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As armadilhas da participação:

os desafios da extensão rural como ferramenta de desenvolvimento§


Nora Beatriz Presno Amodeo**

Resumo:
Quando se analisam os discursos contemporâneos sobre extensão rural,
eles postulam o uso de técnicas participativas, de relações horizontais e a
emergência e consolidação de redes de relacionamentos e/ou de organizações
locais. Seu propósito é também transformar os trabalhadores ou produtores
rurais em verdadeiros atores do seu próprio processo de desenvolvimento.
Desta forma, é proclamado que as inter-relações e as relações de poder
local seriam alteradas e os projetos de desenvolvimento resultantes seriam
mais complexos e menos previsíveis, sendo, por sua parte, mais sustentáveis
no tempo, por passar a ser mais apropriados pelas populações locais. Da
mesma forma, a extensão rural passou de ter como objetivo principal a difusão
das “tecnologias mais adequadas”, a ser uma ferramenta do desenvolvimento
rural, ampliando desta forma o seu foco, devido ao reconhecimento, explícito
ou implícito, da insuficiência das questões técnicas ou agronômicas para
solucionar os problemas do campo, em especial, os da agricultura familiar.
Esse artigo pretende indagar teoricamente essas afirmações à luz das
discussões no marco da chamada “tirania da participação”, usando o exemplo
da agroecologia para realizar a análise.

Abstract:
When analyzing the contemporary discourse on rural extension, it seems to be
based on the use of participatory techniques, horizontal relationships, and the
flourishing and consolidation of networks of relationships and/or of local
organizations. Its declared aim is to transform rural workers or producers into
leading actors of their own development process.

§
Artigo publicado na Revista Oikos, Revista Bras. de Economia Doméstica Vol. 18 nº 2 -
2007
**
Professora do Programa de Pós-graduação em Extensão Rural do Departamento
de Economia Rural da Universidade Federal de Viçosa. npresno@ufv.br
Consequently, relationships and power relations in rural areas would be altered
and resultant development projects would be more complexes and less
predictable; nevertheless, these projects would be more time sustainable,
because they would be appropriated by local communities.
Rural extension suffer a great transformation from it previous focus, mainly on
the diffusion of ‘proper’ or ‘new’ technologies, becoming a tool for rural
development. Therefore, it has enlarged its focus recognizing the insufficiency
of technical or agronomical issues to solve rural problems, especially those of
family farms. This article aims to inquiry into these statements, using the
“tyranny of participation” discussions as framework of analysis and agroecology
as a subject for exemplification.

A participação e suas promessas:


Ao analisar os discursos contemporâneos sobre desenvolvimento e
sobre a prática da extensão rural pode-se apreciar que eles pré-supõem a
utilização de metodologias participativas, o estabelecimento de relações
horizontais e a emergência ou consolidação de redes de relacionamentos e/ou
de organizações locais, o que contribui para transformar os produtores e
trabalhadores rurais em protagonistas do seu próprio processo de
desenvolvimento. Desta forma, é proclamado que as inter-relações e as
relações de poder local seriam alteradas e os projetos de desenvolvimento
resultantes seriam mais complexos e menos previsíveis, sendo, por sua parte,
mais sustentáveis no tempo, por passar a ser mais apropriados pelas
populações locais. Da mesma forma, a extensão rural passou de ter como
objetivo principal a difusão das “tecnologias mais adequadas”, a ser uma
ferramenta do desenvolvimento rural, ampliando desta forma o seu foco, devido
ao reconhecimento, explícito ou implícito, da insuficiência das questões
técnicas ou agronômicas para solucionar os problemas do campo, em especial,
os da agricultura familiar. Esse artigo pretende indagar teoricamente essas
afirmações à luz das discussões no marco da chamada “tirania da
participação”, usando o exemplo da agroecologia para realizar a análise.

