OBSCENIDADE
DE CADA DIA
Texto de Marco Antonio de La Parra
Tradução de Antonio Carlos Brunet
PERSONAGENS
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SIGMUND
KARL
KARL – Não acho que seja bom que você me olhe... tanto!
KARL – Não.
KARL – O quê?
KARL – Hmm!...
SIGMUND – Hmm!... (Pausa.) Na verdade, o que eu me
perguntava, era a troco de que santo, você, hoje, anda... sem
calça.
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KARL – Curioso!... Eu me perguntava o mesmo ao seu respeito.
SIGMUND – A mim?
KARL – Talvez...
SIGMUND – Mesmo porque, ela deve ter muita prática, se lhe
costura as calças todos os dias, durante o ano escolar – como
imagino -, não?
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KARL – Quem sabe?... E você, se corre tanto por aqui, é muito
estranho que eu não lhe tenha visto antes...
KARL – Hmm!...
SIGMUND – Hmm!...
SIGMUND – Não!
SIGMUND – E você, por que não vai até à sua doce e famosa tia
Frida, para ver se desta vez ela lhe costura a calça com arames, e
de preferência, direto na bunda?
KARL – E o abuso!!!
SIGMUND – Senhor!!!
SIGMUND – E por quê não? Por acaso esta não é uma paixão tão
nobre, como o amor mais puro?
SIGMUND – Bom, isto não importa que não entenda. A única coisa
que quero que entenda, é que fazer isto, e fazê-lo aqui, é a minha
vida, senhor, a minha vida...
SIGMUND – Sim.
KARL – Quem você pensa que é? Acha que vou andar vestido
deste jeito, para agarrar um pobre diabo como você?
SIGMUND – É que...
SIGMUND – Claro que não, claro que não!... Isto eu sempre faço
por minha conta, completamente só...
SIGMUND – Sexual!
KARL – Social!
SIGMUND – Sexual!
KARL – Social!
SIGMUND - Pena?
KARL – Você, por acaso, não sabe que as tradições são vícios?
KARL – Somente alguém como você pode ser tão imbecil, a ponto
de andar deixando coraçõezinhos e flechas. Por que não deixou
também o seu número de telefone ou sua carteira de identidade
para que a polícia lhe encontrasse? Seu sentimentalismo me dá
náuseas... Vou vomitar na sua gabardine!
KARL – O Superintendente...
SIGMUND – O Subsecretário...
KARL – O Plenipotenciário...
SIGMUND – O Interino...
KARL – Os dois...
SIGMUND – Dois!...
KARL - Quem?
KARL – E você?
KARL - Trabalha?
KARL – Um concorrente!
KARL – Um carro!
KARL – Típico...
SIGMUND – O quê?
KARL – Um furgão!
SIGMUND - Típico?
KARL – Ahã!...
KARL – Também!...
SIGMUND - Karl?
KARL – Também!
SIGMUND – E não me diga que também lhe ensinou o
submarino?...
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KARL – Também!
SIGMUND – E também?...
KARL – Também!
KARL – Também!
SIGMUND – E agora...
KARL – Sim.
KARL – Muito!
SIGMUND – Ora: cala essa boca! Que tanto país, que tanta
nação? Somos uma dupla de vagabundos encagaçados. Vivemos
na corda bamba, aos trancos e barrancos com a águia, com o cu
cheio de coca-cola e você vem me dizer que somos o país e
nação! 39
KARL – Não me diga que você é daqueles que crêem que nós
somos apenas e somente mendigos e delinqüentes?
KARL – Sim...
KARL – Quer dizer que estou nada mais e nada menos do que
com o genial Professor Freud, aqui, junto a mim?
KARL – É claro!
KARL – Usávamos.
SIGMUND - Tocaias?
KARL – Óbvio!
SIGMUND - Delatores?
KARL – Sim...
KARL - Não?
SIGMUND – Não.
SIGMUND – Você não acha que foi uma mudança muito rápida?
Bem: vamos, deite-se! (Karl deita-se.) Agora vou lhe explicar a
regra fundamental da psicanálise, que é a livre associação!
KARL - Livre?
SIGMUND - Continua?
SIGMUND - Sim?
KARL – Tive um sonho! (Deita-se.) Não há ninguém escutando? 50
SIGMUND – Claro que não!
SIGMUND – Você é Karl Ma... Ma... Não, não o diga, não o diga!...
SIGMUND – Bolchevique!
KARL – Metafísico!
SIGMUND – Burocrata!
SIGMUND – Isso sim é que não! Não ponha a minha mãe no meio!
Jamais se leva a público a mãe de um psicanalista, ouviu?
KARL – Não me diga! Sabe, não me fale mais... Não quero nunca
mais saber de você. Eu, que acreditei que poderíamos fazer uma
boa dupla, como O’Higgins e San Martin, como Sacco e Vanzetti,
como Quixote e Sancho Pança...
SIGMUND – Karl!
SIGMUND - Onde?
SIGMUND – Ah sim, claro! É que faz tanto tempo que não falo em
alemão! Você sabe, Karl, eu tenho inveja de você. Sim, eu o
invejo... porque você sim, soube captar as forças da história, o
verdadeiro significado das coisas, como se destruía a identidade
do homem,sua classe, sua raça... Eu gostaria que o meu pai...
SIGMUND - Karl?
SIGMUND - Juntos?
KARL – O hino!
SIGMUND – Está terminando a cerimônia... Já vão sair as
meninas! Parece que terminou o nosso tempo, Karl... Vamos ter
que trabalhar... (Inseguro, tratando de valorizar-se.) Vamos,
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Karl!
KARL – Não sei, parece que me fez mal a psicanálise! Não sei...
SIGMUND – Não sei, porém, já não creio que sirvamos para outra
coisa! Assim, é melhor que se acalme, para que, pelo menos,
possamos fazê-lo bem!
KARL – você tem razão! Não se preocupe... vai sair melhor, muito
melhor que a encomenda...
KARL (Sorri) – Talvez isso não seja o mais importante, agora, não
lhe parece?
SIGMUND – Um...
KARL – Dois...
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SIGMUND – Três!... (Ambos sacam, cada um, uma pistola. Karl,
uma magnum ou um Parabellum, grande e potente. Sigmund,
um revólver pequeno. Apontam, em posição profissional,
dando um enorme e gutural grito. Ficam imóveis, congelados,
como estátuas. Após alguns segundos, blecaute total).
FIM