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História da Igreja - Rev.

Wilson Santana Silva - 16/09/2018 - 1

Introdução.

Quais são os motivos que tornam os “Pais” importantes para a Igreja Cristã
do século XXI? De onde vem e para onde vai, essa motivação em conhecer mais
de perto homens como Cirilo de Jerusalém ou Jerônimo? Qual o real interesse do
evangélico quando lida com a Patrística e a Patrologia? Perguntas difíceis de
serem respondidas, porém creio que devemos glorificar a Deus por “elas”, pois é
um grande indicio de que Deus está despertando homens com verdadeira
preocupação em conhecer os primórdios da História do Cristianismo e como ele
se desenvolveu.
O interesse pelos “Pais” não deverá ser apenas um interesse intelectual ou
acadêmico. Não basta conhecê-los apenas por conhecer. O conhecimento
sugerido aqui, necessariamente envolve o intelecto, no entanto deve ir além dele.
É o conhecimento que se movimenta na direção de..., que vai ao encontro a cada
um deles, possibilitando o despertar de emoções que se expressem em carinho,
amizade e profundo respeito. Este é o momento de conhecê-los individualmente e
com mais profundidade. Este é o tempo e a oportunidade propícia para um
envolvimento sadio e responsável com a vida e a obra de cada um deles. Eles
estão lá num passado muito distante, mas totalmente acessível ansiosos para que
os busquemos. É proposto um conhecimento sobre eles integral, abrangente, mas
principalmente espiritual. É possível movimentar-se para atingir essa realidade. O
projeto da Casa Editora Presbiteriana, é oferecer neste primeiro momento 13
lições concernentes a estes celebres instrumentos de Deus que contribuíram
mais que qualquer um para levantar as paredes do edifício espiritual, sobre bases
já lançadas por Cristo e pelos apóstolos. Isto posto, a pergunta que se segue é a
seguinte: É possível obter tal compreensão estudando apenas 13 lições? Treze
lições não serão suficientes para isso. O que se deve pedir a Deus nesse
momento é que você se desperte para iniciar aqui uma busca, uma pesquisa, um
envolvimento. Não se sabe se esta busca terá fim, o lógico é que quanto mais
envolvimento tivermos com os “Pais”, mais presos a eles estaremos, e mais amor
dedicaremos a cada um deles.
Assim, “o interesse da Igreja Evangélica do início do século XXI pelos “Pais”
se dá numa dupla direção: em primeiro lugar e antes de qualquer coisa, com um
objetivo doutrinário: os “Pais” são testemunhas da doutrina verdadeira da igreja. A
outra preocupação necessariamente é de caracter mais histórico, isto é, conservar
a memória de sua vida e de suas obras.” 1
Esta tese sustentada, lançamos outro desafio. De que maneira os “Pais”,
tão antigos, poderão ajudar a igreja militante a vencer seus desafios, uma vez que
está inserida em uma sociedade pós-industrial onde os valores evangélicos são
desprezados? Esta pergunta tão intrigante será respondida com sua ajuda, nos
estudos propostos.
O curso envolve treze lições. O ponto de partida será Inácio de Antioquia. O
interesse da igreja do século XXI, por Inácio justifica-se basicamente por sua
fidelidade a Cristo até a morte. Justino de Roma é o nosso próximo alvo. Destaca-
se como grande defensor do cristianismo em meio a um mundo cego e
1
André Benoit, p.15
História da Igreja - Rev. Wilson Santana Silva - 16/09/2018 - 2

paganizado. Entre seus muitos dons, sua capacidade de refutar a vã filosofia,


utilizando princípios filosóficos é o que o torna importante para o nosso estudo.
Um filósofo a serviço de Cristo. Irineu de Lião assumiu posições comprometedoras
por serem cristãs, em meio a um mundo corrompido. Sua lealdade em defender a
fé apostólica o torna exemplo para toda cristandade. Na senda dos seus
antecessores trilhou Tertuliano. Homem de caracter inigualável é exemplo para a
igreja atual por sua pureza de vida e de doutrina. Atanásio é homem do século IV,
pode ser considerado o “Homem de Nicéia”. Foi brilhante quando defendeu a
divindade de Cristo. As doutrinas nicenas ou seria amadas e aceitas ou odiadas e
repudiadas. Cirilo de Jerusalém é destacado porquê soube amar e defender os
conceitos Bíblicos confirmados em Nicéia. Basílio de Cesaréia é atual pela firmeza
doutrinária demonstrada e ao mesmo tempo pelo excepcional serviço prestado no
campo social. Ambrósio de Milão entende que é preciso abandonar tudo para
estar a serviço de Cristo. Este homem ouviu a voz de Deus e a obedeceu
prontamente sem excitar. Para ele obedecer a Cristo era o alvo supremo de sua
existência. Jerônimo é considerado o mais sábio dos “Pais” ocidentais. Sua
dedicação à Palavra é espantosa. Entregou sua vida inteira ao serviço do Senhor.
Em João Crisóstomo encontramos o mais notável expositor Bíblico. Ao ponto de o
chamarem de (Boca-de-ouro). O que resumidamente poderíamos dizer de
Agostinho de Hipona, “o príncipe dos Teólogos”?. Sua vida foi inteiramente
restaurada por Cristo e para Cristo. Cirilo de Alexandria e Gregório Magno
contribuíram para igreja em momentos de grandes crises sociais, políticas e
espirituais. Homens que enfrentaram o mundo bárbaro.
Concluímos reafirmando que os “Pais” são de grande interesse e
importância para a igreja primeiramente por suas habilidades quando tratou de
formular e defender as doutrinas cruciais da fé evangélica, e por outro lado,
porquê foram homens como qualquer um de nós, sujeitos as mesmas paixões e
fraquezas, sobretudo souberam, cada um de seu modo, amar o filho de Deus
intensamente e ao mesmo tempo souberam entender os problemas dos seus
dias, fornecendo de prontidão respostas sábias e verdadeiras. Ofereceram suas
vidas a Cristo e ao evangelho de Cristo.
História da Igreja - Rev. Wilson Santana Silva - 16/09/2018 - 3

Lições da História da Igreja.

3.º Trim.2001

1. Inácio de Antioquia (c. 60 -117).

Fidelidade a Cristo até à morte.

Texto Básico

2 Timóteo 4.6

“Quanto a mim, estou sendo já oferecido por libação, e o tempo da minha partida é chegado.”

Introdução.

Foi Vicente de Lérins, no século V, que forneceu a definição clássica dos


memoráveis Pais da Igreja, declarou ele: “Se surgir qualquer questão nova, a
respeito da qual não se tomou nenhuma decisão, importa sempre recorrer nesse
caso às opiniões dos santos Pais, ao menos daqueles que, em seu tempo e lugar,
se mantiveram na unidade da comunhão e da fé e foram considerados mestres
aprovados. Tudo o que eles, unidos em pensamento e sentimento, puderam
afirmar, isso é necessário supor, sem qualquer dúvida ou restrição, como doutrina
verdadeira e universal da Igreja.”2

1. Antioquia da Síria, berço do cristianismo.

É de Antioquia que Paulo partiu para plantar o evangelho na Ásia Menor e


na Grécia. Antioquia herda o patrimônio espiritual de Jerusalém, depois que esta
cidade é destruída e saqueada. Torna-se um dos pontos altos da fé e da vida
cristã. Sua liturgia e hermenêutica vão impregnar e influenciar a igreja grega.
Os peregrinos ou os turistas hoje procurariam em vão a cidade de
Antioquia, situada no ponto de conjunção entre a Turquia e a atual Síria. “Os
turcos, que logo depois da Grande Guerra a reivindicaram e a obtiveram, zelam
apenas por um nome. Da cidade primitiva não resta mais nada. Uma vista aérea é
o suficiente para se medir a superfície dessa cidade, que foi uma das três grandes
metrópoles do império romano, elemento de ligação entre o Oriente e o
Ocidente.”3 Em Antioquia João Crisóstomo exercia o ministério sacerdotal quando
foi chamado para governar a Igreja de Constantinopla. 4

2
André Benoit, p. 12

3
A. Hamman, p. 15

4
A. Hamman, p. 15
História da Igreja - Rev. Wilson Santana Silva - 16/09/2018 - 4

2. Fidelidade que se expressava através de um coração que ardia pelo


Senhor.

O nome Inácio (Ignácius) não poderia ser mais apropriado para o homem
que é considerado um dos Pais da Igreja Antiga. Deriva-se do latim: Igne=fogo,
natus=nacido. Ignácius, portanto, significa homem nascido do fogo, apaixonado
por Cristo, pela Igreja, pela unidade dos santos e pelo desejo de imitação de seu
mestre.
Ele viveu no período de 60 – 117 a. C. aproximadamente e tornou-se célebre
pela fidelidade a Cristo em meio as perseguições sofridas e as cadeias que
enfrentou. Constantemente era transportado em cadeias de um lado para outro.
Quando preso, em suas paradas obrigatórias, não se esquecia de escrever às
Igrejas que o recebia ou lhe enviavam saudações.
Suas epístolas são memoráveis, no seu todo o tema central quase sempre é
o da “verdadeira união”. E esta união é a fonte viva que alimenta o desejo
ardente de imitar a Cristo em sua paciência até o martírio. Este tema é freqüente,
especialmente na sua carta aos Romanos; na qual ele suplica para que nada
fosse feito para impedi-lo de chegar à arena e ser devorado pelas feras. No
capítulo quatro ele diz: “deixai-me ser o pasto das feras” e no capítulo cinco ele
expressa seu ardente desejo: “Desde a Síria até Roma, luto contra as feras, por
terra e por mar, de noite e de dia, acorrentado a dez leopardos (a um
destacamento de soldados); quando se lhes faz bem, tornam-se piores ainda.
Todavia, por seus maus tratos, eu me torno melhor discípulo, mas nem por isso
sou justificado”. Inácio não queria que nada o impedisse de alcançar a Jesus
Cristo, e que os piores flagelos do diabo o afligissem com a única condição de
alcançar o Senhor Jesus, dispunha-se a atravessar o inferno para que ao fim
convivesse com o Senhor.

3. Fidelidade a Cristo evidenciada pelo amor para com os necessitados.

É possível conhecer o homem Inácio suas fraquezas e seu tempo através de


suas cartas. São elas que nos permitem penetrar em seu jardim fechado. Em
frases curtas, densas, tão cheias que parecem que vão explodir, de estilo
sincopado, sofrido, corre um rio de fogo. Estilo simples, nenhuma literatura, mas
um homem excepcional, ardente, apaixonado, heróico embora modesto,
benevolente mas dotado de lucidez; um dom inato de simpatia, como Paulo, com
uma doutrina segura, clara, mais dogmática do que moral, na qual se exprimem a
influência joanina e a santidade.5
Durante a viagem para Roma, ele escreveu sete cartas, quatro de Esmirna e
três de Trôades. De Esmirna, enviou três: às Igrejas de Éfeso, Magnésia e Trales,
na Ásia Menor, para lhes retribuir as saudações enviadas por delegações, em seu
caminho para o martírio.
E, sendo carregado pela Ásia, sob a mais rígida custódia de 10 soldados,
mesmo assim, fortaleceu as diferente Igrejas nas cidades por onde passava,

5
A. Hamman, p.17
História da Igreja - Rev. Wilson Santana Silva - 16/09/2018 - 5

utilizando-se de discursos e exortações, alertando principalmente contra as


heresias que surgiam e estavam prevalecendo, e para maior segurança resolveu
atestar por escrito. Escrevendo a Policarpo, usou pela primeira vez a expressão
“Igreja Católica”, para designar a universalidade dos fiéis.

4. Fidelidade a Cristo até a morte.

É muito difícil atualmente estabelecer com precisão quando ocorreu seu


martírio. É possível recorrer a Eusébio de Cesaréia, historiador antigo, que existe
apenas uma tradição que afirma que ele foi enviado da Síria para Roma e lançado
as feras do coliseu como alimento, por conta de seu testemunho de Cristo.
Foi condenado, durante o reinado de Trajano (98-117), ao suplício das
feras.

TEXTO

Da Carta aos Romanos, (Séc. I)

Sou trigo de Deus e serei moído pelos dentes das feras.

Escrevo a todas as Igrejas e informo-lhes que morro livremente por Deus,


se contudo me impedirdes disso, Rogo-vos: não demonstreis por mim uma
benevolência inoportuna! Deixai-me ser pasto das feras, pelas quais chegarei a
Deus. Sou trigo de Deus, serei triturado pelos dentes das feras para tornar-me o
puro pão de Cristo. Rogai a Cristo por mim, para que por este meio me torne
sacrifício para Deus.
Nem as delícias do mundo nem os reinos terrestres são vantagens para
mim. Mais me aproveita morrer em Cristo Jesus do que imperar até os confins da
terra. Procuro-o, a ele que morreu por nós; quero-o, a ele que por nossa causa
ressuscitou. Meu nascimento está iminente. Perdoai-me, irmãos! Não me
impeçais de viver, não desejeis que eu não morra, eu, que tanto desejo ser de
Deus. Não me entregueis ao mundo nem me fascineis com o que é material.
Deixai-me contemplar a luz pura; quando lá chegar, serei homem. Concedei-me
ser imitador da paixão de meu Deus. Se alguém o possui no coração, entenderá o
que quero e terá compaixão de mim, sabendo quais os meus impedimentos.
O príncipe deste mundo deseja arrebatar-me e corromper meu amor para
com Deus. Nenhum de vós, aí presentes, o ajude! Ponde-vos de meu lado, ou
melhor, do lado de Deus. Não podeis dizer o nome de Jesus Cristo, enquanto
cobiçais o mundo. Que a inveja não more em vós! mesmo que eu em pessoa vos
rogue, não me acrediteis; crede antes no que vos escrevo, desejando morrer. Meu
amor está crucificado, a matéria não me inflama, porque uma água viva e
murmurante dentro de mim me diz em segredo: “Vem para o Pai”. Não sinto prazer
com o alimento corruptível nem com os prazeres deste mundo. Quero o pão de
Deus, a carne de Jesus Cristo, que nasceu da linhagem de Davi; e quero a
bebida, o seu sangue, que é a caridade incorruptível.
Não quero mais viver segundo os homens. Isto acontecerá se vós
quiserdes. Rogo-vos que o queirais para alcançardes também vós a misericórdia.
História da Igreja - Rev. Wilson Santana Silva - 16/09/2018 - 6

Com poucas palavras dirijo-me a vós; acreditai em mim! Jesus Cristo vos
manifestará que digo a verdade; ele, a boca verdadeira pela qual o Pai
verdadeiramente falou. Pedi vós por mim, para que o consiga. Não por motivos
carnais, mas segundo a vontade de Deus vos escrevi. Se for martirizado, vós me
quisestes bem; se rejeitado, vós me odiastes.6

2. Justino de Roma (c.100 – 165)

Um filósofo a serviço do cristianismo

TEXTO
2 Coríntios 2.4-5

“A minha palavra e a minha pregação não consistiram em linguagem persuasiva de sabedoria, mas
em demonstração do Espirito e de poder.”

Introdução.

Qual a importância de Justino de Roma? “Se os Pais são essencialmente


as testemunhas diretas ou indiretas das doutrinas bíblicas e seus ensinamentos
primários, no período da história da Igreja em que esta ainda preservava sua
unidade, então a pergunta inicial não apresenta nenhuma dificuldade: os “Pais”
são as testemunhas da compreensão que os primeiros séculos do cristianismo
tiveram da Bíblia Sagrada. Conhecer os Pais equivalerá a uma tentativa para
compreender de que maneira, através de seus escritos, sua obras, seus
comentários, seus trabalhos dogmáticos ou apologéticos, suas cartas, eles
interpretavam e aplicaram a revelação de Deus em Jesus Cristo, tal como a
Escritura lhes transmitiram.”7 Quando se quer evocar a vida dos cristãos dos
três primeiros séculos, inevitavelmente se nos impõem as imagens coloridas das
superproduções estrangeiras: Barrabás, Quo Vadis, Ben Hur e tantas outras. Os
cristãos são apresentados como, um pequeno e frágil grupo conduzido por
velhinhos trêmulos. Dessa multidão sofrida destaca-se um belo jovem forte e
apaixonado por uma frágil e linda cristã: o amor os impele ao pé da cruz e mais
tarde à arena ensurdecedora é invadida pelas feras. Esta imagem opaca nunca
refletiu com veracidade aquilo que foi o cristianismo no seu princípio.

1. A formação de um filósofo.

A leitura dos documentos que Tertuliano, Eusébio, Orígenes, Clemente de


Alexandria nos deixaram sobre a vida dos cristãos dos primeiros séculos, não
corresponde com àquela imagem distorcida apresentada por diretores e roteiristas

6
C. Folch Gomes, p. 40; Liturgias das Horas p. 1387-1388.

7
André Benoit, p. 55
História da Igreja - Rev. Wilson Santana Silva - 16/09/2018 - 7

preocupados com ilusões, a impressão que se tem é bastante diferente. Desde o


inicio os cristãos não se distinguem dos outros homens por detalhe exterior. Eles
participavam inteiramente da vida da cidade, mas seus senhores exigiam que eles
reagissem com veemência aos hábitos pagãos, luxo da moda, bebedeiras,
espetáculos obscenos ou cruéis. Uma das funções do evangelho era e continua
sendo direcionar e instruir as relações cotidianas. Solicitava-se a homens fracos
que tivessem atitudes fortes, um controle permanente de gestos e pensamentos. 8
Justino, nasceu no coração da Palestina, na colônia de Flávia Neápolis,
que acabava de ser reedificada no lugar onde existiu a antiga Siquém e que hoje
se chama Naplusa na Samaria, perto do poço de Jacó, onde Jesus anunciou à
samaritana o verdadeiro culto. Filho de colonos abastados, possivelmente de
origem latina, desde muito jovem mostrou gosto pela filosofia, mas pela filosofia no
sentido que então se lhe dava: não a pesquisa especulativa, mas a busca da
sabedoria e da verdade. “Ela é, aos olhos de Deus – havia de dizer, - um bem
muito precioso, pois é ela que conduz a Ele”; e foi ela que desempenhou um
papel benéfico ao longo da sua aventura espiritual, nas diversas fases em que se
desdobrou.9
Ele conheceu a filosofia estóica, passou pelo idealismo nobre de Platão,
pelas idéias de Aristóteles, frustrando-se com as praticas e exigência de algumas
correntes, além de se interessar ainda pela filosofia numérica de Pitágoras.
Como filósofo ele procurava a verdade freqüentando diversas escolas,
dirigidas por filósofos de tendências diversas, não encontrou em nenhuma delas
respostas aos seus anseios. A reviravolta em sua vida deveu-se a figura de um
ancião que o conduziu a cruz. Este ancião foi quem revelou a Justino a verdade
religiosa e agora convertido ao cristianismo, tornou-se assim, um exemplo de
conversão, pois provava ao mundo greco-romano que era possível um intelectual
se dobrar a Cristo.10
Para Justino o Cristianismo passou a ser a filosofia primordial assumindo
novas formas e expressões diferentes. Por causa desta nova concepção sobre o
cristianismo ele continuará, mesmo depois da conversão, a trazer seu créditos de
filósofo.

