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AULA
Linguística: ciência no século XX
Silvia Maria de Sousa
Vanise Medeiros

Meta da aula
Localizar os estudos linguísticos em relação à
gramática, à filologia e à gramática comparada.
objetivos

Esperamos que, ao final desta aula, você seja


capaz de:
1. diferenciar estudos gramaticais e filológicos de
estudos linguísticos;
2. compreender a relevância dos estudos da
linguagem no século XIX, a saber, da gramática
comparada, para a emergência do objeto da
Linguística.

Pré-requisito
Para aproveitar melhor esta aula, é recomendado
que você leia o capítulo “Visão geral da história
da Linguística”, de Ferdinand de Saussure (SAUS-
SURE, [20--?.], p. 7-12).
Linguística I | Linguística: ciência no século XX

Nina Briski
Fonte: http://www.sxc.hu/pic/m/n/ni/ninci/876606_lab_work.jpg

INTRODUÇÃO Imagine a seguinte cena: um professor de Linguística conta a amigos que


foi agraciado com um prêmio de cientista. Com olhar estupefato, um dos
amigos não resiste e pergunta: “Linguística é ciência?” Pois é, a palavra ciên-
cia evoca com razoável facilidade campos como o da física ou da biologia.
Embora seja já comum em nossa sociedade contemporânea a separação entre
“Ciências Biológicas”, “Ciências Humanas” e “Ciências Sociais”, a palavra
ciência referindo-se a diferentes campos do saber, no senso comum, cola-se
a um universo que não o da linguagem (entre outros), daí o estranhamento
exposto na pergunta acima. Para não nos alongarmos demais nesta reflexão
(aliás, um convite para que você reflita sobre ela), lembramos que, para
instituir-se como ciência, foi necessário à Linguística a delimitação do objeto
a ser investigado e a adoção de um rigor metodológico. É esta dupla que,
ao menos no século XX, configurou o fazer ciência.
O homem sempre se interessou pela linguagem – filósofos, poetas, historia-
dores, oradores, gramáticos, filólogos –; no entanto, a constituição de uma
ciência da linguagem é atribuída a Saussure, com seu livro póstumo Curso
de Linguística Geral (lembra da Aula 3?). Como nada surge do nada, preci-

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samos rever brevemente o legado que antecede o século XX para entender

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AULA 
a constituição da Linguística como ciência. Para isso, precisamos diferenciar
a Linguística de outros tipos de estudos da linguagem desenvolvidos pela
gramática e pela filologia. É o que faremos nesta aula!Se a Linguística é con-
siderada ciência no século XX, a palavra, contudo, surge no século anterior.
Veja a observação de Kristeva:

Nascida no século passado – a palavra linguística é atestada pela


primeira vez em 1833, mas o termo linguista já se encontra em 1816
em Raynouard, in Choix des poésies des troubadours, tomo I, p.1 –,
a ciência da linguagem avança a um ritmo acelerado, e ilumina
sob ângulos sempre novos essa prática que sabemos exercer sem
a conhecermos (KRISTEVA, 1983, p. 14, grifo do autor).

FASES DO ESTUDO DA LINGUAGEM

O capítulo “Visão geral da história da Linguística”, do Curso


de Linguística Geral de Saussure, se abre dizendo: “A ciência que se
constituiu em torno dos fatos da língua passou por três fases sucessivas
antes de reconhecer qual é o seu verdadeiro e único objeto” (SAUSSURE,
[20--?], p. 7).
Os primeiros estudos sobre a linguagem constituíram o que se
chamava de “Gramática”. Acompanhe as palavras de Saussure:

Começou-se por fazer o que se chamava de “Gramática”. Esse


estudo, inaugurado pelos gregos, e continuado principalmente
pelos franceses, é baseado na lógica e está desprovido de qualquer
visão científica e desinteressada da própria língua; visa unicamen-
te a formular regras para distinguir as formas corretas; é uma
disciplina normativa, muito afastada da pura observação e cujo
ponto de vista é forçosamente estreito (SAUSSURE, [20--?, p. 7).

