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Neurociências e o Processo de Aprendizagem
Neurociências e o Processo de Aprendizagem
Autoras: Luciana Ramalho Pimentel da Silva / Tamires Araujo Zanão
Como citar este documento: PIMENTEL-SILVA, Luciana Ramalho; ZANÃO, Tamires Araujo. Neurociên-
cias e o processo de Aprendizagem. Valinhos: 2016.
Sumário
Apresentação da Disciplina 04
Unidade 1: Introdução à neurociência: o que é e qual sua relação com a educação 06
Assista a suas aulas 25
Unidade 2: Fundamentos de neuroanatomia funcional básica I: organização e função do sis-
33
tema nervoso
Assista a suas aulas 55
Unidade 3: Fundamentos de neuroanatomia funcional básica II: Organização e função do tecido
62
nervoso
Assista a suas aulas 84
Unidade 4: Introdução às funções cognitivas e o córtex cerebral 91
Assista a suas aulas 110
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Neurociências e o Processo de Aprendizagem
Autoras: Luciana Ramalho Pimentel da Silva / Tamires Araujo Zanão
Como citar este documento: PIMENTEL-SILVA, Luciana Ramalho; ZANÃO, Tamires Araujo. Neurociên-
cias e o processo de Aprendizagem. Valinhos: 2016.
Sumário
Unidade 5: Bases neurológicas da aprendizagem (neuroplasticidade) 117
Assista a suas aulas 132
Unidade 6: Introdução às disfunções neurológicas associadas ao aprendizado 140
Assista a suas aulas 157
Unidade 7: Fisiopatologia das disfunções neurológicas associadas ao aprendizado (neurobiologia
164
do desenvolvimento, fatores pré, peri e pós-natais)
Assista a suas aulas 181
Unidade 8: Neuroeducação: a neurociência explicando e otimizando o aprendizado 188
Assista a suas aulas 207
3
3/215
Apresentação da Disciplina
Ver, aprender, pensar, lembrar, sentir, movi- Estamos longe de desvendar todos os misté-
mentar-se. Somos frutos de experiências e rios do cérebro, mas a neurociência já trou-
vivências, interagimos com o meio e uns com xe grandes avanços para a compreensão do
os outros. Podemos dizer que tudo que vive- sistema nervoso e de processos normais e
mos e o que faz com que sejamos nós mesmos patológicos. Nesta disciplina, você poderá
é, de certa forma, algo que foi “aprendido” e aprender sobre a estrutura e funcionamento
está armazenado em nosso cérebro. Além, do sistema nervoso e os mecanismos bioló-
é claro, das funções biológicas que regulam gicos por trás de diversas funções, além de
o funcionamento do nosso organismo e co- encontrar as principais contribuições que a
mandam ações conscientes e inconscientes, neurociência trouxe para compreendermos
indispensável à manutenção da vida. a biologia da aprendizagem, tanto do pon-
A neurociência busca responder às inúme- to de vista neurológico quanto educacio-
ras questões sobre o nosso sistema nervo- nal. Discutiremos também como os recentes
so e, dentro dele, sobre um dos órgãos mais achados da neurociência permitem otimizar
complexos que conhecemos dentre todos os o processo ensino-aprendizagem.
seres vivos, o cérebro humano: como se es- Não importa qual sua formação básica: você
trutura, seus mecanismos biológicos e como verá que a neurociência está mais próxima de
o sistema nervoso orquestra e integra das nós do que imaginamos e que todas as áre-
mais simples às mais complexas funções. as do conhecimento podem tanto contribuir
4/215
quanto se beneficiar de suas descobertas.
Não poderia ser diferente para a educação.
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Unidade 1
Introdução à neurociência: o que é e qual sua relação com a educação
Objetivos
6/215
Introdução
8/215 Unidade 1 • Introdução à neurociência: o que é e qual sua relação com a educação
cias, além de descobrir através da história
Para saber mais da neurociência ocidental como os neuroci-
entistas foram delineando o que era o siste-
Fique atento: frequentemente, traduzimos a pa-
ma nervoso e gradativamente desvendan-
lavra inglesa brain como “cérebro”, mas o correto
do seus diversos níveis, ora mostrando que
seria traduzir como “encéfalo”, enquanto cere-
eram mais simples, ora mais complexos do
brum é que significa “cérebro”, em português.
que postulávamos.
9/215 Unidade 1 • Introdução à neurociência: o que é e qual sua relação com a educação
Muitas das ciências que auxiliam à neuro-
ciência em suas questões são igualmente Para saber mais
antigas e bem estabelecidas, mas a neuro- Desde a Antiguidade, colocamos o coração como
ciência como a conhecemos hoje é relativa- o responsável por emoções e sentimentos, como
mente jovem. Por isso, não é difícil rastrear a paixão. Isso deve-se ao fato de que diversas
seu histórico na medicina ocidental, desde situações com envolvimento de emoções são
as bases que permitiram seu desenvolvi- acompanhadas de atividades do sistema ner-
mento até a atualidade. voso que nos fazem “sentir” o coração, como o
Na Grécia antiga, o famoso erudito aumento da frequência cardíaca e dilatação dos
Hipócrates (460-370 a.C.), considerado pai vasos sanguíneos.
da medicina ocidental, já associava o cére-
bro ao intelecto, acreditando que nele es- Durante o império romano, Galeno (130-
tava o centro da inteligência. Entretanto, o 200 d.C.), médico grego que concordava
filósofo Aristóteles (384-322 a.C.), pensa- com Hipócrates, concluiu algumas obser-
dor grego de grande influência, contestava vações importantes sobre o sistema nervo-
essa ideia e acreditava que o centro do in- so a partir de suas dissecções em animais.
telecto e emoções era o coração. De forma astuta embora um tanto empíri-
ca, Galeno atribuiu ao cérebro, por sua con-
10/215 Unidade 1 • Introdução à neurociência: o que é e qual sua relação com a educação
sistência macia, funções como as sensações outras estruturas do cérebro, como os ven-
e a memória, enquanto ao cerebelo, mais trículos cerebrais, associados à teoria dos
rígido, devia ser reservado controlar a mus- quatro humores e ao funcionamento geral
culatura. Galeno acreditava que para sentir, do encéfalo. Para Galeno, os ventrículos, es-
lembrar e esquecer algo seria necessário paços ocos, conectavam-se com os nervos,
que o tecido nervoso apresentasse certa que também acreditava serem ocos como
flexibilidade, maleabilidade, enquanto que os vasos sanguíneos, por onde passariam os
para controlar os músculos seria preciso fir- humores responsáveis pelo movimento, por
meza (HERCULANO-HOUZEL, 2008). exemplo.
Embora não fossem exatamente esses Não cabe aprofundarmos esse assunto
os mecanismos por trás das sensações, aqui, mas você pode encontrar mais detal-
memória e do controle muscular, o raciocí- hes interessantes sobre essa e outras teo-
nio de Galeno estava em uma direção, de rias da medicina antiga, inclusive da neuro-
certa forma, correta. Hoje, sabe-se que o logia, em A Sombra do Plátano: crônicas de
cérebro realmente comanda funções como história da medicina, de Joffre M. de Rezende
a memória e o cerebelo está envolvido, entre (REZENDE, 2009).
outras coisas, com o movimento. Galeno fez
ainda diversas observações empíricas sobre
11/215 Unidade 1 • Introdução à neurociência: o que é e qual sua relação com a educação
as funções que apenas os seres humanos
Link apresentam, mais refinadas que as funções
básicas dos animais, estariam localizadas
REZENDE, J.M. À sombra do Plátano: crônicas de na mente. Aqui, nasce uma longa discussão,
história da Medicina. Disponível em: <http:// que segue até os dias atuais, sobre a mente
static.scielo.org/scielobooks/8kf92/pdf/re- estar ou não localizada no cérebro.
zende-9788561673635.pdf> Acesso em: 9 out.
2016. Nos séculos seguintes, cientistas foram
identificando outras estruturas e funções
As teorias de Galeno sobre os ventrícu- do sistema nervoso. Conheceríamos a orga-
los cerebrais e humores foram reforçadas nização anatômica e divisão geral do siste-
por comparações com as primeiras máqui- ma nervoso até o fim do século XVII. Logo
nas hidráulicas, fazendo crer que o cérebro após, descobriu-se também que o sistema
também funcionasse assim, por líquidos nervoso é composto de substância bran-
bombeados através dos nervos; e chegaram ca – relacionada aos nervos – e substância
até a época de Rene Descartes (1596-1650), cinzenta (córtex cerebral), que processar-
filósofo francês que acreditava que o com- ia as informações conduzidas pelos ner-
portamento humano era muito complexo vos. Finalmente, entre os séculos XVIII e XIX,
para ser assim explicado. Para Descartes, mostrou-se, com bases em evidências ver-
12/215 Unidade 1 • Introdução à neurociência: o que é e qual sua relação com a educação
dadeiramente científicas, que Galeno es- cautela, esperança, peso e até mesmo cor
tava errado nesse aspecto e que os nervos da pele. Felizmente, o francês Marie-Jean-
na verdade eram como fios que conduziam Pierre Flourens (1794-1867) e outros cien-
eletricidade e não como vasos ocos. tistas, na busca de dados sobre a relação
Entretanto, mesmo usando experimen- entre estrutura e função no sistema ner-
tações científicas (questionáveis, é cer- voso, usando métodos como a ablação ex-
to), em alguns momentos as neurociências perimental, mostraram que a frenologia
cometeram “deslizes” como a frenologia estava equivocada. O tamanho do cérebro
(BEARS; CONNORS; PARADISO, 2002). não se correlaciona com o formato do crâ-
nio. Porém, algumas características não es-
No início do século XIX, o médico alemão tavam de todo erradas, como, por exemplo,
Franz Joseph Gall (1758-1828) mediu o a linguagem estar localizada na região fron-
crânio de centenas de indivíduos com dif- tal do cérebro.
erentes características de personalidade
e concluiu que as dimensões, saliências e Foram observações como as do neurologis-
regiões do crânio eram reflexo dos giros na ta também francês Paul Broca (1824-1880)
superfície do cérebro e estariam relaciona- que de fato chamaram atenção para a lo-
das com diversas características individu- calização de funções específicas no cére-
ais e sentimentos, como bondade, firmeza, bro. Broca estudou o caso de um paciente
13/215 Unidade 1 • Introdução à neurociência: o que é e qual sua relação com a educação
com uma lesão no córtex cerebral, mais es- celulares conectados como uma teia única.
pecificamente, no lobo frontal esquerdo do A teoria reticular apoiava as suposições de
cérebro que compreendia bem a fala, mas que o cérebro tinha funções desempenha-
era incapaz de falar. Essa região é conheci- das por extensas áreas conectadas (HERCU-
da até hoje por área de Broca e está relacio- LANO-HOUZEL, 2008).
nada com a articulação das palavras.
Os estudos da localização das funções no Para saber mais
cérebro continuaram pelo século XIX e XX A coloração de Golgi é uma técnica histológica
e, como sempre, teorias muitas vezes opos- que permite a visualização ao microscópio de al-
tas tentavam explicar o funcionamento do guns tipos de células nervosas impregnadas por
cérebro. O italiano Camilo Golgi (1843- precipitados de prata, com riqueza de detalhes
1926) e o espanhol Santiago Ramón y Cajal sem precedentes para a época e que é utilizada
são exemplos das discussões ferrenhas que até os dias de hoje.
sempre permearam as neurociências. Golgi
(criador da técnica histológica que leva seu Por sua vez, Ramón y Cajal (usando a col-
nome, a coloração de Golgi) defendia a Teo- oração de Golgi e “armado” de um mi-
ria Reticular, segundo a qual o tecido nervo- croscópio muito mais potente) defendia a
so era um emaranhado de prolongamentos teoria neuronal, segundo a qual o tecido
14/215 Unidade 1 • Introdução à neurociência: o que é e qual sua relação com a educação
nervoso era composto de células bem de- de Golgi e Cajal e exemplos das imagens da
limitadas, com um espaço entre elas e or- técnica de coloração de Golgi e dos desen-
ganizadas em circuitos. Seus achados, além hos de Cajal).
de gerar ilustrações que impressionam até
hoje pela precisão e riqueza de detalhes,
forneceram as bases que sustentavam a te- Link
oria da localização delimitada de funções SALLET, P.C. Prêmio Nobel: dinamite, neuroci-
no sistema nervoso. ências e outras ironias. Disponível em: <http://
www.scielo.br/pdf/rpc/v36n1/a07v36n1.
Apesar de acreditarem em teorias comple-
pdf> Acesso em: 9 de out. 2016.
tamente opostas, Golgi e Cajal dividiram o
prêmio Nobel de Medicina ou Fisiologia, em O trabalho de Cajal também forneceu as
1906, por suas imensas contribuições para a bases para responder às perguntas da neu-
medicina, porém não sem trocarem farpas e rofisiologia da época, mais condizentes
discordâncias até mesmo durante o discur- com a existência de células individualiza-
so de entrega do prêmio (no artigo “Prêmio das, mas capazes de se conectar de alguma
Nobel: dinamite, neurociências e outras iro- forma. O espaço entre essas células nervo-
nias” (SALLET, 2008), você pode encontrar sas individualizadas foi mais tarde chama-
mais detalhes sobre as teorias, a premiação do de sinapse pelo neurofisiologista inglês
15/215 Unidade 1 • Introdução à neurociência: o que é e qual sua relação com a educação
Charles Sherrington (1857-1952). A teo- Os “mapas” de funções elaborados por
ria neuronal permitiu também que Eugen- Penfield, conhecidos como homúnculos de
io Tanzi (1856-1934) e depois dele Donald Penfield, ao contrário da frenologia, são
Hebb (1904-1985) explorassem a função aceitos até hoje. A recíproca foi verdadeira e
dos neurônios no processo de aprendizado. a neurociência também conseguiu explorar
No final do século XIX e início do século XX, a atividade elétrica do próprio córtex para
conceitos antigos, como a noção de eletri- obter pistas sobre a localização das funções.
cidade animal demonstrada pelo médico, O uso do eletroencefalograma (EEG), técni-
físico e filósofo italiano Luigi Galvani (1737, ca descoberta pelo psiquiatra alemão Hans
1798), permitiriam que novos conceitos Berger (1873-1941) nos anos 1920, permi-
fossem investigados, como a representação tiu demonstrar a presença de diversos tipos
dos movimentos e sentidos no córtex cere- de ondas cerebrais, detectadas pelo couro
bral. A estimulação elétrica do córtex por cabeludo e associadas ao raciocínio, repou-
uma fonte externa levou os neurocirurgiões so, sono e até mesmo alterações e lesões
Harvey Cushing (1869-1939) e Wilder Pen- cerebrais (BEARS; CONNORS; PARADISO,
field (1891-1976) a tirar importantes con- 2002).
clusões sobre a localização dos movimen-
tos e sensações no cérebro.
