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Não adianta fingir que a morte não existe. Não adianta iludir-mo-nos. Todos nós vamos morrer
um dia! É tão certo como estar neste momento a ler estas linhas… Tudo o que nasce tem um
fim, a morte faz parte da vida, é uma realidade incontornável. Porque não falamos então desta
inevitabilidade? Porque evitamos abordar o tema, especialmente com as crianças? Porque as
impedimos de lidar com a tristeza, de se aproximarem de quem está a morrer, de se
despedirem, de se exprimirem? A morte tornou-se demasiado incómoda. Como disse Pascal,
já que não podemos substituí-la temos a audácia de não pensar nela!
«A morte é um processo natural da vida, morte e vida estão intrinsecamente ligadas, uma não
existe sem a outra, é como a palma e as costas da mão», lembra Carol Gouveia e Melo. «Não
há vida sem morte, e também não há morte sem vida. Uma gera a outra como se fosse uma
roda que gira sem parar, criando um ciclo após o outro», explica sabiamente o avô ao neto,
sentado no leito da sua cama, no conto infantil escrito por Carol, «É fundamental ajudar as
crianças a entender e aceitar a morte, mas para isso não as podemos confundir nem enganar,
nem impedir que saibam a verdade,» O silêncio, as perguntas sem resposta, as respostas em
sentido figurado, reforçam a “visão da morte como algo interdito ou tremendo. Sobre a morte
não se fala, ou fala-se evasivamente e arruma-se o assunto. «Só que se não falarmos
abertamente, arriscamo-nos a que as crianças imaginem coisas ainda mais estrambólicas e
horríveis, que podem gerar outros medos e até complicações de saúde», adverte a terapeuta,
colaboradora da Amara (associação pela Dignidade na Vida e na Morte). «Conheço vários casos
curiosos, como o de um menino que não participou no funeral do avô e que desenvolveu asma,
tendo os sintomas desaparecido totalmente quando a mãe o levou ao cemitério. “Oh mãe,
porque não me trouxeste aqui antes? É um sítio tão bonito!”, comentou o menino.» Um
cemitério, um quarto de um hospital… podem transformar-se em locais inesperadamente
interessantes quando observados pelos olhos curiosos de uma criança.
Esconder que alguém próximo morreu só complica a situação e adia o inevitável. «É preciso
dar nome às coisas; chamar morte à morte, sem rodeios. Não se deve dizer: foi para o céu,
adormeceu para sempre, transformou-se numa estrelinha, porque a criança não entende esta
linguagem simbólíca, só vai ficar mais confusa e pode desenvolver fobias, como a de andar de
avião ou de adormecer. Também não é correcto manter a criança à parte quando alguém que
ela ama está muito doente ou na fase terminal da sua vida, porque ela vai perceber que se
passa algo de muito grave, que não lhe querem dizer. Isso só faz aumentar a sua angústia e
a sensação de exclusão. Tenho ornado muitos testemunhos de pessoas que sofreram por não
terem podido assistir à doença da mãe ou do pai quando eram crianças, por não terem tido a
possibilidade de se despedirem. Sentem um vazio, como se algo lhes tivesse sido roubado»,
diz Carol Gouveia e Melo. «Sempre que possível, deve-se deixar a criança acompanhar a
pessoa doente e participar nos cuidados, ajudando na alimentação, na higiene… será uma
forma de se sentir útil, de mostrar o seu afecto, de compreender que a doença e a velhice
fazem parte da vida. A degradação física custa muito mais aos adultos do que às crianças que
vêem com outros olhos e comunicam a outro nível». Não adianta ler histórias muito bonitas
se, na prática, não deixarmos as crianças familiarizarem-se com a perda e a morte.
«É importante que a criança possa ver a pessoa depois de morrer para se despedir se for essa
a sua vontade, mas não deve ser forçada a isso. Da mesma maneira, deve ser permitido à
criança ir ao funeral, o que evitará fantasias sobre para onde foi o familiar que desapareceu.»