Você se lembra da primeira aula, na qual tratamos do ponto de


vista prescritivo, aquele que busca ditar regras? Esse é o ponto de vista
adotado pelos estudos gramaticais.
Veja a seguir o que propõe a Filologia, a segunda fase pela qual
passaram os estudos sobre a linguagem:

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Linguística I | Linguística: ciência no século XX

A seguir, apareceu a Filologia. Já em Alexandria havia uma


escola “filológica”, mas esse termo se vinculou sobretudo ao
movimento criado por Friedrich August Wolf a partir de 1777 e
que prossegue até nossos dias. A língua não é o único objeto da
Filologia, que quer, antes de tudo, fixar, interpretar, comentar os
textos; este primeiro estudo a leva a se ocupar também da his-
tória literária, dos costumes, das instituições etc.; em toda parte
ela usa seu método próprio, que é a crítica. Se aborda questões
linguísticas, fá-lo sobretudo para comparar textos de diferentes
épocas, determinar a língua peculiar de cada autor, decifrar e
explicar inscrições redigidas numa língua arcaica ou obscura.
Sem dúvida, essas pesquisas prepararam a Linguística histórica
(SAUSSURE, [20--?, p. 7-8).

Além da Filologia, Saussure relata ainda o período denominado


de “Filologia comparada” ou “Gramática comparada”. Acompanhe no
trecho a seguir:

O terceiro período começou quando se descobriu que as línguas


podiam ser comparadas entre si. Tal foi a origem da Filologia
comparativa ou da “Gramática comparada”. Em 1816, numa
obra intitulada Sistema de Conjugação do Sânscrito, Franz Bopp
estudou as relações que unem o sânscrito ao germânico, ao grego,
ao latim etc. Bopp não era o primeiro a assinalar tais afinidades e
a admitir que todas essas línguas pertencem a uma única família;
isso tinha sido feito antes dele, (...) Bopp não tem, pois, o mérito
da descoberta de que o sânscrito é parente de certos idiomas da
Europa e da Ásia, mas foi ele quem compreendeu que as rela-
ções entre línguas afins podiam tornar-se matéria duma ciência
autônoma. Esclarecer uma língua por meio de outra, explicar as
formas duma pelas formas de outra, eis o que não fora ainda feito
(SAUSSURE, [20--?, p. 8).

Franz Bopp foi um linguista alemão e


professor de Filologia e sânscrito. Um
dos principais criadores da gramática
comparada, demonstrou a afinidade
genética que existe entre as línguas
grega, latina, persa e germânica,
deduzindo os princípios gerais de sua
formação. Sua Gramática comparada
das línguas indo-europeias exerceu
Fonte: http://upload. uma profunda influência nos estudos
wikimedia.org/wiki- do século XIX.
pedia/commons/0/05/
Franz_Bopp.jpg

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O capítulo de Saussure e os trechos reescritos anteriores trazem

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AULA 
várias informações. Mas, por ora, o mais importante é reter as tais três
fases relativas aos estudos da linguagem, a saber:
a) estudos gramaticais;
b) estudos filológicos;
c) gramática comparada.
Agora, vamos nos debruçar sobre cada uma dessas divisões visan-
do a apreender suas especificidades, a crítica de Saussure aos estudos que
o antecederam e o caminho que este mestre vai abrindo na constituição
dos estudos linguísticos no século XX.

Gramática, normatividade e gramaticalidade

O termo gramática assume diferentes acepções. Pode indicar, por


exemplo, o livro, o compêndio onde se encontram as regras da lingua-
gem; pode indicar, por outro lado, as regras da língua, o funcionamento
da língua.

No Brasil, são conhecidas


como importantes gra-
máticas, entre outras, a
Moderna gramática portu-
guesa, de Evanildo Becha-
ra e a Nova gramática do
português contemporâ-
neo, de Celso Cunha.
Fonte: http:// Fonte: http://
www.travessa. www.travessa.
com.br/NOVA_ com.br/
GRAMATICA_ MODERNA_
DO_PORTUGUES_ GRAMATICA_
CONTEMPORANEO/ PORTUGUESA/
artigo/6f281dbd- artigo/09ae3f38-
eca4-4a4a-b39a- 8c85-4381-9e56-
c5b0aac2664b 89d694059388

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Linguística I | Linguística: ciência no século XX

O problema dos estudos gramaticais, a que alude Saussure, é que


estas regras, ou este funcionamento, que comparecem nos compêndios
gramaticais, e que resultam dos estudos gramaticais, têm uma longa
tradição – que remonta aos gregos – do bem escrever, do bem dizer. E
o que isto quer dizer? Que estão colados a uma normatividade, ao que
conhecemos hodiernamente como norma culta. Em outras palavras,

A norma, conjunto de regras que se devem respeitar para bem falar


a língua (“bem” aqui se refere a modelos ainda não definidos),
tem como fundamentos, na maioria das vezes, ou a autoridade de
certas pessoas (escritores) ou de certas instituições, ou o bom uso.
Este coincide com a maneira pela qual certos usuários da língua
a empregam em condições dadas (DUBOIS et. al., 1998, p. 90).

