IGEO-INSTITUTO DE GEOCIÊNCIAS
GEOGRAFIA POLÍTICA
RESENHA
SANTOS,Milton. Por uma outra globalização. São Paulo: Record, 2001
A Globalização como Fábula seria o mundo tal como nos fazem ver, que nos fazem
acreditar ser, por meio das fabulações propostas pelos meios de comunicação que visam
moldar um “pensamento único” da aldeia global, da supressão das distâncias, a queda
das fronteiras e das ideologias, a falência do Estado e o endeusamento do consumo.
A Globalização como Possibilidade, seria uma o mundo como pode ser, justamente
pelos mesmos meios técnicos que a viabilizam a globalização tal como é. Hoje a
cultura popular tem acesso a meios de comunicação que antes seriam restritos à “cultura
de massas” que de certa forma mitiga a assimetria de forças. Esse meios tecnicos se
usados por outra orientação política e social, podem ser usados para escrever uma nova
história. A globalização de certa forma possibilitou conhecer as diferentes culturas de
outras civilizações e essa mistura cultural tende a contrapor o racionalismo europeu. E
também é perceptível um novo discurso, uma Universalidade Empírica, não a abstração
filosófica, antes atribuída.
No segundo capítulo, Santos descreve alguns conceitos, que seriam os sustentáculos
da Globalização perversa que também podem sustentar uma outra globalização
possível.
A atual Globalização perversa seria o auge da internacionalização do capitalismo, e
esse período histórico deve ser analisado agregando tanto o estado da técnica quanto o
estado da política, que geralmente são vistos de forma separada,de forma errônea. A
história é feita pelas famílias de técnicas de cada época(as técnicas da idade da pedra, a
idade dos metais, a era industrial, a era da eletricidade e hoje era da técnica da
informação), e as escolhas políticas que determinam onde, quando e como fazer o uso
delas .Logo todas as técnicas da atualidade que viabilizam o mercado global e uma
globalização perversa podem, se seu uso político for outro, criar-se-ia uma globalização
diferente. Os elementos que constituem essa globalização são a unicidade da técnica,a
convergência dos momentos,a cognoscibilidade do mundo, e o motor único da mais-
valia global.
A Mais- Valia Global, ou seja, o Motor Único da atual economia capitalista se dá pelo
poder das empresas, já globais que se valem de uma unificação da técnica, do tempo e
do espaço e da mundialização do dinheiro, do consumo, da informação, das dívidas e
dos lucros que se retroalimentam para manter o sistema, para assim garantir seus
lucros, ou seja sua mais-valia em escala mundial. Anteriormente haviam vários
impérios, ou seja vários motores como força e alcance próprios , o motor inglês, o
motor francês, o motor alemão, etc. Hoje, há um motor só que empurra uma produção
mundial, por meio de empresas globais que competem entre si e só sobrevivem aquelas
que obtiverem maior mais-valia para continuarem produzindo e competindo. Para tanto
há uma constante demanda nas universidades por melhor ciência e tecnologia, para
melhorar a produtividade e a competitividade de cada empresas a cada avanço no
mesmo ramo, outras empresas já procuram as universidades para superarem a líder de
vendas. A mais-valia global apesar de fugidia, não é abstrata; não pode ser medida, mas
é evidente de forma empírica por meio da produção e dos lucros produzidos nessa
competição global.
No terceiro capítulo Milton Santos descreve a dupla tirania que faz com que a
Globalização Perversa se realize: a Tirania da Informação e do Dinheiro que
conjuntamente impõe um novo totalitarismo, mais aceito por ter características similares
à democracia.
O Consumo, também guiado pela lógica individualista , guia nossas inações, Hoje as
empresas adquirem certa autonomia produtiva não só por criarem o produto, mas
anteriormente por meio da publicidade, tirania da informação, de forma sistemática e
enganosa, criar o consumidor. Tanto o consumo quanto a competição são dois lados da
mesma moeda, do mesmo sistema ideológico que ao mesmo tempo é forte, devido sua
eficiência produtivas, porém fraco em um todo, como proposta de mundo, pois encoraja
o imobilismo, os narcisismos e leva à decadência moral e intelectual. Há quem diga que
o consumo é o novo fundamentalismo do século.