2. O método filosófico a serviço do evangelho.

A partir de 150, fundou escolas filosóficas cristãs, primeiro em Éfeso e depois


em Roma. Instalado “perto das termas de Timóteo, em casa de um certo
Martinho”, ensinava exatamente como os filósofos, mas em conformidade com
Cristo. Teve muitos discípulos, um verdadeiro auditório. Falou em reuniões
públicas, confundia os pagãos e a sua ação tornou-se tão eficaz que os filósofos
se inquietavam e começaram a ter-lhe inveja. Foi uma fase importante para a

8
Pierre Pierrard, História da Igreja, p.30

9
Daniel-Rops, p.278

10
Earle E. Cairns, p. 89
História da Igreja - Rev. Wilson Santana Silva - 16/09/2018 - 8

história do pensamento cristão, que com ele passou a ser encarado com
seriedade.11
Os ensinamentos deste filósofo cristão obrigaram as autoridades e os
pensadores a levar em conta o cristianismo. Ele deu ao pensamento cristão direito
de cidadania. Seu martírio prova que sua ação e sua influência eram temidas
pelas autoridades romanas.
O desempenho literário de Justino foi muito fecundo. Outros pais da Igreja
afirmaram que ele compôs inúmeras obras, das quais somente três chegaram até
nós: duas Apologias e o Diálogo de Trifão. As apologias teriam sido escritas entre
150-160, enquanto o Diálogo entre os anos 155-165. 12
Não satisfeito com o mundo pagão, Justino expôs duas grandes
proposições:
Antigüidade da Bíblia. Ele procura apresentar a Bíblia como a fonte de toda
sabedoria, cujo porta-voz é Moisés, mestre de todos os sábios. Na primeira
apologia tenta demonstrar como Moisés é anterior a Platão, ou melhor, como
Platão depende de Moisés.
Argumento Profético. Justino não se refere aos milagres para sustentar a
divindade de Cristo. Coloca o acento nas profecias, talvez por força da
proliferação dos mágicos do mundo pagão, que apresentavam coisas fantásticas.
Ao contrário a existência de pitonisas e outras profetizas devia incitá-los a prestar
atenção em todas as profecias.
Ele apresenta as profecias cumpridas pelo próprio Cristo, outras que são
realizadas na vida da Igreja. Pelas profecias Justino busca provar que Jesus
Cristo, fundador da religião Cristã, é o filho de Deus, enviado para transformar e
restaurar a humanidade. Sua preocupação é pois mostrar o cristianismo como
revelação do Deus único.
O diálogo com Trifão. Trifão, segundo Eusébio, tem sido o mais celebre dos
hebreus daquele tempo. Porém hoje se considera Trifão não como um
personagem histórico, mas o protótipo do judeu, assim como ele é visto então.
Se para o mundo pagão Justino fala do Deus único, para os judeus ele
desenvolve a cristologia. Neste sentido temos os seguintes pontos:
A cristologia é antes de tudo o anúncio de Cristo na Sagrada Escritura.
Justino expõe as profecias que anunciam o messias, proclamando a realização
delas na pessoa de Jesus Cristo, por eles crucificado.
O Cristo crucificado. Ele busca na sagrada Escritura dois principais
argumentos que anunciam o Cristo sofredor.
1º O sinal da cruz que se encontra prefigurado em todo o Antigo
Testamento.
2º Cita por inteiro o salmo 21 que estaria visando alguém crucificado: O
messias sofredor na cruz. Ele comenta versículo por versículo, pois para ele como
para uma grande parte dos Pais, as epifanias no Antigo Testamento são epifanias
de Cristo, são manifestações de Deus em seu filho. Esta doutrina decorre, em
grande parte, da sua concepção da transcendência de Deus.
11
Daniel-Rops, p. 279

12
Fernando Antônio Figueiredo, pp. 116-117
História da Igreja - Rev. Wilson Santana Silva - 16/09/2018 - 9

3. Justino, o filósofo a serviço do cristianismo.

Justino toca profundamente o íntimo do nosso ser. Este intelectual, inicia o


diálogo com os judeus e com os pagãos. Sua vida foi uma longa busca da
verdade. De sua obra, escrita com rudeza e sem arte, desprende-se um
testemunho cujo preço os séculos só fizeram valorizar cada vez mais. O
cristianismo para ele não é, antes de tudo, uma doutrina, porém uma pessoa: o
Verbo encarnado e crucificado, Jesus. Neste homem, que viveu há dezenove
séculos, percebemos o eco de nossos anseios, de nossas objeções, de nossas
certezas. Descobrimos nele uma abertura de alma, uma possibilidade de
acolhimento, uma vontade de diálogo, que desarmam e seduzem.
Por ensinar em Roma aos crente e interessados, nas casas particulares,
começou a ser questionado e perseguido. E este foi seu crime mais do que
qualquer outro, ao que tudo indica, que o levou ao martírio.
Seu desejo era mostrar que o que era buscado por todos os filósofos de
seu tempo, ele encontrou no Homem-Deus. Em Cristo se manifesta plenamente
filosofia verdadeira. E isso não como resultado do mero esforço do homem
embora este não seja dispensado, mas graças à ação do Espírito Santo.
Ele, que nunca quis ser sacerdote e se considerava apenas “um simples
membro do rebanho cristão”, adquiriu tão grande renome que era tido em Roma
como um dos chefes da Igreja. Denunciado por Crescente, um filósofo pagão, a
quem derrotou num debate público, foi preso em 163, no tempo de Marco Aurélio,
juntamente com seis dos seus alunos. Interrogado pelo prefeito Rústico, mais uma
vez expôs a sua fé com fervor intrépido. Ameaçado com açoites e o cutelo, reagiu
simplesmente com um ato de esperança, reafirmando suas posições. E cortaram-
lhe a cabeça.13

TEXTO

Justino descreve a celebração eucarística em meados do século II

Trechos da 1ª Apologia:

“No dia que se chama do sol celebra-se uma reunião dos que moram nas
cidades ou nos campos e ali se lêem, quanto o tempo permite, as Memórias dos
apóstolos ou os escritos dos profetas. Assim que o leitor termina, o presidente faz
uma oração e convite para imitarmos tais belos exemplos. Erguemo-nos, então, e
elevamos em conjunto nossas preces, após as quais se oferecem pão, vinho e
água. O presidente também, na medida de sua capacidade, faz elevar a Deus
suas preces e ações de graças, respondendo todo o povo: amém. Segue a
distribuição a cada um, dos alimentos consagrados pela ação de graças, e se
envio aos ausentes, por meio dos diáconos. Os que têm e querem, dão o que lhes
parece, conforme sua livre determinação, sendo a coleta entregue ao presidente,
que assim auxilia os órfãos e viúvas, os enfermos, os pobres, os encarcerados, os

13
Daniel-Rops, p. 280
História da Igreja - Rev. Wilson Santana Silva - 16/09/2018 - 10

forasteiros, constituindo-se, numa palavra, o provedor de quantos se acham em


necessidade. Celebramos essa reunião geral no dia do sol (domingo), por ser o
primeiro, aquele em que Deus, transformando as trevas e matéria, fez o mundo. O
dia também em que Jesus Cristo, nosso Salvador, ressuscitou dos mortos: pois
convém saber que o crucificaram no dia anterior ao de Saturno, e que no dia
seguinte, dia do sol, apareceu aos apóstolos e discípulos, ensinando as mesmas
doutrinas que vos propomos.14

3. Irineu de Lião (c.130 - 200)


A defesa da fé apostólica.

Texto Básico
Judas 3
“Amado, quando empregava toda diligência, em escrever-vos acerca da nossa comum salvação,
foi que senti obrigado a corresponder-me convosco, exortando-vos a batalhardes diligentemente
pela fé que uma por todas foi entregue aos santos.”

Introdução.

Assim como a igreja Antiga, hoje recorremos aos “Pais” porque neles
encontramos opiniões semelhantes, que, somadas, representam a verdade. 15
Irineu é considerado o mais exímio teólogo do século II. 16 na sua juventude
foi discípulo de Policarpo. Nascido em Esmirna, na Ásia Menor, aproximadamente
em 130 d. C. Quando jovem foi influenciado pela pregação de Policarpo. Foi
presbítero em Lião durante a perseguição de Marco Aurélio. Após a morte de
Fotino, bispo de Lião ( 177-78 d. C), imediatamente Irineu tornou-se o seu
sucessor. Os relatos sobre seus últimos dias são muito imprecisos. Gregório de
Tours é quem pela primeira vez, em suas obras, informa que Irineu sofreu
martírio. O idioma que Irineu se utilizou para escrever foi o grego, sua língua
materna. Escritor profundo deixou-nos diversas obras, das quais apenas duas
foram conservadas na integra.

1. Asiático de origem, gaulês por adoção.

Asiático de origem, gaulês por adoção, o homem que se manifestou


através de ações e de escritos foi um dos mais importante do segundo século.
Irineu foi seguramente uma testemunha da era apostólica e evidenciou grandes
aspirações relativas ao Ocidente. Colocado em regiões geograficamente
perigosas e em postos avançados, no meio dos bárbaros, ele julgava e reagia
sempre com espírito lúcido e com visão do todo. Para os poderosos, a situação
geográfica tem pouca importância, porém para os pequenos havia continuamente
14
C. Folch Gomes, Antologia dos Santos Padres. p.66-67

15
André Benoit, p. 13

16
B. Altaner.
História da Igreja - Rev. Wilson Santana Silva - 16/09/2018 - 11

a necessidade de buscar-se o centro. Irineu preocupava-se como ninguém, com


as notícias vindas do Oriente, e àquelas que ameaçavam a Igreja muito lhe
preocupava. Graças a Irineu, a cidade de Lião foi para o cristianismo “um fermento
de unidade, uma garantia de perpetuidade”.

2. O nascimento de uma heresia.

A gnose representou e um perigo mortal para a Igreja nascente, pois


corrompia a idéia judaica da transcendência divina. Ela misturava os ensinos
cristãos e a idéia paulina da miséria do homem ao esoterismo das antigas
religiões. O misticismo impreciso, mas tentador, e o pessimismo fundamental do
gnosticismo, ameaçavam desviar a esperança cristã – nutrida pela crença em um
homem-Deus histórico – para um desejo de libertação próximo do nirvana.
Exasperado a ascese ou, ao contrário, os desejos da carne, a gnose choca-se
com a moral evangélica, feita de mansidão e equilíbrio. 17 “O maior de todos os
pensadores gnósticos do segundo século foi Valentino, que ensinou por volta do
ano 137 d.C. Ele estabeleceu escolas no Egito e em Chipre – escolas que ainda
floresciam durante o quarto século, e depois mudou-se para Roma, onde fundou a
mais famosa de suas escolas. Ele jamais estabeleceu uma Igreja e não deixou
livros sobre os seus ensinamentos.” Dentre seus alunos, o mais famoso foi
Ptolomeu, que continuou com sua escola.
A literatura gnóstica foi a primeira literatura teológica cristã. Naquela época,
ela era muito mais significativa do que a literatura ortodoxa. Ela invadiu todos os
setores, os livros apócrifos e até a poesia. A maré gnóstica ameaçava levar tudo
de roldão. A biblioteca das obras gnósticas, descobertas em 1945 ao nordeste de
Nag-Hammadi, tão sensacional quanto a de Qumrã, porém menos harmoniosa
do que esta, permite-nos conhecer melhor a extensão dessa literatura que
ameaçava a Igreja. Ao mesmo tempo, todavia, ela contribui para que se
evidenciasse a solidez da informação e a perfeita objetividade de Irineu, que fala
dos diverso sistemas gnósticos com conhecimento de causa. 18
Ele também combateu a tese fundamental da falsa gnose de que o criador
do mundo é diferente de Deus. “Segundo Valentino, o Ser Eterno, Gerador de
tudo, não teria criado o Universo a partir do nada, mas conteria tudo dentro de Si
mesmo. Teria produzido emanações, que por sua vez teriam produzido outras
emanações, disseminando-se sempre para mais longe de sua fonte.” 19

3. Adversus Haereses: defesa da fé apostólica.

Foi especialmente para combater o gnosticismo que Irineu escreveu sua


obra “Adversus haereses”. É uma das obras mais importante deste autor, datada
dos anos decorrentes entre 180 -185. Utilizando com precisão argumentos da
razão, dá tradição e dos apóstolos ele foi capaz de desmascarar os sistemas

17

Pierre Pierrard, p.34


18
A. Hamman, p. 40
19
Joan O’Grady, Heresia, p. 41
História da Igreja - Rev. Wilson Santana Silva - 16/09/2018 - 12

gnósticos valentiniano refutando-os com muita propriedade. É um livro capital na


história da Igreja.
O gnosticismo valentiniano encontrou em Irineu um grande opositor.
Embora contestador, era apelidado de “o pacificado”. Eusébio de Cesaréia,
comentou que o “perfil de Irineu faz jús ao apelido”.
Irineu não escreveu (adversus haereses) para arrasar os heréticos, mas a
fim de que estes abandonassem seu erro, “de que se convertam à igreja de Deus
e de que Cristo se forme neles”. “Não se trata de confundi-los mas de fazê-los
encontrar Cristo.”
Tal livro de refutação de heresias foi escrito na presença de Deus e é, antes
de tudo, uma confissão do Deus de Abraão e do Deus de Jesus Cristo, por quem
estava pronto a dar a vida.
Nas obras de Irineu se revelam alguns pontos que mais devem atenção: a)
a exposição clara das doutrinas cristãs, tidas como a primeira declaração de fé; b)
apresenta, ainda, algumas preposições importantes para os exegetas e
interpretes. “Quando as Escrituras são claras e sem ambigüidade, não devem ser
explicadas obscuramente para satisfazer a fantasia do interprete. Textos obscuros,
ou parábolas ambíguas, não se prestam para fundamentar doutrinas. Em sua
argumentação, apela para os escritores do novo testamento como autoridade
teológica.
Ele descreveu os diferentes sistemas gnósticos em detalhes; e procurou
expor a natureza absurda de muitas de suas crenças. Como ele mesmo disse:
”meramente descrever tais doutrinas é refutá-las”.20

4. As tradições secretas do gnosticismo.

Os gnósticos reivindicaram tradições apostólicas secretas: Irineu argumenta


que se os apóstolos tinham tido ensinamentos especiais para transmitir deveriam
tê-los confiados às igrejas que haviam fundado.
Um problema colocado pelos gnósticos perante a igreja situava-se no
domínio da autoridade. Que era mais importante?: as Escrituras Sagradas ou os
ensinamentos secretos dos gnósticos? Os mestres gnósticos ensinavam que
Jesus lhes passara informações secretas nos quarentas dias depois da
ressurreição, quando permaneceu ao lado dos discípulos. Esse corpo de doutrina
havia sido preservado pela filosofia e pela teologia dos gnósticos. Contra tal
pretensão, os país antignósticos precisaram estabelecer a doutrina das
Escrituras.21
Ele aponta as diferentes igrejas fundadas pelos apóstolos e mostra como
tem havido uma sucessão continua de ensino aberto e público nestas igrejas
desde aquele tempo.

20
Tony Lane, v. 1.

21
Paul Tillich, p.49.
História da Igreja - Rev. Wilson Santana Silva - 16/09/2018 - 13

Os pontos em disputas entre o cristianismo e gnosticismo não eram pontos


secundários de doutrinas – mas dois sistemas religiosos radicalmente diferentes.
“lutava-se, contra certo tipo de paganismo cristianizado” 22
Irineu pode ser visto não como um teólogo especulativo, desejoso de
adquirir novos conhecimentos teológicos. Contentava-se expondo os argumentos
básicos das Sagradas Escrituras para a pregação da fé cristã. “É melhor, mais útil,
saber pouco ou mesmo nada, mas unir-se a Deus pelo amor, do que ter a
presunção de saber muito, ter grande experiência e, no entanto, ser blasfemador e
inimigo de Deus”.
A grandeza de teólogos como Irineu consiste em ter percebido esse perigo,
utilizando a doutrina do logos para construir idéias teológicas relacionadas com os
movimentos religiosos da época .
Há poucos escritores cristãos dos primeiros séculos tão atuais como ele. O
tempo contribuiu para apontar-nos melhor as suas qualidades. Poucos teólogos
esclarecem melhor do que ele alguns dos problemas prioritários que nossa época
propõe a nossa reflexão. Não que ele tenha a preocupação de responder às
nossas perguntas, mas seu pensamento estimula nossa reflexão e traça-nos um
caminho.

TEXTO.

Do tratado Contra as Heresias.

Quero a misericórdia e não sacrifício.

Deus não queria dos Israelitas sacrifícios e holocaustos, mas fé,


obediência, justiça, em vista da salvação. Manifestando a sua vontade, pelo
profeta Oséias Deus lhes dizia: Quero a misericórdia mais que o sacrifício, e o
conhecimento de Deus acima dos holocaustos (Os. 6.6). Também nosso Senhor
advertia-os sobre o mesmo, ao dizer: Se soubésseis o que significa ‘Quero a
misericórdia e não o sacrifício, nunca condenaríeis inocentes’. (Mt. 12.7) Dava
testemunho de que profetas proclamavam a verdade, e lhes censurava a
insensatez da culpa.
Prescrevendo a seus discípulos oferecer a Deus primícias vindas de suas
criaturas, não por delas precisar, mas para que não fossem eles estéreis nem
ingratos, tomou dentre as criaturas o pão, deu graças e disse: Isto é o meu corpo.
O mesmo com o cálice, também criatura como nós, declarou ser seu sangue e
indicou a nova oblação da nova aliança (Mt.26.28). Recebendo-a dos apóstolos, a
Igreja em todo o mundo oferece a Deus, àquele que nos concede o alimento,
primícias de seus dons no Novo Testamento. Sobre ela, Malaquias, um dos doze
profetas, assim se exprimiu: Minha benevolência não está em vós, diz o Senhor
onipotente, e não aceitarei sacrifícios de vossas mãos. Porque do nascente ao
poente meu nome será glorificado entre as nações, em todo lugar haverá incenso
oferecido a meu nome e um sacrifício puro. Porque grande entre os povos é meu

22
Paul Tillich, p.49.
História da Igreja - Rev. Wilson Santana Silva - 16/09/2018 - 14

nome, diz o Senhor onipotente ( Ml 1.10-11). Com toda a evidência dá a entender


que o primeiro povo cessará de oferecer a Deus. Mas que em todo lugar se lhe
oferecerá um sacrifício que será puro, e todas as nações glorificarão seu nome.
Que nome é este, glorificado pela nações? Haverá outro que não o de
nosso Senhor, por quem o Pai é glorificado e glorificado o homem? E sendo do
seu filho por ele feito homem, chama-o seu. É como se um rei pintasse a imagem
de seu filho. Com razão diria ser sua de duas maneiras: é de seu filho e ele
próprio a faz. Assim o nome de Jesus Cristo, glorificado na Igreja por todo o
universo, o Pai declara ser o seu, porque é de seu Filho e por ter sido ele próprio a
gravá-lo e a dá-lo para a salvação dos homens,
Já que o nome do Filho é próprio do Pai e a Igreja faz a ablação ao Pai
onipotente por Jesus Cristo, diz-se com razão nos dois sentidos: E em todo lugar
se oferecerá incenso a meu nome e sacrifício puro. O incenso, João no Apocalipse
diz serem as orações dos santos ( Ap. 5.8).