Para a Linguística, o que se considera norma culta de uma língua

É, do ponto de vista histórico-geográfico, apenas o falar próprio


de uma região, e do ponto de vista social, é apenas o falar de
um grupo (o dos escritores, políticos etc.), que, “tendo adquirido
certo prestígio”, tornaram-se “o instrumento de administração,
da educação e da literatura” (LOPES, 1995, p. 27-28, Lopes citando
Lyons, 1971, p. 26).

Um determinado falar é, então, eleito como o bem falar, e é ele


que passa a ser descrito e, por conseguinte, prescrito (lembra da primei-
ra aula?) como o correto, como aquele a ser seguido. Tais estudos, em
lugar de se deterem sobre a língua em si, têm como alvo a norma. Esta
é a crítica de Saussure.

A título de curiosidade e para compreender melhor essa tradição gra-


matical que visa ao bem escrever e ao bem falar, leia o trecho a seguir,
do prefácio da Gramática metódica da Língua Portuguesa de Napoleão
Mendes de Almeida (1955):

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Boa é a gramática que, numa mistura de

Jaycy Castañeda

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simplicidade e erudição, expõe um raciocínio
simples e termos chãos o que de melhor existe
no terreno de nosso idioma, que o apresenta
ao aluno como diamante despojado de casca-
lhos e impurezas, já lapidado, pronto já para
usado, que se abstém, quanto possível, de
informações históricas, hipóteses e configu-
rações; a tais dados deve recorrer o suficiente
para que o aluno perceba a razão de ser do Fonte: http://www.
estado atual de nosso idioma (ALMEIDA, sxc.hu/pic/m/j/jc/
1955, p. 11). jc_2086/1134742_gems.
jpg

Uma outra acepção importante de gramática é cara aos estudos


linguísticos. Leia o trecho a seguir, retirado de “Nossa sabedoria grama-
tical oculta” de Mário Perini, para tentar descobri-la:

“Saber gramática”, ou mesmo “saber português”, é geralmente


considerado privilégio de poucos. Raras pessoas se atrevem a dizer
que conhecem a língua. Tendemos a achar, em vez, que falamos
“de qualquer jeito”, sem regras definidas. Dois fatores principais
contribuem para essa convicção tão generalizada: primeiro, o fato
de que falamos com uma facilidade muito grande, de certo modo
sem pensar (pelo menos, sem pensar na forma do que vamos
dizer), e estamos acostumados a associar conhecimento a uma
reflexão consciente, laboriosa e por vezes dolorosa. Segundo, o
ensino escolar nos inculcou, durante longos anos, a ideia de que
não conhecemos a nossa língua (...).

Pretendo trazer aqui boas notícias. Vou sustentar que, apesar


das crenças populares, sabemos, e muito bem, a nossa língua. E
tentarei mostrar que nosso conhecimento da língua é ao mesmo
tempo altamente complexo, incrivelmente exato e extremamente
seguro. Isso se aplica não apenas àqueles que sempre brilharam
nas provas de português, mas também praticamente a qualquer
pessoa que tenha o português como língua materna.

Seria preciso, primeiro, distinguir dois tipos de conhecimento, aos


quais se dão as designações de “implícito” e “explícito”. Vamos
partir de um exemplo: eu sou capaz de andar com razoável efi-
ciência (...). No entanto, não sou capaz de explicar os processos
musculares e nervosos que ocorrem quando ponho em prática
essa minha habilidade tão corriqueira. A fisiologia do andar é
para mim um completo mistério.

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Linguística I | Linguística: ciência no século XX

Grant Scollay
Fonte: http://www.sxc.hu/pic/m/g/gr/grantr/1054206_footprints_
and_photographs.jpg

Pergunta-se, então: tenho ou não conhecimento adequado da habi-


lidade de andar? A resposta é que tenho esse conhecimento em um
sentido importante, ou seja, “sei andar” – tenho o conhecimento
implícito adequado da habilidade de andar. Já meu conhecimento
explícito dessa habilidade é deficiente, pois sou incapaz de expli-
car o que acontece com meu corpo quando estou andando. (...)
Meu andar se submete a regras muito específicas, que poderão
eventualmente ser estudadas por um especialista e, por exemplo,
colocadas no papel na forma de uma descrição detalhada. Mas,
independentemente de haver ou não essa descrição, meu conhe-
cimento (implícito) da habilidade de andar é completo.

Vou mostrar que qualquer falante de português possui um conhe-


cimento implícito altamente elaborado da língua, embora não seja
capaz de explicitar esse conhecimento. (...)

