Antigamente, meu principal trabalho não era lecionar, mas dar "lições
particulares”. A maior parte das crianças precisava de atenção psicológica, mas
havia sempre outras que tinham vindo de escolas estritas, e as lições particulares levavam a intenção de apressar o processo de adaptação à liberdade. Se a criança estiver amarrada por dentro, não se pode adaptar à idéia de que é livre. As “L. P.” eram conversas sem formalidade, junto da lareira. Eu me sentava ali, com o cachimbo na bôca, e a criança também podia fumar, se quisesse. O cigarro era, muitas vêzes, o méío He quebrar o gelo inicial. Com os recém-chegados a coisa não é tão fácil. Quando recebemos uma criança de onze anos à qual disseram que os bebês são trazidos pelo médico, é trabalho árduo libertá-la das mentiras e mêdos. Porque, naturalmente, tal criança tem uma sensação de culpa com referencia a masturbação, e a sensação de culpa tem de ser destruída, se quisermos que ela encontre felicidade. A maior parte dos pequeninos, não precisa de L. P. Quando a própria criança pede uma L. P. é que temos a circunstância ideal para estabelecer sessões regulares. Algumas das mais velhas pedem, e, às vêzes, raramente, um dos pequeninos também faz isso. Atualmente não dou mais terapia sistemática. Com a criança média, quando se lhe falou claramente sôbre o nascimento e a masturbação, e mostrou-se como a situação da família criou hostilidade e ciúmes, nada mais se pode fazer. Curar a neurose de uma criança exige a libertação da emotividade, e a cura não será obtida, de forma alguma, com a exposição de teorias psiquiátricas, dizendo-se à criança que ela tem um complexo. Lembro-me de um rapaz de quinze anos ao qual tentei ajudar. Durante semanas êle ouviu silenciosamente as L. P., respondendo apenas, e com monossílabos, às perguntas que eu lhe fazia. Resolvi usar processo drástico, e na próxima L. P. disse-lhe: —Vou dizer o que, em sua própria mente, você está pen sando a seu respeito. Que é um tolo, preguiçoso, estúpido, presumido, rancoroso. — Sou? —disse êle, vermelho de cólera. — Quem pensa você que é, afinal? Daquele dia em diante falou com facilidade, e objetivamente. Chego cada vez mais à conclusão de que essa terapia não é necessária quando as crianças podem desgastar seus complexos em liberdade. Mas num caso como o de George, a liberdade não teria sido suficiente. Em Summerhill, é o amor que cura: é a aprovação, e a liberdade de ser fiel a si mesmo, Dos nossos quarenta e cinco alunos só uma pequena fração recebe L. P. Acredito cada vez mais no efeito terapêutico do trabalho criador. Gostaria que as crianças fizessem mais trabalhos manuais, mais representações, que dançassem mais. Deixem-me que esclareça serem as L. P. apenas para desabafos emocionais. Se uma criança era infeliz, eu lhe dava uma L. P. Mas, se não podia aprender a ler, ou detestava a matemática, não tentava curá-la com tratamento analítico. Às vêzes, no curso de uma L. P., falava-se nessa incapacidade de ler, que datava da sugestão da mamãe para “ser um menino bom e inteligente como seu irmão”, ou no ódio à matemática, qué vinha de uma antipatia pelo antigo professor da matéria. Naturalmente, eu, para as crianças, sou o símbolo do pai, e minha esposa é o símbolo da mãe. Do ponto de vista social, minha espôsa passa pior do que eu, porque recebe tôda a hostilidade inconsciente que as meninas deslocam das próprias mães para ela, enquanto gostam de mim. Os meninos gostam de minha espôsa como gostam de suas mães, e a hostilidade contra o pai vem para mim. Os rapazes, porém, dão expressão a tal hostilidade com menos ímpeto do que as meninas, pois têm possibilidades muito maiores de lidarem mais com coisas do que com pessoas. Um menino zangado dá um pontapé numa bola, enquanto a menina diz palavras ferinas à mãe símbolo. Mas para ser justo, devo dizer que é pequeno o período de tempo em que as meninas são ferinas, de convívio difícil: na pré-adolescência e no primeiro ano da adolescência. Nem todas elas passam por esse estágio. Isso depende muito da escola que frequentaram antes, e, ainda mais, da atitude da mãe no que respeita à autoridade. Nas L. P. eu chamava a atenção para as relações entre as reações referentes ao lar e as reações referentes à escola. Qualquer crítica que me fizessem eu logo traduzia como crítica ao pai. Qualquer acusação contra minha esposa eu mostrava ser acusação contra a mãe. Tentava manter as análises objetivas, pois entrar em suas profundezas subjetivas era ser injusto para com a criança. Muitas crianças jamais tiveram L. P. Não as quiseram. Tratava-se de crianças que tinham sido educadas corretamente, sem mentiras nem sermões dos pais. Terapia não cura imediatamente» A pessoa que está sendo tratada não se beneficia muito durante algum tempo, habitualmente durante cerca de um ano. Daí eu nunca me sentir pessimista quanto a alunos mais velhos que deixam a escola no que chamávamos condição psicológica a meia cozedura.