1
Como afirma Kliksberg (2000), na sua quarta “tese não convencional”, a
participação triunfou pelo menos no discurso, ainda que na realidade a situação
seja muito mais complexa. De fato, seja porque alguns acreditam na maior
“eficiência” que a participação permite – devido ao envolvimento comunitário
que ela promove – ou por ser entendida como uma questão de direito de cada
cidadão a ser protagonista do seu próprio destino, não existem atualmente
projetos de nenhum tipo que não se autodefinam como participativos.
Como o mesmo autor nos lembra, a participação alcançou, sobre tudo
na América Latina, legitimidade moral, vinculando-a aos direitos cidadãos,
legitimidade política, por formar parte constitutiva do modelo democrático, e
legitimidade econômica e gerencial, por ser percebida como uma das formas
mais eficientes de alcançar os resultados esperados.
Como lembra Horta Valadares (1995), mencionando os trabalhos de
Dachler e Wilpert (1978), a participação é um sistema social e, como tal, um
complexo e dinâmico produto da ação humana.

“Independentemente de ser ou não intencional e racionalmente


criada, ou de surgir como conseqüência de fatores fortuitos, a
participação está relacionada a uma variedade de valores e
objetivos e assume diferentes propriedades estruturais e
operacionais sob várias configurações, provocando uma
variedade de resultados. Portanto, o potencial de um sistema
social participativo, ou seja, a sua capacidade de alcançar o
resultado idealizado, é determinado pela seqüência e pelo inter-
relacionamento de três dimensões da participação: dos valores,
crenças e objetivos dos implementadores; passando pelas
propriedades dos arranjos participativos; e pelos resultados.
(1995, p. 12).

Assim, entende-se a participação como processo social dinâmico e


multidimensional. Por trás da emergência do discurso da participação e, sobre
tudo, de sua incorporação ao discurso do desenvolvimento, está também o
reconhecimento das complexas relações sociais, econômicas, políticas,

2
culturais, ambientais, históricas, que explicam a realidade das comunidades,
realidade essa não alterável exclusivamente com a introdução de novas
tecnologias, insumos ou processos produtivos. Desta forma, crescentemente a
tecnologia começa a ser entendida dentro de contextos de análise mais amplos
que, simultaneamente, tiram dela parte do seu poder de explicar ou de
solucionar situações, e fazem mais complexa a sua análise.
A extensão rural, que desde a metade do século passado era entendida
como responsável pela difusão de inovações aos produtores rurais, começa a
ser re-significada a partir dos anos 80, transformando-se paulatinamente de
‘ferramenta’ de difusão de tecnologia para promover o crescimento econômico,
em ‘ferramenta’ de desenvolvimento rural. A ‘velha’ extensão rural se
fundamentava em visões como a de Rogers, que concentrava a sua análise na
transmissão da mensagem, desde os centros de produção de tecnologia, e a
transformação que esta devia produzir nas condutas do público rural (adoção
de pacotes tecnológicos), se sustentando nos esquemas de aprendizagem
propostos por Skinner, por exemplo.
Desta forma, esse modelo de intervenção vertical, persuasivo, com viés
claramente condutivista, vai perdendo sua força, na medida em que vai
demonstrando suas limitações e indesejadas conseqüências, sendo
paulatinamente substituído por outros marcos teóricos, principalmente por
aqueles inspirados nas idéias de Paulo freire, os que também encontram
sustento e interlocução com as visões de Piaget e Vygotsky, com a discussão
de poder em Focault e com os conceitos sobre desenvolvimento de Chambers,
ou, ainda, de Amartya Sen, mencionando aqui só alguns poucos autores
relevantes. Assim, transforma-se profundamente o paradigma que norteia a
extensão rural, para começar a assumir uma postura emancipadora,
construtivista, democrática e participativa, com relações horizontais e
analíticas, abrindo espaço para a criatividade e para a ação daqueles
anteriormente chamados “beneficiários”, os quais são transformados em ativos
atores dos processos locais. Por sua parte, os extensionistas transformam-se,
idealmente, em verdadeiros mediadores rurais (FIÚZA et al, 2006).