Essas Tiranias impõe sua perversidade estrutural de uma forma violenta, a Violência
estrutural, que oprime funcionalmente, mas é furtiva, mas se fala muito mais da
violência periférica particular e é a única onde costuma haver punições. Essa violência
estrutural através do dinheiro, da competitividade e do poder em estados puros. O
dinheiro em estado puro, com a nova concepção internacionalizada e virtual de
dinheiro, que norteia o consumo e proporcionando vasta acumulação de capital a uns e
o endividamentos para a grande maioria,criando um circulo vicioso e torna o dinheiro
causa e consequência de desamparo e medo. Essa busca incessante de dinheiro para o
consumo induz à competitividade em estado puro,ou seja criar uma nova “ética”
perversa que afrouxa valores morais e induz à violência, glorifica a esperteza a despeito
da honestidade .Essa perversidade também cria o poder em estado puro, a força para
competir por mais dinheiro. Isso tudo produz uma fábrica de perversidades sistêmicas e
naturalizadas: fome, desemprego, miséria, mortalidade infantil, etc..Segundo dados 1,4
bilhão de pessoas vive com menos de um dólar por dia, mas de fato sabemos que esse
número é muito maior,pois a pobreza hoje é um conceito que não pode ser definido
pura e simplesmente por uma quantia arbitrária, mas de uma questão de inferioridade,
exclusão e violência estrutural .
Nos últimos cinquenta anos criou-se três conceitos graduais de pobreza,a pobreza
incluída(pobreza “acidental”,pontual e residual), a marginalidade(“doença da
civilização',exclusão parcial) e a pobreza estrutural globalizada(exclusão total e
crônica ,desemprego e desvalorização do trabalho, funcional à perversa globalização).
Dessa perversidade morre a chamada Política com “P” maiúsculo e se figura a política
das empresas, que substitui a democracia plena pela democracia de mercado, que
distribui o poder conforme o grau de acesso à tirania da informação e do dinheiro e
impõe o autoritarismo global, o globalitarismo. Essa nova política se dá pelo mercado,
e os atores são as empresas globais, sem preocupações éticas e sociais, pois a única
coisa que as regula é a competitividade, o chamado terceiro setor, que delega à
iniciativa privada os serviços sociais, privilegiam pequenos grupos “convenientes” à
imagem da empresa, assim como exclui uma vasta maioria. A política sempre deve se
dar em uma visão de conjunto, o combate a pobreza deve ser estrutural, fora isso é
privilégio de grupos do interesse do doador. Um exemplo relevante é o dos programas
do Banco mundial, que funcionalmente combate algumas manifestações de pobreza,
mas estruturalmente reproduz desigualdades, assim como muitos partidos ditos de
esquerda abandonam as soluções estruturais, para paliativas que não farão feito a médio
e longo prazo. O autor também criticas as Políticas Públicas, que quando existem não
podem substituir uma Política Social. A Política morre a tal ponto que Estados
Nacionais são submetidos, dentro de seu próprio território,às exigências de empresas
globais para que se instalem,sob ameaça de se retirarem do país,que o Estado se
omita,se torne mais ausente, que se implantem técnicas, que alteram bruscamente as
relações sócias, podendo provocar desemprego estrutural, com o discurso oficial que
essas empresas justamente darão progresso e emprego.
Hoje temos um território nacional de uma economia internacional e a pobreza
nacional de um sistema internacional. Mas até que ponto a soberania nacional é violada
nesse processo?Até que ponto caíram as fronteiras? Por mais globais que sejam as
empresas e por mais que o pensamento único propague, ps Estados ainda são fortes e
não podem ser substituídos, nem por elas, nem por setores filantrópicos e a forma que
cada Estado cede soberania não é algo natural nem uniforme, depende da maneira que
cada governo se insere na globalização .
Os poucos que concentram e exercem o poder do dinheiro, por meio desse poder
fragmentam o território dos Estados Nacionais, na lógica da competitividade
verticalizada, que não é mais entre países, mas empresas hegemônicas, que arrastam
países consigo, e passam a se apropriar de parcelas de território para suas atividades.
Devido à fragmentação não há regulamentação dessas atividades, os próprios atores
impõe uma sua ordem desordeira sem finalidade alguma da obtenção de mais-valia
global a custa de processos excludentes, que eliminam as relações horizontais entre as
sociedades.
