AULA
Linguística: ciência no século XX
Silvia Maria de Sousa
Vanise Medeiros
Meta da aula
Localizar os estudos linguísticos em relação à
gramática, à filologia e à gramática comparada.
objetivos
Pré-requisito
Para aproveitar melhor esta aula, é recomendado
que você leia o capítulo “Visão geral da história
da Linguística”, de Ferdinand de Saussure (SAUS-
SURE, [20--?.], p. 7-12).
Linguística I | Linguística: ciência no século XX
Nina Briski
Fonte: http://www.sxc.hu/pic/m/n/ni/ninci/876606_lab_work.jpg
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samos rever brevemente o legado que antecede o século XX para entender
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a constituição da Linguística como ciência. Para isso, precisamos diferenciar
a Linguística de outros tipos de estudos da linguagem desenvolvidos pela
gramática e pela filologia. É o que faremos nesta aula!Se a Linguística é con-
siderada ciência no século XX, a palavra, contudo, surge no século anterior.
Veja a observação de Kristeva:
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O capítulo de Saussure e os trechos reescritos anteriores trazem
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várias informações. Mas, por ora, o mais importante é reter as tais três
fases relativas aos estudos da linguagem, a saber:
a) estudos gramaticais;
b) estudos filológicos;
c) gramática comparada.
Agora, vamos nos debruçar sobre cada uma dessas divisões visan-
do a apreender suas especificidades, a crítica de Saussure aos estudos que
o antecederam e o caminho que este mestre vai abrindo na constituição
dos estudos linguísticos no século XX.
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Boa é a gramática que, numa mistura de
Jaycy Castañeda
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simplicidade e erudição, expõe um raciocínio
simples e termos chãos o que de melhor existe
no terreno de nosso idioma, que o apresenta
ao aluno como diamante despojado de casca-
lhos e impurezas, já lapidado, pronto já para
usado, que se abstém, quanto possível, de
informações históricas, hipóteses e configu-
rações; a tais dados deve recorrer o suficiente
para que o aluno perceba a razão de ser do Fonte: http://www.
estado atual de nosso idioma (ALMEIDA, sxc.hu/pic/m/j/jc/
1955, p. 11). jc_2086/1134742_gems.
jpg
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Grant Scollay
Fonte: http://www.sxc.hu/pic/m/g/gr/grantr/1054206_footprints_
and_photographs.jpg
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Essa é uma expressão bem-formada em português, e qualquer
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pessoa pode ver isto. Mas esse reconhecimento de que se trata
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de uma expressão bem-formada requer o conhecimento de uma
ordenação estrita dos elementos que formam a expressão. Tanto é
assim que sabemos que qualquer das expressões abaixo é malfor-
mada (o asterisco se usa tradicionalmente para marcar expressões
malformadas ou agramaticais):
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Fonte: http://www.sxc.hu/photo/332916
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Assim, o linguista não se interessa por variações que dizem res-
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peito à normatividade e sim à gramaticalidade. Em “a gente fomo ao
shopping”: tal frase é um problema quanto à normatividade, pois fere
a norma padrão da língua, e é tratada com preconceito por muitos.
Porém, para os linguistas, esta frase não é agramatical, já que é possível
e acontece na língua. Porém, a sentença “fomos shopping nós ao” é
inaceitável porque sua ordenação não é possível na língua portuguesa,
ou seja, a sentença apresenta problemas quanto à gramaticalidade. A
questão da gramaticalidade, portanto, não decorre de normas impostas
para um bem falar ou bem escrever.
Agora que você já sabe o que é gramática, gramaticalidade, nor-
matividade, exercite a seguir este seu conhecimento antes de adentrarmos
o terreno da Filologia. Mas, antes disso, leia sobre o nascimento da
gramática no boxe.
Nascimento da gramática
Fonte: http://www.sxc.hu/pic/m/v/va/valsilvae/751398_talking.jpg
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ATIVIDADE
Atende ao Objetivo 1
a) O que vem a ser gramaticalidade? Por que podemos dizer que o trecho
“dormendo e sonhendo” denuncia um desconhecimento das regras implí-
citas da língua portuguesa, isto é, por que é agramatical?