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Aquele modelo top-down difusionista aplicava-se não só à extensão,
mas também nos programas de desenvolvimento, na pesquisa e nos
planejamentos impostos pelos organismos nacionais e internacionais. Portanto,
quando se pretende sua substituição por modelos participativos,
desencadeiam-se processos similares que são vivenciados nos mais diversos
âmbitos vinculados a todas essas atividades. Consequentemente, um dos
objetivos que frequentemente passa a ser encontrado em projetos de diverso
tipo é o “empoderamento” dos mais pobres, ou dos menos favorecidos, dos
excluídos, ou da comunidade, visando estimular e qualificar o seu envolvimento
nos processos de desenvolvimento dos que são público alvo, supostamente
lhes oferecendo maior controle e influência sobre os processos e projetos que
os afetam.
O século XX finalizou assim com a promessa de transformar a
participação em motor do desenvolvimento, urbano ou rural, local ou global. No
entanto, atualmente ‘participação’ é uma palavra que pode ter significados
distintos segundo quem seja a pessoa que a utiliza. A noção de polivalência do
discurso apresentada por Foucault (1978), adaptando o termo da química que
explica a capacidade de determinados elementos de se combinar com outros
de forma distinta, pode nos ajudar a entender esse fenômeno. Diferentes
instituições e organizações falam de participação, ainda que suas práxis sejam
bastante distintas e, até, contraditórias. Sobretudo, são diferentes as
conseqüências de esses significados distintos, já que a participação interfere
nas relações de poder, e segundo seja o significado atribuído, as afetarão de
forma distinta.
Antonio Faundez (1993, p.32) afirma que:

“O poder é a manifestação de uma participação crítica, ativa e


permanente do conjunto da sociedade e não só propriedade de
uma elite política que geralmente retêm não só o poder político
(poder de decidir), mas também o poder de saber (poder do
conhecimento e de análise crítico) e o poder do ter (poder da
propriedade, dos meios de produção, do crédito, do capital de
gestão, etc.)” (1993, p,32)

4
O autor reforça sua idéia afirmando que a participação que não se
transforma em poder não é uma participação eficaz, capaz de influenciar a
história de uma sociedade. O poder se acumula nas partes das organizações
que controlam o fluxo de informações, assim como se concentra nas pessoas
que controlam ou possuem maiores informações e/ou conhecimentos,
sobretudo, os mais valorizados pelo mercado ou pela população em questão.
Analisar o poder é enxergar alem do que podemos observar. Olhando só a
superfície, o conflito pode não aflorar no debate e não ser realmente discutido.
Portanto, quando se avaliam os processos participativos, deveriam avaliar-se
também os resultados desse processo em termos de poder: como foi a
dinâmica do processo participativo? Quais foram os conflitos e como foram
solucionados? Qual foi o resultado final desse processo para todas as partes
envolvidas?
No entanto, a principal crítica às metodologias participativas, não devém
necessariamente da aplicação das mesmas, mas da despolitização que o
discurso da participação pode fomentar. As causas estruturais que provocariam
a exclusão (problemas fundiários, de distribuição de renda, de funcionamento
dos sistemas econômicos ou de comercio, etc.) são relegadas a um segundo
plano e, portanto, se propõe superar os problemas resultantes, sem alterar
necessariamente o status quo (as causas) no fundamental, porém integrando
aos excluídos em instâncias coletivas.
Interessa neste artigo especialmente assinalar algumas reflexões sobre
a participação e os processos participativos, tentando tirar conclusões ou
aprendizagens que possam contribuir para que a extensão rural se adapte
cada vez mais às necessidades das populações rurais de menores recursos,
empoderando-os, aprofundando assim os processos participativos para que
cumpram realmente com as promessas que eles postulam.