16/215 Unidade 1 • Introdução à neurociência: o que é e qual sua relação com a educação
2 AS NEUROCIÊNCIAS NA ATUA-
LIDADE Para saber mais
Por definição, metabolismo é o conjunto de re-
Hoje, ainda temos divergências entre neu- ações químicas pelas quais as moléculas de um
rocientistas das mais diversas formações, organismo são sintetizadas ou degradadas, com
teorias sendo formadas, outras sendo pos- liberação de energia. O metabolismo cerebral
tas em xeque, mas, felizmente, o desen- aqui se refere ao consumo de oxigênio pelas cé-
volvimento da tecnologia permite grandes lulas nervosas. O raciocínio é o seguinte: se uma
avanços rumo à uma melhor e mais clara célula fica mais ativa, significa que seu metabo-
compreensão sistema nervoso. A partir dos lismo aumenta e, assim, aumenta seu consumo
anos 1950, o conhecimento sobre o metab- de oxigênio.
olismo cerebral começou a ser usado e am-
pliado para entender mais sobre as funções
Considerando que o metabolismo de células
cerebrais.
em funcionamento aumenta, estudos ten-
tavam estabelecer uma relação entre alter-
ações do metabolismo e funções cerebrais,
no entanto essas relações só foram melhor
delineadas e compreendidas com o adven-
17/215 Unidade 1 • Introdução à neurociência: o que é e qual sua relação com a educação
to de técnicas mais elaboradas, como a res- desativadas sistematicamente conforme
sonância magnética funcional (RMf). Aqui, necessário (BEARS; CONNORS; PARADISO,
mais uma vez, conceitos já bem estabeleci- 2002).
dos foram usados como base de novas de- A compreensão de comportamentos com-
scobertas e, assim, a RMf foi usada pela pri- plexos, como as memórias e aprendizado, a
meira vez em seres humanos na década de capacidade de tomar decisões e os padrões
1990. de consumo têm sido usado por novas
A RMf iniciou uma explosão de conhecimen- “neurociências”, como a neuroeducação e a
tos sobre o funcionamento do encéfalo sem neuroeconomia. Parece que, de certa forma,
precedentes, por ser não invasiva e bastante nem os defensores das teorias que explica-
detalhada. Estudos com RMf têm permitido vam o encéfalo como algo contínuo, nem
compreender que, apesar dos esforços para, aqueles que defendiam a localização exata
literalmente, colocar todas as funções cere- de funções em regiões limitadas estavam
brais no seu devido lugar, a localização de de todo errados, não é mesmo?
funções e comportamentos tão complexos
não está restrita a apenas uma região. É fru-
to de uma extensa e igualmente complexa
rede de estruturas interligadas, ativadas e
18/215 Unidade 1 • Introdução à neurociência: o que é e qual sua relação com a educação
3 NEUROCIÊNCIA E EDUCAÇÃO: em sala de aula mais eficiente e agradável,
A RECENTE NEUROEDUCAÇÃO como otimizar a memorização, o que moti-
va o aprendizado e como superar limitações
A neuroeducação é uma das áreas que sur- neurológicas relacionadas ao aprendizado
giram como resultado dos achados encon- são exemplos de perguntas levantas pela
trados por diversas disciplinas, como a psi- neuroeducação.
cologia e a pedagogia, em pesquisas sobre Estudos em neuroeducação têm mostra-
o sistema nervoso, nesse caso, mais espe- do como técnicas muitas vezes inusitadas,
cificamente sobre as chamadas funções como a meditação, e outras até mais óbvi-
cognitivas, como aprendizagem, memória, as, como a música, podem contribuir para o
atenção e linguagem, junto às necessidades processo ensino-aprendizagem e a que mu-
e dificuldades do dia a dia de uma sala de danças estruturais e fisiológicas do sistema
aula (TOKUHAMA-ESPINOSA, 2011). nervoso estariam associadas. Muito ainda
A neuroeducação busca, principalmente, há a ser descoberto e, certamente, as neu-
responder a questões sobre como otimizar o rociências só têm a ganhar com o desen-
processo de aprendizagem usando conhec- volvimento dessa jovem aprendiz, a neuro-
imentos sobre a estrutura e função do siste- educação.
ma nervoso. Como tornar o aprendizado
19/215 Unidade 1 • Introdução à neurociência: o que é e qual sua relação com a educação
Link
Há muitos portais interessantes sobre o tema na
internet; um deles é o da Revista Neuroeducação.
Disponível em: <http://revistaneuroeducacao.
com.br/> Acesso em: 9 de out. 2016.
20/215 Unidade 1 • Introdução à neurociência: o que é e qual sua relação com a educação
Glossário
Encéfalo: divisão do sistema nervoso central que corresponde às estruturas que estão contidas
dentro do crânio: o cérebro, o tronco encefálico e o cerebelo.
Empírico: diz-se daquilo que foi concluído a partir de experiências vividas, de observações, do
cotidiano, mas sem comprovação científica. Embora um raciocínio empírico possa estar correto,
não é baseado em métodos científicos. De forma empírica, sem evidências científicas seguras,
podemos até concluir algo verdadeiro, porém corremos o risco de atribuí-lo a razões e mecanis-
mos equivocados.
Córtex cerebral: camada mais externa do cérebro, que corresponde à substância cinzenta e onde
são processadas as complexas funções cerebrais. Apresenta um padrão de sulcos e giros que de-
limitam os lobos cerebrais.
Ablação experimental: método que consiste em lesionar ou destruir criteriosamente estruturas
e regiões do sistema nervoso, a fim de verificar que funções seriam prejudicadas e, dessa forma,
averiguar as funções exercidas por determinada região.
Lobo(s) cerebral(ais): divisões do córtex cerebral a partir do padrão de sulcos e giros. Em geral,
são nomeados de acordo com as adjacências ósseas a que estão relacionadas: lobo frontal, lobo
parietal, lobo temporal etc.
21/215 Unidade 1 • Introdução à neurociência: o que é e qual sua relação com a educação
?
Questão
para
reflexão
23/215
Referências
SALLET, Paulo Clemente. Prêmio Nobel: dinamite, neurociências e outras ironias. Rev. Psiquiatr.
Clín., [s.l.], FapUNIFESP, v. 36, n. 1, p.37-40, 2009. (SciELO). Disponível em: <http://www.scielo.
br/pdf/rpc/v36n1/a07v36n1.pdf>. Acesso em: 9 out. 2016.
TOKUHAMA–ESPINOSA, Tracey. Why Mind, Brain, and Education Science is the “New” Brain-
Based Education, 2011. Disponível em: <http://education.jhu.edu/PD/newhorizons/Journals/
Winter2011/Tokuhama1>. Acesso em: 10 nov. 2016.
24/215 Unidade 1 • Introdução à neurociência: o que é e qual sua relação com a educação
Assista a suas aulas
Aula 1 - Tema: Introdução à neurociência: O que Aula 1 - Tema: Introdução à neurociência: O que
é e qual sua relação com a educação. Bloco I é e qual sua relação com a educação. Bloco II
Disponível em: <http://fast.player.liquidplatform.com/ Disponível em: <http://fast.player.liquidplatform.com/
pApiv2/embed/dbd3957c747affd3be431606233e0f1d/ pApiv2/embed/dbd3957c747affd3be431606233e0f1d/
e2140301b5e02e644aeca5c73cf514eb>. 3010d4eb7bcd91a9520267b58fce181a>.
25/215
Questão 1
1. Podemos simplificadamente definir “neurociência” como:
26/215
Questão 2
2. A neurociência tem contribuição de profissionais:
27/215
Questão 3
3. Quais são cinco as grandes disciplinas básicas que compõem as neuro-
ciências?
28/215
Questão 4
4. Segundo a teoria neuronal, o tecido nervoso é composto de:
29/215
Questão 5
5. Que técnica de avalição permitiu às neurociências um avanço sem igual
no estudo das funções do encéfalo?
a) Ablação experimental.
b) Frenologia.
c) Eletroencefalograma.
d) Ressonância magnética funcional.
e) Coloração de Golgi.
30/215
Gabarito
1. Resposta: C. ciência celular, a neurociência sistêmica, a
neurociência comportamental e, por fim, a
A neurociência, mais especificamente as neurociência cognitiva.
neurociências, é a disciplina que se ocupa
em elucidar a estrutura, função e alterações 4. Resposta: B.
do sistema nervoso.
A teoria neuronal defendia que o sistema
2. Resposta: E. nervoso era formado por várias células ner-
vosas individualizadas, com um espaço en-
Qualquer profissional, de qualquer área de tre si, mas capazes de se comunicar.
formação, pode contribuir com seu conhe-
cimento, de forma direta ou indireta, para 5. Resposta: D.
responder às questões da neurociência.
Várias técnicas criadas pela neurociência ou
3. Resposta: A. por elas aproveitadas e melhoradas contri-
buíram para o melhor entendimento do fun-
Vimos que as neurociências podem ser cionamento do encéfalo e, principalmente,
agrupadas em cinco níveis ou grandes dis-
do cérebro, porém a ressonância magnética
ciplinas: a neurociência molecular, a neuro-
31/215
Gabarito
funcional, por suas características, é a que
mais tem elucidado questões sobre a fun-
ção deles.
32/215
Unidade 2
Fundamentos de neuroanatomia funcional básica I: organização e função do sistema nervoso
Objetivos
33/215
Introdução
O sistema nervoso é um dos conjuntos de rinho séssil (que vive preso em seu substra-
órgãos mais complexos do corpo humano e to), mas não seria o suficiente para nós, se-
também dentre todos os animais que pos- res humanos, pois vivemos em sociedade,
suem algum tipo de sistema nervoso. Pou- interagimos uns com os outros, viajamos e
cos animais têm um sistema nervoso tão nos adaptamos a praticamente todos os lu-
complexo quanto o do ser humano, embora gares aonde vamos (MACHADO, 1998).
tal complexidade não seja sinônimo de su- Assim, vale ressaltar que esse grau de com-
perioridade. Cada ser vivo tem apenas o sis- plexidade está relacionado com a igual
tema nervoso que é mais adequado às ne- complexidade de funções e comportamen-
cessidades que enfrenta para se adaptar ao tos comandadas pelo sistema nervoso em
meio e sobreviver. Uma anêmona-do-mar questão. Logo, necessidades mais comple-
tem um sistema nervoso muito simples, xas levaram ao desenvolvimento de um sis-
que responde a estímulos físicos e também tema nervoso igualmente mais intrincado.
químicos (se você já tentou tocar uma anê-
mona-do-mar sabe do que estou falando), Nós dependemos inteiramente do nosso
para que a mesma possa se alimentar e se sistema nervoso, de um simples passo que
proteger contra predadores. Isso é mais do damos até as nossas complexas emoções,
que suficiente para a anêmona, um ser ma- do controle da temperatura corporal a com-
portamentos motivados, como a fome e a
34/215 Unidade 2 • Fundamentos de neuroanatomia funcional básica I: organização e função do sistema nervoso
consequente busca por alimento. Você deve ção segue os chamados planos anatômicos.
estar pensando que sentir fome e se ali- Além disso, também é possível classificá-lo
mentar é algo simples e natural. Pode pare- com base em diversos critérios. Qualquer
cer simples, mas o comportamento alimen- divisão do sistema nervoso serve apenas
tar envolve uma série de regiões encefálicas para fins didáticos, pois as várias partes que
e redes neuronais complexas. Tudo isso e o compõem estão intimamente relaciona-
tudo que fazemos, pensamos e sentimos é das e integradas tanto morfológica quanto
comandado pelo sistema nervoso. Assim, a funcionalmente. Uma divisão baseia-se de
função principal do sistema nervoso é nos acordo com os critérios desejados a serem
adaptar ao meio, através da percepção de estudados, podendo ser anatômico (com
condições internas, externas e a adequa- base em sua morfologia macroscópica),
da resposta fisiológica e comportamental embriológico (pelas características do de-
(MACHADO, 1998; BEARS; CONNORS; PA- senvolvimento a partir da primeira célula
RADISO, 2002). que formará determinados tecidos, órgãos
Para estudá-lo, a fim de desvendar toda a e sistemas), funcionais (pelas funções se-
sua complexidade, convencionou-se dividir melhantes que cada divisão exerce) e seg-
o sistema nervoso em diversos segmentos mentação (aparente divisão em segmentos
e estruturas, cuja localização e identifica- que certas partes do sistema nervoso apre-
35/215 Unidade 2 • Fundamentos de neuroanatomia funcional básica I: organização e função do sistema nervoso
sentam devido à conexão com os nervos) assim chamado por estar envolvido com o
(MACHADO, 1998). processamento do movimento) (MACHA-
São usados termos aceitos internacional- DO, 1998, DÂNGELO; FATTINI, 2001).
mente (a nomina anatomica). Essa padroni- Não se preocupe em decorar todos os no-
zação facilitaria o entendimento dos acha- mes. Ao final desta aula, você estará mais
dos sobre o sistema nervoso por qualquer familiarizado com alguns e poderá fazer
anatomista, embora não sem alguma con- associações mais facilmente. Neste tema,
fusão devido a traduções e uso de outros você terá uma introdução sobre neuroana-
idiomas diferentes do latim. Porém, não é tomia: a divisão da anatomia que estuda a
difícil aprender e recordar o básico. A no- organização do sistema nervoso. Irá des-
menclatura das estruturas do sistema ner- cobrir mais detalhadamente como se en-
voso, em geral, vem das estruturas com que contra organizado o sistema nervoso com
estão relacionadas (como os ossos do crâ- base na sua divisão anatômica e na divisão
nio adjacentes ao córtex cerebral), da sua funcional, ao passo que acompanhará tam-
aparência (como o hipocampo, que signi- bém um pouco das funções que estruturas
fica “cavalo marinho” em grego, devido ao inclusas em ambas as divisões executam,
formato que lembra o referido animal) ou além dos envoltórios e o liquor, que fazem
da sua função (a exemplo do córtex motor, sua sustentação e proteção.