Para passar logo a um exemplo, digamos que encontramos em


algum texto a seguinte sequência de palavras:

(1) Os meus pretensos amigos de Belo Horizonte.

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Essa é uma expressão bem-formada em português, e qualquer

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pessoa pode ver isto. Mas esse reconhecimento de que se trata

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de uma expressão bem-formada requer o conhecimento de uma
ordenação estrita dos elementos que formam a expressão. Tanto é
assim que sabemos que qualquer das expressões abaixo é malfor-
mada (o asterisco se usa tradicionalmente para marcar expressões
malformadas ou agramaticais):

(2) *Os meus amigos de Belo Horizonte pretensos.

(3) *Meus os pretensos amigos de Belo Horizonte.

(4) *Os meus Belo Horizonte amigos pretensos.

(5) *Meus amigos pretensos de Belo Horizonte os.

(...) Creio que a imensa maioria dos falantes (escolarizados ou não)


concordaria comigo que apenas (1), das cinco expressões vistas,
é aceitável em português. Isso é algo que sabemos com exatidão,
e não é tão simples assim. Como explicaríamos a um estrangeiro
por que só (1) é bem-formada? A maioria das pessoas não conse-
guiria explicar isso com eficiência, e no entanto seu conhecimento
implícito não deixaria de identificar as más-formações quando
ocorressem. (...) (PERINI, 1997, p. 11-14, grifo do autor).

Descobriu essa outra acepção de “gramática”? Pois é, o texto


de Perini traça um paralelo entre o que ele indica como conhecimento
explícito e conhecimento implícito. Como você percebeu, ele disse que
qualquer falante conhece a gramática (conhecimento implícito) de sua
língua, embora não a saiba explicar (conhecimento explícito). Por exem-
plo, ordenamos as palavras de um determinado modo, sem, contudo, que
saibamos o porquê de tal ou qual ordenação. Tal gramática (entendida
então como regras implícitas da estruturação da língua) permite que
saibamos quando uma sentença é da língua portuguesa ou não. É isto
que o linguista irá chamar de gramaticalidade.
Leia agora uma definição de gramaticalidade que se encontra no
Dicionário de Linguística, para melhor compreender a noção de gramá-
tica como regras internas e implícitas a qualquer falante de sua língua:

Cada falante que, por definição, possui a gramática de sua língua,


pode fazer sobre os enunciados emitidos julgamentos de grama-
ticalidade. Ele pode dizer se uma frase feita de palavras de sua
língua está bem formada, com relação a regras da gramática que
ele tem em comum com todos os outros indivíduos que falam
essa língua; essa aptidão pertence à competência dos falantes, não

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Linguística I | Linguística: ciência no século XX

depende nem da cultura, nem do grupo social do falante. Assim,


em português O menino gosta de chocolate é uma frase gramatical;
ao contrário, *Gostar chocolate menino é uma frase agramatical
(marcada por asterisco). Em outras palavras, o falante constata
a agramaticalidade ou a gramaticalidade, ele não formula uma
apreciação. Se há diferenças entre os falantes entre a gramaticali-
dade de uma frase, é que as suas competências (suas gramáticas)
são variantes de um mesmo sistema. (...) (DUBOIS, 1998, p. 218).

Fonte: http://www.sxc.hu/photo/332916

Veja o que a este respeito complementa Lopes:

Parece-nos sensato observar que não cabe ao linguista ser contra


a normatividade, ou a favor dela: o que lhe compete é insistir no
fato de que a problemática da gramaticalidade (não confundir com
correção ou com purismo da linguagem) é matéria legitimamente
linguística, porque:

a) as línguas são produto das convenções e dos valores sociais,


de onde derivam as regras que tornam compreensíveis as interco-
municações dos indivíduos e asseguram a sobrevivência e coesão
das sociedades;

b) qualquer utilização da língua por um falante tem de ser por ele


planejada para que sua mensagem atinja determinados objetivos
com exclusão de outros (LOPES, 1995, p. 27).

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Assim, o linguista não se interessa por variações que dizem res-

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peito à normatividade e sim à gramaticalidade. Em “a gente fomo ao
shopping”: tal frase é um problema quanto à normatividade, pois fere
a norma padrão da língua, e é tratada com preconceito por muitos.
Porém, para os linguistas, esta frase não é agramatical, já que é possível
e acontece na língua. Porém, a sentença “fomos shopping nós ao” é
inaceitável porque sua ordenação não é possível na língua portuguesa,
ou seja, a sentença apresenta problemas quanto à gramaticalidade. A
questão da gramaticalidade, portanto, não decorre de normas impostas
para um bem falar ou bem escrever.
Agora que você já sabe o que é gramática, gramaticalidade, nor-
matividade, exercite a seguir este seu conhecimento antes de adentrarmos
o terreno da Filologia. Mas, antes disso, leia sobre o nascimento da
gramática no boxe.