4. Tertuliano (c.155 – 220)


Pureza de vida e de doutrina.

Texto Básico.
I Tm 4:16

“Tem cuidado de ti mesmo e da doutrina. Continua nestes deveres; porque, fazendo assim,
salvarás tanto a ti mesmo como aos teus ouvintes.”

Introdução.

Em princípio o nome de Pais é atribuído, às vezes, a autores antigos que


não preenchem perfeitamente as três condições (ortodoxia, santidade, e a
aprovação da igreja), por exemplo, Tertuliano, Orígenes, Eusébio de Cesaréia e
outros. Os eminentes serviços que esses homens prestaram à Igreja, no entanto
explicam essas exceções.
Renovamos aqui o que foi expressado anteriormente, que a procura tanto
da igreja antiga como da presente pelos “Pais” manifesta-se numa dupla direção:
doutrinal e ao mesmo tempo, uma preocupação de caráter mais histórico. 23
Em Cartago, os cristãos são numerosos; eles empregam quase
exclusivamente o latim na liturgia. É Tertuliano que dá à igreja da África e mesmo
a toda a latinidade a sua linguagem teológica, tão diferente do estilo oriental. 24

1. Mente ávida pelo saber.

23
André Benoit, p. 15
24
P. Pierrard, p. 36.
História da Igreja - Rev. Wilson Santana Silva - 16/09/2018 - 15

Quinto Sétimo Florêncio Tertuliano foi uma personalidade fora de série.


Conforme o testemunho do historiador Williston Walker, Tertuliano “foi uma das
mais originais e notáveis personalidade da Igreja primitiva.” Tertuliano nasceu em
Cartago, na África, por volta 155 d.C. Descende de uma família romana rica e de
origem pagã. Seu pai, centurião proconsular, vivia no destacamento militar a
serviço do procônsul da província romana da África. Filho de descrente, mente
ávida de conhecimento, recebeu educação esmerada. Aprendeu o grego. Foi
educado em retórica e direito com intenção de ser professor. Em 193 d.C. foi a
Roma, onde, concluiu sua formação em direito. Foi advogado nesta cidade. Pelo
que se pode notar em suas obras, deixou-se influenciar muito mais pelo direito
que pela retórica. Tertuliano acumulou, assim, vasta cultura pagã, procurando nela
a realização do próprio espírito.

2. Tertuliano um construtor de idéias.

Foi convertido ao cristianismo aproximadamente em 196 e entregou-se


com afinco ao esforço de assimilar, o mais rápido possível, a cultura cristã.
Estudou teologia nos dois aspectos: a ortodoxia e a heterodoxia. Jerônimo afirma
que foi ordenado sacerdote, no entanto aprimorou-se na arte de escrever em
latim, e por isso com justiça ele é chamado “o pai da teologia latina”.
Este artífice do verbo triturou, renovou, adaptou, enriqueceu a língua latina.
Forjou um vocabulário para exprimir as verdades da fé. Sua ação é decisiva sobre
a literatura cristã. Teve a oportunidade de chegar em primeiro lugar, no momento
em que a Igreja latina formulava o seu pensamento. É o mágico da palavra. Suas
fórmulas são flechas: “o sangue dos cristãos é uma semente”. Tertuliano conheceu
todos os recursos da retórica e da sofistica. Nada o embaraçava. Se sentia
necessidade de uma palavra nova, ele a criava. Advogado esperto, mudava de
teoria para atender às necessidades de uma nova causa. 25

3. Procurando pureza de vida, ingressou no montanismo.

Tertuliano reprovou a indisciplina e os escândalos da Igreja Romana sob o


cetro do bispo Zeferino, reconhecido como Pontífice ou bispo-mor (199-217). Isso
fez com que se tornasse impossível continuar como membro da Igreja e como
bispo da hierarquia de Roma vindo a afastar-se dela oficialmente.
Em Cartago, pôs-se a serviço de sua Igreja como catequista, até pelos anos
206 ou 207, quando então aderiu ao montanismo. Montanista ardente, sempre,
contudo, viu-se parte da Igreja. Tertuliano cometeu alguns erros. Entres eles o
abandonar a Igreja cristã, trocando-a pelo montanismo. Considerando este grupo
como os verdadeiros santos “pneumáticos”. Embora tenha-se tornado chefe da
seita montanista, desentendeu-se também com ela por achar que sua austeridade
era insuficiente. Fundou sua própria seita, a dos “tertulianistas” que, pelo menos
até no tempo de Agostinho (354 – 430) tinham uma basílica em Cartago. Mesmo
assim sua influência marcou a Igreja Latina. Foi um teólogo da época, embora
com deficiências teológicas.

25
A. Hamman. p.57
História da Igreja - Rev. Wilson Santana Silva - 16/09/2018 - 16

Lutava veementemente contra certo tipo de paganismo cristianizado, tal


luta, certamente, nunca foi apenas negativa, pois sempre se aceita elementos
combatidos e os assimila.
Teólogos do período expressavam idéias oriundas da rejeição e aceitação
dos movimentos pagão da época. Desenvolviam essas idéias de modo construtivo
em relação à Bíblia e a tradição; com isso livraram doutrinas de heresias
perigosas como o politeísmo, triteísmo e o diteísmo.

4. Tertuliano: teólogo, apologista e escritor.

A grandeza de teólogos como Tertuliano consistem em perceber os perigos


que ameaçavam a Igreja com os movimento da época, tornando-o um contestador
dos sintomas da Igreja em processo de alteração teológica.
Tertuliano preconizava um cristianismo de combate, que enfrente o mundo
pagão, sem estabelecer laços, sem vontade de dialogar. Ele compôs numerosos
escritos apologéticos e uma quantidade de obras acéticas, de edificação e de
polêmica. Combateu vigorosamente o gnosticismo, o paganismo, o judaísmo, o
modalismo e a Igreja Católica. Ele sempre escreveu como um advogado
defendendo sua própria posição e atacando todos os rivais, não estava sendo
vingativo ou desonesto mas completamente convencido da retidão de sua causa e
sinceramente buscava argumenta-la tão bem quanto pudesse se utilizando de
todos os métodos de retórica que se dispunha. Ele escreveu mais de 30 obras
que se resumem principalmente em 3 grupos principais: - Obras apologéticas: a
mais famosa é simplesmente chamada de Apologia; - obras Dogmáticas anti-
heréticas, as mais conhecidas são: prescrição de hereges, contra o gnosticismo;
Rejeição: onde o herege não tem direito do uso da Bíblia; Contra Marcion: que foi
um herege do II século; Contra Praxeas. Praxes era um monarquista que se opôs
ao montanismo; Obras Práticas: Arrependimento (católica) e Modéstia
( montanista).
Em todas elas Tertuliano fez uso de conceitos muito importantes, por exemplo;
foi o primeiro a usar os termos: pessoa divina, trindade, unidade, substância,
acidente, sacramento, livre-arbítrio, confissão, satisfação etc. Expôs também a
idéia de que o Filho era da mesma substância que o Pai, assim como “há uma só
substância nos três que estão unidos entre si.” Sua doutrina trinitária se adiantou
em um século aos símbolos de Nicéia.
No fim da vida, Tertuliano teve a desventura de deixar-se influenciar pela
heresia montanista e tertulianista, e por isso alguns entende que ele não faz jús ao
título de “Pai da Igreja”. No entanto, é impossível negar a contribuição que prestou
à teologia ocidental, da qual foi o verdadeiro fundador. A despeito dos seus erros
de última hora, Tertuliano foi um grande cooperador na construção da história e
tradição da Igreja.”26

TEXTO.

26
André Benoit, p. 38
História da Igreja - Rev. Wilson Santana Silva - 16/09/2018 - 17

Sobre a vida comunitária dos cristãos (c. 200 d. C)

Somos um corpo pelo sentimento da mesma crença, pela unidade da


disciplina, pelo vínculo da mesma esperança. Formamos uma liga e uma
congregação para sitiar a Deus com as nossas orações, como um exército em
formação cerrada. Esta violência agrada a Deus. Oramos também pelos
imperadores , ministros e governantes, pela prosperidade do mundo, pela
tranqüilidade geral, pelo adiantamento do fim dos tempos. Nós nos reunimos para
ler as Sagradas Escrituras, se os acontecimentos do presente nos obrigam a
procurar nelas sejam advertências para o futuro, sejam exemplos do passado.
Com estas santas palavras nutrimos nossa fé, levamos nossa esperança,
reforçamos nossa confiança e cerramos também nossa disciplina, inculcando seus
preceitos. É ainda nestas reuniões que se fazem exortações, correções e
censuras em nome de Deus. Com efeito, há também julgamentos, que têm
grande peso, pois temos certeza de estarmos na presença de Deus; e é pré-julgar
terrivelmente do juízo futuro, se alguém entre nós comete uma culpa tal que é
excluído da comunhão das orações, das assembléias e de toda relação com as
coisas santas.27

5. Atanásio de Alexandria (c. 295-373)


O defensor da ortodoxia.

Texto Básico.

Gálatas 1.6

“ Admira-me que estejais passando depressa daquele que vos chamou na graça de Cristo, para
outro evangelho.”

Introdução.

É interessante observar que, nas faculdades de teologia protestante


espalhadas pelo mundo, o profundo interesse pela Bíblia e pela teologia teve
como conseqüência um certo desamor pelos estudos históricos. É bom que as
disciplinas bíblicas e sistemáticas despertem o interesse dos estudantes, mas é de
lamentar que com isso sofram as disciplinas históricas. A história do século XVI
ainda desperta alguma curiosidade: o conhecimento do passado imediato e das
causas do grande fracionamento da Igreja Cristã permite situar-nos no contexto da
cristandade atual. Mas a história da Igreja até a Reforma, ao contrário, é muito
freqüentemente reduzida à categoria de um grande período, porém vazio, sem
maior interesse, lembrado somente por alguns nomes. Consequentemente a igreja
evangélica atual ignora o valor e a contribuição de homens que entregues a
Cristo defenderam as verdadeiras opiniões Cristãs.28
27
Roland Fröhlich, p.18

28
André Benoit, p. 98
História da Igreja - Rev. Wilson Santana Silva - 16/09/2018 - 18

1. O nascimento de um apologista.

Atanásio, o mais célebre dos bispos alexandrinos, foi o principal defensor


da fé de Nicéia, na luta contra os adversários arianos e o poder imperial que, tão
freqüentemente e sem escrúpulo os apoiava. 29
O futuro bispo de Alexandria não é, como os capadócios, um universitário,
mas um homem de Igreja. Nada sabemos a respeito de sua formação, de seus
mestres, de seus estudos. Ele próprio conta-nos que alguns de seus mestres
pereceram durante as perseguições. Eram, portanto, cristãos. Foi a Igreja que
formou Atanásio. De certo modo, foi nela que ele fez carreira. É seu ambiente de
vida, sua pátria, sua família. Ele a defenderá com a intrepidez com que o filho
defende sua mãe.30 Atanásio é, na verdade, uma personalidade grandiosa e
admirável, um vigor que domina toda a história religiosa do Egito – e quase da
cristandade inteira durante os anos conturbados. Dotado de uma inteligência
extraordinariamente penetrante, acostumado a todas as sutilezas do espírito
oriental, mas sabendo desmascarar as falsas aparências e evitar as armadilhas
graças a um bom senso positivo que não o deixava cair em qualquer logro, tinha
um caráter de maravilhosa têmpera, do mesmo aço com que Deus fizera os seus
Apóstolos e os seus mártires, ao mesmo tempo maleável e forte, reto na suas
intenções e hábil nas suas manobras. Com profundidade religiosa, encarnava o
tipo desses grandes mestres para quem a ação é o efeito e o prolongamento de
oração e que, no meio das piores lutas, nunca se esqueceram de que pertenciam
a Deus.

2. Sua ascensão eclesiástica.

Atanásio era um homem muito conhecido, especialmente junto ao povo


simples e aos marinheiros do porto de Alexandria.
Muito pouco se sabe acerca dos seus primeiros trinta anos. Nasceu em
Alexandria cidade localizada a ocidente do delta do Nilo. Ainda jovem conheceu as
terríveis perseguições de Diocleciano, que terminaram em 305, com a morte do
imperador. Seu crescimento e sua instrução ocorreram em ambiente cosmopolita
onde proliferavam maníqueus e gnósticos.
Aproximadamente em 313, o bispo Alexandre convida-o, com apenas
dezessete anos, para auxiliá-lo, recebeu aprimoramentos intelectuais e boa
amizade.
Envolveu-se no clero alexandrino, e dez anos depois, dominou
perfeitamente três línguas: Cópta (língua dialetal) e “Koiné” (grego popular), a
língua da maioria; aprendeu também o grego clássico, usado nas grandes
conferências e disputa entre sábios. Atanásio reúne em si a síntese da clareza
helênica e do vigor egípcio.

29
B. Altaner, p. 274

30
A. Hamman, p. 109.
História da Igreja - Rev. Wilson Santana Silva - 16/09/2018 - 19

3. Atanásio e o Concílio de Nicéia.

Como diácono, Atanásio acompanhou seu bispo Alexandre ao concílio de


Nicéia. Participou do primeiro concílio ecumênico, e da vitória da fé sobre a
heresia de Ário. Ele foi e continuará sendo o homem de Nicéia, a ponto de se
identificar com a causa da ortodoxia, o que contribuirá para complicar e agravar
vários conflitos.

a) Ário.

O ápice da disputa ocorreu por volta de 323. Nesse ano, Atanásio,


secretário episcopal, já era diácono há três anos. Apoiava o bispo contra Ário, um
padre da arquidiocese. Ário apresentava e propagava doutrinas errôneas
sintetizadas em três frases que os simples deveriam repetir como refrães
encadeados: “ O Verbo divino não é eterno. Foi criado no tempo por Deus Pai. Só
por metáfora é que lhe chamamos Filho de Deus”.
Ário foi condenado por seus graves erros, refugiou-se em Cesaréia.
Possuiu alguns discípulos. Algum tempo depois, no inicio de 325, o imperador
Constantino, que se intitulava “Bispo de fora”, convocou o primeiro concílio
universal, “a fim de restaurar a unidade ameaçada”.

b) Concílio de Nicéia.

De 20 de maio a 25 de agosto de 325 em Nicéia (Turquia atual), reuniu-se


cerca de duzentos e cinqüenta bispos. No programa, três importantes assuntos:
controvérsia ariana; cisma do tenaz Melitios de Lycopolis, promotor de uma
hierarquia paralela; e questão pascal. 31 Com exceção do Imperador nenhum leigo
tinha direito de falar no concílio. A palavra era sempre dos bispos. No entanto, dois
diáconos, teólogos-consultores, tomarão parte nas discussões: Alexandre de
Constantinopla e Atanásio de Alexandria.
O bispo de Ancira era conhecido como o campeão da ortodoxia, porém
mostrou-se inábil nas suas intervenções. Os dez bispos arianizantes aproveitam-
se da sua falta de jeito e das sua timidez. Atanásio diante do problema aceita o
desafio e mostra tal eloquência e força de persuasão que os seus adversários
passaram a temê-lo. Como testemunho, vejamos a descrição desta cena
admiravelmente pintada por Gregório de Nazianzo, meio século depois:
“Em Nicéia, os arianos observam o valoroso campeão da verdade: de
estatura baixa quase frágil, mas de postura firme e de cabeça levantada. Quando
se levanta, como que se sente passar uma onda de ódio através deles. A maioria
da assembléia olha com orgulho para aquele que é o intérprete do seu
pensamento.”32

31
J. Huscenot, pág. 13

32
Elogio a Atanásio, Patrologia Grega, t. 25, col. 1081.
História da Igreja - Rev. Wilson Santana Silva - 16/09/2018 - 20

Na verdade, o intrépido jovem diácono, suplanta Ário, colocando no centro


da sua refutação o mistério da encarnação redentora e põe o herege perante duas
perguntas fundamentais: “Se o verbo foi criado, como é que Deus que O criou
não podia criar o mundo? Se o mundo foi criado pelo verbo, porque é que não
teria sido criado por Deus?”
“A doutrina de Atanásio acerca do Logos enraíza-se, sobretudo, na idéia da
redenção, ou seja, na frase: Não teríamos sido resgatados, se Deus mesmo não
houvesse assumido nossa natureza humana; portanto, se Cristo não fosse Deus.
O Logos, que é Deus, ao unir a si uma natureza humana, divinizou a humanidade;
e triunfando da morte para si mesmo, triunfou por todos nós. Se, ao contrário,
tivesse tido a prerrogativa de ser Deus, não por natureza, mas por participação,
não teria podido comunicá-la."33 Seguindo rigorosamente a posição de Atanásio, o
Concílio proclama que “o Verbo é consubstancial ao Pai”. E ele redige a fórmula
(19 de junho de 325), que se tornará o “Símbolo de Nicéia” que a liturgia atual
ainda no-lo recorda: “Creio num só Deus. Creio num só Senhor, Jesus Cristo, Filho
Unigênito de Deus, nascido do Pai antes de todos os séculos: Deus de Deus, Luz
da Luz, Deus verdadeiros de Deus verdadeiro”. 34Atanásio, já sacerdote, defenderá
esta “Fé de Nicéia”, pelo menos por três anos. No dia 7 de Junho de 328 – dois
meses e meio depois do falecimento do seu antecessor – o bom povo da capital
grita: “Alexandre morreu, viva Atanásio!”.