5
A tirania da participação

Em 1999, a Universidade de Manchester, Inglaterra, organizou uma


conferência chamada: “Participação: a nova tirania”, cujos artigos principais
foram posteriormente editados no livro do mesmo nome††. Reuniram-se
acadêmicos e especialistas em desenvolvimento preocupados com as
distorções que se percebiam por trás do discurso da participação e as
dificuldades encontradas para vivenciar as promessas de empoderamento e de
transformações para os excluídos contidas no discurso do desenvolvimento
participativo. Os assistentes, apresentando visões muitas vezes contrastantes,
manifestavam sua preocupação porque, na implementação dos projetos de
desenvolvimento, o adjetivo “participativo” parecia estar escondendo práticas
diversas e distantes do seu real significado. Isso foi diagnosticado como sendo
um problema sistêmico e não meramente conseqüência das características
pessoais dos operadores, ou das especificidades das técnicas ou das
ferramentas utilizadas. Assim, o desenvolvimento participativo podia estar, em
realidade, facilitando um exercício injusto ou ilegítimo do poder e, portanto,
devia ser analisado mais criticamente para ver se realmente as vantagens não
se resumiam simplesmente ao próprio discurso. Desta forma, discutiu-se que o
discurso da participação estaria sendo utilizado para agendas políticas
distintas; estaria impondo relaciones de poder, em vez de as eliminado, ao
transformar a participação numa simples aplicação de tecnologias sociais;
estaria sendo negligenciado quando restringido às escalas locais, esquecendo
seus vínculos com processos e institucionalidades mais amplas; estaria
encobrindo o fato da participação não ser uma panacéia e apresentar as suas
próprias tensões práticas e teóricas (KESBY, 2005).
Segundo colocam Bill Cooke e Uma Kothari (2001), na introdução do
livro Participation: the new tyrany?, ao apresentar os principais pontos
discutidos durante a conferência, existe uma série de questões relevantes que
merecem ser atendidas e que serão resumidas nos próximos parágrafos.

††
Cook, B. & Kothari, U. (eds.) Participation: The New Tyranny? Zed Books, 2001.

6
Qualificar a participação como tirania é um ato chocante que coloca os
autores na incomoda posição de ser alvo de rechaço por parte de todos os
atores vinculados ao mundo da participação. Tanto quando existe uma visão
romântica dos processos participativos, como quando existe a necessidade de
validação política da participação, assim como também, quando se confunde
entre participação como meio e como fim, ou ainda, quando a discussão se
concentra na pertinência ou aplicabilidade das metodologias utilizadas, em
todos esses casos, qualificar a participação como tirania pode aparecer como
uma heresia, complicando-se assim a discussão aberta e desapaixonada
destas questões. Sendo a tirania o exercício ilegítimo e/ou injusto do poder, os
autores referem-se à forma como o “desenvolvimento participativo” facilitaria
essa situação. Neste sentido, quando se questiona a participação e suas reais
conseqüências, existe o perigo de ser mal interpretado, como se se propusesse
o retorno a modelos de dominação já rechaçados. No entanto, Cook e Kothari
(2001) assinalam que não era essa a intenção dos conferencistas, eles
sustentam que academicamente impunha-se uma analise crítica e consciente
para separar o discurso da prática, ou da forma como estava sendo vivenciada,
e conseguir reais avanços nos objetivos finais de democratização do poder.
A (auto)crítica sobre as limitações detectadas nos métodos participativos
não se concentrou exclusivamente nesta conferência.
As “tiranias” que foram identificadas durante a citada conferência,
segundo Cooke e Kothari, tinham três origens principais: a) as derivadas da
toma de decisões e do controle; b) a tirania do grupo; e, c) a tirania como
método. As tiranias derivadas da toma de decisões e do controle tentavam ser
resumidas na pergunta: ”os facilitadores da participação deixam de lado os
processos existentes e os processos legítimos de toma de decisões?”. O
questionamento surge pela tendência verificada de promoção da legitimidade
de determinados processos de intervenção, com conseqüente o cumprimento
de determinadas agendas e objetivos específicos (aqueles das organizações
que realizam a intervenção), desconhecendo as instâncias e interesses
genuinamente locais. Desta forma, o que se percebe é uma tendência por parte
das comunidades de tentar articular suas necessidades e objetivos de acordo