Nascimento da gramática

(...) a primeira análise gramatical não nasceu da necessidade de falar


uma língua qualquer, mas de compreender um texto. Em nossos
dias a gramática é antes de tudo uma técnica escolar destinada às
crianças que dominam mal uma língua ou que aprendem uma língua
estrangeira. Isto se deve tanto ao desenvolvimento do sistema escolar
quando ao da gramática. Em tempos remotos, nunca se teve espon-
taneamente a ideia de fazer uma gramática – um corpo de regras
explicando como construir palavras, mesmo que sob a forma implícita
de paradigmas – para aprender a falar (AUROUX, 1992, p. 25).
Valeer Vandenbosch

Fonte: http://www.sxc.hu/pic/m/v/va/valsilvae/751398_talking.jpg

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Linguística I | Linguística: ciência no século XX

ATIVIDADE

Atende ao Objetivo 1

1. Leia a seguir um fragmento produzido por um estrangeiro aprendendo


a língua portuguesa e faça o que se pede a seguir:
“Ela estava dormendo e sonhendo também. O sonho foi mal com o
monstro. O pai dela chegou no quarta ve-la que foi. O pai falou com ela
e cantou uma musica. Depois ela dormiu bem. Na proximo dia ela não
lembra nada sobre a noite.”

a) O que vem a ser gramaticalidade? Por que podemos dizer que o trecho
“dormendo e sonhendo” denuncia um desconhecimento das regras implí-
citas da língua portuguesa, isto é, por que é agramatical?

b) Explique a agramaticalidade no fragmento “O pai dela chegou no quarta


ve-la que foi.”

c) Explique por que em “próximo” temos um problema de normatividade


e não de agramaticalidade.

RESPOSTA COMENTADA
a) Gramaticalidade diz respeito a regras comuns da língua, ou seja,
ao modo como a língua se estrutura. Essas regras são conhecidas
implicitamente pelos falantes da língua. Trata-se, portanto, de um saber
implícito, que faz com que o falante diferencie construções de sua língua
de construções que não seguem a gramática (regras) da sua língua.
No fragmento anterior, há vários casos de agramaticalidade; por exem-
plo, para formar o gerúndio na língua portuguesa, há três possibilidades:
-ando, -endo, -indo, respectivamente para verbos com terminação em
-ar, -er e -ir. No fragmento, encontramos a desinência -endo usada para
verbos em -ir (dormir) e -ar (sonhar), o que denuncia a agramaticali-
dade, isto é, as palavras “sonhendo” e “dormendo” não fazem partem
do paradigma da conjugação de verbos da língua portuguesa.
b) No fragmento “O pai dela chegou no quarta ve-la que foi”, temos
vários exemplos de agramaticalidade, como o emprego do gênero:
em lugar de “o quarto”, o aprendiz estrangeiro da língua, por não
ter um conhecimento implícito do gênero em língua portuguesa, usa

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AULA 
artigo feminino para a palavra quarto, também empregada de forma
agramatical: quarta (numeral) em lugar de quarto (substantivo
indicando parte de uma casa). Uma outra sequência com proble-
mas de agramaticalidade é “O pai dela chegou no quarta ve-la que
foi”. Falta a esta formulação uma preposição – para – indicando a
oração subordinada – “para ver o que foi”. Além disso, o pronome
oblíquo (“a” em “ve-la”) é usado equivocadamente para indicar de
quem era o quarto (no caso, “o quarto dela”). Em outras palavras,
um falante da língua portuguesa não precisa saber que “para” é
uma preposição, mas ele a usa em tais casos da mesma maneira
como não usa o pronome oblíquo em lugar do possessivo (dela).
c) O emprego da palavra “próximo” sem acento (proximo) não
constitui agramaticalidade, mas um problema de normatividade:
falta um sinal gráfico (acento agudo), e a acentuação (bem como
a ortografia) decorre de decisões sobre a língua (o que se deve ou
não acentuar, como acentuar, qual letra deve ser usada em uma
palavra ou em outra). Portanto o emprego correto de uma outra
forma ortográfica, de um ou outro acento, decorre da escolarização,
de conhecimentos explicitados sobre a língua na escola.