4. Exílios: o preço da sua fidelidade.

A fidelidade e empenho empregado na defesa da fé apostólica custou


preço muito alto para o brilhante Atanásio, pelo menos cinco exílios. Em
conseqüência das intrigas conjugadas dos “melicianos” e dos “eusebianos”,
Constantino, o imperador, tomou uma decisão incompreensível: exilou Atanásio
para a fronteira das Gálias, mas permitiu que o exilado continuasse a usar o título
de arcebispo titular de Alexandria. Em 336 morreu Ário e no dia 22 de maio de
337, ocorreu a morte de Constantino e com isso Atanásio obtém sua liberdade.
Durante sua existência inteira, vai prosseguir essa luta, durante quarenta e cinco
anos, primeiro com o apoio do poder civil e, depois que este trair a ortodoxia,
contra o mesmo poder. Cinco exílios não esgotarão a sua resistência e não
abalarão de forma alguma a sua energia.
Primeiro exílio em Trévis (335-337). Durante o período de exílio em Trévis,
Atanásio aprendeu latim e conheceu o Ocidente; segundo exílio (339-346);
terceiro exílio (356-362); quarto exílio (362-363); quinto exílio (365-366).
À sua chegada, em julho de 338, teve uma grande consolação. De fato, o
famoso Antão, compatriota de Atanásio, deixa provisoriamente o seu deserto para
ir a Alexandria. O Ilustre octogenário aponta como infame os arianos e dirige ao
patriarca perseguido uma homenagem pública vibrante: “Tu és o ilustre campeão
da fé ortodoxa.”35 Atanásio parece feito de uma só peça. Essas naturezas
33
B. Altaner, p.282

34
J. Huscenot, pág. 14
35
J. Huscenot, pág. 16
História da Igreja - Rev. Wilson Santana Silva - 16/09/2018 - 21

monolíticas provocam atitudes contrárias: admiração e amizade de uns, oposição


de outros. O povo e os monges compreenderam que a sua causa era justa e que
suas palavras diziam a verdade. Ele seduziu não por seu encanto, mas por sua
paixão; ele convenceu porque inspirava confiança. Foi este o segredo de sua
eloqüência irresistível.
Admirado por seus contemporâneos pela firmeza de uma ação que nenhum
revés, nenhum insucesso conseguem deter, Atanásio foi comemorado na história
como “um dos pilares da Igreja”. Seu mérito consiste em haver compreendido o
acontecimento e as conseqüências da paz constantiniana. Avaliou os perigos de
uma Igreja imperial para a liberdade da fé. Defendeu, diante dos imperadores e
dos teólogos políticos, a fé de granito, proclamada em Nicéia, e a fidelidade da
Igreja à sua missão específica, que é a de levar a salvação ao mundo. 36 Atanásio
já septuagenário foi solicitado por Basílio de Cesaréia, para restaurar a unidade da
Igreja de Antioquia e começou a trabalhar nisso. A sua morte, ocorreu na noite de
2 para 3 de maio de 373 na cidade de Alexandria.

TEXTO

Do Discurso contra os gentios.

O Verbo do Pai tudo orna, dispõe e contém.

O Pai santíssimo de Cristo – sem comparações mais excelente do que


toda a criatura – como ótimo criador, tudo governa, dispõe e faz convenientemente
o que lhe parece justo, por sua sabedoria e por seu verbo, Cristo, nosso Senhor e
Salvador. Assim é bom que tudo tenha sido e venha a ser feito como vemos. Que
ele o tenha querido assim, ninguém pode duvidar. Porque, se a criação se
movesse sem razão, se o universo fosse conduzido pelo acaso, poder-se-iam
perfeitamente por em dúvida nossas afirmações. Mas como o mundo foi produzido
com razão, sabedoria e ciência, estando ornado de toda beleza, é preciso que
aquele que o preside e o organizou não seja outro senão o Verbo de Deus.
Afirmo que o Verbo do Deus do universo e de todo o bem é o Deus vivo e
eficaz que existe por si próprio. Distinto de todo o criado, ele é o próprio e único
Verbo do Pai de bondade, por cuja providência o mundo inteiro, por ele feito é
iluminado. Ele, que é o bom Verbo do bom Pai, estabeleceu a ordem de todas as
coisas, uniu entre si os contrários, compondo assim grande harmonia. Este único
e unigênito é Deus: a bondade que procede do Pai, como de fonte do bem, e
adorna, dispõe e mantém todo o universo.
Aquele que por seu eterno Verbo tudo fez, fazendo existir as criaturas cada
qual conforme a própria natureza, não permitiu que ela se movessem
arbitrariamente, a fim de que não retornassem ao nada; por isso, ele, que é o bem,
por meio do seu Verbo, Deus como ele, governa e conserva toda criação. Deste
modo, a criação, iluminada pelo governo, providência e administração do Verbo,
pode permanecer firme e manter-se coesa. Portanto, a criação, obra do Verbo do

36
A. Hamman, p. 117.
História da Igreja - Rev. Wilson Santana Silva - 16/09/2018 - 22

Pai – Verbo que é o próprio ser – dele participa e é por ele auxiliada, a fim de não
cessar de existir, o que aconteceria, caso não fosse guardada pelo Verbo, que é a
imagem do Deus invisível, primogênito de toda criatura. Por ele e nele tudo existe,
tanto as coisas visíveis quanto as invisíveis. Ele é também a cabeça da igreja,
como ensinam os ministros da verdade nas Sagradas Escrituras.
Por conseguinte, este Todo-Poderoso e santíssimo Verbo do Pai,
penetrando em tudo, desdobra por toda a parte as suas forças, e ilumina todas as
coisas visíveis e invisíveis. Em si mesmo contém e abraça todas, de modo que
não deixa nada alheio a seu poder, mas em tudo e por tudo, a cada um em
particular e a todos em conjunto concede a vida e a proteção. 37

6. Cirilo de Jerusalém (c. 313-386)

Uma vida de sacrifício.

TEXTO

2 Tm 2.2

“...Isso mesmo transmite a homens fiéis e também idôneos para transmitir a outros”

Introdução

Os antigos judeus olhavam para o futuro com grande esperança e saudosismo.


Aguardavam uma mudança que lhes possibilitariam a reconstrução de sua velha
cidade e a reedificação do cobiçado templo. No entanto no local reservado à
Jerusalém, os romanos construíram uma nova cidade, Aelia Capitolina. O templo
cedeu lugar ao Capitólio, consagrado às três divindades de Roma, Júpiter, Juno e
Minerva, cujos traços ainda hoje são visíveis. Sobre o terreno em que os cristãos
localizavam a crucificação e o sepultamento, ocorriam sucessivas profanações. Os
cristãos continuavam a viver e a se reunir na igreja onde o Senhor celebrou a
última ceia. Sempre agrupados em torno de seus bispos e os sucessores destes.
Eusébio de Cesaréia dedicou uma série de obras à geografia bíblica e através
dela é possível contempla a terra santa. Relatou-nos também as provações e o
sofrimento da comunidade, durante a perseguição de Diocleciano. 38

1. Período de tolerância religiosa.

As coisas mudaram com o edito de Milão, em 313. Neste mesmo ano,


nasceu em Jerusalém ou nos arredores da cidade, Cirilo.

37
C. Folch Gomes p. 203-204; Liturgias das Horas, Vol. III, p.54-55.

38
A. Hamman, p. 179
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Derivado do grego Kyrios (o Senhor), o nome Círilo vai efetivamente


designar um grande pedagogo, verdadeiro modelo de adaptação a um público
multiforme. Sua infância se deu em meio a uma época de paz eclesial, iniciada em
313, mas também de rudes debates doutrinais que não pararam de proliferar.
Cirilo foi um grande defensor da fé de Nicéia. Este bispo perseguido sofreria
dezesseis anos no exílio, em trinta e cinco de episcopado. Recebeu uma
educação liberal, sólida e aberta, especialmente no domínio exegético. O seu
método literário parece ligar-se à escola de Antioquia dirigida por Paulo de
Samosata. Jerônimo afirma que Cirilo foi ordenado diácono aos vinte e quatro
anos por Macário; mas trata-se apenas de uma hipótese. O que é histórico é que
foi ordenado sacerdote em 345, por Máximo de Jerusalém. Três anos mais tarde,
348, pronunciou as famosas “catequeses” que vão imortalizar seu nome.

2. Grandes desafios em Jerusalém.

Em 351 passou a ocupar a Sé de Jerusalém, portanto significa que tornou


se bispo aproximadamente em 350.
Acácio de Cesaréia demostrou alguma simpatia ao novo bispo com
intenções de conduzi-lo ao arianismo. Porém se deu mal, porque, logo a seguir, os
dois Bispos iniciam um combate de influências e de jurisdição. Acácio, convencido
de que seu titulo de chefe para a província eclesiástica palestiniana corria risco,
invoca o seu direito de vigilância e de controle. Mas o novo bispo de Jerusalém
opõe-lhe o sétimo decreto de Nicéia que determina que o “bispo de Jerusalém
exercerá um primado de direito e de honra.” 39 Durante este combate, Acácio
chamou Cirilo ao seu tribunal, como ele “recusou-se à comparecer”, Cirilo foi
condenado por contumácia, sob acusação falsa: “dilapidação de bens
eclesiásticos”. Ele defendeu-se, respondendo: “Durante uma fome, vendi os vasos
sagrados e alfaias (enfeites, jóias) para socorrer os famintos da diocese”. Nada
valeu suas justificativas, pois em seguida enfrentou um decisão de desterro.
O exilado fixou-se em Antioquia e, depois, passou para Tarso. Nesta cidade,
o bispo Silvano mostrou-se hospitaleiro e confiante. Este bispo acolhedor estava
ligado à Basílio de Ancira, Jorge de (Laodícéia) e Eustóquio de Cesaréia,
autoridades não muito ortodoxas.

3. Disputas em torno do Cristo.

A doutrina de Ario, assegurava que o filho de Deus é uma criatura, porém


com primazia em relação as demais. Considerava também Cristo como a primeira
criatura; somente o Pai é eterno. Daí as variantes:
Homeousianos (ou homeus): este nome é dado aos membros de uma das
correntes em que se dividiram os arianos. Os homeus cujo líder era Acácio de
Cesaréia, professavam um arianismo moderado, hostil a toda formulação técnica.
Eles defendiam a seguinte fórmula: “o Filho é semelhante (homoios) ao Pai.” O

39
J. Huscenot, p. 43.
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homeísmo triunfou por breve tempo nos concílios de Rímini-Selêucia e de


Constantinopla (359 e 360).40
Pelo contrario, os “homoousianos”, bispos orientais hostis ao arianismo,
mas desconfiando muito da doutrina da consubstancialidade proclamada em
Nicéia, em 325, ligam-se a uma formula dogmática suave: “o filho é semelhante
em substância ‘homoiousios’ ao Pai!”. No seu conjunto, estes semi-arianos, como
serão conhecidos, terão influenciado e marcado Cirilo? Seja como for, ai está o
campo aonde ocorrerá grandes batalhas.
Mal regressou á sua cidade episcopal, Cirilo era novamente expulso,
incluído num grupo de exilados religiosos, a pedido de um Concilio em
Constantinopla (360), manobrado por Acácio. Esta segunda deportação irá durar
até a morte de Constâncio (360). Foi no fim deste ano que o novo imperador,
Juliano o Apóstata tentou reconstruir o templo de Jerusalém, com a intenção ímpia
de demostrar a falsidade da pregação de Cristo. Depois do fracasso da empresa,
o apóstata atribuiu o insucesso às intrigas de Cirilo.
O edito imperial de Valente, em 367, prescrevia um novo desterro que iria
prolongar-se por onze anos. Quando, em 387, o bispo perseguido voltou à sua
diocese, a encontrou arruinada. Sexagenário, embora gasto pelas provações,
retornava a sua tarefa de reformador delicado e tenaz. Em 382, os poderes
decidem, por unanimidade, dirigir uma “carta ao papa Dâmaso”, verdadeiro e
comovente elogio colegial, expressão de uma confraternidade ativa. “Levamos ao
teu conhecimento que o bispo da igreja de Jerusalém é o reverendo e grande
amigo de Deus, Cirilo, que foi ordenado canonicamente pelos bispos da sua
província e que sustenta em diversos lugares numerosos combates anti-
arianos.”41 Mesmo sendo lançado de um lado para o outro Cirilo se manteve
firme doutrinariamente. Sua cristologia foi e é totalmente antiariana.
Alguns anos depois, este homem de paz, profundamente entristecido com
as divisões da igreja, morreu com setenta e um anos.

TEXTO
Das Catequeses

Igreja ou convocação do povo de Deus.

Católica ou universal chama-se a Igreja, porque se espalhou de um extremo


a outro de todo o orbe da terra. Porque ensina universalmente e sem falha todos
os artigos da fé que os homens precisam conhecer, seja sobre as coisas visíveis
ou as invisíveis, seja as celestes ou as terrestres Porque reúne em todo o universo
qualquer espécie de pecados cometidos pela alma e pelo corpo. Porque ela
possui tudo, toda virtude, seja qual for o nome que se lhe dê, nas ações e nas
palavras, bem como toda a variedade dos dons espirituais.
Igreja, isto é, convocação: nome bem apropriado porque convoca a todos e
os reúne, como o Senhor diz no Levítico: Convoca toda a congregação diante da
porta do tabernáculo do testemunho. É de notar a palavra convoca, usada aqui
pela primeira vez nas Escrituras, na ocasião em que o Senhor estabeleceu Aarão
40
Roland Fröhlich, p.32
41
Jean Huscenot p.144
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como sumo sacerdote. No Deuteronômio Deus diz a Moisés: Convoca para junto
de mim o povo para que me escutem e aprendam a temer-me. Há outra menção
da Eclésia, quando se fala das tábuas da Lei: Nelas estavam escritas todas as
palavras que o Senhor vos falou no monte, do meio do fogo, no dia da “Eclésia”,
isto é, convocação como se dissesse mais claramente: No dia em que, chamados
pelo Senhor, vos congregastes. O Salmista também diz: Eu te confessarei,
Senhor, na grande “Eclésia’, no meio do povo numerosos te louvarei.
Já antes o salmista cantara: Na “Eclésia”, bendizei o Senhor Deus, das
fontes de Israel. O Salvador edificou com os gentios a segunda, a nossa Santa
Igreja dos cristãos, da qual dissera a Pedro: E sobre esta pedra edificarei a minha
igreja e as portas do inferno não prevalecerão contra ele.
Rejeitada a primeira, a da Judéia, de ora em diante multiplicam-se as
Igrejas de Cristo, aquelas de que se fala nos salmos: Cantai ao Senhor um cântico
novo, seu louvor na ‘eclésia’ dos santos. De acordo com isto diz o Profeta aos
judeus: Meu afeto não está em vós, diz o Senhor e acrescenta logo: Por isso, do
nascer do sol até o ocaso, meu nome é glorificado entre os povos. Desta mesma
santa e católica Igreja escreve Paulo a Timóteo: Para que saibas como comportar-
te na casa de Deus, a Igreja do Deus vivo, coluna e sustentáculo da verdade.

7. Basílio de Cesaréia (c. 330 - 379 )

Firmeza doutrinária e ação social

Atos 6.1
“Ora, naqueles dias multiplicando-se o número dos discípulos houve murmuração dos helenistas
contra os hebreus, porque as viúvas deles estavam sendo esquecidas na distribuição diária.”

Introdução.

À corrente teológica alexandrina, cujo representante mais insigne é


Atanásio, pertencem também os três grandes capadócios: Basílio, seu irmão
Gregório de Nissa, e seu amigo Gregório de Nazianzo, unidos entre si não
somente por idênticos interesses intelectuais, mas ainda por laços de amizades. A
influência desta corrente sobre o desenvolvimento da Igreja e, de modo particular,
sobre a posição da Igreja ante a cultura profana, é difícil de avaliar com justiça. 42
As margens da Ásia Menor achavam-se colonizadas há muito tempo pela
cultura grega, ao passo que no interior das terras da Capadócia, o centro da
Turquia atual, estava apenas alinhavada culturalmente. Nesse interior as cidades
eram pouco numerosas, os costumes rudes e o clima de longos invernos. É nesta
geografia que nasceu Basílio. A região era formada mais de escravos do que de
homens livres.

1. Basílio, um dos Pais da Capadócia.


42
B. Altaner, p. 293.
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Conhecer a vida de Basílio significa percorrer os caminhos que foram


traçados por Gregório de Nazianzo e Gregório de Nissa. O testemunho desses
clérigos fornecem informações preciosas sobre sua vida e daqueles que viveram
ao seu lado. Seu nascimento se deu por volta de 330. Pertencia a uma tradicional
família cristã. Seu avô tornou-se mártir e sua avó Macrina, a antiga, foi seguidora
de Gregório, o Taumaturgo. Basílio é o caçula entre nove irmãos, e recebeu uma
excelente formação.
Seu pai era reitor em Néo-Cesaréia permitindo ao seu filho uma infância
despreocupada. Seus estudos o conduziram a Constantinopla e depois a Atenas.
Cidade universitária por excelência. Ai ele fez um grande amigo, Gregório de
Nazianzo, e encontrou também o futuro imperador, mais tarde conhecido sob o
nome de Juliano, o Apóstata.
Após cinco anos de estudo em Atenas, Basílio voltou para sua cidade natal
e abraçou a carreira de reitor, à qual renunciou não muito tempo depois. Nesta
época ele deixou de ser simples catecúmeno e recebeu o batismo. Empreendeu
então, uma viagem através do Egito, Palestina, Síria e Mesopotâmia, no desejo de
se encontrar com os mais celebres ascetas e monges de tais regiões. O exemplo
deles marcará a sua vida, de tal modo que depois que retornou à pátria ele
distribuiu sua fortuna aos pobres, e se retirou para a solidão no norte da
Capadócia, na região de Íris. Aspirava viver o ideal monástico com alguns amigos
que a ele se agregaram, no desejo de partilhar a mesma vida. Compôs naquela
época a coleção dos extratos de Orígenes, que recebeu o título de Filocália. Seu
retiro durou pouco.

2. Um homem com duas missões.

Desde 364 Basílio era sacerdote, e também membro do presbitério de sua


cidade natal, Cesaréia da Capadócia. Diante, porém das dificuldades surgidas
entre ele e seu bispo, Basílio retornou à vida monástica, porém, chamado pelo
próprio bispo ele voltou a exercer as funções sacerdotais em Cesaréia. Vindo a
suceder Eusébio, em 370, durante oito anos.
No momento da eleição episcopal de Basílio, a situação da Igreja no
império romano não era das melhores. Estes oito anos de episcopado foram
marcados de dois modos:
Em Cesaréia, Basílio vai ser organizador das obras sociais e no império
Basílio terá uma função muito importante na luta antiariana. Sua atuação não será
tanto de defender, mas mais de propagar a fé ortodoxa.
Analisando as cartas de Basílio, entre seus correspondentes há um
número impressionante de altos funcionários, aos quais Basílio se dirige para
defender os pequenos ou para pedir que dispensem do ônus públicos a pequena
propriedade dos pobres.
Em todo este seu empenho tem se de levar em conta que Basílio pertence
a uma grande família, isto é, a uma família senatorial, possuidora de riqueza
considerável, com grandes posses e propriedades.
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Tal riqueza era acompanhada de encargos públicos, pois a tais famílias estava
vinculada, em parte, a sobrevivência do Estado. Assim, uma família possuidora de
florestas deveria fornecer a madeira necessária para os benefícios comum.
À família senatorial cabia preservar e incentivar a cultura ou a educação,
elementos essenciais na manutenção da unidade do Império.
Muito embora a motivação seja bem outra, esta realidade não deixará de
influenciar a aceitação de Basílio como bispo.
Sabe-se que em 368, por ocasião de uma grande fome, Basílio, já
ordenado, exerceu um papel relevante em Cesaréia. Ele organizou as sopas
populares, permitindo acesso a elas, o que é destacável na época, mesmo aos
judeus. Gregório de Nissa observa isso como um traço que surpreende,
agradavelmente, a toda comunidade.

