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Habermas e a teoria do conhecimento


Medeiros, Arilene Maria Soares de; Marques, Maria Auxiliadora de Resende
Braga

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Medeiros, A. M. S. d., & Marques, M. A. d. R. B. (2003). Habermas e a teoria do conhecimento. ETD - Educação
Temática Digital, 5(1), 1-24. http://nbn-resolving.de/urn:nbn:de:0168-ssoar-104033

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ARTIGO

HABERMAS E A TEORIA DO CONHECIMENTO1

Arilene Maria Soares de Medeiros


Maria Auxiliadora de Resende Braga Marques

RESUMO
Este estudo tem o propósito de discutir algumas questões levantadas por Habermas em:
Conhecimento e Interesse, O Discurso Filosófico da Modernidade e Teoria de la Acción
Comunicativa: complementos y estudios previos. A escolha por essas três obras, de cunho
mais epistemológico, baseia-se na representatividade delas para a compreensão e
aprofundamento de questões que tratam da teoria do conhecimento, da superação
paradigmática da filosofia da consciência pela filosofia da linguagem e da concretização de
seu projeto de modernidade via a possibilidade da ampliação do conceito de racionalidade. É
inegável a grande contribuição de Habermas na teoria do conhecimento, na compreensão das
sociedades capitalistas avançadas e na radicalização de uma razão que se faz
fundamentalmente emancipatória.

PALAVRAS-CHAVE
Teoria do conhecimento; Racionalidade; Modernidade e pós-modernidade.

ABSTRACT
The main objective of this study is to argue some questions put by Habermas in:
Conhecimento e Interesse (Knowledge and Human Interests), O Discurso Filosófico da
Modernidade (The Philosophical Discourse of Modernity) and Teoria de la Acción.
Comunicativa: complementos y estudios previos ( The Theory of Communicative Action).
The choice for these three works, of epistemological focus, is based on their importance for
the understanding and the deepening of questions that deal with the knowledge theory, of the
paradigmatic overcoming of the conscience philosophy for the language philosophy and the
accomplishment of his project of modernity through the possibility of magnifying the
rationality concept. The great contribution of Habermas in the theory of the knowledge, in the
understanding of the advanced capitalist societies and in the radicalization of a reason that
makes itself fundamentally free is undeniable.

KEY WORDS
Theory of knowledge; Racionality; Modernity and post-modernity.

1
Trabalho orientado pelo professor Sílvio Sanchez Gamboa, na disciplina Teoria do Conhecimento, no curso de
Mestrado e Doutorado em Educação da UNICAMP, no segundo semestre letivo de 2000.

© ETD – Educação Temática Digital, Campinas, v.5, n.1, p.1-24, dez. 2003 – ISSN: 1517-2539.
ARTIGO

INTRODUÇÃO Habermas, segundo nossa opinião,


um dos teóricos mais inovadores e
mais completos na interpretação das
Trazer uma discussão de Habermas, crises que afetam as sociedades
atuais.
mesmo que preliminar, nos parece ser
algo indispensável por duas razões O presente texto está organizado com o
básicas. Primeiramente, é com esse propósito de situar o autor e algumas de
teórico que a racionalidade moderna suas obras, estudar os pontos
ganha uma nova dimensão, cuja controversos da filiação ou não de
amplitude deve-se ao seu conceito de Habermas à Escola de Frankfurt, discutir
racionalidade comunicativa. Quanto a alguns pontos da sua teoria do
esse ponto, ele trava um debate acirrado e conhecimento e levantar um breve debate
ousado com teóricos modernos e pós- entre modernidade e pós-modernidade,
modernos. Em segundo lugar, é com consecutivamente.
Habermas que a compreensão das
sociedades capitalistas avançadas, tendo a 1 O AUTOR E ALGUMAS OBRAS
ciência e a técnica transformadas em
Quem é Jürgen Habermas? Para uma
principais forças capitalistas, adquire uma
apresentação breve: alemão, nascido na
interpretação cuja maior patologia
cidade de Duesseldorf, em 1929 e
detectada é a colonização do mundo
estudioso da filosofia, da economia, da
vivido. Habermas não nega as crises do
história, da política, da psicologia, do
capitalismo, mas sim as entende como
direito e da psicanálise. É por possuir esse
crises de racionalidade, de legitimidade e
rastro teórico plural, havendo a
de motivação. Siebeneicheler (1989) e
confluência de campos científicos
Mühl (1999) admitem que Habermas
diversos, que Habermas tem buscado
desenvolve um conceito de crise
dialogar acerca do conhecimento, das
polissignificativo. O mesmo se dá em
ciências, da sociedade, do Estado e da
Medeiros (2002, p.65), observável por
racionalidade. Para tanto, apóia-se em
esta citação:
grandes cientistas e filósofos da