Filologia

No texto de Saussure, como vimos na seção “Fases do estudo da


linguagem” desta aula, as investigações filológicas são apontadas como
uma segunda fase dos estudos dos fatos da língua. O que a Filologia
teria de tão específico? Leiamos Lopes:

O primeiro interesse do filólogo não coincide com o primeiro


interesse do linguista. Aquele busca encontrar num texto antigo
(um documento escrito) o seu significado, à luz de conhecimentos
daquela etapa cultural. Mas o linguista antepõe ao estudo da
modalidade escrita de um idioma o estudo de sua modalidade oral
(...). De modo análogo, o linguista não vê por que deva estudar,
com exclusividade do gramático, a norma culta de uma única
língua. (LOPES, 1995, p. 26).

CEDERJ 19
Linguística I | Linguística: ciência no século XX

Então, o fato de se debruçar sobre o texto escrito, isto é, de ter o


texto como seu objeto, a especificidade da Filologia. Ser o texto escrito
o seu objeto e não a língua em si foi uma das diferenças que Saussure
apontou entre os estudos filológicos e os estudos linguísticos.

Fonte: http://www.sxc.hu/pic/m/m/ma/mattox/1209716_writing.jpg

Para compreender melhor o campo da Filologia e o trabalho do


filólogo, acompanhe o texto:

O campo de atuação da Filologia se restringe ao estudo do texto


escrito. Esse estudo engloba a exploração exaustiva dos mais varia-
dos aspectos do texto: linguístico, literário, crítico textual, sócio-
histórico, entre outros. Cabe à Filologia interpretar e comentar os
textos antigos a fim de fornecer as informações necessárias para a
sua compreensão: sentidos que, porventura, as palavras possuíam
num passado remoto ou recente, mas que se perderam; formas e
usos linguísticos não utilizados, mas necessários para esclarecer-
nos eventuais passagens obscuras de um texto (CUNHA; COSTA;
MARTELOTA, 2008, p. 23-24).

Fruto de uma longa tradição de interpretação de textos religiosos e


literários, a Filologia buscava compreender e decifrar textos. E, para isso,
recorria à comparação com outras línguas. Suas pesquisas prepararam
terreno para o que hoje se denomina Linguística Histórica.

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Gramática comparada

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AULA 
A Gramática comparada, seguindo as pegadas de Saussure, consis-
te em um método de estudo no século XIX e tem sua grande contribuição
com a descoberta do sânscrito, uma das línguas clássicas mais antigas da
Índia. Tal descoberta foi importante, mas o grande passo para os estudos
comparativos deve-se a Bopp, isto é, a observação – deveras importante
– de que é possível explicar as formas de uma língua pela outra.
No século XIX, com a descoberta do sânscrito, surge, então, a
hipótese de uma língua comum, chamada de “indo-europeu”, que seria Indo-europeu
uma proto-língua, isto é, uma língua-mãe. Observou-se que um conjunto Segundo Mattoso
Câmara, o indo-
de línguas distantes entre si no tempo e no espaço, como o grego, o latim europeu foi “uma
língua
e o alemão, por exemplo, possuíam, contudo, características em comum.
pré-histórica, fala-
Daí a concepção de que haveria parentesco entre elas e um ancestral da há uns três mil
anos antes de Cristo
comum. Tratou-se, agora, de compará-las em busca das semelhanças e (3000 a.C.), numa
região incerta da
de organizá-las em famílias linguísticas. O século XIX foi, pois, marcado Europa Oriental. Daí
pela comparação das línguas. se espalhou, mercê
principalmente de
movimentos migra-
tórios por parte da
Ásia e uma grande
parte da Europa,
constituindo amplos
grupos dialetais
(...)” (CÂMARA
JUNIOR, 1984, p.
145-146).

Esses estudos comparativos favoreceram de certa forma a emergên-


cia do objeto da Linguística. Mas como isso foi possível? Para começar
a compreender, veja, primeiramente, o quadro a seguir:

CEDERJ 21
Linguística I | Linguística: ciência no século XX

Fonte: Culler, 1979, p. 51.

De acordo com Culler, se

... só o Latim e o Grego forem comparados entre si, a afinidade não


parecerá ser muito direta, mas quando o Sânscrito é acrescentado,
ele ajuda a sugerir a natureza da relação entre eles: onde o Sâns-
crito tem um s entre duas vogais, o Latim tem um r e o Grego não
tem nenhuma consoante (CULLER, 1979, p. 51).