36/215 Unidade 2 • Fundamentos de neuroanatomia funcional básica I: organização e função do sistema nervoso
1 PARA COMEÇAR: LOCALIZA- dorsal). Por fim, o plano transverso divide o
ÇÃO ANATÔMICA corpo em uma metade superior (ou cranial),
que está acima e outra inferior (ou caudal),
O estudo da anatomia é guiado por eixos e abaixo dele (DÂNGELO; FATTINI, 2002).
planos imaginários que fornecem referên- Existe ainda o que está, no meio, entre duas
cias para a localização de estruturas no estruturas ou na parte de dentro, mais próx-
corpo. Não é diferente com a neuroanato- imo ao meio do corpo: seria a referência
mia (embora seja diferente para o estudo medial. Assim podemos localizar qualquer
de outros animais não bípedes). Para os estrutura tomando como referência uma
fins deste tema, você precisa saber ape- estrutura vizinha e também nomeá-la de
nas as referências dadas pelos três planos acordo com a posição que ocupa. Agora,
anatômicos, que serão úteis para ajudá-lo a você pode encontrar o lobo frontal do seu
localizar as estruturas: plano sagital, fron- cérebro: ele está localizado posteriormente
tal e transverso. O plano sagital divide o à sua testa (osso frontal) e recebe esse
corpo em duas metades laterais, a direita e nome porque se relaciona com o osso fron-
a esquerda. O plano frontal divide o corpo tal e, lógico, é o lobo localizado mais fron-
entre o que está à frente, ou seja, anterior talmente. Nele, temos o giro frontal superi-
(ou ventral), e atrás, que seria posterior (ou or (imaginando que o plano transversal está
37/215 Unidade 2 • Fundamentos de neuroanatomia funcional básica I: organização e função do sistema nervoso
abaixo dele, logo o giro é superior), o giro
frontal inferior e o giro frontal médio, en-
tre os dois outros giros (DÂNGELO; FATTINI,
2002). Você pode consultar atlas de anato- Link
mia on-line a fim de visualizar as estruturas 1. Asclépio Atlas de Anatomia.
que serão descritas a seguir, além de obter
Disponível em: <http://guiadeanatomia.com/
outras informações sobre anatomia huma-
anatomia.html>. Acesso em: 8 out. 2016.
na e neuroanatomia.
2. Atlas ZygoteBody.
3. Atlas 3D biodigital.
38/215 Unidade 2 • Fundamentos de neuroanatomia funcional básica I: organização e função do sistema nervoso
2 DIVISÕES DO SISTEMA NER- 2.1. Sistema nervoso central:
VOSO: CRITÉRIO ANATÔMICO medula espinal
Segundo o critério anatômico, o sistema A medula é uma massa cilíndrica, com duas
nervoso se divide em duas partes principais: dilatações (intumescências causadas pela
sistema nervoso central (SNC) e sistema presença maciça de corpos de neurônios
nervoso periférico (SNP). que irão emitir seus axônios para formar os
nervos que inervam os membros superiores
O SNC é responsável por receber estímulos,
e inferiores). A medula não ocupa a coluna
processá-los e desencadear respostas. Já o
inteiramente, terminando no início da colu-
SNP conduz os estímulos do meio externo e
na lombar. Ao final da medula, encontra-se
das vísceras para o SNC e também faz o ca-
a cauda equina, um conjunto de filetes
minho inverso, levando as respostas do SNC
nervosos com aparência de uma cauda de
para as vísceras e meio externo. O SNC com-
cavalo que continua pela coluna, após o fim
preende todas as estruturas que estão con-
da medula.
tidas dentro da coluna vertebral e da caixa
craniana, mais protegidas: a medula espinal Na medula, a substância cinzenta está lo-
e o encéfalo, respectivamente (MACHADO, calizada na parte interna e tem o formato da
1998). letra “H”. Na parte externa, está a substân-
39/215 Unidade 2 • Fundamentos de neuroanatomia funcional básica I: organização e função do sistema nervoso
cia branca. Da medula partem 31 pares de 2.2 Sistema nervoso central: en-
nervos medulares, uma para cada um dos 31 céfalo
segmentos vertebrais da coluna. A medula
processa os primeiros estágios de funções O encéfalo é tudo que está contido na caixa
motoras e sensitivas, e reflexos mais primi- craniana: o tronco encefálico, o mesencé-
tivos, que exigem processamento mais rápi- falo, o cerebelo, diencéfalo e o telencéfalo.
do, para nos proteger de situações nocivas As funções do encéfalo são bem mais com-
(MACHADO, 1998; LENT, 2008). plexas que aquelas desempenhadas pela
medula e sua morfologia é irregular e mais
complexa (LENT, 2010).
Para saber mais
Um exemplo é o reflexo de flexão. Quando tocamos 2.2.1 Tronco encefálico, cerebe-
uma superfície quente, retiramos a mão rapida- lo e mesencéfalo
mente e de maneira involuntária. O processamen-
O tronco encefálico é composto por bulbo,
to da informação sensorial e a resposta motora são
ponte e mesencéfalo. É como uma haste que
feitos na medula e só depois chegam ao encéfalo,
conecta a medula ao cérebro e lembra um
para nos fazer perceber a dor (LENT, 2008).
cone invertido. Da sua face ventral parte a
40/215 Unidade 2 • Fundamentos de neuroanatomia funcional básica I: organização e função do sistema nervoso
maioria dos nervos cranianos. O tronco en- tônus muscular, propriocepção da cabeça
cefálico exerce diversas funções, a maioria e do corpo e motricidade fina e também
vitais, como controle do ciclo sono-vigília, em funções mais complexas, como a apren-
modulação da excitação do córtex cerebral, dizagem motora e a memória de procedi-
controle de funções viscerais (como bati- mentos.
mentos cardíacos e peristaltismo), controle O mesencéfalo é a continuação do tronco
da coordenação motora junto com o cere- encefálico. Está situado superiormente à
belo, além de ser caminho de inúmeras vias ponte. Participa do controle da dor, proces-
e feixes que vão do córtex em direção ao samento dos estímulos visuais e auditivos,
resto do corpo e vice-versa. integra estímulos sensoriais do ambiente e
O cerebelo está situado dorsalmente ao a respectiva resposta motora, inclusive al-
tronco encefálico e inferiormente ao mes- gumas de origem emocional. Possui estru-
encéfalo e cérebro. Sua aparência lembra turas que participam de circuitos relaciona-
um pequeno “cérebro”, como o nome já diz. dos à memória e emoções e outras por onde
Possui dois hemisférios (duas metades) e o liquor flui entre as cavidades do sistema
vários lobos, divididos em córtex e núcleos. nervoso. Alguns pares de nervos cranianos
Está envolvido principalmente no controle emergem a partir do mesencéfalo (MACHA-
motor: manutenção do equilíbrio corporal, DO, 1998; LENT, 2008).
41/215 Unidade 2 • Fundamentos de neuroanatomia funcional básica I: organização e função do sistema nervoso
com funções como organizar e distribuir as
Para saber mais conexões sensoriais e motoras com o córtex
cerebral, controle de ciclos fisiológicos, de
Alguns neurônios do mesencéfalo são muito sen-
comportamentos motivados (como a fome,
síveis ao efeito tóxico do álcool. O alcoolismo pode
a sede e o comportamento sexual) e da reg-
levar a uma perda de memória grave por destrui-
ulação da homeostase em geral.
ção desses neurônios; é a chamada Síndrome de
Korsakoff. O telencéfalo é a estrutura mais robusta
do SNC, situada superiormente ao diencé-
2.1.2 Diencéfalo e telencéfalo falo e dividida em córtex cerebral e núcleos
da base.
Diencéfalo e telencéfalo formam o que
chamamos de cérebro, propriamente dito.
O diencéfalo se continua superiormente
com o mesencéfalo e por ele passam cali-
brosos feixes de fibras que comunicam o
diencéfalo e o telencéfalo com as regiões
situadas inferiormente. O diencéfalo é for-
mado pelo tálamo, hipotálamo e subtálamo,
42/215 Unidade 2 • Fundamentos de neuroanatomia funcional básica I: organização e função do sistema nervoso
O córtex é marcado por giros e sulcos que
Para saber mais variam entre os indivíduos. Entretanto, al-
guns se destacam por serem de localização
Nos seres humanos, durante o processo evolutivo,
e identificação mais fácil: o sulco longitudi-
o cérebro ganhou muito tecido nervoso, cresceu
nal, na face superior do cérebro, que o sepa-
e acabou se dobrando sobre si mesmo e sobre o
ra em hemisfério direito e esquerdo; e o sul-
diencéfalo, tornando-se cheio de reentrâncias: os
co central, na face lateral, que separa o lobo
sulcos e giros. Isso permitiu um enorme ganho de
frontal, do lobo parietal. Anteriormente ao
função em um menor espaço.
sulco central está o giro pré-central, que
No telencéfalo, encontra-se o padrão in- processa informações motoras e, posterior-
verso da medula: a substância cinzenta é a mente, está o giro pós-central, que proces-
camada mais externa e a substância bran- sa informações sensoriais (LENT, 2010).
ca é a camada mais interna. Na substância O córtex está dividido nos seguintes lobos
branca, estão mergulhados os núcleos da principais: frontal, parietal, temporal e oc-
base, aglomerados de corpos neuronais que cipital (todos visíveis na face lateral do cére-
se relacionam funcionalmente com outros bro, se relacionam com os ossos adjacentes,
núcleos e estruturas do SNC (LENT, 2010). de mesmo nome), lobo límbico (composto
de regiões de outros lobos assim agrupadas
43/215 Unidade 2 • Fundamentos de neuroanatomia funcional básica I: organização e função do sistema nervoso
por estarem envolvidas no processamento 2.2 Sistema nervoso periférico
emocional) e lobo da ínsula, um lobo mais
antigo do ponto de vista evolutivo e que O SNP, como o nome diz, compreende as
acabou encoberto por outros giros (LENT, estruturas periféricas, fora do eixo central
2010). e desprovidas de proteção óssea. Conecta o
sistema nervoso central com todo o corpo,
O córtex exerce funções extremamente
sendo composto por nervos, gânglios e ter-
complexas: interpreta todos os estímulos
minações nervosas. Os nervos medulares
sensoriais que recebemos em conjunto, in-
são do tipo misto, formados pela junção de
tegra diversas áreas do SNC e SNP para ger-
uma raiz motora anterior eferente (leva co-
ar respostas motoras e comportamentos
mandos motores aos músculos e vísceras) e
complexos; é onde as memórias são arma-
uma raiz sensitiva aferente (que leva infor-
zenadas, processa as emoções, o reconhec-
mações sensoriais dos músculos e vísceras
imento de rostos e objetos, a noção do que é
do corpo, exceto da cabeça) para o encé-
socialmente aceitável ou não, a linguagem,
falo. Cada raiz sensitiva possui um gânglio
o sono, atenção e inúmeras outras funções
nervoso, que contém os corpos neuronais
(LENT, 2010).
cujos prolongamentos vão até o encéfalo. É
interessante notar que, em geral, os hemis-
44/215 Unidade 2 • Fundamentos de neuroanatomia funcional básica I: organização e função do sistema nervoso
férios cerebrais comandam lados opostos 3 DIVISÕES DO SISTEMA NER-
do corpo: as fibras que saem do córtex cere- VOSO: CRITÉRIO FUNCIONAL
bral trocam de lado na altura do tronco en-
cefálico, antes de descer pela medula (LENT, 3.1 Sistema nervoso somático e
2008). visceral
Na cabeça, o SNP é composto pelos 12
De acordo com sua função, o sistema ner-
pares de nervos cranianos e seus gânglios,
voso pode ser dividido em sistema nervoso
que partem do tronco encefálico e do mes-
somático (SNS) e visceral (SNV), mas esse é
encéfalo. Os nervos cranianos podem ser
um critério apenas didático (ambos são par-
mistos, exclusivamente motores ou apenas
te do SNP). O SNS relaciona o indivíduo com
sensitivos. Já as terminações nervosas são a
o meio: é composto pelos componentes
porção final dos nervos que fazem contato
aferentes e eferentes do SNP que inervam
com músculos e órgãos e podem ser senso-
a pele e músculos do corpo e da cabeça. O
riais ou motoras (MACHADO, 1998).
SNS Processa as informações sensoriais de
tato, pressão, temperatura, dor, posição e
devolvem comportamentos motores, em
geral conscientes.