A compreensão de crise a partir dos humanidade, dentre tantos: Kant, Hegel,


sintomas polissignificativos faz de

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ARTIGO
Marx, Weber, Freud, Adorno, O autor apresentado por este artigo
Horkheimer, Wittgenstein, Austin, Searle. discute a teoria do conhecimento a partir
Na obra Conhecimento e interesse, de três vertentes teóricas: positivismo,
Habermas critica a estrutura das ciências pragmatismo e historicismo. Habermas
objetivistas que negam a auto-reflexão encaminha sua discussão desde o
como um elemento fundante da positivismo de Comte até ao de Mach,
construção do conhecimento, tendo em admitindo que o positivismo
vista que todo conhecimento constitui desreferencializa o sujeito pensante em
numa objetividade a partir de interesses. nome de uma ciência matematizada e
Daí, a questão é desvendar quais as exata. Com o positivismo se instaura uma
conexões que estabelecem tais interesses teoria das ciências, ou seja, o positivismo,
no processo da construção do por excluir a teoria do conhecimento, o
conhecimento. Inicialmente, ele papel da reflexão no processo de
problematiza a crítica do conhecimento construção do conhecimento, desenvolve
retomando as discussões de Kant, Hegel e uma espécie de dogmatismo em que a fé
Marx no círculo da crescente evolução do das ciências existe nelas mesmas.
conhecimento, em que Hegel critica Kant Baseado nas certezas sensíveis e
e Marx critica Hegel. Esse é o jogo, o metódicas, o positivismo articula
raciocínio lógico, que Habermas faz princípios do empirismo e do
quando trata de evidenciar a crítica do racionalismo e, uma vez que não se trata
conhecimento, enfatizando que Hegel não de uma teoria do conhecimento, mas de
atinge os benefícios de sua crítica a Kant, procedimentos metodológicos apurados, o
porque falta lhe o substrato materialista, o conhecimento é igual ao conhecimento
qual Marx recupera. Por outro lado, científico objetivado e comprovado. O
Habermas acredita que Marx, ao reduzir a pragmatismo de Pierce afasta-se do
reflexão ao trabalho, acaba por positivismo, pois se coloca diante de uma
desenvolver uma análise instrumentalista certa familiaridade com a filosofia,
da reflexão e, exatamente neste ponto, posição esta que o positivismo em nome
aprofunda sua crítica a Marx. da teoria das ciências refutou. O
distanciamento de Pierce do positivismo
de Comte e de Mach está no combate do

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pensamento dos empiristas e racionalistas demonstra que Pierce e Dilthey
e “Pierce entende ciência a partir do permanecem presos às amarras do
horizonte da pesquisa metódica, e por positivismo, pois ambos caem no
pesquisa ele compreende um processo- objetivismo. Habermas mostra também
de-vida” (Habermas, 1982, p.113). que a teoria do conhecimento, sucumbida
pela teoria das ciências (positivismo),
Com esse conceito de ciência e de precisa ser inserida a partir da unidade
pesquisa engendra-se uma nova entre conhecimento e interesse, sendo o
perspectiva de se conceber a realidade, interesse um a priori do conhecimento.
sendo esta então nada mais do que aquilo Não existindo conhecimento
que verdadeiramente afirmamos sobre desinteressado, o interesse prevalece
ela. Mesmo reconhecendo que o como fenômeno controlador e orientador
pragmatismo se distancia dos princípios do conhecimento numa perspectiva do
empiristas e racionalistas, Habermas o paradigma da consciência.
admite como uma das frações do
positivismo, pois “Pierce acreditou não Em O Discurso Filosófico da
precisar distinguir explicitamente o plano Modernidade, Habermas admite que o
da atividade instrumental do plano das paradigma da filosofia da consciência está
interações mediatizadas impossibilitado de cumprir sua função na
simbolicamente,...” (Habermas, 1982, modernidade e polemiza com Hegel,
p.155). Dilthey acredita que os processos Marx, Nietzsche, Horkheimer, Adorno,
de pesquisa representam o mundo da Foucault e tantos outros. Para Habermas,
vida. A significação para ele é uma Hegel diagnostica a fragilização teórica
derivação da biografia do indivíduo, do da modernidade, mas não consegue
Eu-identidade e é inegável a sua superá-la, porque não supera o paradigma
preocupação pela hermenêutica da da consciência, pois para Hegel a
expressão humana. Dilthey fala de uma modernidade já nasce em sua fase crítica.
linguagem como meio, através do qual Continuando com o seu polemizar,
significações são compartilhadas não Habermas diz que Marx, mesmo
apenas no sentido cognitivo, mas nos criticando Hegel a partir das condições
sentidos afetivos e normativos. Habermas materiais de existência, não se