RESPOSTA COMENTADA
a) Gramaticalidade diz respeito a regras comuns da língua, ou seja,
ao modo como a língua se estrutura. Essas regras são conhecidas
implicitamente pelos falantes da língua. Trata-se, portanto, de um saber
implícito, que faz com que o falante diferencie construções de sua língua
de construções que não seguem a gramática (regras) da sua língua.
No fragmento anterior, há vários casos de agramaticalidade; por exem-
plo, para formar o gerúndio na língua portuguesa, há três possibilidades:
-ando, -endo, -indo, respectivamente para verbos com terminação em
-ar, -er e -ir. No fragmento, encontramos a desinência -endo usada para
verbos em -ir (dormir) e -ar (sonhar), o que denuncia a agramaticali-
dade, isto é, as palavras “sonhendo” e “dormendo” não fazem partem
do paradigma da conjugação de verbos da língua portuguesa.
b) No fragmento “O pai dela chegou no quarta ve-la que foi”, temos
vários exemplos de agramaticalidade, como o emprego do gênero:
em lugar de “o quarto”, o aprendiz estrangeiro da língua, por não
ter um conhecimento implícito do gênero em língua portuguesa, usa
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artigo feminino para a palavra quarto, também empregada de forma
agramatical: quarta (numeral) em lugar de quarto (substantivo
indicando parte de uma casa). Uma outra sequência com proble-
mas de agramaticalidade é “O pai dela chegou no quarta ve-la que
foi”. Falta a esta formulação uma preposição – para – indicando a
oração subordinada – “para ver o que foi”. Além disso, o pronome
oblíquo (“a” em “ve-la”) é usado equivocadamente para indicar de
quem era o quarto (no caso, “o quarto dela”). Em outras palavras,
um falante da língua portuguesa não precisa saber que “para” é
uma preposição, mas ele a usa em tais casos da mesma maneira
como não usa o pronome oblíquo em lugar do possessivo (dela).
c) O emprego da palavra “próximo” sem acento (proximo) não
constitui agramaticalidade, mas um problema de normatividade:
falta um sinal gráfico (acento agudo), e a acentuação (bem como
a ortografia) decorre de decisões sobre a língua (o que se deve ou
não acentuar, como acentuar, qual letra deve ser usada em uma
palavra ou em outra). Portanto o emprego correto de uma outra
forma ortográfica, de um ou outro acento, decorre da escolarização,
de conhecimentos explicitados sobre a língua na escola.
Filologia
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Fonte: http://www.sxc.hu/pic/m/m/ma/mattox/1209716_writing.jpg
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Gramática comparada
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A Gramática comparada, seguindo as pegadas de Saussure, consis-
te em um método de estudo no século XIX e tem sua grande contribuição
com a descoberta do sânscrito, uma das línguas clássicas mais antigas da
Índia. Tal descoberta foi importante, mas o grande passo para os estudos
comparativos deve-se a Bopp, isto é, a observação – deveras importante
– de que é possível explicar as formas de uma língua pela outra.
No século XIX, com a descoberta do sânscrito, surge, então, a
hipótese de uma língua comum, chamada de “indo-europeu”, que seria Indo-europeu
uma proto-língua, isto é, uma língua-mãe. Observou-se que um conjunto Segundo Mattoso
Câmara, o indo-
de línguas distantes entre si no tempo e no espaço, como o grego, o latim europeu foi “uma
língua
e o alemão, por exemplo, possuíam, contudo, características em comum.
pré-histórica, fala-
Daí a concepção de que haveria parentesco entre elas e um ancestral da há uns três mil
anos antes de Cristo
comum. Tratou-se, agora, de compará-las em busca das semelhanças e (3000 a.C.), numa
região incerta da
de organizá-las em famílias linguísticas. O século XIX foi, pois, marcado Europa Oriental. Daí
pela comparação das línguas. se espalhou, mercê
principalmente de
movimentos migra-
tórios por parte da
Ásia e uma grande
parte da Europa,
constituindo amplos
grupos dialetais
(...)” (CÂMARA
JUNIOR, 1984, p.