O que se pretende então ressalvar são as correspondências regu-


lares entre formas relacionadas.
Você naturalmente deve estar fazendo a mesma pergunta que os
comparativistas – adeptos do método comparativo – se fizeram: como
explicar a sistematicidade dessas correspondências? Para eles, as mudan-
ças numa língua seriam regulares. Contudo, o princípio da regularidade
só veio a ser desenvolvido em meados de 1870, quando os neogramá-
ticos – estudiosos da segunda metade do século XIX, posteriores aos
comparativistas – formularam as famosas leis fonéticas. O trabalho
desenvolvido pelos neogramáticos e a contribuição deste trabalho para
a constituição da Linguística fará parte da próxima aula.
Por ora, basta retermos que as descobertas do século XIX e a
constituição do método comparativo formaram um campo fecundo
para a emergência dos estudos linguísticos. A língua, conforme Culler,

... era agora concebida como um objeto de conhecimento, algo que


poderia ser dissecado ou anatomizado como uma planta ou um
animal. Não mais estava sendo estudada como a própria forma
do pensamento, como uma representação da relação de mente
com o mundo (CULLER, 1975, p. 52).

Em outras palavras, a questão deixa de ser a normatividade, como


era a prática da tradição gramatical, e deixa de se centrar também no
texto escrito como forma de depreender seu sentido, como era a prática
da tradição filológica. Nas palavras de Foucault:

A partir do século XIX, a linguagem começou a dobrar-se sobre si


mesma, a adquirir sua própria densidade particular, a desenvolver
uma história, uma objetividade e leis próprias. Tornou-se o objeto

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do conhecimento, no mesmo nível dos seres vivos. Conhecer a

5 
língua, chegar tão perto quanto possível do conhecimento em si,

AULA 
é simplesmente aplicar os métodos de compreensão em geral a um
domínio particular da objetividade (FOUCAULT, 1975, p. 52).

Trocando em miúdos, no século XIX, a comparação entre as lín-


guas começa a direcionar o olhar do estudioso da linguagem para as for-
mas da língua. E esse olhar resulta na depreensão de leis. A vantagem das
gramáticas comparadas, conforme Orlandi, é “mostrar que as mudanças
são regulares e não caóticas como se pensava” (ORLANDI, 1990, p. 14).
Observe um exemplo corriqueiro da língua portuguesa: o /l/ da palavra
soldado se transforma em /r/ na pronúncia sordado, como podemos
notar em algumas regiões brasileiras. Entretanto, jamais esse mesmo /l/
se transmutará na língua portuguesa em /p/ ou /b/ (*sopdado,*sobdado)
(cf. ORLANDI, 1990, p. 14-15).
São essas leis, que veremos mais vagarosamente na próxima aula,
a mola propulsora para os estudos linguísticos saussurianos.

ATIVIDADE

Atende ao Objetivo 2

2. Com base neste quadro, responda às questões que se seguem:

Latim Inglês Português


pater father pai
piscis fish peixe
ped- foot pé
decem ten dez
dent- tooth dente
Fonte: Adaptado de Faraco, 2005, p. 127.

a) O que a comparação entre o latim, o inglês e o português pode nos


dizer no que se refere às formas linguísticas?

b) Que tipo de estudo da linguagem foi feito no século XIX? Deixe claro
em sua resposta a relevância deste tipo de estudo.

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Linguística I | Linguística: ciência no século XX

RESPOSTA COMENTADA
a) O que se observa é uma correspondência regular no início das
palavras: o “p” latino se mantém como tal em português, mas se
transforma em “f” na língua inglesa; o “d” latino se mantém como
tal em português, mas se transforma em “t” na língua inglesa.
b) No século XIX, por conseguinte, fez-se um tipo de estudo denomi-
nado comparativismo: comparavam-se as línguas, dando relevo aos
parentescos entre elas, em busca de uma língua-mãe. Tal método
foi relevante para a compreensão de que seria possível entender
uma língua por meio de outra.

Para finalizar, leiamos em Faraco a seguinte observação de Câmara Jr:

O que há de importante e até decisivo, do ponto de vista científico,


é que as formas se alteram dentro de certas diretrizes e, seguindo-
as, é fácil reconstituir a unidade esvaída. Não há, por exemplo,
nenhum traço fonético comum entre o português eu e o francês jê,
mas é inconcusso que ambas as partículas vêm do latim ego. Por
isso Meillet adverte que as verdades do comparativismo linguís-
tico podem muitas vezes ser incríveis para um leigo (CÂMARA
JUNIOR, 1977, p-146-147, apud FARACO, 2005, p. 127).