7
com a oferta dos projetos, gerando-se uma relação de subordinação e
dependência, em vez do proclamado empoderamento. Assim, para beneficiar-
se dos projetos, as comunidades passam a integrar novas instâncias
participativas, criadas especialmente para esses fins, muitas vezes
abandonando as organizações tradicionais locais. Quando os projetos acabam,
as organizações criadas não conseguem sobreviver sem os recursos dos
projetos, enquanto as organizações tradicionais perderam parte da sua força
anterior.
Já o argumento da tirania do grupo questionava se a dinâmica dos
grupos faria com que as decisões participativas reforçassem os interesses dos
que já são poderosos. O principal argumento crítico são as falhas dos
processos participativos em lidar com as desigualdades internas às
comunidades, tendendo muitas vezes a reforçar as relações de poder
preexistentes. Isso se dá pela tendência a perceber as relações de poder de
forma binária: unidades homogêneas de ‘dominados’ subordinados a grupos
homogêneos de ‘poderosos’. As diferenças entre os poderes de barganha de
subgrupos dentro das comunidades, subgrupos de estrutura e relações
complexas e desiguais, tendem a ser desconhecidas e ignoradas, reforçando-
se assim as relações de poder pré-existentes.
Por fim, a tirania como método se perguntava se os processos
participativos não teriam afugentado àqueles menos poderosos, cujas
vantagens não provinham do método participativo. Os dois tipos de tirania,
anteriormente descritos, poderiam também interagir e se reforçar mutuamente.
Assim, a busca do consenso inerente às tiranias derivadas da toma de
decisões e do controle, pode ser enxergada como um importante fator que
contribui para a tirania do grupo. Na medida em que as relações de poder
internas à comunidade não sofram transformações drásticas, aqueles
tradicionalmente excluídos dos processos de decisão e controle, ficam
deslegitimados de participar dos benefícios dos processos participativos, já que
eles serão dominados pelos grupos que tradicionalmente detêm mais poder
(ainda que se trate de uma parte daqueles ‘menos’ poderosos), perdendo-se

8
também os outros parâmetros anteriormente vigentes de distribuição de
benefícios.
Numerosas experiências analisadas, e apresentadas na citada
conferência, mostravam que a resposta a essas três interrogantes que guiam a
classificação, em muitas ocasiões, verifica-se ser positiva. Isso imporia a todos
os que trabalham em projetos de desenvolvimento, e consequentemente em
extensão rural, um cuidado muito especial para encarar as encruzilhadas e
armadilhas que a participação pode apresentar, para evitar que as vantagens
da participação fiquem restritas ao discurso.
Algumas dessas “armadilhas” analisadas, as quais são encontradas na
realidade dos projetos de desenvolvimento, e são especialmente importantes
no caso da extensão rural, referem-se a projetos que, tentando identificar as
“necessidades locais”, acabam muitas vezes, em realidade, só identificando as
percepções locais sobre o que os participantes acham que essa intervenção e
a organização em questão podem lhes oferecer. Ainda maiores distorções são
introduzidas quando os ideais participativos são frequentemente constrangidos
por metas burocráticas, formais ou informais, impostas por contextos
institucionais e que acabam influenciando os resultados do processo
participativo.
Especialmente interessante são as reflexões analíticas apresentadas por
Cook sobre os processos participativos (2001: cap. 7). Usando os conceitos da
psicologia social, tenta mostrar como os sentimentos, pensamentos e
comportamentos das pessoas são influenciados pela presença real, imaginária
ou implícita dos outros membros do grupo. Desta forma, o citado autor sugere
que os métodos participativos apresentam características específicas derivadas
da interação “cara a cara”. Assim, Cook afirma que os processos participativos
podem, em princípio, levar às pessoas a tomar decisões coletivas que
apresentam mais riscos que as que teriam tomado individualmente. Podem,
também, levar às pessoas a tomar uma determinada decisão porque acreditam
que essa é a que os outros desejam, ainda que isso na realidade não seja
assim (o que se conhece como paradoxo de Abilene). Faz referência também,
a algumas dinâmicas específicas que os processos grupais podem apresentar,