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desenvencilha do paradigma da
consciência e mais ainda, para Habermas, O pano de fundo de O Discurso filosófico
Marx embaralha trabalho e interação. da modernidade é a possibilidade de um
Nietzsche, por sua vez, é considerado o paradigma fundamentado na linguagem,
ponto de viragem na filosofia e é com ele sendo assim, somente, que Habermas
que surge a descrença na razão. Diante de consegue se libertar da filosofia centrada
tal descrença, “Nietzsche só tem uma no sujeito. Ele se expressa: “O
alternativa: ou submete mais uma vez a paradigma da filosofia da consciência
razão centrada no sujeito a uma crítica encontra-se esgotado. Sendo assim os
imanente – ou abandona o programa na sintomas de esgotamento devem
sua globalidade” (Habermas, 2000, dissolver-se na transição para o
p.91). Está claro que Nietzsche faz uma paradigma da compreensão” (Habermas,
opção pela segunda via, para além da 2000, p. 276). É nesta obra que ele propõe
razão, apoiando-se no mito. Com ele, a abertamente a superação do paradigma da
razão moderna ganha pela primeira vez a consciência como forma de não perder de
renúncia total de seu conteúdo vista a emancipação humana via o uso da
emancipatório. O homem moderno é um razão. A modernidade que está em crise,
homem vazio, vazio de mitos. “Com em virtude da sua visão racional
Nietzsche, o iluminismo atingiu um novo reducionista e instrumentalista.
patamar de reflexividade: voltou-se Entretanto, a modernidade é, ainda, um
contra si mesmo e passou a denunciar a projeto inacabado do qual Habermas se
própria razão” (Rouanet, 1987, p.334). coloca como um crítico.
Após Nietzsche, Horkheimer, Adorno e
também Foucault seguem na trilha de Em Teoria de la acción comunicativa:
descrença na razão. Foucault vê na razão complementos y estudios previos,
moderna o espelho da constituição da Habermas aprofunda os pressupostos da
loucura. Para ele a loucura é uma teoria da ação comunicativa e para tal
experiência-limite provocada pelas ações enfatiza o consenso, a verdade, a situação
e pelas relações de poder, instituídas e ideal de fala, a intersubjetividade e a
consolidadas no mundo ocidental, em contra-argumentação. A teoria da ação
meio a uma razão regulamentadora. comunicativa tem como finalidade

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proporcionar aos homens uma razão que constitui a categoria fundante para o
lhes possibilitem ser livres e emancipados restabelecimento da razão no interior do
e nessa perspectiva a teoria da ação pensamento e do conhecimento
comunicativa engendra o conceito de modernos.
razão comunicativa. A racionalidade é
compreendida em sua dimensão Nesta obra, Habermas desenvolve uma
processual na medida em que falantes e fundamentação de uma sociologia calcada
ouvintes buscam entender-se sobre o na linguagem. O sentido2 aparece como
mundo objetivo, social e subjetivo. Se a um conceito fundamental para a
racionalidade depende do entendimento constituição de uma teoria sociológica e
entre sujeitos capazes de fala e de ação, Habermas o admite paradigmaticamente
“serão racionais não as proposições que como o significado expresso em palavras
correspondam à verdade objetiva, mas ou orações. Além do sentido, a verdade é
aquelas que atendam, ou possam vir discutida nesta obra e é entendida como
atender, os requisitos racionais da um processo consensual. Assim, a
argumentação e da contra- “verdad es una pretension de validez que
argumentação, da prova e da vinculamos a los enunciados al
contraprova, visando um entendimento afirmarlos” (Habermas, 1997, p.114).
mútuo entre os participantes” (Rouanet, Quando uma pretensão de validez torna-
1987, p.339). se questionada, prevalece como força à
“melhor argumentação”. A verdade para
É possível usar a metáfora de que a razão Habermas é construção processual e
comunicativa encontra como solo para contextual, porque está sempre sujeita a
sua existência o mundo vivido, mundo critica e as novas explicações. Não há
este regido pelas relações comunicativas verdade fora dos contextos de fala, de
entre os sujeitos capazes de fala e de ação argumentação, de consenso alcançado
e articulado em três componentes: a intersubjetivamente. É fundamental
personalidade, a sociedade e a cultura. A lembrarmos que quando Habermas trata
intersubjetividade é a mola da teoria da da teoria consensual da verdade está
ação comunicativa proposta por relacionando as pretensões de validez do
Habermas uma vez que a linguagem

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mundo objetivo (da natureza, dos fatos e atividade orientada para um fim e ação de
das experiências concretas)3. Na procura entendimento. O conceito de ação
de se atingir um consenso da verdade está comunicativa sugere a
a linguagem, em intrínseca relação com a compreensão da ação encaminhada para o
realidade. Sobre isso, o próprio Habermas entendimento recíproco, porque ela é
(1997, p.118) é quem nos esclarece: concretizada como uma ação
intermediada pela comunicação entre os
Si los enunciados ‘reflejan’ hechos y
no se limitan simplemente a fingirlos sujeitos que procuram entenderem-se
o a inventarlos, entonces tales entre si acerca do mundo objetivo, social
‘hechos’ tienen que estar dados de
alguna manera; y precisamente esta e subjetivo. É uma ação lingüística, em
es la propiedad que poseen los
que falantes e ouvintes reconhecem que
objetos ‘reales’, es decir, los objetos
de la experiencia, los cuales ‘son algo os atos de fala implicam a realização de
en el mundo’. Los enunciados han de
ajustarse a los hechos y no hechos a algo. Pensando nesta distinção,
los enunciados.
Habermas (1990, p70) argumenta:

É no contexto da guinada teórico-


[...] a racionalidade orientada para um
comunicativa que Habermas articula um fim e a racionalidade orientada para o
debate com as idéias de Wittengstein, entendimento não são
intercambiáveis. Sob essa premissa,
Chomsky, Searle e Austin. Ele percebe a eu considero a atividade que visa fins
e o agir orientado para o
linguagem não estritamente como uma entendimento como tipos elementares
dimensão gramatical, mas a compreende de ação, irredutíveis um ao outro.

fundamentalmente como um meio de


Para isso, para que a ação comunicativa
alcançar o entendimento recíproco acerca
venha de fato a acontecer, Habermas
de algo.
(1997, p.300) pressupõe as seguintes
pretensões de validez:
Habermas, em sua obra Pensamento pós-
- la de estar-se expresando inteligiblemente,
metafísico, estabelece a distinção entre - la de estar dando a
entender algo,
2
Ao sentido atribui-se uma compreensão - la de estar dándose a entender - y la de
lingüisticamente mediada. entenderse con los demais (grifos
3
Habermas ao tratar do mundo lingüisticamente do autor).
mediado, destaca o mundo objetivo o qual nos
referimos anteriormente, ao mundo social (das
ordens e da convivência em grupo) e ao mundo Dessa feita, o telos da linguagem é o
subjetivo (dos sentimentos, das expectativas
pessoais). entendimento. “Entre a fala e o

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entendimento não há relação de meio- de Colúmbia, permanecendo lá até 1950.
fim, mas de interpretação recíproca” Em 1947 é publicada a coletânea de
(Aragão, 1992, p.29). Dessa forma, no ensaios escritos por Horkheimer e Adorno
entender do autor, não se trata de negar a "A Dialética do Esclarecimento" que
própria modernidade na sua totalidade, aborda a evolução da cultura de massa
mas sim identificar os desvios de seu nas sociedades modernas, configurando-
projeto, sustentado por um outro se uma ruptura desses autores com os
paradigma – o da ação comunicativa – o trabalhos anteriores e uma radicalização
qual tem orientações mais emancipatórias teórica que levaria Adorno à sua
da razão. concepção da dialética negativa.

2 HABERMAS E A ESCOLA DE Após um período razoável de


FRANKFURT: PONTOS
CONTROVERSOS permanência, suficiente para o
amadurecimento ideológico dos seus
Historicamente, a Escola de Frankfurt,
membros sobre a promessa de
inaugurada nos anos 20, tinha como
emancipação do homem e dos paradigmas
maior propósito a institucionalização de
do materialismo histórico, o Instituto
um grupo de trabalho que pudesse
passa por uma nova fase e volta para
teorizar acerca dos acontecimentos da
Frankfurt e Horkheimer continua como
época, como: movimento operário,
Diretor, até final da década de 60, quando
Estado e suas formas de legitimação e a
assume Adorno, com o tema da cultura e
crítica às ciências objetivistas, à ideologia
sua teoria estética.
dominante e à razão iluminista.
Horkheimer e Adorno tornaram-se os
A referida Escola passou então por pelo
principais representantes da Escola de
menos quatro períodos críticos de
Frankfurt, sendo o primeiro o seu
reformas e definições de uma postura
fundador. Em 1933, o Instituto é fechado
política e ideológica, marcada por duas
pelo governo nazista e suas atividades são
correntes de pensamento: uma que
transferidas para Genebra, com o apoio de
pretendia organizar e preservar o
Horkheimer. Posteriormente, em 1934, a
pensamento de Benjamin, Horkheimer e
escola se transfere para Nova York com o
Adorno e outra que pretendia superar os
apoio de Nikolas Murray da Universidade

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paradigmas propostos anteriormente por A ruptura, segundo Rouanet, de
seus mestres que vem a ser representada Habermas com Adorno se dá basicamente
posteriormente por Habermas, Wellmer e no conceito de razão. Tanto para
outros. Horkheimer quanto para Adorno, a razão
constitui uma fonte de dominação,
Habermas, ao tentar superar o impasse principalmente dos homens entre si. A
vivido por Horkheimer e Adorno, em razão, para eles, é sinônimo de reificação,
Dialética do Esclarecimento, no que se de exercício de poder e de barbárie. Para
refere à razão, encaminha seu projeto de eles, a idéia de que a razão é uma
teorização crítica para além da razão possibilidade libertadora e emancipatória
instrumental, a qual culmina na não passa de uma mera ilusão iluminista.
racionalidade comunicativa. Habermas Adorno e Horkheimer percebem a razão
discute a sociedade a partir de duas razões de forma unilateralizada, ou seja, como
básica: a instrumental e a comunicativa. vetor da liberdade e da emancipação. Ao
contrário da razão, Adorno vê como uma
É na superação dos impasses que existem saída a arte e Horkheimer a religião.
controvérsias quanto à filiação ou não de
Habermas à Escola de Frankfurt. Para Rouanet (1987) explicita que Habermas
Rouanet (1987), embora exista em tende a superar as aporias presentes no
Habermas temas que se aproximam da pensamento de Adorno. A primeira aporia
teoria crítica, é ilusão se pensar que ele é é que Adorno utiliza-se da razão, mesmo
herdeiro do pensamento crítico da Escola após ter perdido a sua existência. Adorno
de Frankfurt. aniquila a razão, quando a põe a serviço
exclusivo da dominação. É nesse sentido
Com a Teoria da Ação Comunicativa que ele percebe o iluminismo como uma
e o Discurso Filosófico da
Modernidade, Habermas consuma o razão calculada e manipulada. A segundo
processo psicanalítico de assassinato aporia consiste na autocrítica da razão. As
do pai: a partir desse momento, a
base de sua identidade passa pela teorias são concebidas como ideologias,
ruptura com Adorno (Rouanet, op.
cit., p.331, grifos no original). contaminadas e imbuídas de relações de
poder. É uma crítica radical e, porque não
dizer, total da razão. “A crítica total da