45/215 Unidade 2 • Fundamentos de neuroanatomia funcional básica I: organização e função do sistema nervoso
Já o SNV é responsável pela inervação das de controle visceral inconsciente (mas pode
vísceras (músculos lisos, cardíaco, glându- ter um certo controle consciente, como é o
las e vasos): é formado pelos componentes caso do esvaziamento da bexiga urinária)
aferentes e eferentes do SNP que levam in- em resposta às informações sensoriais in-
formações sensoriais das vísceras, como ternas (aferentes viscerais).
distensão do músculo da bexiga e do es- O SNA também atua em resposta a estímu-
tômago e devolvem ações motoras como los externos, como a contração da pupila de
aumento do peristaltismo, esvaziamento acordo com o estimulo luminoso do ambi-
da bexiga, aumento ou diminuição da fre- ente. Por sua vez, SNA é dividido em siste-
quência cardíaca. A parte eferente do SNV ma nervoso simpático e parassimpático e
é chamada de sistema nervoso autônomo existem diferenças anatômicas e funcionais
(MACHADO, 1998). entre eles, entretanto são complexas e fo-
gem às necessidades desse tema.
3.2 Sistema nervoso autônomo
46/215 Unidade 2 • Fundamentos de neuroanatomia funcional básica I: organização e função do sistema nervoso
3.2.1 Sistema nervoso simpáti- las salivares, ambos atuam aumentando
co e parassimpático a salivação. Entretanto, a saliva produzida
por indução do simpático é mais espessa,
As principais diferenças entre as duas di- enquanto a secreção salivar induzida pelo
visões são: a localização dos neurônios, o parassimpático é mais fluida e abundante
tamanho de suas fibras pós-ganglionares, (LENT, 2010). Você pode visualizar todas as
diferenças fisiológicas (tipos de neurotrans- divisões e estruturas abordadas nesse tema
missores e extensão da área que controlam) no Quadro 1.
e farmacológicas (relacionadas aos fárma-
cos que induzem respostas em cada um).
Muitas vezes, simpático e parassimpáti-
co têm funções opostas em um órgão, mas
o correto seria dizer que em geral suas
funções são complementares, visando
manter a homeostase e o funcionamento
geral do organismo. Por exemplo, o simpáti-
co determina a dilatação e o parassimpáti-
co a contração da pupila. Já nas glându-
47/215 Unidade 2 • Fundamentos de neuroanatomia funcional básica I: organização e função do sistema nervoso
Quadro 1 – Quadro didático apontando as divisões anatômica e funcional do sistema ner-
voso abordadas nesse tema e as estruturas que compõem cada uma.
SNC
Medula
Encéfalo
espinal
Cérebro Tronco encefálico
Cerebelo
Telencéfalo Diencéfalo Mesencéfalo Ponte Bulbo
Tálamo,
Córtex Núcleos
hipotálamo, Córtex Núcleos
cerebral da base
subtálamo
SNP
Nervos cranianos Nervos espinais
SNS
Aferentes – cabeça Eferentes – cabeça Aferentes – corpo Eferentes – corpo
meio externo meio externo meio externo meio externo
SNV
Aferentes – Eferentes –vísceras Aferentes – Eferentes –
vísceras cabeça cabeça vísceras corpo vísceras corpo
Fonte: MACHADO, 1998; LENT, 2008.
48/215 Unidade 2 • Fundamentos de neuroanatomia funcional básica I: organização e função do sistema nervoso
5 ENVOLTÓRIOS DO SISTEMA O liquor é um líquido aquoso, transparente
NERVOSO E LIQUOR e pobre em proteínas produzido por certas
células nervosas nos ventrículos (cavidades
O sistema nervoso é envolvido pelas menin- do encéfalo). O liquor circula por todo o
ges e pelo liquor (ou líquido cefalorraqui- sistema nervoso, dentro do espaço subarac-
diano). As meninges são três finas camadas noideo (entre a aracnoide e a pia-máter,
de tecidos que protegem e sustentam o sis- onde são feitas as punções para coleta de
tema nervoso, além de participar da sua ir- líquor e aplicação de anestesia raquidiana) e
rigação sanguínea e inervação, chamadas sua função é absorver de choques mecâni-
de dura-máter (mais externa, próxima aos cos e deixá-lo mais leve (ao “boiar” nesse
ossos, espessa e resistente, que se invagi- líquido, um encéfalo de 1,5kg no ar, pesa
na entre estruturas do encéfalo, dando-lhe apenas cerca de 50g imerso em liquor).
sustentação), aracnoide (localizada entre a
dura e a pia-máter) e pia-máter (mais del-
gada e interna, próxima ao tecido nervoso)
(MACHADO, 1998).
49/215 Unidade 2 • Fundamentos de neuroanatomia funcional básica I: organização e função do sistema nervoso
Para saber mais
Curiosamente, o tecido nervoso percebe as sen-
sações vindas de todas as partes do corpo, po-
rém não tem terminais sensoriais nele próprio.
Estímulos sensoriais, como a dor, são sentidas
pelos terminais nervosos das meninges. A dor de
cabeça, por exemplo, pode percebida nas menin-
ges. Por isso, cirurgias no cérebro podem ser fei-
tas com o paciente acordado e anestesia local.
50/215 Unidade 2 • Fundamentos de neuroanatomia funcional básica I: organização e função do sistema nervoso
Glossário
Substância cinzenta e substância branca: na substância cinzenta predominam os corpos dos neurô-
nios, que confere aspecto mais escuro a essa camada quando vista em peças anatômicas fixadas. Já
na substância branca predominam os axônios dos neurônios, o que confere aspecto esbranquiçado.
Aferência e eferência: aferência diz respeito às informações sensoriais do meio externo e interno
(periféricas) que são levadas para o SNC. Por sua vez, eferências são as informações processadas pelo
SNC que são levadas para músculos e vísceras.
Propriocepção: capacidade de sentir e reconhecer a posição do próprio corpo e de partes deles no
espaço, assim como a direção que seguem, força exercida etc.
Motricidade fina: habilidade de executar movimentos finos e delicados, como a escrita.
Homeostase: capacidade do organismo de manter o meio interno equilibrado e em condições ótimas
para seu funcionamento, como temperatura estável, níveis de sódio e glicose ideais etc., de forma
autorregulada.
Núcleos e gânglios: ambos são aglomerados de corpos de neurônios, porém núcleos encontram-se
no SNC, enquanto gânglios estão no SNP.
51/215 Unidade 2 • Fundamentos de neuroanatomia funcional básica I: organização e função do sistema nervoso
?
Questão
para
reflexão
52/215
Considerações Finais
53/215
Referências
BEAR, Mark F.; CONNORS, Barry W.; PARADISO, Michael A. Neurociências: desvendando o siste-
ma nervoso. Porto Alegre: Artmed, 2002.
DÂNGELO, José Geraldo; FATTINI, Carlo Américo. Anatomia Humana Sistêmica e Segmentar. 2.
ed. São Paulo: Atheneu, 2001.
LENT, Roberto. A estrutura do sistema nervoso. In: LENT, Roberto (Org.). Neurociência da mente
e do comportamento. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2008. p. 20-42.
LENT, Roberto. Cem bilhões de neurônios? Conceitos fundamentais de neurociência. 2. ed. São
Paulo: Atheneu, 2010.
MACHADO, Angelo. Neuroanatomia funcional. 2. ed. Rio de Janeiro: Atheneu, 1998.
54/215 Unidade 2 • Fundamentos de neuroanatomia funcional básica I: organização e função do sistema nervoso
Assista a suas aulas
55/215
Questão 1
1. Quais são os três planos que auxiliam na localização de estruturas anatô-
micas?
56/215
Questão 2
2. O sistema nervoso pode ser dividido:
57/215
Questão 3
3. De acordo com o critério anatômico, o sistema nervoso se divide em:
58/215
Questão 4
4. São exemplos de estruturas anatômicas que compõem o encéfalo:
a) Nervos e gânglios.
b) Meninges e líquor.
c) Telencéfalo e diencéfalo.
d) Medula espinal e nervos mistos.
e) Telencéfalo e nervos espinais.
59/215
Questão 5
5. Assinale a alternativa correta sobre o sistema nervoso autônomo:
60/215
Gabarito
1. Resposta: A. 3. Resposta: D.
Os planos que orientam a localização ana- De acordo com o critério anatômico, a prin-
tômica são os planos sagital, frontal e coro- cipal divisão do sistema nervoso é em siste-
nal, que dividem o corpo em regiões de re- ma nervoso central e periférico.
ferência (direita, esquerda, superior, inferior
etc.). 4. Resposta: C.
Objetivos
62/215
Introdução
Desde que o ser humano começou a ques- Com o advento de técnicas histológicas de
tionar a fonte de seus movimentos, pens- fixação (para conservar e enrijecer o teci-
amentos, sentidos e emoções, um longo do até que seja possível cortá-lo em fatias
caminho já foi percorrido e diversos ob- muito finas) e de coloração (que nada mais
stáculos superados. Hoje, sabemos que são que empregar uma série de substâncias
muito ainda há para se questionar e desco- químicas com afinidade por certas molécu-
brir, porém, após superadas algumas lim- las e partes da célula, dando cor a elas),
itações, é fato que nosso sistema nervoso é foi possível observar essas unidades mi-
o responsável por manter nosso organismo croscópicas usando colorações que tingiam
em equilíbrio e ainda permitir a nossa in- algumas células, enquanto outras não eram
teração com o meio e com uns aos outros. “coloridas”. Franz Nissl (1860-1919) criou
Por sua vez, outro fato é que, desde as bri- a chamada coloração de Nissl (muito útil
gas entre os “inimigos” acadêmicos Cami- e usada até hoje praticamente da mesma
lo Golgi (1843-1926) e Santiago Ramón y forma de quando criada, no final do século
Cajal (1852-1934), sabemos que a unidade XIX), mas foi a coloração de Golgi que per-
básica do tecido nervoso são minúsculas mitiu a observação e descrição em detalhes
células, assim como se acreditava ser para das células do sistema nervoso, os famosos
todos os nossos tecidos. neurônios e suas companheiras principais,
63/215 Unidade 3 • Fundamentos de neuroanatomia funcional básica II: Organização e função do tecido nervoso
as células da glia. Aprimorando a técnica e Pode-se dizer que “ver” o tecido nervoso por
análise de Golgi, Cajal descreveu alguns ti- dentro, com seus neurônios, células da glia
pos de neurônios e como eles se organiza- e sua organização típica foi um dos maiores
vam com uma riqueza de detalhes impres- passos dados pela neurociência e permitiu
sionante para a época. Observou que há um a compreensão de muitos dos mistérios so-
espaço entre os neurônios, que não se tocam bre o sistema nervoso.
fisicamente. Mais tarde, Charles Sherrington Nesta aula, você estudará a estrutura e
(1857-1952) chamou esse espaço de sinapse funções do tecido nervoso – a morfologia
(BEARS; CONNORS; PARADISO, 2002). dos neurônios e células da glia, ou seja, sua
Depois disso, a neurociência foi descobrin- estrutura básica, as partes dos neurônios,
do que as propriedades únicas que as células suas funções, como se dá a comunicação
nervosas apresentam é o que torna possível neuronal –, verá em mais detalhes as sinaps-
todas as funções que nosso encéfalo é ca- es químicas e estudará é o papel da glia. Só
paz de exercer, como aprender, por exemplo. para que você entenda melhor, a morfolo-
Aliás, podemos dizer que aprendemos algo, gia é área que estuda a estrutura, a forma
mas que, muito antes de nos darmos conta dos seres vivos.
desse processo, nossos próprios neurônios A morfologia pode ser dividida em anato-
também estão em aprendizado. mia, que estuda a parte macroscópica, ex-
64/215 Unidade 3 • Fundamentos de neuroanatomia funcional básica II: Organização e função do tecido nervoso
terna; e histologia, que se ocupa da estru- minadas funções no organismo. Os tecidos
tura microscópica dos tecidos, interna. O se agrupam em órgãos e esses, por sua vez,
foco são as células nervosas, portanto você em sistemas. O tecido nervoso se diferen-
terá o ponto de vista microscópico e de for- cia por ser sensível a estímulos: sua função
ma crescente: de suas partes centrais, para é receber estímulos do meio ambiente e do
as partes periféricas, juntamente com suas meio interno do organismo e processar uma
funções. Porém, é importante ter em men- resposta adequada, que pode ser a ação de
te que essa é apenas uma divisão didática. um órgão, contração muscular, um com-
O sistema nervoso funciona de modo glob- portamento, a percepção de uma sensação,
al, com todos os seus elementos perfeita- tudo para manter a homeostase e permitir
mente integrados, como em uma orquestra a interação com o meio externo. As células
bem afinada e regida de modo que o resul- que os constituem são de dois tipos: neurô-
tado final é uma harmoniosa música. nios e células da glia (MOURA-NETO, 2008).
Para facilitar o estudo, você poderá acom-
1 O TECIDO NERVOSO panhar fotos de lâminas de tecido nervoso e
outras informações e conceitos sobre técni-
Um tecido é um conjunto de um ou mais tipos cas de histologia em atlas de microscopia e
de células especializadas em realizar deter- patologia disponíveis on-line.