9
cujos ‘sintomas’ incluem a crença numa moralidade inerente sobre o que deve
ser feito (processos regidos por “moralidades”), a manipulação dos discursos, a
auto censura e a existência de um “controle de pensamento”; dinâmicas essas
que podem levar a decisões coletivas evidentemente errôneas, que podem até
ser prejudiciais para os membros decidam não as seguir. Também, a resultante
evolução dos processos grupais pode levar a mudanças negativas nas crenças
ideológicas ou de consciência (persuasão coercitiva). Finalmente, os processos
participativos promovidos podem desconhecer e, portanto, ignorar as redes e
relacionamentos preexistentes e assim não respeitar as dinâmicas sociais
autenticamente locais. Esses conceitos podem desafiar as pretensões de
eficiência e empoderamento dos processos participativos, caso não sejam
tomadas as devidas salvaguardas que impeçam que esse tipo de fenômenos
acima descritos predominem.
Uma das principais evidências das ‘tiranias’, mencionada por Cleaver
(2001), refere-se às avaliações de diversos projetos de desenvolvimento que
utilizam técnicas participativas, mas que não conseguem incorporar àqueles
com menores recursos e poder das comunidades. O mais grave assinalado
pela autora, é a substituição de mecanismos e/ou regras de participação e
distribuição de benefícios e/ou de acesso aos bens comunitários, por outros
que justamente acabam excluindo aos ‘mais excluídos’, por eles não terem
participado diretamente desses processos participativos. Desta forma,
enquanto na situação anterior, as instâncias comunitárias tradicionais
permitiam o acesso aos recursos àqueles mais excluídos (famílias de viúvas
pobres, por exemplo), no novo acordo, fruto do processo participativo e das
novas regras estabelecidas, esses segmentos acabam sendo esquecidos e
protelados.
Esses efeitos negativos não são conseqüências de metodologias
inadequadas nem, menos ainda, de interesses espúrios dos agentes de
desenvolvimento. As interações não controláveis derivadas da
multidimensionalidade do próprio processo participativo fazem com que, muitas
vezes, seja impossível predizer ou, até, de perceber ou avaliar esses
resultados negativos, comprovando-se na prática, que o que se enuncia na

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teoria da participação não pode evitar, muitas vezes, ser outra coisa que boas
intenções e promessas não cumpridas.

Posteriormente à citada conferência, em 2003, a mesma Universidade


de Manchester faz uma nova convocação sob a questão: “Participação: da
tirania à transformação”. Essa nova instância acadêmica buscava aprofundar
as discussões começadas no evento anterior e apostava em que as
experiências que tinham surgindo, em especial, no mundo subdesenvolvido,
teriam conseguido (re)estabelecer o desenvolvimento participativo como marco
legítimo e genuinamente transformador e não como uma retórica utilizada por
aqueles que procuram legitimar suas próprias agendas sob a cobertura de um
consenso comunitário manipulado.
No ambiente acadêmico e entre os especialistas em desenvolvimento
elaboraram-se também uma série de revisões e críticas aos enfoques
participativos, em especial, aos qualificados de populistas; esses tendem a
simplificar e uniformizar os interesses e objetivos das comunidades, sem
reconhecer as suas diferenças e conflitos internos, sem explorar a
fragmentação de conhecimentos, os grupos de interesses distintos e a contínua
necessidade de adaptação e negociação dos processos. Assim, ressalta-se o
risco que existe nos processos participativos de utilizar uma noção simplista do
conceito de comunidade, que acabe por desconhecer as relações de poder
existentes nela, portanto, disfarçando os desequilíbrios de interesses e as
necessidades baseadas nas características dos diferentes segmentos sociais
(sexo, idade, classe, religião, etnia, etc.).
A importância da não despolitização do conceito de participação, assim
como sua articulação em processos genuinamente comprometidos com a
transformação social, especialmente, vinculando o conceito de participação ao
de governança e, portanto, com o de poder, foram privilegiados nesta segunda
instância de análise. No entanto, e como foi reconhecido em ambos os fóruns
pelos participantes, os questionamentos apresentados merecem ser
especialmente considerados, para não cair na reiteração de lamentáveis
distorções na prática de um desenvolvimento “pretensamente” participativo, ou,