CONCLUSÃO

Começamos esta aula lembrando o estatuto de ciência da Linguís-


tica. Se o homem se debruça sobre a linguagem desde muito, Saussure
nos mostra que esse esforço, ao menos no que tange aos estudos da
linguagem especificamente, pode ser organizado em três tipos de grupos:
aquele dos gramáticos, o dos filólogos e dos gramáticos comparativistas.
Trazer os estudos da linguagem para o terreno da ciência constituiu um
esforço de delimitação do seu objeto, que passou a contemplar algo até
então não privilegiado, a saber, a língua oral.
Diferentemente da gramática e da Filologia, a Linguística irá focali-
zar a língua falada. Se, para Saussure, o estudo da Linguística começa com
os neogramáticos (SAUSSURE, p. 11), não podemos, contudo, deixar de
notar a contribuição do método comparativista com a eleição da língua
oral pela Linguística. Conforme Lyons, o método comparativo mostrou

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que não apenas todas as grandes línguas literárias da Europa

5 
tinham se originado sob a forma de dialetos falados, mas que tam-

AULA 
bém sua origem e seu desenvolvimento só poderiam ser explicados
em termos de princípios que determinam a aquisição e o uso da
língua falada correspondente (LYONS, p. 171).

Isto posto, o próximo passo, como veremos na aula a seguir,


advém, conforme Saussure, com os neogramáticos, que deixam de tomar
a língua como “um organismo que se desenvolve por si, e sim como
produto da coletividade” (SAUSSURE, [20--?], p. 11).

ATIVIDADE FINAL
Atende aos Objetivos 1 e 2

Comente as seguintes afirmações:

a) Parece-nos sensato observar que não cabe ao linguista ser contra a


normatividade, ou a favor dela: o que lhe compete é insistir no fato de que
a problemática da gramaticalidade (...) é matéria legitimamente linguística
(LOPES, 1995, p. 27).

b) A filologia se interessa pelo estudo do texto escrito, enquanto a linguística,


embora não despreze a escrita, se volta para a linguagem oral (CUNHA;
COSTA; MARTELOTTA, 2008, p. 24).

RESPOSTA COMENTADA
a) Diferentemente da gramática, que busca o bem escrever e, para isso, assume
uma postura normativista em relação ao uso da língua, o linguista se ocupa da
língua para compreendê-la e explicá-la sem, contudo, fazer, como já vimos na Aula
1, prescrições. Já a questão da gramaticalidade refere-se à organização da língua
independentemente de juízo de valor. A gramaticalidade rege os enunciados possíveis
em uma língua, o que constitui interesse do linguista.

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Linguística I | Linguística: ciência no século XX

b) A crítica saussuriana aos estudos filológicos se deve, entre outros fatores, ao fato
de eles se aterem ao texto escrito, a fim de perscrutar sentidos arcaicos e estabele-
cerem a forma primeva do texto. Saussure, na contramão destes estudos, adverte
a primazia da língua oral sobre a escrita.

RESUMO

De tudo o que lemos nesta aula, podemos agora, à guisa de resumo, destacar os
seguintes aspectos centrais dos estudos da linguagem. Estes passaram, consoante
o Curso de Linguística Geral, por três fases de estudo:
(a) Gramática: inaugurada pelos gregos, trata-se de uma disciplina normativa que
visa à formulação de regras que instituem um bem falar e escrever.
(b) Filologia: debruça-se sobre textos escritos, em geral arcaicos, para decifrá-los
e explicá-los.
(c) Gramática comparada: com a descoberta do sistema de conjugação do sânscrito
(BOPP, 1816), observou-se que as línguas podiam ser comparadas entre si.
Nesta aula, você aprendeu ainda que a Linguística desconsidera a abordagem
normativa dos estudos da linguagem, substitui a questão da normatividade pela
da gramaticalidade (regras implícitas do funcionamento da língua). Por fim, a
Linguística, diferentemente da Filologia, considera em seu estudo a língua falada.
Conforme Saussure, estas três fases antes apontadas abriram campo fecundo para
a investigação da linguagem, mas, por outro lado, não se preocuparam em deter-
minar a natureza do seu objeto de estudo, como arduamente buscou o projeto
saussuriano de uma ciência da linguagem.

INFORMAÇÃO SOBRE A PRÓXIMA AULA

Para a próxima aula, vamos estudar ainda o capítulo “Visão geral da história da
Linguística”, de Ferdinand de Saussure (Curso de Linguística Geral. São Paulo:
Cultrix, p. 7-12), o trabalho dos neogramáticos a fim de compreender seu lugar
no advento da Linguística. Que tal agora que chegou ao final desta aula reler
este importante capítulo?

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