Tamanha a distorção do território, que até a agricultura, setor que deu princípio à
civilização e á relação de trabalho homem-natureza, foi profundamente afetada. A
agricultura, principalmente em países como o Brasil, se tornou científica e globalizada,
guiada por uma demanda e preços estrangeiros. Com ampla demanda técnica, a custo da
de degradação do trabalhador rural, submetido a regras quase militares, que caso não
forem seguidas, a consequência é o elevado desemprego rural e urbano, ou outras
frentes com o caso dos brasiguaios.
No quinto capítulo, Milton Santos, após análise crítica das perversidade das
globalização, evidencia os limites e as fraquezas desse regime globalitário. Como se
trata de um período histórico,assim como os outros, não é eterno e há sinais de
variáveis ascendentes em processos paralelos que autorizam a pensar um período
transição em curso. Entre esses está o desencanto pela técnica e a recuperação gradual
do bom senso, ao invés do senso comum. Os ideias da racionalidade e da velocidade
estão em decadência devido à escassez generalizada que afeta inclusive as classes
médias. A racionalidade do sistema dá sinais de crise, por ser uma racionalidade
totalitária, que falha com a razão, uma grande parte da humanidade não consegue(ou
não quer) seguir as leis e regras estabelecidas,propagando-se ilegalidades e
informalidades, de onde saem contrarracionalidades, paralelas à racionalidade
tecnocrática dominante, que se dão pelo caldeamento de elementos culturais de todos os
continentes, fruto da própria globalização .O paradigma da velocidade também é
contestável, pois é uma velocidade além de restrita a poucos,que exercem a
competitividade desenfreada, as grandes crises econômicas foram condicionadas pelo
mal uso dessa velocidade que não é fruto exclusivo da técnica, mas de imposição
política,um artifício, logo não beneficia nem interessa a grande maioria da humanidade.
Mediante esse histeria técnica e competitiva criam-se artificialmente necessidades, para
que nem os “possuidores” nem os “não possuidores” estejam satisfeitos, induzindo-os
ao consumo e uma eterna sensação de escassez, de insatisfação, e essa produção é
distribuída perversamente de forma desigual.
O papel histórico das classes médias a ser cumprido, segundo Milton Santos, no
momento que ela se solidarizar com as reivindicações dos pobres. Com a escassez
atingindo essa classes também, a possibilidade da tomada de consciência passa a ser
maior. Essa tarefa a ser cumprida é exigir a retomada ideológica dos partidos, para que
assim se crie uma democracia não só eleitoral, mas social, econômica e política.
A nova família técnica, presidida pela informática, ao contrário de outras ondas da era
industrial, que exigiam elevados gastos em máquina e manutenção, concentrando o
acesso e a riqueza adquirida. Com essa técnica se tornou mais viável a perodução
paralela e independente, criando um “novo artesanato”.
Conseguida a mudança técnica, é necessária a mudança filosófica do homem, a etapa
mais importante, que determinará o estado das políticas. Essa mudança é viável com o
ressurgimento das teses terceiro mundistas, com o empobrecimento geral das classes
baixas e médias, ao mesmo tempo que globalização, embora perversa, permite janelas
para a disseminação da cultura popular, isso tudo contribuindo para a tomada de
consciência. Essa consciência não se dará de forma unânime e geral, ela inicia pelo
questionamento do indivíduo,da visão crítica do sistema e da realidade, e depois para a
organização coletiva, cujo principal objetivo é a transição do modelo político-
econômico centrado no dinheiro, para um modelo centrado no homem, que não permita
o endividamento de países, que torne o pagamento de dívidas prioritário, em detrimento
de políticas sociais. Contrariando a tese de Fukuyama, que afirmava que história
acabou, para Santos apenas começou se ambas as mutações se derem, uma nova
proposta de mundo pode surgir, para o homem e para o planeta.
Podemos concluir com a leitura dessa obra, última da grandiosa carreira intelectual de
Milton Santos, o autor, após uma profunda dissecação da perversidade sistêmica do
mundo,deixa como apelo que os cidadãos tomem consciência e se mobilizem,que a
história não acabou e outro mundo é possível com a mesma base técnica;e recomenda
que se adote como princípio o paradoxo “obedecer para subsisti e resistor para poder
pensar o futuro”.