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razão equivale à anulação total da humana indispensável à construção do
crítica” (Rouanet, op. cit., p.334). A conhecimento.
terceira aporia refere-se ao não-
conceptual através do conceito. O erro Se para Rouanet Habermas assassina o
maior do irracionalismo é a pretensão de pai, para Freitag (1986) e Guess (1988),
prescindir do conceito. A razão não Habermas constitui o integrante mais
emancipa, apenas a arte é capaz de produtivo e ousado da Escola de
emancipar. Assim, a humanidade percebe Frankfurt. Freitag defende que Habermas
através da arte, aquilo que a razão pertence à segunda geração da Escola e, é
esqueceu. A arte é a oposição ao conceito com ele que se acrescenta uma nova
e à dominação, é sinônimo o de liberdade versão do pensamento frankfurtiano.
e emancipação. Habermas surge, no interior da Escola,
como meio que rompe o visceral
Habermas transcende a perspectiva pessimismo dos seus fundadores. O
unilateralizada presente no pensamento projeto habermasiano consiste em
de Adorno e de Horkheimer, cujo resgatar o potencial da razão destruído
pessimismo racional tem sua ligação com por Adorno e Horkheimer.
o pensamento weberiano. Weber
confundiu a razão burocratizada como a É importante registrar que não existia
única razão social da modernidade. entre o pensamento dos integrantes da
Habermas engendra diferentemente uma Escola uma homogeneidade, mas sim a
concepção de razão capaz de fazer heterogeneidade sendo sua marca maior.
revigorar a razão do pensamento Eles diferiam tanto no plano
moderno. É uma razão que não se epistemológico quanto nas estratégias e
manifesta somente na sua condição saídas políticas. Sendo a heterogeneidade
instrumental. A razão comunicativa a característica marcante da Escola de
move-se no terreno da linguagem, onde as Frankfurt, por que se pensar que
relações intersubjetivas (a relação sujeito- Habermas, pelo fato de não seguir a risca
sujeito) reconstituem a possibilidade de o pensamento de Adorno e Horkheimer, é
transformar a razão percebida um membro à deriva da Escola?
unilateralmente em uma condição

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A razão kantiana vista como libertação razão objetificante, da ciência e da técnica
passou a ser vista por Adorno e como as principais forças produtivas.
Horkheimer como um mecanismo de Para esse autor, a obra de Habermas “é a
instrumentalização e dominação. Já para tentativa melhor fundamentada de um
Habermas, ao mesmo tempo em que a membro da Escola de Frankfurt para
razão pode libertar, pode também esclarecer os pressupostos
massificar, dominar. É no circuito vivo epistemológicos subjacentes da teoria
entre a liberdade e dominação que reside crítica...” (Guess, op. cit., p.10). O autor
a grande contribuição de Habermas para a parte da diferença que os frankfurtianos
compreensão do momento atual da fazem entre teorias científicas e teorias
ciência, da crítica da razão, abrindo críticas. As teorias científicas baseiam-se
caminhos e possibilidades. Entre a razão na objetivação e as teorias críticas são
instrumental e a razão comunicativa está reflexivas e propõem-se “à emancipação
o desdobramento teórico de Habermas. e ao esclarecimento, ao tornar os agentes
Essas razões, embora diferentes, cientes das coerções ocultas, libertando-
constituem a tessitura social e a se assim dessas coerções e deixando-os
sociedade, para Habermas, consiste em em condições de determinar onde se
mundo sistêmico (mercado e Estado) e encontram seus verdadeiros interesses”
mundo vivido. Rouanet (1987, p.347) (p.91). Se a teoria crítica objetiva o
argumenta: esclarecimento, a desocultação da
realidade, é inegável a íntima ligação de
Se a trilha aberta por Habermas não Habermas aos preceitos da teoria crítica,
fosse viável, talvez só nos restasse
escolher entre a vertigem de um haja vista que as suas preocupações
racionalismo aporético, a
sempre convergiram para os interesses
superficialidade de um positivismo
míope, ou a aventura de um emancipatórios do homem. Habermas
irracionalismo suicida.
pensa num homem livre, nos mais

Guess (1986), da mesma forma que variados espaços da sua vida.