65/215 Unidade 3 • Fundamentos de neuroanatomia funcional básica II: Organização e função do tecido nervoso
2 O NEURÔNIO
67/215 Unidade 3 • Fundamentos de neuroanatomia funcional básica II: Organização e função do tecido nervoso
corpos celulares com formato piramidal, diversos tipos de neurônios, embora todas
estrelado, fusiforme, entre outros, que vari- possuam alguns elementos importantes,
am aproximadamente de 5 a 150µM. como proteínas complexas que atraves-
sam total ou parcialmente. Algumas dessas
proteínas formam canais por onde passam
Para saber mais apenas alguns íons ou moléculas específicas
Pode ser difícil imaginar quão pequena é essa e, assim, contribuem para a manutenção de
célula que comanda todo nosso corpo e mente. cargas elétricas diferentes dentro e fora da
Para ter uma ideia do tamanho de um neurônio célula. No citoplasma neuronal, assim como
em metros, por exemplo, basta dividir esse valor em outros tipos de células, estão mergulha-
por 1 milhão. Assim, um neurônio de 5µM teria dos o núcleo, que contém o material genéti-
0,000005m. co, e várias organelas citoplasmáticas,
pequenas estruturas com diversas funções
A membrana plasmática do neurônio fun- fisiológicas.
ciona como uma barreira que limita o meio
O retículo endoplasmático rugoso (organe-
interno da célula, chamado de citoplasma
la que recebe esse nome porque está asso-
(ou pericárdio). Além disso, a membrana
ciado a ribossomos, o que lhe confere uma
plasmática também é diferente entre os
aparência rugosa) forma os grumos obser-
68/215 Unidade 3 • Fundamentos de neuroanatomia funcional básica II: Organização e função do tecido nervoso
vados por Nissl ao microscópio óptico, con- 2.2 Prolongamentos
hecidos como corpúsculos de Nissl. Assim
como outras células, o neurônio possui um Do corpo celular do neurônio partem diver-
citoesqueleto, um arcabouço de proteínas sos prolongamentos, alguns mais delicados,
que dão sustentação e permitem o trans- outros mais calibrosos, os chamados neuri-
porte de organelas e moléculas ao longo da tos. Os neuritos, por sua vez, podem ser de
célula e seus prolongamentos. O corpo celu- dois tipos: dendritos e axônios (MACHADO,
lar pode ser comparado ao motor do neurô- 1998).
nio, pois concentra suas funções metabóli-
cas, produzindo todas as proteínas (inclu- 2.2.1 Dendritos
sive os neurotransmissores) que a célula
necessita, além de ser local de recepção de Os dendritos são prolongamentos em geral
estímulos que chegam pelos dendritos e de- curtos, bastante numerosos e muito rami-
pois são conduzidos para o axônio (MACHA- ficados. A palavra dendrito vem do grego
DO, 1998). déndron e significa “árvore”, devido à ca-
racterística ramificação desses prolonga-
mentos como os galhos de uma árvore, de
um diâmetro maior para ramos de diâmetro
menor.
69/215 Unidade 3 • Fundamentos de neuroanatomia funcional básica II: Organização e função do tecido nervoso
Os dendritos são responsáveis pela recepção axônio é o prolongamento eferente, ou seja,
dos estímulos que chegam ao neurônio, ou que leva a informação do sistema nervoso
seja, são as terminações aferentes da célula em direção a outras regiões, como uma re-
e recebem as informações que chegam do sposta a algum estímulo que foi recebido
ambiente, do próprio organismo ou de out- pelo neurônio.
ro neurônio (MACHADO, 1998). Ao contrário dos dendritos, que se rami-
ficam apenas no local onde se encontram,
2.2.2 Axônios o axônio alcança comprimentos variados.
Na espécie humana, pode variar de alguns
O axônio (do grego axón, que significa “eixo”) milímetros a até um metro ou mais. Esse
é um prolongamento único, cilíndrico e fino, último é o caso do axônio de um neurônio
que parte do corpo celular numa região de- motor que deixa a medula espinal e seg-
nominada cone de implantação. Pode ram- ue seu caminho pela perna até chegar ao
ificar, mas, ao contrário dos dendritos, gera dedão do pé, inervando a musculatura re-
ramos de mesmo diâmetro e pode apresen- sponsável pelo movimento do dedo. Os ax-
tar uma arborização em sua porção termi- ônios também podem ser envolvidos por
nal, onde se comunicam com os dendritos uma camada de lipídios (gordura), que fun-
de outros neurônios ou com uma célula ciona como um isolante elétrico, a bainha
efetuadora. Dessa forma, dizemos que o
70/215 Unidade 3 • Fundamentos de neuroanatomia funcional básica II: Organização e função do tecido nervoso
de mielina. Os neurônios cujo axônio possui 3 O POTENCIAL DE AÇÃO
bainha de mielina são chamados de fibras
mielínicas, enquanto os que não possuem A membrana plasmática de qualquer célula
são classificados como fibras amielínicas. permite que o meio interno da célula apre-
Isso é importante porque a transmissão da sente uma carga mais negativa (rica em íons
informação entre fibras (axônios) mielínicas potássio) que o meio externo (com maior
e amielínicas é muito diferente. concentração de íons cloro e sódio). Porém,
os canais que atravessam a membrana dos
Existem pequenos espaços entre uma porção
neurônios são de dois tipos e exclusivos do
da bainha de mielina e outra (os nós de Ran-
tecido nervoso: canais sensíveis a mudanças
vier, você verá mais sobre o assunto no tópi-
elétricas (canais voltagem-dependente) e
co “células da glia”). Como a gordura é um
canais que reconhecem certas substâncias
isolante elétrico, o impulso nervoso passa
químicas (canais ligante-dependente), os
“saltando” a mielina, pulando de um espaço
chamados neurotransmissores. Os íons es-
de membrana sem mielina para o próximo
tão constantemente saindo e entrando da
rapidamente. Já nos axônios amielínicos, o
célula a fim de manter a diferença de car-
impulso percorre toda a membrana contin-
gas estável. Essa diferença eletroquímica é
uamente, logo a transmissão é mais lenta
responsável por causar uma diferença de
(MACHADO, 1998).
71/215 Unidade 3 • Fundamentos de neuroanatomia funcional básica II: Organização e função do tecido nervoso
potencial, conhecida por potencial de re- começa no cone de implantação, região rica
pouso. em canais dependentes de voltagem.
Porém, os estímulos que os neurônios re- O interessante é que a despolarização leva
cebem têm a capacidade de modificar o po- a mudanças que fazem com que a membra-
tencial de repouso. Assim, ao serem excit- na volte ao normal e ainda fique impossibil-
ados, respondem com o potencial de ação, itada de gerar um novo potencial de ação.
gerado pela inversão das cargas elétricas da No entanto, se o potencial gerado contin-
membrana. De forma bastante simplificada, uar com força suficiente, pode estimular o
ocorre o seguinte: em “repouso”, o interior próximo trecho de membrana do axônio
do neurônio é mais negativo que o meio exter- que ainda estava em repouso e o despolar-
no (ou seja, membrana negativa por dentro iza. Isso acontece em pequenos trechos da
e positiva por fora). Se um estímulo chega membrana por vez, em sequência, até que
ao neurônio e “perturba” o repouso, a carga essa série de potenciais de ação, que con-
mais negativa do interior da membrana sai stitui o impulso nervoso, chega ao terminal
e torna o meio interno menos negativo que o axonal do neurônio. Cada potencial de ação
meio externo (agora a membrana está pos- dura cerca de 1 milissegundo e o impulso
itiva por dentro e negativa por fora). Esse nervoso ao longo do axônio é conduzido a
processo é chamado de despolarização e uma velocidade de 20 a 200 m/seg (MOU-
72/215 Unidade 3 • Fundamentos de neuroanatomia funcional básica II: Organização e função do tecido nervoso
RA-NETO, 2008; BEARS; CONNORS; PARA- so segue o princípio do “tudo ou nada”, ou
DISO, 2002). seja, não há meio-termo. Ou o potencial
de ação gerado é intenso o suficiente para
despolarizar a membrana neuronal ou não
Para saber mais há despolarização e, consequentemente, o
Mais uma vez, para que você tenha uma ideia impulso nervoso “morre” e não é passado
da velocidade de condução do impulso nervoso, adiante. Por fim, quando o impulso nervo-
transforme esse dado: multiplique 200m/s por so chega ao terminal axonal, pode provocar
3,6 e você terá o valor em quilômetros por hora. a liberação de neurotransmissores. Agora,
São exatos 720km/h. Impressionante, não? muda a linguagem de comunicação entre
os neurônios: de elétrica para química, a
É como se fosse aquela onda feita por torce- neurotransmissão.
dores em um estádio de futebol. Uma filei-
ra de pessoas começa e se levanta com os 4 SINAPSES E NEUROTRANSMIS-
braços erguidos, logo a segunda fila também SORES
se levanta, enquanto a primeira já voltou a
sentar-se e, assim, a ola “caminha” através Você já sabe que a linguagem falada pelos
da arquibancada. A transmissão do impul- neurônios é um sinal elétrico, o potencial
73/215 Unidade 3 • Fundamentos de neuroanatomia funcional básica II: Organização e função do tecido nervoso
de ação. Mas o impulso nervoso não pode possuem funções nervosas mais simples e
vencer o espaço existente entre dois neurô- precisam responder rapidamente ao ambi-
nios. Como ocorre, então, a transmissão do ente para poder sobreviver.
impulso nervoso de um neurônio a outro? A sinapse química, ou apenas sinapse, é mais
A resposta está na sinapse (do grego syn- abundante no sistema nervoso adulto e sua
apsis ”conexão”), o local onde dois neurô- estrutura e funcionamento são mais com-
nios fazem contato. Existem dois tipos de plexas. A sinapse é formada por um neurô-
sinapses: elétricas e químicas. As sinapses nio chamado pré-sináptico, por um segun-
elétricas são chamadas de junções comu- do neurônio, o neurônio pós-sináptico e
nicantes. Nelas, a transmissão do impulso pelo espaço entre eles, a fenda sináptica. O
nervoso ocorre de maneira direta entre as impulso nervoso chega ao terminal axonal
células, através de proteínas especiais que do neurônio pré-sináptico. Se for intenso o
as conectam, e por isso é muito mais rápi- suficiente, provoca a liberação dos neuro-
da. São muito abundantes durante o desen- transmissores na fenda sináptica, que se di-
volvimento do tecido nervoso, mas acabam fundem até chegar aos dendritos do neurô-
por se tornar pouco comuns no sistema ner- nio pós-sináptico. Proteínas na membrana
voso humano adulto. No entanto, são mui- (os receptores) do neurônio pós-sináptico
to comuns em animais invertebrados, que reconhecem a molécula de neurotransmis-
74/215 Unidade 3 • Fundamentos de neuroanatomia funcional básica II: Organização e função do tecido nervoso
sor e desencadeiam um novo potencial de inibir a ação do próximo neurônio, “desli-
ação nesse segundo neurônio. Imagine que gando” o potencial de ação) como o GABA
você vive no início do século XX e quer sa- (ácido gama-aminobutírico); alguns são
ber um pouco mais sobre os neurônios que hormônios, como a ocitocina e a vasopressi-
Cajal anda descrevendo, por isso você es- na ou um gás, como o óxido nítrico. Os neu-
creve uma carta para ele. Você transforma rotransmissores têm diferentes funções:
o que gostaria de perguntar a ele em pala- atuam em circuitos ligados a sensação de
vras escritas e envia a carta. Nesse exemplo, prazer e bem-estar, como a dopamina e a
você é um neurônio pré-sináptico. A distân- serotonina e outros estão associados ao
cia entre você e Cajal é a sinapse, a sua per- aumento dos batimentos cardíacos, como
gunta é o impulso nervoso que deve chegar a adrenalina, por exemplo (MOURA-NETO,
ao neurônio pós-sináptico e a carta é o neu- 2008; BEARS; CONNORS; PARADISO, 2002).
rotransmissor.
Há vários tipos de neurotransmissores, pro- 5 CÉLULAS DA GLIA
duzidos por tipos diferentes de neurônios:
A palavra glia vem do grego e significa “cola”.
há os neurotransmissores excitatórios (que
São as células mais numerosas do tecido
estimulam os neurônios), como o glutama-
nervoso e de menor tamanho. Relacionam-
to; neurotransmissores inibitórios (que irão
75/215 Unidade 3 • Fundamentos de neuroanatomia funcional básica II: Organização e função do tecido nervoso
se diretamente com os neurônios, tanto no
sistema nervoso central (SNC) quanto no Para saber mais
sistema nervoso periférico (SNP), exercendo
Os astrócitos participam da barreira hematoen-
diversas funções (MOURA-NETO, 2008). As
cefálica, uma estrutura vascular que seleciona o
principais células da glia são:
que entra e sai do tecido nervoso. Fármacos que
a) Astrócitos: tipo de glia mais numeroso atuam no sistema nervoso devem ser capazes
do sistema nervoso central. São célu- de atravessar a barreira hematoencefálica, o
las com formato de estrela de dois ti- que torna o estudo e síntese dessas substâncias
pos: astrócitos fibrosos (localizados na um desafio.
substância branca) e astrócitos proto-
plasmáticos (presentes na susbtância
cinzenta). De seus prolongamentos Os astrócitos dão sustentação, isolamento
partem expansões conhecidas por e proteção aos neurônios, armazenam gli-
pés astrocitários, que envolvem vasos cose como fonte de energia para uso dos
sanguíneos do tecido nervoso. Assim, neurônios, participam de processos de cica-
formam uma barreira altamente se- trização do tecido nervoso e captam o glu-
letiva que retira do tecido nervoso os tamato da fenda sináptica, que em excesso
íons potássio em excesso e substân- é tóxico aos neurônios.
cias tóxicas aos neurônios.
76/215 Unidade 3 • Fundamentos de neuroanatomia funcional básica II: Organização e função do tecido nervoso
b) Oligodendrócitos e células de Schwann envolvem o axônio e formam
Schwann: são pequenas células cu- mielina, enquanto outras o envolvem
jos prolongamentos que partem do da mesma forma, mas não mielinizam.
corpo celular envolvem os axônios c) Microgliócitos: células capazes de re-
dos neurônios, formando a bainha de alizar fagocitose, ou seja, de englobar
mielina. Cada prolongamento irá for- e digerir partículas e detritos celu-
mar um “internó” de mielina, alterna- lares. São ativadas em reposta a in-
do por regiões de membrana “nuas”, fecções, inflamação, traumas (lesões
sem mielina, os nós de Ranvier. Cada mecânicas do tecido), isquemia (lesão
oligodendrócito pode prover bainha por falta de irrigação sanguínea) etc.
de mielina para 50 axônios ou mais. Realizam a destruição de microorgan-
Já as células de Schwann são equiva- ismos invasores e “limpam” detritos
lentes aos oligodendrócitos no SNP. de células nervosas mortas.