3. A criação da Basiléia.

Basílio, eleito bispo, criou nos arredores de Cesaréia uma nova cidade,
fazendo com que o imperador doasse um vasto terreno para ali construir um
“hospital” no qual ajuntou uma hospedaria e uma igreja. Este conjunto se
destinava a acolher os viajantes de passagem e compreendia alojamento para os
empregados e os trabalhadores pobres da cidade. Em poucos meses uma cidade
satélite surgiu às portas de Cesaréia. Após sua morte ela tomou o nome de
Basiléia ou Basilíades, como uma homenagem póstuma a este que a construiu e,
o que é notável, onde ele estabeleceu a sua residência, junto aos pobres.
Gregório de Nazianzo, em seus elogios a Basílio, mostra que esta cidade
foi ponto referencial de sua ação social e de seu pensar. Para ele, era ela a oitava
maravilha do mundo: “os pobres têm uma pequena propriedade, os doentes são
tratados e os peregrinos acolhidos.”

4. Basílio e a crise ariana.

Quando, em 370, Basílio é eleito bispo, a Igreja atravessava a grande crise


em que muitos bispos tinham assinado uma formula de fé ariana, incorreta não
pelo que diz, mas pelo que não queria dizer.
Em 370, o Imperador Valente partidário pessoal da formula ariana, desejava
que ela se tornasse lei de fé em todo o império. Portanto fez-se necessário que
todos os bispos assinassem tal formula, especialmente Basílio, por causa da sua
importância e por ser ele metropolitano da Capadócia.
Basílio, porém, desde o início de seu episcopado, compreendeu bem a
situação e o perigo que ameaçava a igreja e vai sustentar esforços em dois
sentidos: incentivar os bispos a resistir ao imperador, sobre tudo em matéria de fé
e moral; e buscar a comunhão unindo os bispos entre si.
Basílio manda embora o funcionário imperial que lhe veio pedir para assinar
a formula ariana, o que fortaleceu os outros bispos. O prefeito ameaçava Basílio.
Nada feito. Era tão grande o prestigio de Basílio, que o imperador não ousou
enviá-lo para exílio. Ora, desejando confinar Basílio e lhe tirar a autoridade, ou ao
menos diminuir sua influencia, Valente decide dividir a Capadócia em duas.
Designou Tiana, cidade estrategicamente mais importante que Cesaréia, como
História da Igreja - Rev. Wilson Santana Silva - 16/09/2018 - 28

metrópole da nova Capadócia. Objetivava com isso, que o bispo nomeado para
Tiana, agindo como metropolitano, neutralizasse a ação de Basílio.
Basílio, mais rápido que o Imperador instituiu novos bispos que o ajudarão em
sua luta e os colocou nas novas dioceses criadas. Entre eles figuram seu irmão
Gregório de Nissa e seu amigo Gregório de Nazianzo, nomeado para Sásimas.
Gregório de Nissa compreendeu a situação e se esforçou para proteger os
interesses do irmão. Com tais nomeações, Basílio conseguiu manter a ortodoxia
na Capadócia, pois evidentemente os bispos escolhidos eram todos defensores da
fé nicena.
Basílio era homem de equilíbrio e de diálogo, totalmente a serviço da
ortodoxia. Na história da Igreja, existem homens comparáveis ao bispo de
Cesaréia, mas não há quem lhe seja superior. Livremente os contemporâneos
chamaram-no, somente a ele, de Grande ( Basílio Magno). O recuo do tempo,
longe de enfraquecer este apelido, só fez confirmá-lo. Raramente um título foi tão
bem merecido. 43

TEXTO

Da Regra mais longa.

Possuímos inata capacidade de amar.

O amor de Deus não é matéria de ensino nem de prescrições. Não


aprendemos de outrem a alegrar-nos com a luz, ou a desejar a vida, ou a amar os
pais ou educadores. Assim, com muito mais razão, não se encontra o amor de
Deus na disciplina exterior. Mas, quando é criado, o ser vivo, isto é, o homem, a
força da razão foi, como semente, inserida nele, uma força que contém em si a
capacidade e a inclinação de amar. Logo que entra na escola dos divinos
preceitos, o homem toma conhecimento desta força, apresando-se em cultivá-la
com ardor, nutri-la com sabedoria e levá-la à perfeição, com o auxílio de Deus.
Sendo assim, queremos provar vosso empenho em atingir este objetivo.
pela graça de Deus e contando com as vossas preces, nós nos esforçamos,
segundo a capacidade dada pelo Espírito Santo, por suscitar a centelha do amor
divino escondida em vós.
Antes de mais nada, nós dele recebemos antecipadamente a força e a
capacidade de pôr em pratica todos os mandamentos que Deus nos deu. Por isso
não nos aflijamos como se nos fosse exigido algo de incomum, nem nos tornemos
vaidosos pensando que damos mais do que havíamos recebido. Se usarmos bem
destas forças, levaremos uma vida virtuosa; no entanto, mal empregadas,
cairemos no pecado.
Ora, o pecado se define como o mau uso, o uso contrário à vontade de
Deus daquilo que ele nos deu para o bem. Pelo contrário, a virtude, como Deus a
quer, é o desenvolvimento destas faculdades que brotam da consciência reta,
segundo o preceito do Senhor.

43
A. Hamman, p.138-139
História da Igreja - Rev. Wilson Santana Silva - 16/09/2018 - 29

O mesmo diremos da caridade. Ao recebermos o mandamento de amar a


Deus, já possuímos capacidade de amar, plantada em nós desde a primeira
criação. Não há necessidade de provas externas: cada qual por si e em si mesmo
pode descobri-la. De fato, nós desejamos, naturalmente, as coisas boas e belas,
embora, à primeira vista, algumas pareçam boas e belas a uns e não a outros.
Amamos também, sem ser necessário que nos ensinem nossos parentes e
amigos e temos espontaneamente grande amizade por nossos benfeitores.
O que haverá, pergunto então, de mais admirável do que a beleza divina?
Que coisa pode haver mais suave e deliciosa do que a meditação da
magnificência de Deus? Que desejo será mais veemente e violento do que aquele
inserido por Deus na alma liberta de toda impureza e que lhe faz dizer do fundo do
coração: Estou ferida de amor? É na verdade totalmente indescritível o fulgor da
beleza de Deus.44

8. Ambrósio de Milão ( c. 339-397)


Antes importa obedecer a Deus.

TEXTO

Atos 5.29
“Então Pedro e os demais apóstolos afirmaram: Antes importa obedecer a Deus que aos homens.”

Introdução.

O homem que melhor incorporou, sob todos os aspectos, o cristianismo do


século IV, foi incontestavelmente Ambrósio, o grande gênio de Milão. Aquele de
quem o imperador Teodósio viria a dizer, depois do conflito dramático que os opôs:
“De todos os que conheci, só Ambrósio merece ser chamado bispo”. Esse homem
foi o exemplo vivo e a expressão perfeita da elite cristã que, ligada por todas as
fibras às bases da civilização, mas transformando-as todas por uma intenção
renovada, soube assumir sozinho as responsabilidade da época e tomar decisões
sérias sobre o futuro.45

1. De governador a bispo.

Governador da Ligúria e da Emília com residência em Milão Ambrósio foi


aclamado bispo com trinta e quatro anos, pelo povo milanês conquistado por sua
sabedoria. Foi como orador, como chefe e como jurista que ele enfrenta o
paganismo, que pretendia dissociar o cristianismo do estado romano. 46

44
Liturgias das horas, Vol. III, p. 45-47.

45
Daniel-Rops, p. 564
46
P. Pierrard, p. 47
História da Igreja - Rev. Wilson Santana Silva - 16/09/2018 - 30

Em Trévis, seu pai exerceu funções oficiais importantes de prefeito do


pretório das Gálias. Depois de sua morte, sua mãe, viúva, foi para Roma
assegurando assim uma melhor educação para seus três filhos: Ambrósio, Sátiro e
Marcelina. Seguindo a senda da carreira paterna, Ambrósio orienta-se sem
hesitação para a alta administração imperial. Graças a poderosa recomendação,
ele integra-se na opulenta corte do prefeito do pretor de Itália, Sextus Petronius
Procus. O nobre aprecia tanto o jovem, que o nomeia seu delegado em Milão, com
o título e as funções de cônsul para a província de Lígúria-Emília.
Nesta condição, o grande funcionário em verdadeira ascensão instala-se
em Milão. Lá conheceu uma situação político-religiosa delicada: graves
acusações opõem arianos e ortodoxos. De fato, o bispo ariano, Auxêncio, mostra-
se um hábil manobrador e, ao mesmo tempo, um herege obstinado. Quatro anos
depois da instalação de Ambrósio como prefeito, a morte do bispo local abre uma
crise de sucessão inesperada.
Entre facções religiosas rivais a luta se intensifica quanto a corrida para o
bispado. O poder secular tomava algumas providências no sentido de advertir o
governador, prevenindo-o contra a possibilidade de graves perturbações, no meio
dos violentos debates que opõem os partidos adversários.
Para manter a ordem pública e fazer respeitar a lei romana, o responsável
civil teve de intervir. E fez com coragem, na própria basílica onde os sofistas
arianos desencadeavam grande algazarra, dizendo: “Em vez de vos combaterdes
inutilmente, procurai encontrar um denominador comum: ponde-vos de acordo
quanto à candidatura de um homem de bem que faça a unanimidade. Tenho a
certeza de que ele existe!”. As palavras de Ambrósio e sua maneira lógica e
racional de colocar as coisas, impressionou os antagonistas ao ponto de ficarem
confusos. E perguntaram de ambos os lados: “Mas onde descobrir o bom
candidato, reconhecido por todos? Finalmente entenderam: ele está ali mesmo,
diante deles! Auxêncio, o político, morreu; viva o seu sucessor! E até já foi
designado: será Ambrósio! Apesar de relutar muito para não aceitar o cargo, a voz
popular ignora a argumentação, reafirma a nomeação e prolonga as suas
exclamações entusiastas. Por fim, o dignitário imperial deixou-se dobrar, mas
exige que tudo se faça segundo os princípios do direito.
Fortalecidos com esta aceitação finalmente alcançada, os legistas
eclesiásticos tratam de tudo em três semanas: serão suficientes para conferir ao
favorito popular o batismo, a ordenação sacerdotal e a consagração episcopal.
Para que o ato seja autenticado pela dupla autoridade (religiosa e civil), os bispos
de Itália aprovaram com unanimidade; o imperador Valentiniano subscreveu. E,
desse modo, o mesmo homem, prefeito de polícia em exercício até 15 de
novembro, passa a ser o responsável religioso com a plenitude do sacerdócio, em
7 de dezembro seguinte. Ainda mal refeito desta mudança espetacular, Ambrósio
mede a sua amplitude e as suas conseqüências. “Ontem advogado de defesa,
depois representante do Estado: agora tenho de advogar a causa de Deus e
defender a sua lei divina”.

2. Obedecer a Deus implica dedicação total.


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Há uma pergunta que perturba Ambrósio: “Como vou ensinar aos outros o
que ignoro? Especialista de retórica e doutor em direito, não sou quase um zero
em teologia e noviço em catequese?”
O erudito Simpliciano ofereceu-se para ajudá-lo. Dirigido por ele, já
quadragenário, entregou-se aos estudos sagrados, “tota anima” (com toda a
alma). Leu, meditou e saboreiou os autores cristãos, sobretudo gregos, sem, aliás,
se esquecer dos pagãos, especialmente o místico Plotino, autor das Enêidas, e
seu discípulo Porfíro. Os discursos de Gregório de Nazianzo tornaram-se o seu
livro de cabeceira. Para a sua iniciação exegética, leu Basílio, Orígenes e Fílon, o
judeu.
Parece que este período de grande iniciação às ciências sagradas durou
cerca de dez anos, tendo já terminado, quando em outubro de 384, Ambrósio se
encontrou com Agostinho que, mais tarde lhe chamou “doctor meus”, meu mestre.
Admiravelmente bem preparado para as tarefas administrativas, o antigo
magistrado é excelente em guiar os homens. Em todos os meios, eclesiásticos e
civis, foi imediatamente considerado como um político hábil, influente e indiscutido.
Vigoroso apologeta (defensor da fé), muitas vezes, encarregado de
missões diplomáticas difíceis, este pastor nunca se deixou enredar pelos grandes
do seu tempo. Mantendo a justiça, conseguiu servir a Igreja sem alienar-se ao
Estado. São ainda de admirar os seus sábios compromissos sem nunca ficar
dependente.47 Como bispo, se esforçou ao máximo. Foi uma das mais belas
figuras de pastor que a Igreja conheceu até hoje. É um pastor completo: doutor,
médico, diretor de consciências, defensor da justiça, advogado dos humildes e dos
explorados, até mesmo missionário, trabalhando pela conversão de um povo
germânico, os marcomanos. Evangelizou a rainha Frigitil que procurara por ele.
Teve a alegria de acolher na Igreja Agostinho de Hipona e de marcá-lo para
sempre. Esta diversidade de dons contrasta com a unidade que os agrupa e os
inspira. Raramente em um homem o ser e a ação são tão profundamente e tão
simplesmente uma coisa só.48 Ao regressar de uma viagem a Pavia, em 397, caiu
enfermo, falecendo nesse mesmo ano.

TEXTO.

Do comentário sobre o salmo 118.


Sê testemunha forte e fiel.

És testemunhas de Cristo em muitas perseguições, muitos martírios a cada


dia. És tentado pelo espírito da luxúria, mas temendo o futuro juízo de Cristo,
julgaste não dever profanar a pureza da mente e do corpo: és mártir de Cristo. És
tentado pelo espírito de avareza a invadir a propriedade do pequeno, a violar o
direito da viúva indefesa; no entanto, pela contemplação dos preceitos celestes,
preferiste prestar auxílio em vez de praticar a injustiça: És testemunha de Cristo.
Enfim, Cristo quer assistir tais testemunhas, segundo está escrito: julgai a causa
47
J. Huscenot, p. 64.

48
A. Hamman, p. 207-208
História da Igreja - Rev. Wilson Santana Silva - 16/09/2018 - 32

do órfão e fazei justiça à viúva, e vinde, discutamos, diz o Senhor ( Is. 1. 17-18).
És tentado pelo espírito de soberba, mas ao ver o desamparado e o indigente,
com bom coração te compadeceste, amaste mais a humildade do que a
arrogância: És testemunha de Cristo. E o que é ainda maior, não deste
testemunho só com palavras, mas com atos.
Que testemunha será mais digna de crédito do que quem confessa ter o
Senhor Jesus vindo na carne ( 1 Jo 4.2), e guarda os preceitos do Evangelho?
Pois quem ouve e não faz, nega a Cristo: embora afirme pela palavra, nega com
os atos. A quantos disserem: Senhor, Senhor, acaso não profetizamos em teu
nome e expulsamos demônios e fizemos muitos milagres? naquele dia
responderá: afastai-vos de mim todos os que praticastes a iniquidade ( Mt 7.22-
23). É, por conseguinte, testemunha quem dá testemunho dos preceitos do
Senhor Jesus com a garantia dos atos. Quantos, então, são diariamente, em
segredo, mártires de Cristo e confessam Jesus como Senhor! conhecia este
martírio e testemunho fiel de Cristo o Apóstolo, que disse: É esta a nossa glória e
o testemunho de nossa consciência (2 Cor. 1.12). Quantos por fora atestaram e
por dentro negaram! Não confieis em espírito qualquer ( 1Jo. 4.1), mas por seus
frutos (Mt 7.16) reconhecei em quem deveis confiar. Portanto, nas perseguições
interiores, sê fiel e forte para seres aprovado também nas perseguições públicas.
Com efeito, nas íntimas perseguições, há reis, governantes e juizes terríveis pelo
poder. Tens um exemplo na tentação sofrida pelo Senhor.
E lê-se em outro lugar: Que o pecado não reine em vosso corpo mortal (Rm
6.12). Vês diante de que reis és levado então, ó homem, ante que senhores dos
pecados, quando reina em ti a culpa? Quantos pecados, quantos vícios, outros
tantos reis. E somos conduzidos à sua presença, estamos diante deles. Todavia
se alguém confessa a Cristo, imediatamente faz prisioneiro aquele rei, derruba-o
do trono de seu espírito. Como poderia manter-se o tribunal do demônio naquele
em que se levanta o tribunal de Cristo.49

9. Jerônimo (c.340 - 420)


Vida de serviço a Deus.

Texto Básico.

2 Timóteo 3.16

“Toda Escritura é inspirada por Deus e útil para o ensino, para a repreensão, para a correção, para
a educação na justiça.”

Introdução.