Freitag, admite que Habermas se filia ao


pensamento frankfurtiano,
principalmente, na crítica que faz da
ideologia burguesa, da sociedade, da

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3 HABERMAS E A TEORIA DO psicanálise se coloca como uma ciência
CONHECIMENTO
que rompe com o objetivismo na medida
Como vimos, Habermas fundamenta sua em que resgata para o seu interior a auto-
critica sobre as ciências que objetivaram reflexão (biografia). Assim, ele
o conhecimento além do aspecto argumenta:
puramente instrumental, porém, avança
na elucidação dos aspectos filosóficos e A psicanálise é, para nós, relevante
como único exemplo disponível de
epistemológicos que contribuem para o uma ciência que reivindica
processo da construção do conhecimento. metodicamente o exercício auto-
reflexivo. Com o surgimento da
A ausência da auto-reflexão na psicanálise abre-se, através do
caminho peculiar à lógica da
construção do conhecimento é uma pesquisa, a perspectiva de um acesso
realidade latente nos contornos metodológico a esta dimensão
disfarçada pelo positivismo
metodológicos do positivismo, impedindo (HABERMAS, 1982, p.233-234).
que as ciências desenvolvam o seu caráter
Essa compreensão de Habermas pode ser
emancipador. Na perspectiva objetivista
assim reformulada: a psicanálise traz a
discutida por Habermas em
racionalidade para o seu interior,
Conhecimento e interesse, o sujeito perde
tornando-se uma ciência que diverge
a sua referência cognoscente, em virtude
epistemológica e metodologicamente das
de um conhecimento fundamentado na
ciências objetivistas. Na psicanálise, o
matematização e exatidão. Para o
que está em jogo não são as verdades
positivismo o conhecimento deverá
probabilísticas, mas o desvelar de um
pressupor duas certezas: a sensível e a
conhecimento que se projeta
metódica. É diante das certezas que o
subjetivamente, o qual lida com as
conhecimento mantém-se estreitamente
emoções, frustrações e aspirações de um
vinculado à esfera da dominação, da
sujeito concreto. A psicanálise se
instrumentalização, desprestigiando as
desenvolve enquanto ciência subjetiva,
possibilidades do conhecimento crítico
em sua dupla face (consciente e
mediante a auto-reflexão.
inconsciente). Habermas deixa claro, na
referida obra, que o seu investimento e
Para se contrapor ao objetivismo das
esforço teórico consiste em enxergar na
ciências, Habermas acredita que a
psicanálise uma grandeza epistemológica,

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principalmente quando admite a auto- “as orientações básicas que aderem a
reflexão como um caminho metodológico certas condições fundamentais da
capaz de fazer fluir o projeto reprodução e da autoconstituição
emancipatório do saber, cujas possíveis da espécie humana: trabalho e
conseqüências mais relevantes voltam-se interação” (1982, p.217, grifos no
para a liberdade e emancipação do original). Dessa feita, os interesses
próprio homem. funcionam com guia diretiva do
conhecimento e não o seu contrário. Eles
Na perspectiva freudiana, o sujeito são os a priori do conhecimento. Todo
reconstrói a sua vida interna a ponto de o interesse está ligado às ações. Se os
analista contribuir com a recuperação das interesses se relacionam às ações,
neuroses e frustrações advindas das podemos dizer que todo conhecimento
repressões impostas social e que traz subjacente um interesse é, em si,
culturalmente. É no diálogo analítico que conseqüência de uma ação interessada.
o sujeito (paciente) se confronta com a
sua auto-reflexão. Podemos dizer que a Em 1997, o autor nos esclarece a
psicanálise recupera a subjetividade do existência de duas ações sociais básicas: a
sujeito, a qual o positivismo nega estratégica e a comunicativa. As
radicalmente. Com o diálogo analítico, o diferenças básicas entre essas duas ações
que se enfatiza não é matematização das consistem basicamente na forma de
verdades, mas o exercício auto-reflexivo. manipulação e de influenciação sobre os
O diálogo analítico provoca um outros e na forma de uma fala orientada
rompimento da visão cindida entre o ao entendimento mútuo. Subjacente à
sujeito e o objeto do conhecimento – ação estratégica encontra-se a orientação
característica nuclear das ciências racional de adequação de meios e fins. Já
positivistas. na ação comunicativa a sua orientação é
de outra ordem, pois a manipulação e a
Habermas desenvolve uma teoria do imposição são condições que impedem a
conhecimento capaz de resgatar o realização de um entendimento recíproco
interesse que subjaz a qualquer processo sobre algo. Não resta dúvida que o
de conhecimento. Para ele, interesses são arcabouço teórico desenvolvido da teoria