145-146).
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do conhecimento, no mesmo nível dos seres vivos. Conhecer a
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língua, chegar tão perto quanto possível do conhecimento em si,
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é simplesmente aplicar os métodos de compreensão em geral a um
domínio particular da objetividade (FOUCAULT, 1975, p. 52).
ATIVIDADE
Atende ao Objetivo 2
b) Que tipo de estudo da linguagem foi feito no século XIX? Deixe claro
em sua resposta a relevância deste tipo de estudo.
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Linguística I | Linguística: ciência no século XX
RESPOSTA COMENTADA
a) O que se observa é uma correspondência regular no início das
palavras: o “p” latino se mantém como tal em português, mas se
transforma em “f” na língua inglesa; o “d” latino se mantém como
tal em português, mas se transforma em “t” na língua inglesa.
b) No século XIX, por conseguinte, fez-se um tipo de estudo denomi-
nado comparativismo: comparavam-se as línguas, dando relevo aos
parentescos entre elas, em busca de uma língua-mãe. Tal método
foi relevante para a compreensão de que seria possível entender
uma língua por meio de outra.
CONCLUSÃO
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que não apenas todas as grandes línguas literárias da Europa
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tinham se originado sob a forma de dialetos falados, mas que tam-
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bém sua origem e seu desenvolvimento só poderiam ser explicados
em termos de princípios que determinam a aquisição e o uso da
língua falada correspondente (LYONS, p. 171).
ATIVIDADE FINAL
Atende aos Objetivos 1 e 2
RESPOSTA COMENTADA
a) Diferentemente da gramática, que busca o bem escrever e, para isso, assume
uma postura normativista em relação ao uso da língua, o linguista se ocupa da
língua para compreendê-la e explicá-la sem, contudo, fazer, como já vimos na Aula
1, prescrições. Já a questão da gramaticalidade refere-se à organização da língua
independentemente de juízo de valor. A gramaticalidade rege os enunciados possíveis
em uma língua, o que constitui interesse do linguista.
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Linguística I | Linguística: ciência no século XX
b) A crítica saussuriana aos estudos filológicos se deve, entre outros fatores, ao fato
de eles se aterem ao texto escrito, a fim de perscrutar sentidos arcaicos e estabele-
cerem a forma primeva do texto. Saussure, na contramão destes estudos, adverte
a primazia da língua oral sobre a escrita.
RESUMO
De tudo o que lemos nesta aula, podemos agora, à guisa de resumo, destacar os
seguintes aspectos centrais dos estudos da linguagem. Estes passaram, consoante
o Curso de Linguística Geral, por três fases de estudo:
(a) Gramática: inaugurada pelos gregos, trata-se de uma disciplina normativa que
visa à formulação de regras que instituem um bem falar e escrever.
(b) Filologia: debruça-se sobre textos escritos, em geral arcaicos, para decifrá-los
e explicá-los.
(c) Gramática comparada: com a descoberta do sistema de conjugação do sânscrito
(BOPP, 1816), observou-se que as línguas podiam ser comparadas entre si.
Nesta aula, você aprendeu ainda que a Linguística desconsidera a abordagem
normativa dos estudos da linguagem, substitui a questão da normatividade pela
da gramaticalidade (regras implícitas do funcionamento da língua). Por fim, a
Linguística, diferentemente da Filologia, considera em seu estudo a língua falada.
Conforme Saussure, estas três fases antes apontadas abriram campo fecundo para
a investigação da linguagem, mas, por outro lado, não se preocuparam em deter-
minar a natureza do seu objeto de estudo, como arduamente buscou o projeto
saussuriano de uma ciência da linguagem.
Para a próxima aula, vamos estudar ainda o capítulo “Visão geral da história da
Linguística”, de Ferdinand de Saussure (Curso de Linguística Geral. São Paulo:
Cultrix, p. 7-12), o trabalho dos neogramáticos a fim de compreender seu lugar
no advento da Linguística. Que tal agora que chegou ao final desta aula reler
este importante capítulo?
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