O desejo de saber e a decisão de aprender pareceram, por muito tempo, fatores fora do alcance
da ação pedagógica. Cada professor espera que seus alunos se envolvam no trabalho,
manifestem o desejo de saber e a vontade de aprender. A motivação é tida como uma preliminar,
cuja força não depende do professor.
A responsabilidade pelo desejo e pela vontade de aprender pouco a pouco se inscreveu no ofício
do professor, muitas vezes por não ter outra alternativa do que por vontade de despertar
vocações. A voga do “projeto pessoal do aluno” não deve iludir: os professores sabem bem que
muitos alunos quase não têm projeto e que é difícil propor-lhes um.
Se a escola quisesse criar e manter o desejo de saber e a decisão de aprender, deveria diminuir
seus programas, de forma a integrar em um capítulo tudo o que permita aos alunos dar-lhe
sentido e ter vontade de se apropriar desse conhecimento. Os programas são concebidos
para alunos cujo interesse, desejo de saber e vontade de aprender são supostamente adquiridos
e estáveis. Quando estes pré-requisitos faltam a certos alunos, os professores apostam na
motivação extrínseca (sanção, nota ruim, perda de estima, ...).
* Suscitar o desejo de aprender, explicitar a relação com o saber, o sentido do trabalho escolar e
desenvolver na criança a capacidade de auto-avaliação.
* Instituir e fazer funcionar um conselho de alunos e negociar com eles diversos tipos de regras
e contratos.
* Oferecer atividades opcionais de formação, à la carte.
* Favorecer a definição de um projeto pessoal do aluno.
Fosse o contexto de formação de professores poderíamos pensar em:
* Suscitar o desejo de aprender, explicitar a relação com o saber, o sentido em seu trabalho e
desenvolver a capacidade de auto-regulação de suas ações práticas, avaliando-as
conceitualmente.
* Estabelecer um contrato didático com os professores legitimando a relação com o saber.
* Oferecer opções de projetos para eles realizarem – a escolha do professor acontece em
função se seu conhecimento prévio (o que está mais próximo dele).
* Favorecer a definição de um projeto pessoal do professor.
A distinção entre desejo de saber e decisão de aprender (Delannoy) sugere pelo menos dois
meios de ação:
1. Certas pessoas têm prazer em aprender por aprender, gostam de dominar dificuldades – não
lhes importa o resultado, mas o processo. Com estes alunos, basta o professor propor
problemas e desafios intelectuais sem insistir nos aspectos utilitários.
2. A maioria das pessoas interessa-se, em alguns momentos, pelo jogo da aprendizagem, se
lhes oferecerem situações abertas, estimulantes, interessantes.
Aprender exige tempo, esforço, emoções dolorosas, angústia do fracasso, frustração por não
conseguir aprender, sentimentos de chegar aos limites, medo do julgamento de terceiros. Para
consentir em tal investimento e, portanto, tomar a decisão de aprender e conservá-la, é preciso
uma boa razão. O prazer de aprender é uma delas, o desejo de saber é outra.
As estratégias dos professores podem desenvolver-se em um duplo registro:
Ensinar é reforçar a decisão de aprender, sem agir como se ela estivesse tomada de uma vez por
todas. É não encerrar o aluno em uma concepção do ser sensato e responsável, que não convém
nem mesmo à maior parte dos adultos.
Ensinar é também estimular o desejo de saber. Só se pode desejar saber quando se concebem
esses conhecimentos e seus usos. Por exemplo: como alguém que nem mesmo imagina o que é
cálculo diferencial poderia desejar dominá-lo?
Uma relação com o saber depende sempre de uma representação das práticas sociais nas quais
ela se investe. Uma criança de 4 anos ainda não compreendeu o que significa ler, do ponto de
vista cognitivo, mas, às vezes, já tem uma representação da leitura e dos poderes que ela
confere.
No início, essa representação não está constituída em todos os alunos. Cabe ao professor fazer
com que se construa ou se consolide.
Para a maior parte dos alunos que tem uma relação confusa com a escola ou com o saber, de
nada serve dar encorajamentos: “é para seu bem”. A competência profissional aqui em questão
apela para dois recursos mais precisos:
1. De uma lado, a compreensão e um certo domínio dos fatores e dos mecanismos sociológicos,
didáticos e psicológicos em jogo no surgimento e na manutenção do desejo de saber e da
decisão de aprender.