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da ação comunicativa é o atestado da racionalidade comunicativa é processual,
superação do paradigma da consciência encarnada no mundo vivido que, histórica
pelo paradigma da linguagem. e cotidianamente, os sujeitos capazes de
fala e da ação constroem. O mundo
O paradigma da linguagem não preza pela vivido, apesar de regido pelas relações
relação monológica entre sujeito-objeto, comunicativas, não se distancia das
mas pela relação sujeito-sujeito que relações materiais de sua existência.
juntos buscam se entender sobre algo. A Neste sentido, o autor desenvolve a teoria
relação sujeito-objeto é monológica, consensual da verdade, apresentando a
porque é uma relação de mão única vai e verdade do mundo prático, a qual
não volta porque não há entendimento apresenta-se no momento em que este
recíproco. A relação intersubjetiva mundo prático garante um processo de
provoca uma reviravolta epistemológica, aprendizagem entre uns e outros, negando
com profundas conseqüências para a a possibilidade de outras condições de
compreensão do que é realidade, verdade, mas sim, apostando na prática
conhecimento, verdade... A famosa e que o próprio mundo nos dá (STEIN,
conhecida relação sujeito cognoscente e 1997, p.50). Dessa forma, Habermas
objeto cognoscível é, para Habermas, (2000, p. 297) argumenta: “a teoria do
uma relação esgotada, quando se constata agir comunicacional espera que a
o esgotamento do paradigma da reprodução simbólica do mundo vivido
consciência. esteja junta com a reprodução material
daquele”.
Habermas tem a clareza de que a
mudança paradigmática da linguagem, Podemos até mesmo dizer que a teoria da
cujos pressupostos são o sentido, a ação comunicativa é o ponto culminante
argumentação, o consenso, as relações do pensamento de Habermas,
intersubjetivas e o discurso, traz como principalmente no que se refere à
‘resultado’ a própria ampliação do reconstrução do pensamento moderno. A
conceito de racionalidade capaz de se teoria da ação comunicativa, ao aderir aos
liberar das hipotecas religiosas, procedimentos que tratam das pretensões
mitológicas e metafísicas. A de validez (questionadas, argumentadas e

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contra-argumentadas), consiste em tornar histórico e filosófico para nos ajudar a
a linguagem a sua categoria central, não compreender esse tempo de incertezas e
negando as condições sociais, culturais, desalento em torno da ciência e do
subjetivas e históricas dos sujeitos. conhecimento.

Ao abordar a racionalidade instrumental


4 HABERMAS: O DEBATE ENTRE
contida no cerne da modernidade, a teoria A MODERNIDADE E A PÓS-
MODERNIDADE
do conhecimento está imbricada na
problemática da razão orientadora das As discussões até aqui estabelecidas e
relações e proposições presentes no apresentadas neste artigo propuseram-se a
processo do conhecimento, Habermas construir um pano de fundo para
denuncia o conceito de uma filosofia da pensarmos sobre a importância do
consciência, pelas relações estreitas entre pensamento habermasiano para a
sujeito e objeto, insistindo assim numa educação e, em especial, para a
crítica assentada numa teoria da construção de novas perspectivas para o
linguagem e da ação comunicativa. conhecimento, as quais implicam em
nova concepção de racionalidade.
Portanto, a posição de Habermas é Pensando nas revoluções científicas e
importante e torna-se fundamental numa tecnológicas, as quais avançam
época que surge também com grande rapidamente, acreditamos que se coloca o
ênfase a discussão em torno dos pensamento de Habermas como eixo
desencontros e controvérsias que marcam fundamental para pensar a teoria do
a história do século das grandes conhecimento e relacioná-la com as
transformações científicas, tecnológicas e, demais ciências humanas.
sobretudo, culturais e, de outro lado,
situa-se a problemática em torno do Sob a óptica da modernidade, o
conhecimento responsável por essas e conhecimento desenvolveu-se pelo
outros eventos ocorridos no mundo caráter instrumental e com propósitos
moderno. Então, é justamente nesse técnicos, não atingindo, porém, as
contexto que este autor torna-se um perspectivas então prometidas pelo
teórico de grande suporte teórico, projeto moderno. Nesse sentido, o

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conhecimento assumiu um caráter de e natureza. De encontro as formulação de
conhecimento científico, ancorado pela Ianni (1999), a ruptura entre homem e
racionalidade admitida como válida, tal natureza é fundamental para o
como o ideal da visão utilitarista do desenvolvimento do mundo moderno e
mundo, a qual orientou não somente o para a construção ou desconstrução do
conhecimento, mas toda a prática mundo, definida por ele como o
educativa. desencantamento do mundo flagrado na
modernidade, ou em curso na pós-
Talvez seja uma tarefa muito difícil modernidade.
definir um universo tão amplo e de
complexidades temáticas que envolvem a A ruptura entre homem e natureza
compreensão desse mundo moderno que envolve relações mais complexas no
convencionamos em chamar de âmbito da história da modernidade,
modernidade e que nem mesmo uma construindo características modernas,
viagem pela literatura existente seja criando-se uma ilusão de que a razão
suficiente para tal definição. Apesar daria conta de tudo e de todos: a idéia do
disto, não há dúvida que se trata de um progresso, do desenvolvimento, da
mundo situado historicamente no revolução, das conquistas com base na
contexto de muitos eventos, dos quais ciência e técnica. De acordo com Ianni,
situam-se as transformações e conquistas esta ruptura pode ser vista como
nos campos da ciência, da filosofia, das desdobramentos e contradições que vão
artes, impregnando novas formas de concretizando as antinomias, tais como:
pensar, agir, refletir e consequentemente campo e cidade, servo e senhor, razão
novas maneiras de organizar a vida, o crítica e razão instrumental (Habermas),
trabalho e o saber viver num mundo alienação e emancipação, cujas relações
novo. Esse novo modo de organização antagônicas que são necessárias para o
social, cultural e econômico vai fazer desenvolvimento da base do capitalismo.
predominar no contexto da modernidade
um tipo de razão controlada por diversas A história da modernidade pode ser
esferas da realidade social, tendo como contada através de grandes marcos que
alvo o controle das relações entre homem vão construindo a ilusão do ser moderno