11
no caso específico que nos interessa, em práticas, auto proclamadas de
“participativas”, de extensão rural.

A “tirania da participação” e a extensão rural

Queremos realizar agora umas poucas reflexões sobre a aplicação


destes conceitos especificamente no caso da extensão rural. Para isso, e só
como um exercício de reflexão, utilizaremos o caso da extensão rural e da
agroecologia. Essa eleição deve-se a que as metodologias participativas são
parte constituinte do discurso da agroecologia. Ela abarca não só aspectos
técnicos da produção, mas também procura atender a componentes sociais,
econômicos, ambientais, históricos, culturais, etc. no marco da própria proposta
agroecológica, ela também multidimensional. Da mesma forma, a agroecologia
transformou-se no principal marco da Política Nacional de Extensão Rural
Brasileira, fazendo-a, portanto, muito adequada como objeto destas reflexões.
Não se pretende aqui fazer uma analise exaustiva, nem analisar casos
concretos, mas apontar perigos e desvios – como os mencionados acima – que
poderiam acontecer, e que de fato podem ser visualizados em algumas
práticas. A intenção destas reflexões não está em apontar limitantes ou
problemas da agroecologia e da sua prática, como forma de diminuir sua
potencialidade como proposta, muito pelo contrário, visa apontar as questões
que deveriam ser consideradas para que a potencialidade da proposta não se
veja afetada.
Um primeiro perigo, apontado por Fiúza et al. (2005), que é valido no
caso da agroecologia, assim como comprovadamente o foi no caso de outras
propostas de caráter tecnológico, é o perigo de serem os agricultores
percebidos como ‘fieis” em potencial de uma espécie de ‘nova seita redentora’:
estando eles antes excluídos do processo de modernização, passariam a estar
mais próximos da ‘terra prometida’, bastando para isso adequar suas práticas e
aplicar o modelo ‘salvador’. Neste caso, as chamadas tiranias do grupo seriam
as vivenciadas com maior intensidade, ainda que possam também ser