49
Liturgias das Horas, p.1358-1359.
História da Igreja - Rev. Wilson Santana Silva - 16/09/2018 - 33

A importância que os Pais têm na vida da Igreja em relação aos apóstolos é


secundária. No entanto, essa importância é fundamental pela influência que
tiveram. Com firmeza doutrinária os apóstolos lançaram os fundamentos da Igreja
e os “Pais” definiram as linhas de seu desenvolvimento. Seus escritos
possibilitaram a transição do cristianismo apostólico, num processo em que a
doutrina, o governo, o culto iam se definindo, para distinguir-se de interpretações
errôneas.”50 Portanto, é grande o valor deles. É evidente que não podem ser
igualados aos apóstolos e outros escritores bíblicos inspirados pelo Senhor, mas
é, secundariamente, comparáveis a eles.51
Sofrônio Eusébio Jerônimo é antes de mais nada um sábio, mas sua
ciência voltava-se para a ação. Deixando Roma depois da morte do Papa
Dâmaso, seu amigo, viveu trinta e cinco anos perto da gruta da natividade,
dedicando-se a um gigantesco e original trabalho de exegeta, tradutor e
historiador.52

1. O trajeto de um tradutor.

Jerônimo em grego (aquele cujo nome e sagrado); “Hieronymus” em latim


(Jerônimo), filho de Eusébio, nasceu em Stridon, entre Dalmácia e Panônia,
cidades destruídas pelos godos. “Nasci cristão, de pais cristãos; desde o berço fui
alimentado com leite cristão.” Palavras dele próprio.
Jerônimo teve uma irmã e um irmão, Pauliniano. Depois dos estudos
elementares, foi para Milão, depois para Roma, para lá seguir os cursos do
célebre gramático “Aelius Donatus” (Donato). Admirador de Cícero, declamava
com entusiasmo as suas grandes defesas, e outros exórdios sonoros. Também
admirava Virgílio, Lucrécio e outros grandes escritores latinos, e defendeu o
estudo da literatura clássica pelos cristãos. Numa capital governada por Juliano
Apóstata até 363, o Jovem provinciano ligou-se a dois companheiros de estudo:
Banósio e Rufino. E vai comprando livros, cuidadosamente e a preços elevados.
Em companhia de amigos, ele visitou as velhas catacumbas. Com admiração
exclamou: “Visitamos juntos estas criptas profundas, escavadas na terra que
apresentam a quem as percorre de cada lado, ao longo das paredes, corpos
sepultados.” Jerônimo recebeu o batismo em 366, das mãos do papa Libério.
Nas suas andanças de exploração, o jovem intelectual procurava o seu
caminho. Passou algum tempo em Trévis, junto do Masela na Renânia-Palatinado,
em casa de seu amigo Bonósio. Nesta Residência imperial de Valentiniano I, o
estudante aprofundou os seus conhecimentos de teologia. No ano 373, instalou-
se na Venécia, tendo como base Aquiléia, então centro econômico e literário. Sob
a égide do Bispo Chromatius, fundou uma academia dirigida por dois amigos:
Refino e Bonósio. Mas, logo a seguir, o grupo desfaz-se, indo cada um para seu
lado. Com sua biblioteca, Jerônimo colocou-se a caminho do Oriente. 53 Ao
50
Álvaro de Almeida Campos, CEP, 11
51
Álvaro de Almeida Campos, p. 11

52
P. Pierrard, p. 47

53
J. Huscenot, p.85
História da Igreja - Rev. Wilson Santana Silva - 16/09/2018 - 34

estabelecer-se em Antioquia da Síria, na casa de seu amigo Evagro, o estudante


ávido de cultura, em 375, ficou gravemente doente. Depois de restabelecido,
retirou-se para a solidão de Chacis (sudoeste de Antioquia, a sul de Beréia),
mortificando seu corpo e perseverando nos estudos do grego e do hebraico
bíblico ao ponto da exaustão.
Em 378, foi ordenado sacerdote por Paulino de Antioquia. Nesta
circunstância, desejoso da sua independência de tudo, Jerônimo impões duas
condições singulares e paradoxais para si mesmo: não se limitar às funções
ministeriais pastorais e ficar perfeitamente livre.
Em Constantinopla entrou na escola de Gregório de Nazianzo, o teólogo-
poéta, um helenista consumado. Neste centro de riquezas áticas, Jerônimo traduz
duas obras cujo valor o marcará: Crônicas de Eusébio de Cesaréia da Palestina,
incluindo quadros sinópticos modelos; e Homilias de Orígenes, cuja critica textual
admirava.

2. Vida a serviço da Igreja.

O ano 382 era o fim deste período: Epifânio e Paulino, convocados a Roma
para um concílio sobre as questões do Oriente, recorrem ao lingüista e
apresentam-no ao Papa.
O papa Dâmaso é um espírito judicioso. Personalidade segura, aristocrata,
percebeu perfeitamente a personalidade de Jerônimo. E adotou-o, protegeu-o e
empregou-o como alto funcionário da Igreja. De viajante, torna-se conselheiro para
assuntos do Oriente, consultor em questões bíblica. Com o incentivo do papa,
Jerônimo começou sua profícua carreira de tradutor e exegeta. Além destas
atividades gigantescas ele tornou-se sábio conselheiro de importantes senhoras
romanas. Das mulheres discípulas podemos destacar Paula, uma rica senhora
romana a quem tinha ensinado hebraico e as suas duas filhas, Eustochia e
Blesília.

3. Reclusão em Belém: a Vulgata.

Em 385, após a morte do papa Dâmaso, Jerônimo muito caluniado


perseguido procurou o caminho para a Palestina. Em 386 se fixava em Belém
juntamente com Paula. Perto da gruta onde supostamente Jesus nasceu, ele
programava suas atividades polivalentes: oração, mortificação, estudo, trabalho
manual, direção espiritual das monjas estabelecidas à sua porta. A tradução latina
da Bíblia conhecida por vulgata é considerada a maior obra de Jerônimo. Desde
389, Ele fazia revisão da versão latina do Antigo Testamento, segundo os
Hexaplos de Orígenes (do grego Hexaplos, sêxtuplo: texto em hebraico, a mesma
versão em caracteres gregos e quatro versões gregas diferentes). Depois veio
uma segunda revisão do saltério para torná-lo mais próximo da versão dos setenta
(versão grega estabelecida entre 250 e 130 a. C., por setenta e dois rabinos de
História da Igreja - Rev. Wilson Santana Silva - 16/09/2018 - 35

Alexandria). Na mesma banca de trabalho, está correções e revisões dos livros de


Jó e Salomónicos. 54
Simultaneamente a estes trabalhos, Jerônimo insistia no estudo sistemático
do hebraico, orientado pelo judeu Baranina. Reciclados por estes cursos, o
tradutor iniciou uma nova reeleitura anotada de todo o Antigo Testamento.
Constantemente à procura da perfeição para traduzir a palavra, o pensamento e o
estilo, ele esbarrou-se na pobreza da língua latina, tanto para traduzir o pormenor
grego como para salvaguardar a riqueza hebraica. “Quanto a mim, não só
confesso mas até professo sem dificuldade e bem alto: quando traduzo os gregos
- exceto nas Sagradas Escrituras onde a ordem das palavras é também um
mistério - não é uma palavra por outra palavra, mas exprimo uma idéia por outra
idéia”55 Os últimos anos de Jerônimo foi marcado por sucessivos
acontecimentos que levaram o estudioso a debilidade. Durante quinze anos, rudes
golpes arruinaram o exegeta, constantemente dedicado ao seu trabalho
intelectual, mas importunado por dores de estômago, entre outras. No dia 26 de
janeiro de 404, morreu Paula, a fiel amiga. Em 410, o visigodo Alarico I invade a
Itália e destrói Roma, Jerônimo, percebia o desabar de um mundo. E chorou por
ele. “Foi conquistada a cidade que conquistou o mundo”
Revisor minucioso de todo o conjunto das Sagradas Escrituras, Jerônimo
foi um trabalhador consciencioso. Trabalhou incansavelmente com textos
rabinicos e com versões gregas judaizantes (Àquila e Símaco). E é delas que
extrai sua tradução, a versão latina. (vulgata do latim vulgatus, popular, ordinário).
À porta do velho leão de Belém, batem agora a morte, a decrepitude. Faleceu em
420.

TEXTO.
Do prólogo ao Comentário sobre o Profeta Isaías.

Ignorar as Escrituras é ignorar a Cristo.

Pago o que devo, obediente aos preceitos de Cristo que diz: Perscrutai as
Escrituras (Jo.5.39); e: buscai e achareis (Mt. 7.7). Assim que não me aconteça
ouvir com os judeus: Errais, sem conhecer as Escrituras nem o poder de Deus
(Mt. 22.29). Se, conforme o Apóstolo Paulo, Cristo é o poder de Deus e a
sabedoria de Deus, e quem ignora as Escritura ignora o poder de Deus e sua
sabedoria, ignorar as Escrituras é ignorar Cristo.
Daí que eu imite o pai de família que de seu tesouro tira coisas novas e
antigas. E a esposa, no Cântico dos Cânticos, que diz: Coisas novas e antigas,
irmãozinho meu, guardei para ti (cf. Ct. 7.14 Vulg.). E explicarei Isaías ensinando a
vê-lo não só como profeta, mas ainda como evangelista e apóstolo. Ele próprio
falou de si e dos outros evangelistas: Como são belos os pés daqueles que
evangelizam boas novas, que evangelizam a paz (Is. 52.7). E também Deus lhe
fala como a um apóstolo: Quem enviarei, e quem irá a este povo? E ele
54
Jean Huscenot, p.90

55
Jean Huscenot, p. 90.
História da Igreja - Rev. Wilson Santana Silva - 16/09/2018 - 36

respondeu: Eis-me aqui, envia-me ( cf. Is. 6.8). Ninguém pense que desejo
resumir em breves palavras o conteúdo deste livro, pois esta criatura contém
todos os mistérios do Senhor, falando do Emanuel, o nascido da Virgem, o
realizador de obras e sinais estupendos, o morto e sepultado, o ressurgido dos
infernos e o salvador de todos os povos. Que direi de física, ética e lógica? Tudo o
que há nas santas Escrituras, tudo o que a língua humana pode proferir e uma
inteligência mortal receber, está contido neste livro. Atesta esses mistérios quem
escreveu: Será para vós a visão de todas as coisas como as palavras de um livro
selado; se é dado a alguém que saiba ler, dizendo-lhe: Lê isto, ele responderá:
Não posso, está selado. E se for dado a quem não sabe ler e se lhe disser: Lê,
responderá: Não sei ler (Is. 29. 11-12).
E se alguém parecer fraco, ouça as palavras do mesmo apóstolo: Dois ou
Três profetas falem e os outros julguem; mas se a outro que esta sentado algo for
revelado, que se cale o primeiro ( I Cor. 14.32). Como podem guardar silêncio, se
está ao arbítrio do Espírito, que fala pelos profetas, o calar-se e o falar? Se na
verdade compreendiam aquilo que diziam, tudo esta repleto de sabedoria e de
inteligência. Não era apenas o ar movido pela voz que chegava a seus ouvidos,
mas Deus falava no íntimo dos profetas, segundo outro profeta diz: O anjo que
falava em mim (Zc. 1.9), e: Clamando em nossos corações, Abba, Pai (GL 4.6), e:
Ouvirei o que o Senhor deus disser em mim ( Sl. 84.9).

10. João Crisóstomo (c. 345 – 407)


Notável expositor bíblico.

Texto Básico.
2 Timóteo 2.15.

“Procura apresentar-te a Deus, aprovado, como obreiro que não tem de que se envergonhar, que
maneja bem a palavra da verdade.

Introdução.

Crisóstomo era filho de cidade grande. Nasceu na importante Antioquia da


Síria. A terceira cidade do império. Passou sua infância envolvido com a multidão.
Misturado com o povo simples procurou conhecê-lo bem, ama-lo, estabeleceu
contatos espontâneos. 56
Crisóstomo, que seria conhecido já pelos seus contemporâneos como
“João da boca de ouro”, era um homem de fraca constituição física, rosto magro e
viva sensibilidade.
Desde que o cristianismo apareceu sobre a terra, existiram muitas almas
nas quais o amor de Cristo ardeu como chama viva, mas poucas atingiram esse
grau de ardor apaixonado, feito de heroísmo e de ternura, essa veemência na

56
A. Hamman, p.193
História da Igreja - Rev. Wilson Santana Silva - 16/09/2018 - 37

afirmação da fé e na submissão às ordens do único mestre que se notam no


diácono sírio chamado a ser o primeiro pregador do Oriente. 57
A enciclopédia dá-nos a etimologia do sobrenome: Crisóstomo (chrysos),
ouro; (stoma), boca. Portanto boca de ouro era o apelido de João. É considerado
o mais eloqüente dos Pais da Igreja Grega. De fato, desde o séc. IV até hoje, este
título prestigioso foi sempre atribuído a ele que é reconhecido como o mais
brilhante dos pregadores. Crisóstomo chegou a ser comparado ao grande e
eloqüente Demóstenes (322 a. C.)

1. Uma arte chamada retórica.

Sua mãe, Antusa, viúva aos vinte anos, do comandante militar da prefeitura
do Oriente, recusou-se a casar de novo para que pudesse dedicar todo o seu
tempo à educação dos seus dois filhos: uma menina e um menino. A menina
morreu jovem. O menino tornaria-se a consolação e orgulho da mãe. Esta
educadora modelo arranca do retórico pagão Libânio esta exclamação de
admiração: “Deuses, que mulher cristã admirável!”.
Libânio, amigo do imperador Juliano foi quem o educou nos clássicos
grego e na retórica, provavelmente ai foram lançadas as bases para sua excelente
capacidade de falar. De fato, em Antioquia, a mãe prudente entregou-se
inteiramente à tarefa de fazer de seu filho um homem. No meio desta capital, ela
velará sempre por João sem nunca o monopolizar. É verdade que, ao contrário de
Mônica, mãe de Agostinho, Antusa, não teve de reconduzir o seu filho à sabedoria
e à fé. Ela observou atentamente ao desenvolvimento harmonioso de uma alma
cândida, não perturbada pelas paixões humanas e fiel a Deus.
No cultivo deste espírito rico de esperança interviram mestres
credenciados. O primeiro, Melécio de Antioquia, foi um prelado ponderado e quem
o batizou. Em segundo lugar, Diodoro, o primeiro presbítero de Antioquia e depois
do ano 378, bispo de Tarso, fundador da famosa escola de Antioquia, influenciou
Crisóstomo e Teodoro de Mopsuéstia. Quanto a estes discípulos um era bem
diferente do outro, Teodoro sustentava visões preferivelmente liberais a respeito
da Bíblia, enquanto João a considerava como sendo, em cada parte, a infalível
Palavra de Deus. A exegese do primeiro era intelectual e dogmática; a do último,
mais espiritual e prática. Um era famoso como crítico e intérprete; o outro, embora
fosse hábil exegeta, ofuscou todos os seus contemporâneos como um orador de
púlpito. Por essa razão, Teodoro foi intitulado o Exegeta, enquanto João foi
chamado de “Crisóstomo”.58
Ambos escolherão uma hermenêutica da investigação histórica do que a da
alegórica, no comentário exegético.
Quanto à vida monástica quem o influenciou grandemente foi Carterius
diretor da “Escola de ascetas”.
Foi então que sua sensível mãe apelou. Antusa pediu-lhe que, por ela, a
decisão fosse adiada. Escutemos a sua defesa: “Querido filho, não me deixes
57
Daniel-Rops, p. 522

58
Louis Berkhof, p. 19
História da Igreja - Rev. Wilson Santana Silva - 16/09/2018 - 38

viúva pela segunda vez. Quando me fechares os olhos, ainda haverá muito tempo
para escolheres um estado de vida que te convenha. Contudo, enquanto eu ainda
respirar, peço-te: suporta a minha presença.” Perturbado com esta súplica
maternal, João continuará a viver debaixo do mesmo teto da sua querida mãe.

2. Em busca da perfeição.

Ordenado leitor em 373, tornou-se visitador-consolador dos pobres e dos


aflitos, enquanto compõe os seus primeiros tratados. Quando sua mãe morreu, em
375, tinha trinta anos. Já conhecido pelos seus primeiros ensaios, muito sólidos,
viu-se livre para tornar-se monge.
Ansioso pela perfeição, João vai para Stilpius, um monte vizinho de
Antioquia. Ali, durante quatro anos, colocou-se sob a direção de um “eremita sírio”,
mestre do ascetismo. Passou aproximadamente vinte e quatro meses em uma
gruta solitário. Nessa gruta reduz o sono ao mínimo necessário, para estudar
melhor o evangelho. Com a saúde abalada voltou para Antioquia com o objetivo
de tratar-se. Foi ordenado diácono por Melécio, em 381.

3. Pregador inigualável.

Em 386, João foi ordenado sacerdote por Flaviano, sucessor de Melécio. O


novo bispo confiou-lhe o cargo de pregador. Durante dez anos, responsável pela
pregação, irá dar um festival de eloquência. E que harmonias em todos os templos
da capital, promovida à categoria de “segunda” metrópoles do Império e da Igreja.
O orador sagrado é grandemente apreciado em todas as igrejas até mesmo
na grande igreja, construída por Constantino.59 Por toda parte, ele encantava o
seu auditório fascinado ao ponto de ser conhecido como “o pregador da boca de
ouro”, venerado e muito escutado. Partindo de um exórdio exegético ou
dogmático, o pregador terminava com a exortação moral.
João Crisóstomo foi bispo de Constantinopla de 397 a 407.
Eis os dez derradeiros anos da sua vida, simultaneamente zeloso e
provado, marcados por dois exílios, acabando ele por morrer em terra estrangeira,
a proferir estas últimas palavras: “ Glória a Deus por tudo!”
No dia 27 de setembro de 397, morre Natário, patriarca de Constantinopla a
quem atribuir a cátedra prestigiosa da “nova Roma” que, eclipsa as suas duas
rivais Alexandria e Antioquia! Os pretendentes são numerosos. O primeiro, Teófilo
de Alexandria julga muito boamente que o “lugar lhe pertence por direito”. Contra
todas as expectativas, Eutrópio, primeiro ministro do jovem imperador Arcádios,
faz com que se eleja e aclame João de Antioquia com cinqüenta e dois anos,
pregador célebre e excepcional condutor de multidões. Espanto, escândalo e
rancor da parte do patriarca de Alexandria que, sem sucessos defendeu a
candidatura do sacerdote Isidoro.
No final de 397, vão buscar o eleito do povo e do imperador e conduzem-no
a Constantinopla para tomar posse da dignidade que lhe cabe. Desgostoso, o

59
Jean Huscenot. p.73
História da Igreja - Rev. Wilson Santana Silva - 16/09/2018 - 39

bispo de Alexandria procede à sua sagração (15 de dezembro de 397), seguida


da entronização (26 de fevereiro de 398). A partir de então, o invejoso começou a
sonhar com uma vingança que o conduzirá até a excomunhão. Entretanto, João
abraçou imediatamente a sua missão pastoral, mas teve de superar muitos
obstáculos. 60

4. Causas dos exílios.

Em 399, o grande chefe dos Godos arianos, Gainas, impõe como condição
prévia à negociação da paz uma exigência cruel: “Quero a cabeça do Eunuco
Eutrópio. Só depois negociaremos.” Inconstante e frouxo, Arcádio aceitará,
abandona o ministro, ainda ontem seu favorito, mas hoje uma vítima que entrega
ao carrasco. Perseguido Eutrópio foge. Refugia-se na catedral de Constantinopla
e agarra-se ao altar que lhe garante o direito de asilo.
No inicio de 402, desembarcam em Constantinopla cerca de cinqüenta
monges vindo do Nítrio (região desértica do baixo Egito). Chamam-lhes “irmãos
altos” por causa da grande altura dos seus quatro superiores. Estes monges foram
perseguidos por Teófilo de Alexandria que os acusava de origenismo (doutrina da
restauração universal e alegorismo escriturístico exagerado) e pedem asilo a
Crisóstomo.
Sempre caridoso, Crisóstomo ficou impressionado e albergou-os em um
hospício próximo da igreja Santa Anastácia ( ou ressurreição).
Por influência de Eudóxia, Arcádios convocou um concílio para resolver o
litígio e determinar a sorte dos refugiados religiosos. Aliado a Epifânio de
Salamina, Teófilo de Alexandria resolveu acusar Crisóstomo de “um herege
disfarçado de origenismo”. E, então, abriu-se um conflito teológico! Do
acolhimento dos “irmãos altos” passou-se ao debate doutrinário de fundo. A
primeira residência de desterro é Cucusa, hoje Turquia. João faz uma viagem de
sessenta e dois dias.
Em 407, não retomou João o contato com o Papa Inocêncio I que o apoiou.
Depois disto João foi deportado para Pithionte, na margem oriental do mar negro,
mil e quinhentos quilômetros, junto do Cáucaso, em plena região bárbara. A
partida ocorreu a 25 de agosto, no fim do verão com etapas diárias de vinte
quilômetros, com este ritmo, o viajante esgotou-se profundamente, no dia 14 de
setembro, sucumbe no caminho, perto de Comana, no Ponto e morreu pouco
depois. Trinta e um ano depois, 27 de julho de 438, o imperador Teodósio II, filho
de Eudóxia, mandou transladar os seus despojos e sepultá-los na igreja dos
Santos Apóstolos. Carregaram triunfalmente as suas cinzas para Constantinopla.
A herança literária de João é mais ampla que a de todos os outros
escritores orientais, porque suas obras foram conservadas. Dos ocidentais, só
Agostinho se lhe pode equiparar. Com relação ao conteúdo, seus escritos
oferecem material muito rico não apenas ao teólogo, mas também para a história
da civilização.61
60
Jean Huscenot. p.75

61
B. Altaner, p. 326
História da Igreja - Rev. Wilson Santana Silva - 16/09/2018 - 40

TEXTO

Das Homilias sobre Mateus, de São João Crisóstomo, Bispo.