Atuam formando a bainha de mielina
de axônios que formam os nervos per- d) Células ependimárias: conjunto de
iféricos. Cada célula de Schwann é ca- células que reveste as cavidades do
paz de envolver apenas um axônio por SNC e estão envolvidas, principal-
vez. Além disso, algumas células de mente, no transporte de moléculas
entre o líquor e o tecido nervoso.
77/215 Unidade 3 • Fundamentos de neuroanatomia funcional básica II: Organização e função do tecido nervoso
Há ainda um tipo de glia que permanece
indiferenciado, ou seja, com capacidade
de se tornar outros tipos de células: as cé-
lulas-tronco neurais. Ao contrário do que
se pensava, o cérebro adulto ainda possui
a capacidade originar outros neurônios ou
glia em algumas regiões específicas, que
podem migrar e substituir células lesiona-
das (MOURA-NETO, 2008; LENT, 2010).
78/215 Unidade 3 • Fundamentos de neuroanatomia funcional básica II: Organização e função do tecido nervoso
Glossário
Diferença de potencial: grandeza física gerada pela diferença de cargas elétricas entre dois
pontos, permitindo o fluxo de partículas carregadas em um condutor de um ponto a outro, a cor-
rente elétrica.
Células efetuadoras: são células não neuronais que recebem a “ordem” dada pelo sistema ner-
voso para exercer alguma função ou comportamento, como uma célula muscular que se contrai
ou uma célula secretora que libera um hormônio.
Estímulo: qualquer evento que chegue por vias aferentes, na forma de sinal elétrico, captado por
receptores que se comunicam com o meio ambiente ou com o meio interno, como uma imagem,
som, dor, emoção, toque ou uma dor visceral, a distensão da bexiga quando está cheia, o alimen-
to no estômago etc.
79/215 Unidade 3 • Fundamentos de neuroanatomia funcional básica II: Organização e função do tecido nervoso
?
Questão
para
reflexão
80/215
Considerações Finais (1/2)
81/215
Considerações Finais (2/2)
82/215
Referências
BEAR, Mark F.; CONNORS, Barry W.; PARADISO, Michael A. Neurociências: desvendando o siste-
ma nervoso. Porto Alegre: Artmed, 2002.
LENT, Roberto. Cem bilhões de neurônios? Conceitos fundamentais de neurociência. 2. ed. São
Paulo: Atheneu, 2010.
MACHADO, Angelo. Tecido Nervoso. In: MACHADO, Angelo. Neuroanatomia funcional. 2. ed.
Rio de Janeiro: Atheneu, 1998. p. 17-33.
MOURA-NETO, Vivaldo e LENT, Roberto. Como funciona o sistema nervoso. In: LENT, Roberto
(Org.). Neurociência da mente e do comportamento. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2008.
p. 62-88.
83/215 Unidade 3 • Fundamentos de neuroanatomia funcional básica II: Organização e função do tecido nervoso
Assista a suas aulas
84/215
Questão 1
1. Por definição, podemos dizer que o tecido nervoso é:
85/215
Questão 2
2. Os neurônios são divididos em:
86/215
Questão 3
3. As sinapses podem ser dos tipos:
87/215
Questão 4
4. O que são sinapses químicas?
88/215
Questão 5
5. São exemplos de células da glia:
89/215
Gabarito
1. Resposta: B. municantes e as sinapses químicas, chama-
das apenas de sinapses.
Um tecido é formado por células que se
agrupam para exercer determinadas fun- 4. Resposta: B.
ções. O tecido nervoso é constituído por
células excitáveis, capazes de responder a Uma sinapse química é o local de contato en-
estímulos do ambiente ou do próprio orga- tre dois neurônios, onde são liberadas subs-
nismo. tâncias químicas, os neurotransmissores.
2. Resposta: C. 5. Resposta: D.
Os neurônios têm um copo celular, ou soma Dentre os tipos de células da Glia, estão os
neuronal, e prolongamentos de dois tipos, astrócitos, os microgliócitos e os oligon-
os dendritos e axônios. dendrócitos.
3. Resposta: E.
Existem dois tipos de sinapses, as sinapses
elétricas, também chamadas de junções co-
90/215
Unidade 4
Introdução às funções cognitivas e o córtex cerebral
Objetivos
91/215
Introdução
107/215
Referências
Aula 4 - Tema: Introdução às funções cognitivas Aula 4 - Tema: Introdução às funções cognitivas
e o córtex cerebral. Bloco I e o córtex cerebral. Bloco II
Disponível em: <http://fast.player.liquidplatform.com/ Disponível em: <http://fast.player.liquidplatform.com/
pApiv2/embed/dbd3957c747affd3be431606233e0f1d/ pApiv2/embed/dbd3957c747affd3be431606233e0f-
e61829cedf78a7dc8f46116dce557907>. 1d/680e2a8d1ad94de77b65bfe0b2463295>.
110/215
Questão 1
1. Sobre a relação entre processos mentais e estruturas cerebrais, é correto
afirmar:
111/215
Questão 2
2. São funções cognitivas:
112/215
Questão 3
3. Em relação aos dois hemisférios cerebrais (direito e esquerdo), é correto
afirmar:
113/215
Questão 4
4. Sobre a linguagem, assinale a alternativa correta:
114/215
Questão 5
5. O córtex cerebral humano:
115/215
Gabarito
1. Resposta: C. 4. Resposta: B.
116/215
Unidade 5
Bases neurológicas da aprendizagem (neuroplasticidade)
Objetivos
117/215
Introdução
A sobrevivência e sucesso da espécie huma- de? A resposta é parecida com a que explica
na são surpreendentes. O homem é capaz porque o homem pode viver em ambientes
de viver em contextos bastante diversos: tão diferentes, ou seja, as bases neurológi-
em locais muito frios, como o Alaska ou em cas da aprendizagem estão relacionadas à
locais muito quentes, como Mali (África); capacidade do ser humano de adaptar-se,
em elevadas altitudes, como La Paz e abaixo moldar-se às situações.
do nível do mar, como em Amsterdã; em Isso tudo é resultado de um longo processo
regiões desérticas, como em Dubai; e ain- evolutivo no qual as condições extremas e
da em locais alagados, como Veneza. Mas o as instabilidades do ambiente, juntamente
que permitiu ao homem esta variedade de com o desenvolvimento do sistema nervoso
possibilidades? e do cérebro, propiciaram as capacidades
A resposta é: sua capacidade de adaptação. de adaptar-se, flexibilizar-se e de aprender.
A habilidade de moldar-se às necessidades A definição de inteligência da enciclopédia
e de se adaptar as situações adversas foi o Britânica também traz o termo “adaptar”:
que permitiu que habitássemos essa grande “inteligência é a capacidade de se adaptar
variedade de regiões da Terra. efetivamente ao ambiente”, mudando a si
O que exatamente isso tem a ver com o tema mesmo, o ambiente ou mudando-se para
da aula, aprendizagem e neuroplasticida- outro ambiente.
118/215 Unidade 5 • Bases neurológicas da aprendizagem (neuroplasticidade)
1 O QUE É NEUROPLASTICIDADE? da por muitos anos, principalmente se o
evento teve importância significativa para o
Neuroplasticidade consiste na habilidade sujeito. Tanto no exemplo do cérebro lesio-
do sistema nervoso de sofrer alterações de nado como no acontecimento novo temos
suas funções ou estruturas para se adequar a ocorrência de neuroplasticidade (LENT,
às necessidades geradas pelo meio ambi- 2008).
ente. É o que acontece, por exemplo, quan-
do parte do cérebro é lesionado devido a um 2 COMO OCORRE A NEURO-
acidente, podendo ocasionar um redirecio- PLASTICIDADE?
namento de determinadas funções para
partes preservadas do cérebro que antes O desenvolvimento do sistema nervoso ini-
não possuíam tais atribuições. cia-se muito antes do nascimento, na fase
Mas não precisamos nem pensar em algo embrionária, mas continua após o nasci-
tão grave ou complexo. Algo muito simples mento. Nesse período inicial, chamado de
e corriqueiro, como quando nos deparar- período crítico, o sistema nervoso é ima-
mos com algum acontecimento novo, pode turo e o ambiente o influencia fortemente.
ocasionar alterações sinápticas que façam O período crítico é diferente para regiões
com que aquela situação fique memoriza- e sistemas neurais diversos, sendo que al-
Link
A dicotomia sobre inato VS. aprendido é vastamente discutida na literatura científica em estudos de
psicologia e etologia. Disponível em: <https://periodicos.ufsc.br/index.php/revistacfh/article/
view/25381/22302>. Acesso em: 15 dez. 2016.
5 APRENDIZAGEM E NEUROPLASTICIDADE
O sistema nervoso central e seus neurônios são formados através de componentes inatos, ge-
néticos e permitem a formação de organismos bastante complexos – nós, seres humanos – com
aparatos suficientes e capazes de aprender.
Mas qual a relação, afinal, da aprendizagem com a neuroplasticidade? A aprendizagem consiste
em mudanças de comportamentos que são possíveis através de experiências com o meio ex-
terno. É o resultado da relação entre nossas capacidades físicas neurológicas e o meio em que
vivemos.
126/215 Unidade 5 • Bases neurológicas da aprendizagem (neuroplasticidade)
Relembre-se que a neuroplasticidade é a
propriedade do sistema nervoso de se mo-
dificar (função ou estrutura) para se ade-
quar às demandas do meio ambiente, se
adaptar. Temos, assim, que a neuroplastici-
dade é uma das bases para o aprendizado.
É a neuroplasticidade que permite que es-
tabeleçamos novas relações entre os acon-
tecimentos e criemos memórias, ou seja,
aprendamos.
129/215
Considerações Finais
130/215
Referências
SILVA, A. B. Dor é a sensação mais bem documentada. Folha de S.Paulo Ciência, São Paulo, 26
nov. 2000. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/fsp/ciencia/fe2611200004.htm> Aces-
so em: 2 nov. 2016.
SWAMINATHAN, N. Cientistas testemunham a neurogênese. Scientific American Brasil. Dis-
ponível em: <http://www2.uol.com.br/sciam/noticias/cientistas_testemunham_a_neurogenese.
html> Acesso em: 10 nov. 2016.
Aula 5 - Tema: Bases neurológicas da aprendi- Aula 5 - Tema: Bases neurológicas da aprendi-
zagem (neuroplasticidade). Bloco I zagem (neuroplasticidade). Bloco II
Disponível em: <http://fast.player.liquidplatform.com/ Disponível em: <http://fast.player.liquidplatform.com/
pApiv2/embed/dbd3957c747affd3be431606233e0f1d/ pApiv2/embed/dbd3957c747affd3be431606233e0f1d/
38cf006de7a9f1886d6773a4274c40ac>. f02371f7f53789abeb4057cbbd2f6474>.
132/215
Questão 1
1. O que é neuroplasticidade?
133/215
Questão 2
2. Sobre os conceitos de inato e adquirido, podemos afirmar:
134/215
Questão 3
3. Sobre tipos e características da neuroplasticidade, é correto afirmar que:
135/215
Questão 4
4. Período crítico na neuroplasticidade é:
136/215
Questão 5
5. Sobre gêmeos, sabemos que:
137/215
Gabarito
1. Resposta: E. ciência celular, a neurociência sistêmica, a
neurociência comportamental e, por fim, a
Neuroplasticidade é a habilidade do sis- neurociência cognitiva.
tema nervoso de sofrer alterações de suas
funções ou estruturas para se adequar às 4. Resposta: D.
necessidades geradas pelo meio ambiente.
Período crítico é o período dentro do qual
2. Resposta: B. determinada habilidade/capacidade pode
ser adquirida e/ou desenvolvida. O período
Sobre os conceitos de inato e aprendido (ad- crítico varia entre regiões cerebrais (para a
quirido), é correto afirmar que adquirido re- linguagem em humanos vai até a adoles-
fere-se aos conhecimentos aprendidos por cência).
meio de experiências ao longo da vida.
5. Resposta: C.
3. Resposta: A.
Estudos com gêmeos idênticos e fraternos
Vimos que as neurociências podem ser são de grande interesse para a ciência. No
agrupadas em cinco níveis ou grandes dis- caso de gêmeos idênticos criados de modo
ciplinas: a neurociência molecular, a neuro- separado, são de grande ajuda para com-
138/215
Gabarito
preender componentes inatos e aprendidos
do comportamento.
139/215
Unidade 6
Introdução às disfunções neurológicas associadas ao aprendizado
Objetivos
140/215
Introdução
154/215
Referências
Aula 6 - Tema: Introdução às disfunções neuro- Aula 6 - Tema: Introdução às disfunções neuro-
lógicas associadas ao aprendizado. Bloco I lógicas associadas ao aprendizado. Bloco II
Disponível em: <http://fast.player.liquidplatform.com/ Disponível em: <http://fast.player.liquidplatform.com/
pApiv2/embed/dbd3957c747affd3be431606233e0f1d/ pApiv2/embed/dbd3957c747affd3be431606233e0f-
60dcf390816c709f6632213ab98d2a94>. 1d/366841339410c037c2d45ab3cf1c1e4f>.
157/215
Questão 1
1. Sobre o desenvolvimento neurológico nos humanos, é correto afirmar:
a) Os seres humanos, em comparação com os outros mamíferos, nascem preparados para bus-
car a sobrevivência.
b) O período gestacional não possui importância para o desenvolvimento neurológico da crian-
ça, visto que apenas após o nascimento essa será estimulada.
c) O desenvolvimento neurológico inicia-se ainda durante a gestação e continua durante os
primeiros anos da infância.
d) Desenvolvimento neurológico não está associado a transtornos de aprendizagem.
e) O desenvolvimento neurológico humano termina com o nascimento.