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O Peso da Culpa
As crianças não reagem da mesma forma que os adultos, nem passam por todas as etapas do
processo de luto – choque, negação, protesto, depressão/ambivalência, reconstrução e
superação. «A sua capacidade Morrer é de entendimento varia com a idade, a sua visão da
morte pode ser muito diferente ao longo do tempo, logo as suas reacções também são
variáveis. Contudo, um sentimento frequente entre as crianças é a culpa», diz a terapeuta.
Muitas sentem-se culpadas pelos sentimentos que têm ou tiveram em relação à pessoa que
morreu e culpabilizam-se pela sua morte: «É fundamental explicar à criança que a morte desse
ente querido nada tem a ver com os nossos sentimentos, não podemos deixar que cresçam
com o peso da culpa» No caso de morte por suicídio, torna-se mais complicado superar a perda
e aceitar a morte: «Em qualquer situação, será sempre necessário escutar e responder às
dúvidas à medida que a criança vai crescendo.» O assunto nunca fica arrumado.
Quando a morte paira sobre a própria criança, quando a perspectiva de cura se desvanece, o
sentimento de culpa e de impotência desaba sobre a família. A dificuldade de falar sobre a
morte é ainda maior. «Por vezes queremos proteger a criança e escudá-la da verdade que a
pode ferir. O problema é que a mentira dói mais ainda.»
Uma criança é muito sensível, consegue sentir a preocupação e a tristeza, não se deixa
enganar pela cara alegre que compomos. Se explicarmos que estamos tristes e porquê ela vai
sentir-se mais segura. Como é óbvio não podemos transmitir a verdade de qualquer maneira,
sem contemplações, é preciso acompanhar o ritmo da criança e perceber o que podemos dizer
em cada momento», aconselha Carol Gouveia e Melo; «Quando transmitimos a verdade com
carinho e serenidade, as crianças aceitam-na melhor do que nós.»
Cada criança constrói a sua percepção da morte, que vai evoluindo ao longo da idade. «Uma
criança pode encontrar inúmeros exemplos de morte, por exemplo, numa folha caída ou num
animal morto, e observar que este não se move nem reage a qualquer estímulo. Isso suscita-
lhe curiosidade e ela procura rapidamente uma explicação junto de um adulto ou de outra
criança. A partir dessas explicações ou crenças, ela desenvolve as suas próprias ideias. Tanto
o que lhe é dito, como o que não se diz (que passa nalguns casos pelo silêncio ou pela fuga à
questão), tem uma grande repercussão no imaginário infantil e no seu desenvolvimento»,
escreve Abílio Oliveira, no livro Ilusões na Idade das Emoções (F.C. Gul-benkian, 2008).
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razões da cessação da vida são mágicas e misteriosas. Recusa-se a aceitar a morte como o
fim, sendo incapaz de imaginar a vida sem o pai ou a mãe; pode recear que o morto sinta frio
ou fome, que esteja zangado ou triste, ou ficar chocada se ele não comparecer na sua festa
de aniversário, pois, interiormente, ela continua muito ligada a ele» refere Abílio Oliveira.
Dos seis aos nove anos, «a criança começa a perceber que a morte é permanente e comum a
todos os seres vivos; mas, intimamente, crê que ela e os seus familiares, ao contrário de
outros, não serão castigados e estão imunes». Nesta idade, a morte é representada como um
monstro, um papão, um fantasma, provocando medo, angústia e, por vezes, terrores
nocturnos. É também frequente o interesse pelas causas e pelo processo de decomposição
decorrente da morte, que aprendem na escola em relação às plantas e animais. A partir dos
dez anos e até à adolescência, a morte passa a ser olhada «como um acto final e irreversível,
uma parte do ciclo de vida». As maiores interrogações surgem na adolescência, com o
questionamento dos rituais religiosos, da espiritualidade e do sentido da vida.
Nota: Citações recolhidas por Ana Leão e Alejandra Aímeloa, em trabalhos cie
investigação científica, reaiizadas no âmbito de um mestrado em Ciências da
Educação.
Video: Psicóloga oferece sugestões de como lidar com crianças que passaram por perdas.
https://youtu.be/K4lcr8ea9DI
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