Se somos ovelhas, vencemos; se formos lobos, somos vencidos.

Enquanto somos ovelhas, vencemos e ficamos por cima, seja qual for o
número dos lobos que nos rodeiam. Se, ao contrário, formos lobos, seremos
vencidos; não termos a ajuda do pastor. Pois este apascenta ovelhas, não lobos;
abandonar-te-á e te deixará, porque não lhe dás ocasião de mostrar seu poder. O
que o Senhor quer dizer é isto: Não fiqueis perturbados quando, ao vos enviar
para o meio dos lobos, eu vos ordeno ser como ovelhas e pombas. Eu vos
poderia proporcionar o contrário: enviar-vos sem mal algum em vista, sem vos
sujeitar ao lobo qual ovelha, porém, tornar-vos mais terríveis do que leões.
Convém que seja assim. Isto vos fará mais refulgentes e proclamará meu poder.
Dizia o mesmo a Paulo: Basta-te a minha graça, pois a força se realiza na
fraqueza (2Cor 12.9). Fui eu mesmo que estabeleci isto para vós. Ao dizer, pois:
Eu vos envio como ovelhas (Lc 10.3), subentende: Não desanimeis por esse
motivo; eu sei, certamente, eu sei que assim sereis invencíveis.
Em seguida, para que não viessem a pensar que poderiam conseguir algo
por si mesmos, sem demonstrar que tudo vem da graça, e, assim, não julgassem
ser coroados sem méritos, diz: Sede prudentes como serpente e simples como
pombas (Mt. 10.16). Que vantagem terá nossa prudência entre tantos perigos?
dizem eles. Como poderemos ter prudência que uma ovelha possua, no meio de
lobos, e de tão grande número de lobos, que poderá fazer? Seja qual for a
simplicidade de uma pomba, que lhe adiantará, diante de tantos gaviões
ameaçadores? para aqueles que não entendem, nada certamente. Para vós,
porém, será de muito proveito.
Mas vejamos a prudência que aqui se exige: a da serpente. Esta expõe
tudo, até mesmo se lhe cortam o corpo, não se defende, contanto que proteja a
cabaça. Assim também tu, diz ele, à exceção da fé, entrega tudo: dinheiro, corpo,
até mesmo a vida. A fé é a cabeça e a raiz; salva esta, tudo o mais que perderes,
recuperarás depois ao dobro. Por isso, não ordenou ser só simples, nem só
prudente; mas uniu as duas coisas, a fim de serem verdadeiramente uma força.
Ordenou a prudência da serpente para não receberes golpes mortais; e a
simplicidade da pomba, para não te vingares dos que te fazem o mal nem
afastares por vingança os perseguidores. Sem ela, de nada vale a prudência. E
não pense alguém ser impossível cumprir este preceito. Mais do todos, conhece
ele a natureza das coisas; sabe que a ferocidade não se aplaca com a ferocidade,
mas com a brandura.62

62
Liturgia das Horas, p.525-526
História da Igreja - Rev. Wilson Santana Silva - 16/09/2018 - 41

11. Agostinho (c. 354 – 430)

A nova vida em Cristo.

Texto Básico.
Romanos 13.13-14.

“Andemos dignamente, como em pleno dia, não em orgias e bebedices, não em impudicícias e
dissoluções, não em contendas e ciúmes; mas revesti-vos do Senhor Jesus Cristo, e nada
disponhais para carne, no tocante às suas concupiscências.”

Introdução.

Em Hipona, à entrada da África cristã, brilhou Agostinho cujo pensamento e


obras pertencem ao patrimônio universal. O agostianismo é uma das formas
originais da filosofia cristã. Convertido do prazer e do neoplatonismo, durante
seus trinta e quatro anos de episcopado, desenvolveu uma atividade que
ultrapassará em muito os limites de sua pequena diocese. Seus sermões tinham
por objetivo instruir seu povo.63
A vida de Agostinho está intimamente ligada à história do cristianismo. Este
cristianismo debatia-se interna e externamente dentro de um império que
esforçava-se para restabelecer uma situação política ameaçada. Agostinho
conheceu em Cartago, em Roma, e em Milão, o sobressalto do Império. Os
bárbaros estavam às portas. Agostinho em 24 de agosto de 410 viu a queda de
Roma, sob os golpes dos visigodos de Alarico.64

1. A formação acadêmica de Agostinho.

Podemos classificá-lo como romano da África, cujos ancestrais ter-se-iam


naturalizados em massa. Agostinho nasceu no dia 13 de novembro de 354 em
Tagaste, atual Souk-Ahras, na Argélia. Seu pai era um patrício pagão, ao que
parece, um modesto vereador da pequena burguesia. A sua mãe, Mônica, cristã
praticante, era uma mulher da elite. Deste casal, bastante modesto, nasceram
três filhos: dois rapazes, Agostinho e Navigius, e uma moça. Os pais sacrificam-se
para lhes dar uma vida melhor providenciando educação para todos. Neste
“cursos Studiorum”, Agostinho completou o ciclo primário em Hipona e foi para
Madaura freqüentar o secundário, depois para Cartago, para terminar sua
formação intelectual.
Agostinho ainda inexperiente quanto à vida, porém, pensador profícuo era
excelente nas letras latinas, no entanto, sem conhecer o grego. Conhecia autores
latinos de cor e citava-os livremente e com gosto; Virgílio e Terêncio, poetas por

63
P. Pierrard, p. 48

64
A. Hamman, p. 227.
História da Igreja - Rev. Wilson Santana Silva - 16/09/2018 - 42

excelência; Salústio, mestre-historiador, cujas inflexões arcaica e estilo expressivo


admirava; o grande Marcos Tullius Cícero, advogado, homem político e orador.
Tendo a base de uma sólida vocação pedagógica, ele ultrapassará o nível
do magister ludi (mestre-escola). Sucessivamente seria: Gramaticus (iniciador
lingüistico e comentador dos clássicos); depois Rhetor (professor de eloquência).
Neste último estágio, Agostinho detestava a idéia de ser conhecido por “vendedor
de palavras” à maneira dos sofistas, mas pretendia com grande entusiasmo formar
discípulos.

2. Do maniqueísmo ao neoplatonismo.

Estabelecendo-se em Tagaste, o grammaticus superava o seu projeto,


tornando-se defensor do maniqueismo.
Ligado aos “maníqueus” (seguidor do persa Manes 277 d. C.), o jovem
mestre adota a “gnose” (conhecimento) que serve de base a uma metafísica
dualista. Dois princípios estão em luta perpétua: o bem, sintetizado pela luz; o
mal, figurado pelas trevas; juntos teriam gerado o universo. O homem,
necessariamente escravo deste antagonismo, não seria mais do que um
brinquedo entre eles.
De longe, sua mãe, viúva, lamenta-se deste filho pródigo, assíduo aos jogos
do circo, chefe de fila da juventude dourada. Foi para Roma (383), depois para
Milão (384), orador consagrado, onde pôde visar os postos elevados: presidente
do supremo Tribunal; Ou até governador de província, nada menos! A ambição
dominará seus projetos? Não, porque os acontecimentos, sinais de Deus, vão
transformar tudo. Agostinho descobre o neoplatonismo das Enêidas de Plotino e
dos tratados de Porfírio, passa, em seguida, as cartas Paulinas.
Em Milão, o orador oficial, Agostinho (agora com trinta e dois anos),
encontra o bispo do lugar, Ambrósio. Sob os auspícios deste grande homem,
antigo legado consular e agora bispo, tudo ocorrerá muito depressa. E o bispo
confiou a Mônica a sua premonição espiritual: “O filho de tantas lágrimas não pode
perecer!” Aquele que andou por tantos e desconhecidos cominhos finalmente irá
encontrar o verdadeiro, porém, apertado caminho que o levará aos ternos braços
do seu Senhor. Como o apóstolo Paulo, um lutador, derrubado pelo céu.

3. A conversão de Agostinho.

Imediatamente após as leituras das cartas paulinas aconteceu a famosa


cena do jardim, evocada nas confissões 8.28-30. Uma voz misteriosa ordena:
“Tolle, Lege” (toma e lê!) O interpelador abre as cartas e toma para si a passagem
em que os seus olhos caem: “ vivamos honestamente como em pleno dia: não em
orgias e bebedeiras, prostituições e libertinagem, brigas e ciúmes. Mas revesti-vos
do Senhor Jesus Cristo e não sigais os desejos dos instintos egoístas.” ( Romanos
13.13-14) É o suficiente para começar uma nova vida. No final de agosto, depois
das férias, já cristão, Agostinho parte para o Cassiciacum com um grupo de
familiares, depois de ter assinado a sua demissão de professor. 65 Agostinho foi

65
Jean Huscenot, p.98
História da Igreja - Rev. Wilson Santana Silva - 16/09/2018 - 43

batizado por Ambrósio, em Milão, na noite de 24 ou 25 de abril de 387, agora


estará pronto para regressar à África. No final do outono de 388, órfão aos trinta
e quatro anos, partiu para África. Durante três anos, instalou-se em Tagaste,
levando aí uma existência monacal de estudo e oração. É no inicio deste período,
em 389, que morreu Adeodato, ainda muito jovem, seu filho. Quanto à sua
ordenação sacerdotal foi improvisada, em 391, por ocasião de uma viagem à
Hipona. O bispo do lugar, Valério, impõe as mãos ao eleito do povo que será seu
coadjutor, antes de lhe suceder. Um episcopado de trinta e quatro anos permite
ao pastor, entre outras coisas, uma luta constante contra as heresias, apoiada por
uma obra que fez de Agostinho o pai latino mais fecundo. Deste modo, o homem,
o teólogo e o escritor vão poder desenvolver-se e brilhar.

4. Agostinho e os dissidentes.

Todos conhecem as devastações causadas, desde o século IV,


especialmente nos meios africanos, por Donato, bispo Númida, revoltado contra o
patriarcado de Cartago. Segundo este dissidente, os cristãos confessos que se
envolviam com pecados, deveriam ser excluídos da igreja para sempre. Nesse
campo Agostinho lutou bravamente. E, em junho de 411 ocorreu a condenação de
Donato no concílio de Cartago.
Entre muitas lutas travadas por Agostinho uma das mais difíceis foi contra
Pelágio. Trata-se do monge britânico que no debate sobre a graça, priorizava a
liberdade humana, já que o pecado de Adão argumentava ele, “se reduz a um
simples mau exemplo, a liberdade continua salva, assim como também as
possibilidades da natureza humana.”
Os erros sistematizados por Juliano de Eclane, provocou duas réplicas
agostinianas, especialmente no seu tratado clássico datado de 412. “Da punição e
da remissão dos pecados.”

5. A queda de Roma e a morte de Agostinho.

O império romano encontrava-se ameaçado por todos os lados, pois contra


ele, avançavam os impetuosos bárbaros. Depois que Roma foi saqueada, as
tropas do visigodo Alarico I penetraram na Gália e os Burgúndios instalaram-se ao
longo do Reno. Em 425, os vândalos tomaram Segóvia e Cartago. Hipona
certamente seria a próxima. Em 430, o conde Bonifácio, acossado por todos os
lados, refugiou-se lá e não resistindo foi derrotado. No terceiro mês desse
assédio severo, Agostinho, com setenta e dois anos, adoeceu. Assistido por
alguns fiéis, no dia 28 de agosto de 430 morreu na sua cidade Episcopal tão
amada, atacada pelos inimigos de Roma. Antes de falecer, ele repete o seu
comentário do salmo 136: “O cativeiro passa, eis que a eternidade se aproxima.”
Assim morreu o grande Agostinho, no meio de uma ordem social destruída, mas
na invencível esperança do reino celeste, e resplandecente “cidade de Deus”.

TEXTO
História da Igreja - Rev. Wilson Santana Silva - 16/09/2018 - 44

Do Comentário sobre a Carta aos Gálatas, Agostinho.

Forme-se Cristo em vós.

Dia o Apóstolo: Sede como eu. Embora judeu por nascimento, desprezo em
meu espírito as prescrições segundo a carne. Porque também eu, como vós, sou
homem. Em seguida, com delicadeza, ele os faz reconsiderar sua caridade, para
que não o tratem como inimigo. Assim fala: irmãos, suplico-vos, não me
ofendestes em nada. Como se dissesse: “não julgueis que desejo ofender-vos”.
Por isto diz ainda: filhinhos, para que o imitem como pai. A quem, continua,
dou de novo à luz até que Cristo se forme em vós. Fala principalmente na pessoa
da Igreja, pois declara em outro lugar: Tornei-me pequenino entre vós, como mãe
que acalenta seus filhos.
No crente, Cristo se forma, pela fé, no homem interior, chamado à liberdade
da graça, manso e humilde de coração, que não se envaidece pelos méritos de
suas obras, que são nulas. Se ele começa a ter algum mérito, deve-o à própria
graça. A este pode chamar seu mínimo e identificá-lo consigo aquele que disse: O
que fizestes a um dos mínimos meus, a mim o fizestes. Cristo é formado naquele
que recebe a forma de Cristo. Recebe a forma de Cristo quem adere a Cristo com
espiritual amor.
Disto decorre que, imitando-o, se torne o que ele é, na medida que lhe é
possível. Quem diz estar em Cristo, fala João, deve caminhar como também ele
caminhou.
Visto como os homens são concebidos pelas mães para se formar e, uma
vez formados, são dados à luz do nascimento, surpreendem-nos as palavras: de
novo dou à luz até que Cristo se forme em vós. Temos de entender este novo
parto como a aflição dos cuidados que ele suporta por aqueles pelos quais sofre
até que Cristo nasça. De novo sofre as dores do parto por causa da sedução
perigosa que os perturba. Semelhante solicitude a respeito deles, que o faz dizer
estar em dores do parto, pode continuar até que cheguem à medida da idade
perfeita de Cristo, de maneira que já não se deixem levar por todo vento de
doutrina. Não está solícito, portanto, em relação à fé inicial deles, pois já haviam
nascido, mas quanto a seu fortalecimento e perfeição. Assim é que ele diz: A quem
de novo dou à luz, até que Cristo se forme em vós. Com outras palavras refere-se
ao mesmo sofrimento: Os meus cuidados de todos os dias, a solicitude por todas
as Igrejas. Quem se enfraquece sem que eu também me torne fraco? quem
tropeça, que eu não me ponha a arder? 66

12. Cirilo de Alexandria (c. 370- 444)

A primazia de Cristo.

Texto básico

66
Liturgia das horas, Vol. III, p162-163.
História da Igreja - Rev. Wilson Santana Silva - 16/09/2018 - 45

Colossenses 1.17

“Ele é antes de todas as cousas. Nele tudo subsiste.”

Introdução.

Uma opinião que prevalece é a que considera os Pais da Igreja como


autoridades do passado em matéria de doutrina. 67 Sua opiniões servem para
estabelecer a doutrina, seus escritos são fontes de argumentos teológicos. Um
bom exemplo foi Cirilo de Alexandria que apresentou ao concílio de Éfeso, em
431, um conjunto de opiniões visando ao mesmo tempo demonstrar sua própria
ortodoxia e a heresia de Nestório. Nasceu por volta de 370.

1. Uma vida inserida em conflitos.

Viveu sempre atrelado a conflitos, ora com os judeus, que expulsou do


Egito, ora com os novacianos, de quem arrebatou as igrejas, e com o próprio
governador do Egito, Orestes. Era homem que só sabia viver em polêmicas. Além
de grande teólogo, escritor fecundo, ficou conhecido também como personalidade
firme, autoritário e ambicioso. Alguns o qualificaram como o verdadeiro faraó da
Igreja do Egito. Sua obra literária é vasta. Nada menos do que 10 volumes da
Patrologia Grega. Sua correspondência se abre num leque em que se inclui
papas, príncipes, imperadores, rainhas, irmãs de imperadores, bispos, etc...
Alexandria, na África, distinguia-se entre os demais centros pela luta
empreendida em favor da ortodoxia. Os sucessores de Atanásio permaneciam
fiéis a esta missão doutrinal, mas procuravam, ao mesmo tempo, afirmar a
autoridade da Sé patriarcal e, se possível, estabelecer regras ao Oriente cristão.
Atanásio morreu em 373. Durante doze anos, os seus sucessores na
prestigiosa Sé alexandrina continuam a sua luta pela ortodoxia. Em 385, a
nomeação de Teófilo opõe o novo titular a João Crisóstomo, o celebre orador de
Antioquia. Depois da nomeação deste como bispo de Constantinopla, em 498, o
conflito culmina com as intrigas montadas por Teófilo contra João Crisóstomo. No
meio destas intrigas pouco dignas, o jovem Cirilo seria o homem de Teófilo, seu tio
paterno que, ambiciosamente, procurou entregar as honras aos da sua família;
instruiu seu protegido nas ciências clericais e fez dele seu secretário. O jovem
clérico que seria ordenado por ele – partilhava não só da amizade, mas também a
sua simpatia.
Este jovem clérigo sem moderação e notoriamente injusto, subiria
rapidamente ao episcopado. Em 412 por morte do seu tio, ele o substituiu. E
ocupou o seu lugar durante trinta e dois anos.
Como é que este jovem tão orgulhoso e tão pretensioso se tornará um
líder? Somente depois de uma ascese bem dura: do poder à vigorosa defesa das
posições ortodoxas, até o silêncio recolhido do entardecer da sua vida.