158/215
Questão 2
2. É um exemplo de transtorno de aprendizagem:
a) Discalculia
b) Afasia
c) Prosopagnosia
d) Heminegligência
e) Paralisia
159/215
Questão 3
3. Sobre os manuais diagnósticos, é correto afirmar:
160/215
Questão 4
4. Sobre a avaliação de transtornos de aprendizagem:
a) É necessário fazer avaliações por meio de testes que envolvam habilidades matemáticas e de
leitura e exames neurológicos, para comprovar disfunção do sistema nervoso.
b) É caracterizado apenas por dificuldades na escola.
c) Cerca de 40% das crianças no Brasil são diagnosticadas com transtorno de aprendizagem.
d) São passageiras, deixando de existir na fase adulta.
e) Não está relacionada a dificuldades na escola.
161/215
Questão 5
5. A disgrafia:
162/215
Gabarito
1. Resposta: C. 4. Resposta: A.
O desenvolvimento neurológico dos seres Embora crianças com transtorno de apren-
humanos inicia-se na concepção e continua dizagem geralmente apresentem dificulda-
até aproximadamente os 8 anos de idade. des escolares, para fazer o diagnóstico de
transtorno de personalidade é necessário
2. Resposta: A. fazer avaliações por meio de testes que en-
volvam habilidades matemáticas e de leitu-
Discalculia é um exemplo de transtorno de ra e exames neurológicos, para comprovar
aprendizagem. disfunção do sistema nervoso.
3. Resposta: D. 5. Resposta: E.
DSM é um dos principais manuais diagnós- A disgrafia é a falha na aquisição da escri-
ticos para transtornos mentais e sua sigla ta e pode estar relacionada com dificulda-
significa: “Manual Diagnóstico e Estatístico des de formação de frases e caligrafia, entre
de Transtornos Mentais”. outros. Afeta de 3 a 10% da população com
transtornos de aprendizagem.
163/215
Unidade 7
Fisiopatologia das disfunções neurológicas associadas ao aprendizado (neurobiologia do desen-
volvimento, fatores pré, peri e pós-natais)
Objetivos
164/215
Introdução
São diversas as áreas que buscam com- de medidas preventivas sejam tomadas. A
preender o neurodesenvolvimento e suas observação de que crianças com dificul-
relações com a aprendizagem, entre elas a dades escolares já apresentavam em idades
neuropsicologia, a genética e a neuroim- anteriores à fase escolar comportamentos
agem. Para que a aprendizagem ocorra, é anormais e comprometimentos cognitivos,
necessário que haja formação de funções motores e de linguagem salientam a im-
que possibilitem a consolidação do conhec- portância dessas observações como modo
imento. Isso ocorre através da interação en- preventivo de danos maiores na aprendiza-
tre aspectos genéticos e ambientais e, para gem.
se dar de modo correto, é preciso que esses
fatores estejam em condições favoráveis, Entre os diversos sinais e sintomas, desta-
com o adequado desenvolvimento do siste- cam-se os elementos de ordem neurobi-
ma nervoso central e a adequada estimu- ológica que devem servir como alerta para
lação ambiental. tal investigação. Entre eles, estão o históri-
co familiar, ou seja, investigar se parentes
A identificação precoce de dificuldades de “de sangue” próximos, como pais e irmão,
aprendizagem, baixo rendimento escolar já foram diagnosticados com transtornos
e de transtornos de aprendizagem é muito de aprendizagem, doenças psiquiátricas e
importante, pois possibilita que uma série de dificuldade de aprendizado. Isso porque
165/215 Unidade 7 • Fisiopatologia das disfunções neurológicas associadas ao aprendizado (neurobiologia do desenvolvimento,
fatores pré, peri e pós-natais)
essas doenças e características possuem problemas de equilíbrio são alguns outros
componentes biológicos genéticos, que po- eventos que devem ser observados ao longo
dem ser passados de pais para filhos. do desenvolvimento infantil. No presente
Outros elementos a serem investigados in- texto, você estudará de forma introdutória
cluem patologias que possam ter ocorrido a fascinante fisiopatologia das disfunções
durante a gravidez (hipertensão arterial, neurológicas durante o desenvolvimento,
uso de drogas incluindo o álcool, ameaças em especial as que estão associadas às di-
de aborto), bem como o parto propriamente ficuldades de aprendizagem (RODRIGUES et
dito, inquirindo aos pais, quando possível, al., 2014).
se a criança em questão nasceu de parto
normal ou cesariana, se nasceu a termo, se
estava com o peso abaixo do esperado etc.
Link
A avaliação de patologias deve incluir ainda MESQUITA, M.A. Efeitos do álcool no recém-nasci-
a investigação de dimorfismos, alterações do. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/
de pele, de membros e cabeça. Hipotonia, eins/v8n3/pt_1679-4508-eins-8-3-0368.
atrasos motores, dificuldades de aquisição pdf>. Acesso em: 25 nov. 2016.
de linguagem, ocorrência de crises febris,
infecções, epilepsias, tiques, tremores e
166/215 Unidade 7 • Fisiopatologia das disfunções neurológicas associadas ao aprendizado (neurobiologia do desenvolvimento,
fatores pré, peri e pós-natais)
1 O DESENVOLVIMENTO NEU- tos neuropsicológicos, que envolvem as di-
ROLÓGICO E SUAS FUNÇÕES versas habilidades cognitivas e regulação
emocional e, por sua vez, podem ser avalia-
São muitos os elementos envolvidos no neu- dos por diagnósticos clínico-pedagógicos
rodesenvolvimento, incluindo fenômenos que avaliam, entre outras coisas, a aprendi-
genéticos e ambientais que influenciam na zagem.
formação de neurônios e do sistema ner-
voso em geral. Para compreender o estado
patológico, isto é, quando “algo dá errado” Para saber mais
é fundamental primeiramente saber como é Estudos multicêntricos internacionais têm obti-
o funcionamento adequado das estruturas do informações e agrupado dados genéticos que
em questão. Assim, para compreender as incluem conteúdos sobre mutações, alelos predi-
consequências das “falhas” do sistema ner- tores de doenças, influência de fatores ambien-
voso relacionadas ao aprendizado é preciso tais para a expressão desses genes, entre outros
primeiramente conhecer as etapas normais aspectos genéticos. Esses bancos de dados ge-
do desenvolvimento neurológico humano. néticos são chamados de GWAS (Genomic-Wide
A genética contribui para a formação do Association Study”).
cérebro, pré-requisito para os construc-
167/215 Unidade 7 • Fisiopatologia das disfunções neurológicas associadas ao aprendizado (neurobiologia do desenvolvimento,
fatores pré, peri e pós-natais)
2 FATORES GENÉTICOS DESEN- dos pais. Condições como distúrbios
CADEADORES DE DISTÚRBIOS psiquiátricos, deficiência intelectual,
NEUROLÓGICOS autismo e transtornos de aprendiza-
gem sofrem influências genéticas e
Os fatores desencadeadores de distúrbios investigar a ocorrência destas entre
neurológicos são cinco, sendo (RODRIGUES familiares próximos é um importante
et al,, 2014): passo para fazer o diagnóstico.
1) Fatores genéticos: entre os ditos mais 2) Fatores epigenéticos: consistem em
populares, está o “filho de peixe, pei- mecanismos de regulação do DNA.
xinho é”. São as características gené- Costumam ser mais estáveis do que
ticas que estão atrás dessa expressão os componentes genéticos. Essas al-
e que fazem com que sejamos pare- terações podem ocorrer em doenças
cidos com nossos pais, mas não ape- autoimunes, síndromes e distúrbios
nas características físicas. Aspectos psiquiátricos, como o autismo.
cognitivos e afetivos também pos-
suem componentes biológicos. São
várias reações bioquímicas que são
governadas por nosso DNA, herdado
168/215 Unidade 7 • Fisiopatologia das disfunções neurológicas associadas ao aprendizado (neurobiologia do desenvolvimento,
fatores pré, peri e pós-natais)
versos transtornos e déficits, inclu-
Para saber mais sive de aprendizagem. Esse período
é fundamental para a formação do
O autismo é um distúrbio com diferentes níveis de
sistema nervoso e o uso de drogas (lí-
comprometimento e, por isso, recebe a denomi-
citas, como cigarro e tabaco ou ilíci-
nação de “espectro”, variando desde formas mais
tas, como crack, maconha e cocaína)
brandas as mais severas. Em geral, pessoas com
pode levar a alterações biológicas e/
espectro autista apresentam dificuldades de in-
ou comportamentais ou mesmo in-
teração social com outros humanos, dificuldades
viabilizar o feto.
na comunicação devido à ecolalia (fala repetida)
ou ausência de fala e aspectos comportamentais, 4) Fatores perinatais: o parto é um mo-
com ações e movimentos estereotipados e repeti- mento delicado tanto para a mãe
tivos, além de intolerância a mudanças na rotina. quanto para a criança que nasce. Em-
Embora se saiba da importância do componente bora os bebês humanos a termo não
genético, a forma como isto se dá ainda é incerta. nasçam com o desenvolvimento neu-
rológico e motor finalizado, a prema-
3) Fatores pré-natais: durante a gravi- turidade pode trazer sérios riscos ao
dez são muitos os fatores q ue po- bebê, pois seu desenvolvimento deve
dem influenciar na ocorrência de di- ser suficiente para enfrentar as intem-
169/215 Unidade 7 • Fisiopatologia das disfunções neurológicas associadas ao aprendizado (neurobiologia do desenvolvimento,
fatores pré, peri e pós-natais)
péries do mundo fora do útero, como
a respiração, a capacidade de sucção
para mamar, circulação, etc. Entre os
fatores a serem analisados além da
prematuridade, estão o peso do bebê
Link
ao nascer, a ocorrência de crises epilé- Para compreender melhor o neurodesenvol-
ticas, anóxia perinatal, hipoglicemia vimento de bebês filhos de mães adolescen-
e abstinência de drogas (bebês filhos tes. BARROS, M.C.M et al. Neurocomporta-
de mães usuárias de drogas podem mento de recém-nascidos a termo, pequenos
ter diversos problemas de formação e para idade gestacional, filhos de mães ado-
de neurodesenvolvimento, incluindo lescentes. Disponível em: <http://www.scie-
a inviabilidade do feto e a prematuri- lo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pi-
dade). d=S0021-75572008000300006>. Acesso em:
20 nov. 2016.
170/215 Unidade 7 • Fisiopatologia das disfunções neurológicas associadas ao aprendizado (neurobiologia do desenvolvimento,
fatores pré, peri e pós-natais)
comprometer o neurodesenvolvimen-
Para saber mais to e, por conseguinte, a aprendiza-
gem. Mas não são apenas componen-
Entre as diversas drogas existentes, o álcool é uma
tes biológicos que estão relacionados
droga legal que, quando usado durante a gravidez
à fase pós-natal. Como já foi dito an-
pela mãe, pode levar ao espectro de desordens fe-
teriormente, os bebês humanos são
tais alcoólicas, causando alterações físicas, men-
frágeis e muito dependentes de adul-
tais, comportamentais e de aprendizado no feto.
tos e, neste período inicial da vida em
O cigarro, outra droga lícita, pode aumentar em
que a criança é mais vulnerável, aci-
até 40% os riscos de problemas de desenvolvi-
dentes podem acarretar em sequelas
mento da criança. Assim, os efeitos deletérios das
neurológicas que também podem
drogas lícitas são bastante consideráveis e não
trazer prejuízo para as funções cogni-
podem ser menosprezados (MESQUITA, 2016).
tivas e o aprendizado.
5) Fatores pós-natais: os primeiros anos Após o nascimento, todo o desenvolvimento
da infância são fundamentais para o da criança deve ser acompanhado de perto
desenvolvimento perfeito do cérebro pelos cuidadores e por profissionais compe-
e de suas capacidades. Infecções, in- tentes. O desenvolvimento neuropsicomo-
flamações e diversas doenças podem tor é de especial interesse no que tange à
171/215 Unidade 7 • Fisiopatologia das disfunções neurológicas associadas ao aprendizado (neurobiologia do desenvolvimento,
fatores pré, peri e pós-natais)
aprendizagem. Atrasos no desenvolvimen- criança e aspectos motores e comporta-
to neurológico são comumente associados mentais dela estão incluídos na lista de fa-
a doenças pediátricas, psiquiátricas e difi- tores a serem considerados. Devido a algu-
culdades de aprendizagem acadêmica. Es- mas características similares, como o mau
sas afecções podem ser causadas tanto por desempenho escolar, transtornos de apren-
doença neurológica como ser desencadead- dizagem são comumente confundidos com
as por maus tratos e/ou por condições insu- transtorno de déficit de atenção e hipera-
ficientes de atendimento às demandas e ne- tividade (TDAH), transtornos do espectro
cessidades da criança, incluindo condições autista, distúrbio específico de linguagem,
físicas e psicológicas (RODRIGUES et al., deficiência intelectual, entre outros. O di-
2014). agnóstico diferencial entre transtorno de
Mas como avaliar o desenvolvimento psico- aprendizagem e outras comorbidades é im-
motor? Algumas escalas ajudam os profis- portante para que sejam tomadas medidas
sionais da saúde a verificarem se o desen- que permitam o melhor tratamento possível
volvimento neuropsicomotor da criança em (RODRIGUES et al., 2014).
questão está dentro do esperado para sua Todavia, cuidado, é de suma importância
faixa etária. Avaliação clínica de linguagem, observar esses aspectos, mas também é im-
observação de relacionamentos sociais da portante lembrar que algumas diferenças
172/215 Unidade 7 • Fisiopatologia das disfunções neurológicas associadas ao aprendizado (neurobiologia do desenvolvimento,
fatores pré, peri e pós-natais)
entre indivíduos são esperadas e que pode trole inibitório), juntamente com memória
refletir apenas especificidades e particulari- operacional (de curto prazo), atenção, lin-
dades e não déficits ou transtornos. Apenas guagem, coordenação psicomotora, veloci-
uma avaliação cuidadosa e completa real- dade de deslocamento, ritmo, percepção
izada por profissionais habilitados poderá temporal e espacial. O desenvolvimento in-
confirmar suspeitas e avaliar o grau de com- adequado dessas funções, principalmente
plexidade dos problemas enfrentados pela entre os primeiros cinco anos de vida, pode
criança. ser indicativo de doenças ou problemas
neurológicos (KANDEL et al., 2005).