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encontradas tiranias derivadas do controle. Desta forma, o processo
participativo, por ter como objetivo final a “difusão” da agroecologia, reverteria
as práticas de extensão ao seu caráter tutelar, já amplamente vivenciado em
épocas anteriores. Um processo participativo destas características, com esse
fim último, acabaria aglutinando só àqueles que “participam da mesma fé”,
excluindo e aprofundando a exclusão de outros muitos, como também
aconteceu em épocas anteriores, em especial, referido aos pacotes da
revolução verde.
Devemos nos perguntar, fundamentalmente, seguindo com este
exercício de prevenir que a “tirania da participação” se “infiltre” na prática
agroecológica, como os extensionistas comprometidos com a agroecologia
articulam suas atividades com os processos existentes de participação e toma
de decisões no âmbito local. São integradas suas atividades às atividades já
tradicionais da comunidade ou são criadas novas organizações ou articulações
que rivalizam com as anteriormente existentes, que se levadas a suas últimas
conseqüências, objetivam as substituir? Como afeita isso àqueles participantes
mais fieis das organizações tradicionais? É promovida assim, consciente ou
inconscientemente, uma rivalidade ou um enfrentamento entre organizações
por poder, por espaços de articulação ou por representatividade? Os
participantes acabam sendo obrigados, portanto, a optar por uma ou outra
organização? Está o extensionista, ou o projeto do qual ele forma parte, num
dos pratos dessa balança? Como se vê afetada, consequentemente, a
estrutura de organização social da comunidade pela promoção desta nova
orientação produtiva? Quem é o responsável final por essa transformação das
estruturas sociais comunitárias: o técnico ou os agricultores?
Quando se trata de transformar sistemas produtivos, com um enfoque
tão compreensivo como a proposta agroecológica, não se pode simplesmente
esperar que sejam substituídas práticas de manejo, sem transformações
subseqüentes em outras dimensões da vida dos agricultores, como sua
inserção econômica ou sua organização social. Algumas conseqüências
podem ser inquestionavelmente positivas, mas não podemos esperar que
absolutamente todas o sejam. A própria multidimensionalidade dos processos

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participativos, e da própria agroecologia, faz com que sejam muitos e variados
os resultados possíveis destes processos, não todos inócuos ou vantajosos.
Temos que nos questionar, em cada caso, portanto, qual é o resultado final
acumulado de todas essas transformações e se chegou a ele por um autentico
processo participativo e emancipador ou por um processo indutivo ou tutelado.
Dentro do marco de análise proposto, devemos também investigar os
resultados derivados das dinâmicas grupais aplicadas. Realmente se
comprovam as proclamadas vantagens da ação coletiva? Ou, as decisões do
grupo sujeitam aos agricultores a níveis de risco superiores aos que estariam
dispostos a assumir se essa mesma eleição fosse tomada de forma individual?
Obviamente, não podem ser desconhecidas as maiores potencialidades das
atividades coletivas, mas também não se pode ignorar que essas novas
dinâmicas sociais acabam interagindo – e modificando e sendo modificadas –
tanto com outros coletivos da comunidade, como com cada ator
individualmente. Mais importante, deve ser avaliado como afetam essas
transformações as relações de poder nas comunidades. Os interesses dos
mais poderosos são preservados ou desafiados? Existe uma redistribuição e
democratização do poder? De qual poder? O do saber? O de ter? E/ou, o de
decidir?
As decisões coletivas fruto dos processos participativos respondem aos
desejos genuínos dos atores sociais locais? ou, pelo contrário, pode-se
identificar a veracidade do paradoxo de Abilene (às vezes, promovido pela
necessidade de cumprir com as metas ou com a agenda do próprio
extensionista ou da organização ao qual ele pertence)? Quais eram antes,
quais são agora e como funcionam os processos coercitivos grupais? É
fundamental conferir desta forma o real desenvolvimento da democratização do
poder e dos processos de emancipação, prometidos no discurso da
participação. Seria um grande contra-senso estar simplesmente substituindo
uma dominação por outra, por mais que o discurso incorporado na nesta nova
‘dominação’ seja politicamente mais correto.
Essas perguntas e cuidados na prática da extensão rural são mais que
um mero exercício intelectual; consideramos que formam parte de uma analise

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relevante à qual devem ser submetidas essas práticas de extensão. É preciso
distinguir se realmente houve transformações no enfoque da extensão rural e
se ela pode ser vista realmente como um componente do desenvolvimento
rural, ou se se trata só de uma sofisticação dos discursos e dos métodos. Seria
trágico que se utilizassem discursos e técnicas cada vez mais elaborados e
convincentes, para simplesmente continuar tutelando os agricultores e lhes
impondo verticalmente transformações que, se bem podem ter resultados
ambientalmente e até economicamente mais positivos, podem não resultar
autênticas transformações na distribuição do poder e na promoção do seu
protagonismo como agentes do seu próprio desenvolvimento.

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