2. Um inicio espinhoso.
67
André Benoit, p. 12.
História da Igreja - Rev. Wilson Santana Silva - 16/09/2018 - 46

Assume suas novas funções em 18 de outubro de 412 (apenas três dias


após a morte de Teófilo). Cirilo é o novo sucessor após ter afastado firmemente o
seu concorrente, arcebispo Timóteo. Logo manifesta a sua força ao mandar
encerrar as igrejas novacianas rigorosas. Expulsa os Judeus. Por causa desta
violência, ei-lo em oposição ao prefeito Orestes. É possível observar ainda dois
erros de grandes proporções promovidos por ele: quinhentos monges da Nitria
( região desértica do baixo Egito) sobem a Alexandria. Muito ligados a Círilo,
estas pessoas insultam grosseiramente o prefeito cuja escolta se opõe em
debandada a um dos cenobitas, o magistrado é ferido com uma pedra que o
atinge na cabeça. Os pretorianos, ultrajados, reúnem-se, agarram o culpado e
ferem-no de pancadas. Imprudente até a violência, Cirilo projeta honrar
publicamente o “resistente”, que sucumbirá em conseqüência destas torturas
militares. Outro acontecimento grave: é o assassinato da filósofa neoplatônica
Hipázia. A opinião pública suspeitou que Cirilo foi o mandante da morte de Hipázia
que teve seu corpo destroçado por um grupo de monges fanáticos.
Apesar destas confusões e destas imputações lamentáveis, o patriarca é
hábil e rapidamente ganha a estima das igrejas do ocidente como a simpatia do
seu povo.

3. Um mestre em cristologia.

Em 418, o papa Zózimo comunica-lhe pessoalmente a condenação dos


erros pelagianos relativos à graça e ao livre arbítrio. No ano seguinte o papa
pediu-lhe a “cópia autêntica” das cartas dos atos do Concílio de Nicéia (325). Além
disso o pastor cuidava particularmente das homilias pascais dirigidas às suas
ovelhas que admiravam a sua energia. Ao mesmo tempo, o intelectual redigiu a
sua obra: tesouro sobre a trindade e, entregou-se a numerosos comentários
exegéticos; entre estes últimos, brilha a glosa (explicação de textos obscuros)
sobre o evangelho de João.
Ele não se limitou a ocupações puramente intelectuais e espirituais mais foi
grande defensor da ortodoxia.

a) Nestório.

Esse período foi marcado pela personalidade de Nestório, monge sírio,


conhecido heresiarca, cujo retrato importa agora demonstrar. Aparentemente, a
personagem parece mortificada: vida retirada, apesar de uma notável faculdade
de expressão, verniz teológico, cuidadosamente alimentado. Na realidade, lá bem
no fundo, é um orgulhoso perigo, persuadido de que a sua concepção ousada
ultrapassava a dos Pais. Elevado em 428 à cátedra de Antioquia. Nestório vai, em
primeiro lugar, tentar emendar os erros. Refuta asperamente as teorias dos
arianos, dos macedonios e dos maníqueus. Contudo, já estava atraído por Pelágio
e, desde 429 avançou com arrogantes posições muito pessoais, apimentadas de
uma linguagem teológica baixa.
Em vez de atribuir à única pessoa do verbo encarnado as duas naturezas –
divina e humana, afirma e ensina insolenemente que Cristo conjuga duas
História da Igreja - Rev. Wilson Santana Silva - 16/09/2018 - 47

pessoas: o logos divino e a pessoa humana. Entre as duas naturezas, segundo


ele, não há nenhuma união (enosis), mas apenas uma simples ligação
(synapheia). Conseqüência lógica.
Diante desta heresia, vigorosamente denunciada pelos fiéis Proclo e
Eusébio, a liderança parece, primeiro, muito mais espantada do que atuante.
Avisado por numerosos fiéis escandalizados, Círilo vai constituir-se advogado
geral para exigir condenação ao agitador.
Em agosto de 430, o papa Celestino, insatisfeito com litígio, convoca um
concílio romano para estudar o processo. A conclusão da assembléia é definitiva:
encarregar o bispo de Alexandria para intervir oficialmente, segundo uma linha
diplomática bem determinada. O bispo encarregado deverá obter a retratação de
seu colega de Antioquia. Em caso de recusa, deporá o rebelde.
Munido com esta delegação de poder, Círilo vai agir energicamente. O seu
“ultimato a Nestório”, é acompanhado de doze “anátemas” : Cristo é perfeitamente
um. É que Cristo não é duplo, embora se compreenda que se trata de duas
realidades diferente, foi reunido numa inseparável unidade, exatamente como
homem o é, de uma alma e de um corpo. Contudo, o homem não é duplo: ele é
um, feito de dois. Pensamos com justiça que as expressões divinas são também
humanas, são ditas por um só “prosôpon”, única hipóstase encarnada do verbo de
Deus.
Anátema: Se alguém dividiu as duas hipóstases em Cristo depois da união,
associando-as por uma simples associação de dignidade, isto é de autoridade de
poder e não antes por uma aproximação segundo a união física, que seja
anátema!68
Logo a seguir a luta envenenou-se. Com efeito, aos dozes anátemas de
Círilo, Nestório respondeu com doze contra-anátemas.

4. Concílio de Éfeso

No início de 431, nada se concluiu, muito pelo contrário, Nestório


continuava insubmisso e, doravante, os bispos orientais, censurados por seus
excessos doutrinais, defendem, pelo menos, a sua pessoa. Para evitá-lo, os dois
partidos reclamam um concilio geral. São ouvidos, dado que Teodósio II e
Valentiniano II convocam, para o Pentecostes (7 de junho de 431) a terceira
assembléia ecumênica da história.
No dia fixado, as duas facções rivais estão frente a frente. De um lado
avançou Nestório, acompanhado por dezesseis bispos e numerosos leigos
simpatizantes. Do outro, Círilo recrutou cinqüenta bispos favoráveis, à sua causa.
Uma ausência notória, quando da primeira reunião: João de Antioquia e seus
bispos desculpam-se de um atraso que se prolongava.
Círilo fez valer os poderes que recebeu do papa Celestino e declarou aberta
a assembléia (22 de junho de 431). Finalmente cento e noventa e oito delegados
episcopais assinaram unanimemente a declaração capital. Dois anos de intensas
lutas que não foram suficientes para por fim àquelas questões.

68
Jean Huscenot. p. 112
História da Igreja - Rev. Wilson Santana Silva - 16/09/2018 - 48

Nestório foi deposto de seu patriarcado e doutrinariamente se estabeleceu


que em Jesus Cristo há uma só pessoa, a divina. Esta pessoa, por meio da união
substancial (hipostática), uniu as duas natureza, divina e humana. Por isso, a
única pessoa existente em Jesus Cristo, nascida de Maria, é a pessoa do Verbo
de Deus.
Mas, nesse enfrentamento não havia só questões teológicas. Entre Cirilo e
Nestório, duas cidades – de longo tempo rivais, rivalidade que vinha dos tempos
dos Ptolomeus com os Selêucidas, dos séculos IV-VII a. C. – se combatiam em
busca da supremacia: Alexandria e Antioquia/Constantinopla. Duas escolas
exegético-teológicas de tendências opostas expunham suas divisões e rixas.
Antioquia sentia-se ameaçada e a ruptura entre as Igrejas parecia inevitável.
Os antagonistas – Círilo e Nestório terminam a sua luta de maneira muito
diferente. O primeiro sai dela aureolado e vencedor. O segundo reconhece-se
eliminado e vencido. O bispo de Alexandria sobreviverá nove anos, em paz e
honrado. Nestório, ferido e desacreditado, conhecerá o exílio nos vinte derradeiros
anos da sua existência, à luz da história, no entanto põe-se um problema: seria
Círilo o campeão da verdade? E Nestório a encarnação do erro?

TEXTO

Do Comentário sobre o Evangelho de João.


Como o Pai me enviou, também eu cos envio.

Nosso Senhor Jesus Cristo designou guias e doutores do mundo e


dispensados de seus divinos mistérios. Semelhantes as lâmpadas, ordenou-lhes
que esclarecessem e iluminassem não apenas o país dos judeus, mas todos os
que existem sob o sol e em todo o universo, os homens e habitantes da terra. É
verdadeiro aquele que disse: Ninguém se arroga esta honra, mas quem foi
chamado por Deus (Hb 5.4). Pois nosso Senhor Jesus chamou ao nobilíssimo
apostolado, antes de todos os outros, os seus discípulos.
Os santos Apóstolos foram colunas e firmamento da verdade. A eles diz que
os envia da mesma forma como foi enviado pelo Pai. Mostrou assim, ao mesmo
tempo, a dignidade do apóstolo e a glória incomparável do poder que lhe foi dado;
como também, parece-me, sugerindo a meta da vida apostólica.
Pois, se julgava que devia enviar seus discípulos do mesmo modo como o
Pai o enviara, como não se seguiria necessariamente que seus futuros imitadores
iriam conhecer a que fim o Pai enviara o Filho? Por isto, declaramos em vários
lugares a finalidade de sua missão, dizia: Não vim chamar os justos, mas os
pecadores para a conversão (Mt. 9.13). E também: Desci do céu não para fazer
minha vontade, mas a vontade daquele que me enviou. Deus não enviou seu filho
ao mundo para julgar o mundo, mas para que o mundo seja salvo por ele (Jo.317).
Resumindo assim, em poucas palavras, o objetivo do apostolo, diz que
foram enviados por ele, como ele o fora pelo Pai e soubessem ter recebido a
missão de chamar os pecadores à conversão; de curar os doentes de corpo e de
espírito; de não procurar, no ministério, sua vontade, mas a daquele por quem
foram enviados; e de salvar o mundo por sua doutrina. Não será difícil saber
História da Igreja - Rev. Wilson Santana Silva - 16/09/2018 - 49

quanto os santos apóstolos se esforçaram por bem realizar todas estas tarefas, se
leres os escritos dos Atos dos Apóstolos e de Paulo. 69

13.Gregório Magno (540-604)

Notável líder da igreja.

Texto Básico

Atos 9.31

“A igreja na verdade tinha paz por toda a Judéia (...)

Introdução.

Alguns historiadores têm situado Gregório Magno no fim da antigüidade e


no começo da idade média. A situação política e religiosa do período era
dramática. Heresias renascendo, especialmente donatismo e arianismo; monges
desregrados, um clero desmoralizado e, por fim os fiéis perturbados pelas
invasões; a Gália estava sob domínio bárbaro; a Itália colonizada pelos ferozes
Lombardos. Lúcido e realista, o líder enfrentou as suas responsabilidades com
capacidade e coragem. É verdade que estava consciente do peso da carga e do
desconforto da situação. Foi em meio as violentas tempestades politico-religiosas
que Gregório transmitiu à posteridade uma cultura abalada pelos embates com os
bárbaros, mas rica de preciosos valores patristicos. Sobre as ruínas do império
Romano surgiu a aurora medieval. Gregório, cognominado Magno, foi o profeta
daqueles tempos. Simultaneamente diplomata, administrador, pastor, missionário
e teólogo, este mestre da vida espiritual construiu uma obra monumental nas
áreas da política, social e religiosa. Gregório reivindicou para si apenas um título,
que o honrará e que vai transmitir aos seus sucessores, como um sinal de
humildade: “servo dos servos de Deus”70

1. Um futuro brilhante.

Gregório ( do grego grêgoros, o vigilante) é o bisneto do papa Félix III.


Quanto aos seus pais, pertencem a alta aristocracia Cristã. O seu pai, o Senador
Gordiano, é o administrador de um dos sete departamentos da Urbs (Roma). A
sua esposa Sílvia, era uma senhora protetora e muito estimada. Naturalmente o
filho do casal seguirá uma carreira de alto funcionário do Estado, ao serviço do
senado e povo romano. Para prepará-lo para isso, seguiria os cursos da
universidade romana: letras, retórica e dialética. No entanto paralelamente a estes

69
Liturgias das Horas, p. 1408-1409.

70
Jean Huscenot, p.139.
História da Igreja - Rev. Wilson Santana Silva - 16/09/2018 - 50

estudos, o jovem cristão praticamente é um leitor que medita a Sagrada Escritura.


Em 573, com trinta e três anos de idade e órfão de pai, com sua mãe, tornou-se
um dos mais ricos proprietários de Roma. Com o consentimento de sua mãe,
tornou-se monge e passou a ser assediado por muitas autoridades.
Gregório entendeu que para seguir a carreira de monge era preciso
desfazer-se de sua riqueza. O rico herdeiro fez doações a diversos mosteiros: seis
são na Sicília e um em Roma. Na casa paterna, no monte Coelius ( uma das sete
colinas da cidade de Roma, entre o Esquilino e o Aventino), num lugar chamado
Clivus Scauri, o doador estabeleceu o convento de Santo André. Foi lá que, sob o
abade Valentio, Gregório se tornou o mais submisso dos religiosos.
O papa Pelágio II, desde sua eleição em 579 tirou Gregório da sombra,
nomeando-o representante extraordinário em Constantinopla encarregado de
preparar o imperador Tibério II. Após algumas missões diplomáticas Gregório foi
nomeado abade do mosteiro de Santo André no monte Célio. 71

2. De abade missionário para papa missionário.

Os três anos como abade, serviram a Gregório no sentido de aperfeiçoar


seu intelecto e inteira dedicação à literatura. Surgiu neste período a obra em trinta
e cinco livros, sobre o comentário de Jó. É um trabalho repleto de teologia e
ensinos morais.
Em 589-590, o abade de Santo André, já sábio graças a estudos realizados
com paciência, desejou dedicar-se às missões. Chegou mesmo a partir, munido
de uma autorização do papa. Entretanto este arrependido chamou-o para seu
lado. Após a morte de Pelágio II, em 7 de fevereiro de 590, o imperador Maurício
propôs a candidatura de Gregório. Ele tentou esquivar-se, porém vencido foi
sagrado papa no dia 3 de setembro de 590. Ao terminar o século VI, Gregório
doente e fragilizado vai desenvolver uma energia indomável pelo bem da igreja.
Ao contrário dos seus predecessores, mesmo pertencendo ainda
exclusivamente ao universo cultural greco-romano, Gregório o visionário, prevê a
ascensão dos invasores e seu papel futuro na cristandade. Ele vai iniciar para com
eles uma grande abertura diplomática, voltando-se francamente para eles a fim de
os ganhar para Cristo.
Gregório estabeleceu cordiais alianças com Guildeberto, poderoso rei da
Austrásia. No final de junho de 592 os Lombardos invadiram a Itália e cercaram
Roma. Gregório vai desempenhar, durante algum tempo, junto do seu corpo de
defesa, o papel de organizador da resistência. A partir de Teodolinda, poderosa
soberana lombada, começaram as conversões em massa. Os acordos
estabelecidos com os Lombardos estabeleceu um equilíbrio entre Roma e os
bárbaros72. É provável que a maior vitória de Gregório foi a evangelização dos
Anglos. No mosteiro romano o pontífice vai formar uma equipe de voluntários,
animados pelo monge Agostinho. Estes corajosos missionários partiram, alegres e
conquistadores, na primavera de 596, mas regressaram logo a seguir tristes e
magoados. No dia 23 de julho, o sumo pontífice ordena-lhes de novo: “voltar a
71
Jean Huscenot, p. 140-142.
72
Jean Huscenot. p. 145
História da Igreja - Rev. Wilson Santana Silva - 16/09/2018 - 51

partir”. Mas, desta vez não há hipótese de voltar para trás nem de mudar de idéia.
Na páscoa de 597, os pioneiros abordaram os bárbaros. Perfeitamente acolhidos
pelo rei Etelberto, ainda pagão, mas de boa vontade, e por sua mulher cristã, a
rainha Berta, os missionários romanos começaram logo, quase a seguir, a realizar
conversões em massa. Depois do próprio soberano, batizado em 01 de junho de
597, seis meses mais tarde é a vez dos seus súditos.
Gregório também foi um grande reformador da liturgia romana e do canto
na igreja. A partir do ano 600 e durante os quatro últimos anos que lhe restaram de
vida, o grande líder foi importunado por intensas dores físicas. 73

TEXTO

Das Homilias sobre Ezequiel.

Por amor de Cristo, me consagro totalmente à sua palavra.

Filho do homem, eu te coloquei como sentinela da casa de Israel ( Ez.


3.16). è de se notar que o Senhor chama de sentinela aquele a quem envia a
pregar. A sentinela, de fato, está sempre no alto para enxergar de longe quem
vem. E quem quer que seja sentinela do povo deve manter-se no alto por sua
vida, para ser útil por sua providência.
Como é duro para mim isto que digo! Ao falar, firo-me a mim mesmo, pois
minha língua não mantém, como seria justo, a pregação e, mesmo que consiga
mantê-la, a vida não concorda com a língua.
Eu não nego ser culpado, conheço minha inércia e negligência. Talvez haja
diante do juiz bondoso um pedido de perdão no reconhecimento da culpa. Na
verdade, quando no mosteiro podia não só reter a língua de palavras ociosas, mas
quase continuamente manter o espírito atento à oração. Mas depois que pus aos
ombros do coração o cargo pastoral, meu espírito não consegue recolher-se
sempre, porque está dividido entre muitas coisas.
Sou obrigado a decidir ora questões das Igrejas, ora dos mosteiros; com
freqüência ponderar a vida e as ações de outrem; ora auxiliar em certos negócios
dos cidadãos, ora gemer sob as espadas dos bárbaros invasores e temer os lobos
que roubam o rebanho sob minha guarda. Por vezes, devo encarregar-me da
administração, para que não venha a faltar o necessário aos submetidos à
disciplina da regra. Às vezes devo tolerar com igualdade de ânimo certos ladrões,
ora opor-me a eles pelo desejo de conservar a caridade.
Estando assim dispersa e dilacerada a mente, quando voltará a recolher-se
toda na pregação, e não se afastar do ministério do proclamação da Palavra? Por
obrigação do cargo, muitas vezes tenho de encontrar-me com seculares; por isso
sempre relaxo a guarda da língua. Pois se constantemente me mantenho sob o
rigor de minha censura, sei que sou evitado pelos mais fracos e nunca os atraio
para onde desejo. por esta razão, muitas vezes tenho de ouvi-los pacientemente
em questões ociosas. Mas, sendo eu mesmo fraco, arrastado aos poucos pelas

73
Jean Huscenot. p. 148.
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palavras vãs, começo a dizer sem dificuldade aquilo que a princípio tinha ouvido
com má vontade; e ali onde me aborrecia cair, agrada-me permanecer. Que, pois,
ou que espécie de sentinela sou eu, que não estou de pé no monte da ação, mas
ainda deitado no vale da fraqueza? Poderoso é, porém, o criador e redentor do
gênero humano para conceder-me, a mim, indigno, a elevação da vida e a eficácia
da palavra. Por seu amor, me consagro totalmente à sua palavra. 74

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