3 CONDIÇÕES ASSOCIADAS DE Há vários fatores e condições que au-
RISCO NEUROLÓGICO mentam a probabilidade de alterações do
desenvolvimento neurológico ocorrerem e
As habilidades neuropsicomotoras en-
que estão associados a prejuízos escolares.
volvem diversos elementos que são essen-
Entre as principais condições associadas de
ciais para um rendimento escolar adequado.
risco, estão: transtornos do espectro autis-
Entre elas, estão as funções executivas (que
ta, deficiência intelectual, TDAH e deficiên-
englobam capacidades de planejamento,
cia intelectual e serão apresentadas a seguir
análises de risco e tomada de decisões e con-
(RODRIGUES et al., 2014):
173/215 Unidade 7 • Fisiopatologia das disfunções neurológicas associadas ao aprendizado (neurobiologia do desenvolvimento,
fatores pré, peri e pós-natais)
1) Síndromes genéticas: essas doenças auxiliar no atraso do desenvolvimen-
podem ser bastante heterogêneas e to, na prevenção de piora do quadro,
de gravidade variável. Têm como ori- no planejamento familiar e prepa-
gem anomalias no genoma, podendo ração da sociedade (escola e família)
ser de origem cromossômica (o ser hu- para a melhor adequação do indivíduo
mano possui 46 cromossomos dividi- com síndrome genética e dos demais
dos em 23 pares) ou de microdeleções ao seu redor. Entre os exemplos de
(pequenos “defeitos”). Diversos tipos síndrome genética, estão a síndrome
de alterações de neurodesenvolvi- de Turner, quando o indivíduo apre-
mento, a depender do tipo e grav- senta apenas um cromossomo X, com
idade das falhas genéticas, podem menos material genético do que o nor-
ocorrer. Em relação à aprendizagem e mal; e Síndrome de Down, caracteri-
vida escolar, esses indivíduos podem zada por três cromossomos de núme-
apresentar desde disfunções leves até ro 21 e atrasos e dificuldades cogni-
deficiências intelectuais graves. Como tivas em diferentes níveis. O autismo
já salientado, apenas a identificação é uma doença que, apesar de possuir
precoce e a tomada de medidas ade- um forte componente genético, ainda
quadas para minimizar e, quando pos- tem sua origem desconhecida.
sível, solucionar o problema podem
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fatores pré, peri e pós-natais)
2) Transtorno de déficit de atenção e evidências do crescimento indevido
hiperatividade: o TDAH é um distúr- do diagnóstico de TDAH, pois muitas
bio do desenvolvimento que como crianças têm seus comportamentos
características principais, como o compatíveis, como brincadeiras e in-
próprio nome indica, incluem défic- quietudes característicos da idade,
it de atenção e comportamento hip- interpretados como indícios de TDAH.
erativo, além da impulsividade. Ess- Novamente, apenas profissionais
es comportamentos e características competentes poderão fazer o diag-
geralmente aparecem antes dos 12 nóstico diferencial.
anos de vida e são persistentes na 3) Deficiência intelectual: indivíduos
adolescência para a maioria dos afe- que apresentam deficiência intelec-
tados por esse transtorno. Os sinais tual são caracterizados pelos pre-
neurológicos precoces incluem atra- juízos significativamente abaixo da
so motor, de fala, agitação e inqui- média para tarefas intelectuais e so-
etação extremos e diferentes das de- ciais, levando-as a apresentar não
mais crianças de mesma faixa etária apenas prejuízos escolares, mas tam-
e educacional, além de dificuldades bém desenvolvimento social e afe-
de funções executivas no geral. Há tivo prejudicados e empobrecidos.
175/215 Unidade 7 • Fisiopatologia das disfunções neurológicas associadas ao aprendizado (neurobiologia do desenvolvimento,
fatores pré, peri e pós-natais)
Os primeiros sinais costumam estar
presentes nos primeiros três anos de
vida e incluem: pouca iniciativa, inter-
ação pobre com o ambiente e com as
outras pessoas, atraso no desenvolvi-
mento da postura e motor, déficit na Link
compreensão e na utilização adequa- AMARAL, A.C.T et al., Avaliações das habili-
da de símbolos, entre outros. dades cognitivas, da cognição e neuromoto-
ras das crianças com risco de alterações do de-
senvolvimento. Disponível em: <http://www.
scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pi-
d=S1413-65382005000200003>. Acesso em:
19 dez. 2016.
176/215 Unidade 7 • Fisiopatologia das disfunções neurológicas associadas ao aprendizado (neurobiologia do desenvolvimento,
fatores pré, peri e pós-natais)
Glossário
Dimorfismos: termo utilizado na biologia para fazer referência a existência de dois aspectos ou
condições diferentes. O dimorfismo sexual, por exemplo, é caracterizado pelas características de
fisionomia presentes em homens ou em mulheres.
Genoma: toda a informação genética hereditária de um indivíduo, presente na sequência de seu
DNA.
Anóxia perinatal: caracterizado pela ausência ou insuficiência de oxigênio durante o trabalho de
parto e/ou parto. Está relacionada com diversas condições associadas à dificuldade escolar e de
aprendizagem, como autismo, dislexia e discalculia.
177/215 Unidade 7 • Fisiopatologia das disfunções neurológicas associadas ao aprendizado (neurobiologia do desenvolvimento,
fatores pré, peri e pós-natais)
?
Questão
para
reflexão
179/215
Referências
AMARAL, A. C. T.; TABAQUIM, M. L. M.; LAMONICA, D. A. C. Avaliação das habilidades cognitivas,
da comunicação e neuromotoras de crianças com risco de alterações do desenvolvimento. Rev.
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br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413-65382005000200003&lng=en&nrm=iso>. Acesso
em: 19 dez. 2016.
BARROS, M. C. M. et al. Neurocomportamento de recém-nascidos a termo, pequenos para a
idade gestacional, filhos de mães adolescentes. J. Pediatr. (Rio J.), Porto Alegre, v. 84, n. 3, p.
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BEAR, M. F.; CONNORS, B. W.; PARADISO, M. A. Neurociências: desvendando o sistema nervoso.
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KANDEL, E. R.; SCHWARTZ, J. H.; JESSELL, T. M. Fundamentos da Neurociência e do Comporta-
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MESQUITA, Maria dos Anjos. Efeitos do álcool no recém-nascido. Einstein (São Paulo), São Pau-
lo, v. 8, n. 3, p. 368-375, sept. 2010. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=s-
ci_arttext&pid=S1679-45082010000300368&lng=en&nrm=iso>. Acesso em: 19 dez. 2016.
RODRIGUES, S. D.; AZONI, C. A. S., CIASCA, S. M. Transtornos do Desenvolvimento: da identifi-
cação precoce às estratégias de intervenção. São Paulo: Book Toy, 2014.
180/215 Unidade 7 • Fisiopatologia das disfunções neurológicas associadas ao aprendizado (neurobiologia do desenvolvimento,
fatores pré, peri e pós-natais)
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Aula 7 - Tema: Fisiopatologia das disfunções Aula 7 - Tema: Fisiopatologia das disfunções
neurológicas associadas ao aprendizado. Bloco neurológicas associadas ao aprendizado. Bloco
I II
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9cd6d6abb934c5ac153d11d7b7a2d861>. 1d/45ea87636dde2a4b2de9fa42607d42bb>.
181/215
Questão 1
1. Sobre os fatores desencadeadores de distúrbios neurológicos:
182/215
Questão 2
2. De acordo com a leitura fundamental, é correto afirmar que:
a) o álcool e o cigarro não trazem prejuízos para o feto, pois são drogas lícitas. Apenas drogas
ilícitas podem ocasionar prejuízos no neurodesenvolvimento;
b) algumas escalas ajudam os profissionais da saúde a verificarem se o desenvolvimento neu-
ropsicomotor da criança em questão está acima do esperado para sua faixa etária;
c) entre as principais condições associadas de risco neurológico para prejuízos escolares, es-
tão: transtornos do espectro autista, deficiência intelectual, TDAH e deficiência intelectual;
d) alterações do desenvolvimento neurológico não estão associadas a prejuízos escolares, pois
o desempenho escolar depende da determinação do aluno em aprender;
e) a maioria das crianças com TDAH tem o desaparecimento dos sintomas logo no início da
adolescência.
183/215
Questão 3
3. Sobre indivíduos que apresentam deficiência intelectual, podemos afirmar:
184/215
Questão 4
4. Sobre as síndromes genéticas:
185/215
Questão 5
5. A respeito do neurodesenvolvimento:
a) O parto é um momento menos crítico e não deve ser encarado com preocupação quando
cuidados pré-natais foram feitos.
b) São diversas as áreas que buscam compreender o neurodesenvolvimento e suas relações
com a aprendizagem.
c) A identificação precoce de dificuldades de aprendizagem e de transtornos de aprendizagem
deve ser evitada, pois apenas traz mais ansiedade para os pais, visto que nada pode ser feito
para minimizar os danos.
d) Habilidades neuropsicomotoras estão relacionadas apenas aos movimentos e não estão re-
lacionadas com a aprendizagem
e) O uso de drogas é inócuo durante a gravidez, podendo trazer prejuízos apenas se a mãe
apresentar dificuldades devido ao uso das drogas para cuidar do bebê após o nascimento.
186/215
Gabarito
1. Resposta: A. dades no âmbito das funções cognitivas e
intelectuais, mas também desenvolvimen-
Os fatores desencadeadores de distúrbios to social e afetivo prejudicados e empo-
neurológicos são 5, incluindo fatores gené- brecidos.
ticos, epigenéticos, pré-natais, perinatais e
pós-natais. 4. Resposta: E.
2. Resposta: C. As síndromes genéticas têm como origem
anomalias no genoma, podendo ser de duas
A única alternativa correta é a C: entre as origens: cromossômica ou de microdele-
principais condições associadas de risco ções.
neurológico para prejuízos escolares, estão:
transtornos do espectro autista, deficiência 5. Resposta: B.
intelectual, TDAH e deficiência intelectual.
São diversas as áreas que buscam compre-
3. Resposta: D. ender o neurodesenvolvimento e suas re-
lações com a aprendizagem, entre elas a
Indivíduos que apresentam deficiência in- neuropsicologia, a neurologia, a genética e
telectual apresentam não apenas dificul- a neuroimagem.
187/215
Unidade 8
Neuroeducação: a neurociência explicando e otimizando o aprendizado
Objetivos
1. Conceituar neuroeducação.
2. Pontuar conceitos sobre aprendizado
do ponto de vista neurológicos.
3. Revisar contribuições da pesquisa
neurocientífica para o aprendizado.
188/215
Introdução
202/215
Considerações Finais
• A neuroeducação é uma área interdisciplinar que busca agregar conheci-
mento de várias áreas para compreender e melhorar o aprendizado;
• a neurociência contribui para a compreensão do processo de aprendizagem
no cérebro e que fatores o influenciam;
• pesquisas mostram que exercício físico, música, meditação e outras ferra-
mentas podem auxiliar o aprendizado;
• a neuroeducação pode se beneficiar da utilização do conhecimento produ-
zido na área como conteúdo educativo.
203/215
Referências
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207/215
Questão 1
1. Podemos conceituar neuroeducação como:
208/215
Questão 2
2. Sobre aprendizagem, é correto afirmar:
209/215
Questão 3
3. Assinale, dentre as afirmações, a seguir, a opção correta:
a) A ciência provou que o exercício físico não exerce efeitos sobre o aprendizado.
b) Apenas exercícios intensos exerceriam efeito sobre o cérebro.
c) O exercício físico é benéfico para o aprendizado, mas apenas a longo prazo.
d) O exercício físico é capaz de induzir mudanças neurobiológicas que favorecem o aprendiza-
do.
e) Apenas tarefas como leitura e escrita são suficientes para o aprendizado.
210/215
Questão 4
4. Segundo os resultados de pesquisas científicas, a melhora do aprendi-
zado com o exercício, jogos e meditação é resultado de:
a) diminuição da concentração;
b) melhora da concentração e raciocínio;
c) aumento da agressividade;
d) diminuição da concentração e raciocínio;
e) diminuição das habilidades sociais.
211/215
Questão 5
5. As neurociências também podem atuar junto à neuroeducação para:
212/215
Gabarito
1. Resposta: B. 3. Resposta: D.
A neuroeducação é uma área interdisci- O exercício físico é capaz de induzir mudan-
plinar, que recebe contribuições de áreas ças neurobiológicas favoráveis ao aprendi-
como a psicologia e a pedagogia para ex- zado e melhora a capacidade de concentra-
plicar seus fenômenos e que vem se bene- ção e raciocínio. O treino cognitivo é muito
ficiando das neurociências para encontrar importante, mas estudos mostram que sem
as bases neurológicas de questões como o exercício não é o bastante.
aprendizado.
4. Resposta: B.
2. Resposta: E.
São mecanismos apontados pelas pesqui-
Aprendizagem é a capacidade de modular e sas como favoráveis para a aprendizagem o
modificar comportamentos com base na ex- aumento da capacidade de concentração e
periência e para acontecer precisa de outros raciocínio, melhora da atenção e memori-
processos mentais, como memória, atenção zação.
e motivação.
213/215
Gabarito
5. Resposta: C.
214/215