2. De outro, habilidades no campo da transposição didática, das situações, das competências, do
trabalho sobre a transferência dos conhecimentos, todos eles recursos para auxiliar os alunos
a conceber as práticas sociais para as quais são preparados e o papel dos saberes se tornam
possíveis.
Fosse o contexto de formação de professores:
As análises seguem dando vida ao que não pode ser estático. A falsa fleuma é substituída pela
certeza de que temos trilhas verdadeiras, mas não a verdade absoluta.
A construção do sentido não é inteiramente ditada pela cultura do ator, ela evolui com a situação,
ao sabor das interações.
Em cada classe há um contrato pedagógico e um contrato didático, que fixa certas regras do jogo
em torno do saber. A relação legítima com o saber é definida pelo contrato didático.
O sentido de uma atividade depende muito de seu caráter escolhido ou não; quando a própria
atividade é imposta, seu sentido depende ainda da possibilidade de escolher o método, os
recursos, as etapas de realização, o local de trabalho, os prazos e os parceiros. A atividade que
não tem nenhum componente escolhido pelo aluno tem muito poucas chances de envolvê-lo.
Seria possível definir essa competência profissional como “a arte de fazer da diversidade a regra”.
(...) O problema didático é: enquanto o professor não se sentir livre para distender os laços
convencionados (e, frequentemente, implícitos) entre um objetivo de aprendizagem, uma atividade
cognitiva que supostamente o serve e os recursos de ensino correspondentes, terá tendência “a
fazer um pacote”, o que leva a deixar pouquíssima margem aos alunos.
O autor brinca dizendo que PPA –Projeto pessoal do aluno é um sonho na França, pois, na
realidade, o que existe é o PPP – Projeto pessoal do prisioneiro.
Uma primeira faceta dessa competência consiste em identificar os projetos pessoais existentes,
sob todas as suas formas, valorizá-los, reforçá-los. O projeto pessoal de uma criança não é
necessariamente completo, coerente e estável. A melhor maneira de fazê-lo desaparecer é, sem
dúvida, aplicar-lhe a lógica do adulto.
Os projetos são frágeis, nem sempre racionais, nem sempre justificáveis, mas são os verdadeiros
motores de nossa ação.
Exigir de uma criança que expresse ou escolha rapidamente um projeto pessoal é uma forma de
violência cultural (nem todas as famílias têm a mesma capacidade de fazer e realizar projetos –
essa capacidade está ligada ao poder que se exerce sobre sua própria vida e a dos outros) que
demonstra uma falta de respeito à diversidade das relações com o mundo. Ao mesmo tempo,
inscrever seu esforço presente em um projeto continua sendo a maneira mais certa de lhe dar
sentido. (...) É legítimo incitar uma criança a se interrogar, a fazer projetos, realizá-los, avaliá-los,
com a condição de se lembrar de que este é um longo caminho e seria injusto fazer disso um pré-
requisito para outras aprendizagens.
A idéia do projeto de formação é bastante atraente e tem sido defendida por Délia Lerner em
seus textos mais recentes. O projeto compartilhado ajuda os professores a saberem onde é
que queremos chegar na formação – deve estar contratuado. O produto final de um projeto
tem a característica de dar visibilidade às aprendizagens. Ele coloca o professor no lugar do
saber e não do não saber – ele participa da gestão de um bom projeto com a ajuda do
formador. Além disso, o produto final mobiliza o interesse dos professores, é impactante.
Délia aponta que o tempo gasto para provar alguns conceitos é muito maior do que dentro de
um projeto em que há muito mais ação mental.
Para a elaboração do projeto o professor deve pensar nos conteúdos e na forma de trabalhar
com eles a partir de 3 pontos de vista:
* do ponto de vista da aprendizagem dos alunos;
* do ponto de vista do objeto de conhecimento;
* do ponto de vista da didática específica.
Este texto foi produzido pela Formadora Beatriz B.Gouveia e apresentado durante as ações do
Programa PCNs em Ação, agradeço e parabenizo pela qualidade do texto.
Na apresentação coloquei Bia Perrenoud por ser um texto organizado por Beatriz B. Gouveia –
Bia sobre o Capítulo IV do Livro “10 Novas Competências para Ensinar” de Phillippe Perrenoud.