa, informações sobre
que o rádio, antes de ser um meio de massas o trânsito, sobre o tempo, enfatizam o poder
era um meio interativo de comunicação, que do rádio.
se viu limitado em sua capacidade bidirecio- Hoje, a informação jornalística no rádio
nal à medida em que se constituía o sistema ocupa espaços cada vez maiores e as emis-
econômico de sua exploração. E poderia ser soras all news e talk radio fazem parte do
um excelente meio de entretenimento, dando cotidiano. Pecam, contudo, por esquecer a
suporte a diferentes manifestações culturais. linguagem do rádio: além da informação, a
Com a informática, o rádio ganha novas correta ambientação sonora é fundamental.
perspectivas quanto ao seu potencial intera- Do ponto de vista da moderna tecnolo-
tivo. Hoje, já não são poucas as emissoras gia, em A Guerra dos Mundos “um mundo
que incentivam a participação do ouvinte por virtual foi descrito e apoiado por um meca-
e-mail, assim como por fax. O correio tra- nismo que, na experiência dos ouvintes, era
dicional perdeu seu lugar uma vez que não usado apenas para acontecimentos reais. A
acompanha a agilidade do rádio. Tomando 36
Vide nota 23. A noção de jornalismo de natu-
a liberdade de ampliar a conceituação apre- reza substantiva e/ou adjetiva foi aqui utilizada para a
sentada por Walter Sampaio para a natureza questão da interatividade, de acordo com o maior ou
35
menor controle da participação física do receptor. No
Brecht, Bertolt. “Teoria do Rádio”. In: Bassets, caso, não estamos considerando a interatividade en-
Lluís (edit.). De las ondas rojas a las radios libres. volvida na criação do diálogo mental entre emissor e
Barcelona, Gustavo Gili, 1981, pp. 48-61. receptor.

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Ok marcianos! Vocês venceram! 17

incapacidade de distinguir imediata e clara-


mente o real do virtual foi a verdadeira causa
do pânico.”37
Se algumas idéias fundamentadas em
princípios científicos, tão fantásticas que
mais parecem ficção, forem verdadeiras, tal-
vez possa vir o dia em que a tecnologia per-
mita recompor os sons dispersos e, quem
sabe, por meio de um software, recompor os
fragmentos das falas desfeitas no espaço e no
tempo. Lá estará a voz de Orson Welles, na
noite do Dias das Bruxas de 1938...

“... Fizemos o que deveria ser feito. Ani-


quilamos o mundo diante de seus ouvidos
e destruímos a CBS. Mas vocês ficarão
aliviados ao saber que tudo não passou
de um entretenimento de fim-de-semana.
Tanto o mundo como a CBS continuam
funcionando bem. Adeus e lembrem-se,
pelo menos até amanhã, da terrível lição
que aprenderam hoje à noite: aquele ser
inquieto, sorridente e luminoso, que inva-
diu sua sala de estar é um representante
do mundo das abóboras e, se a campai-
nha de sua porta tocar e ninguém estiver
lá, não era um marciano... é Halloween!”

37
In: Jellinek, Dan, op. cit.

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