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e o que se enquadra no que se chama de acentuada e comprometedora para a
moderno. A modernidade pode então ser humanidade. (GIDDENS, 1997).
entendida no âmbito das Revoluções:
A modernidade, do ponto de vista
Industrial, tecnológica, eletrônica e
filosófico e científico, submete-nos a
biotecnológica, que através da ciência e
reflexão e a análise acerca do seu
da técnica transformou a razão do mundo.
contexto histórico e nos envolve num
Essas conquistas se proliferam e se
olhar crítico sobre as matizes
desenvolvem com base no paradigma da
epistemológicas que permearam
razão, evidenciando um ambiente de
cientificamente a construção da
conflito entre ciência e técnica, produção
modernidade. Assim, ao entender o
industrial e agrícola, produtividade-
contexto da modernidade e sua riqueza
competitividade, quantidade e qualidade,
científica e tecnológica, somos
produção científica e acadêmica,
conduzidos aos desafios epistemológicos
universidade e empresa, confundindo-se
fundamentais para o esclarecimento desse
hoje com relações que imaginamos
evento tão controverso e de enormes
contraditórias, mas, ao contrário, foram
complexidades, do qual Habermas nos
construídas historicamente pelo
ilumina. Ao trazer sua contribuição
paradigma da modernidade.
filosófica, sociológica, política e histórica
ele nos convida a viajar por suas obras,
Trata-se de um cenário com horizontes
que sem dúvida nos esclarece, confunde e
opostos: primeiro, a idéia de proporcionar
também convence de que a modernidade
qualidade de vida para todos, assegurando
deixou algumas promessas para trás e de
aos seres humanos uma existência plena,
que seu projeto precisa ser corrigido e
de bem estar social e em segundo, as
completado, o que ele próprio designa
conquistas do século XX, principalmente
como projeto inacabado.
as científicas, tecnológicas e culturais,
evidenciando problemáticas relacionadas
Em face dessa realidade paradoxal, em
à degradação do ser humano e da natureza
que todos os âmbitos da experiência do
em geral, envolvendo todas as espécies do
homem e do seu processo de construção
planeta, com danos irrecuperáveis, cuja
que, ao mesmo tempo, cria
interferência será cada vez mais
possibilidades, dinamiza o jogo da vida

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em sociedade, mutila valores que discussão sobre modernidade e pós-
confrontados pelo desenvolvimento da modernidade, partindo respectivamente
ciência e da tecnologia nos coloca diante do pensamento de Habermas e de
de uma nova construção axiológica para o Lyotard. Diante de uma profunda crise
entendimento da sociedade que afeta as ciências neste final de século,
contemporânea. Neste sentido alguns ventilam-se duas formas interpretativas,
autores identificados como pós- as quais se incompatibilizam entre si: a) a
modernos, alertam para o esgotamento da reconstrução dos pressupostos da
revolução técnico-científica (Berman), modernidade a partir da ampliação do
caracterizada pela possibilidade de uma conceito de racionalidade, como propõe
ruptura do domínio da razão moderna, a Habermas; b) a negação dos pressupostos
qual teria atingido o seu limite, da modernidade, como defendem Lyotard
predominando assim a descontinuidade e outros pós-modernos.
do paradigma da modernidade, conforme
vários autores têm pronunciado(Lyotard Habermas insiste em afirmar que a
(1988), Vattimo (1987), Prygogyne modernidade não se encontra esgotada.
(1996), Fukuyama (1992). É nesse Essa é a sua insistência teórica em O
sentido que Habermas insiste em Discurso Filosófico da Modernidade. O
examinar os confrontos da razão fio condutor das suas discussões acerca
moderna, que perpassam pelos da modernidade é exatamente o de
deslocamentos de âmbito econômico, apontar as fragilidades teóricas que
tecnológico e técnico, a uma nova teoria permeiam o paradigma da consciência. É
que permita a construção de um intrigante como Habermas consegue
conhecimento que tenha como base mostrar que tanto os teóricos modernos
valores que permita a sociedade alcançar como os pós-estruturalistas empreendem
o desenvolvimento e a liberdade social. uma discussão que não foge do
paradigma da consciência. Aliás, aponta
Para encaminhar o debate, estamos que a saída céptica colocada por
utilizando como texto de referência A Nietzsche, Adorno e Horkheimer não
crítica da modernidade e a educação, de constitui a solução para o enfrentamento
Pedro L. Goergen. Esse texto abre uma da crise da modernidade. Habermas

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admite que as críticas feitas à razão fazem Se o modelo dialógico/comunicativo
de Habermas pode ser qualificado de
sentido, principalmente quando a romântico diante de um mundo cada
evidenciam como absoluta e objetivada. vez mais cindido, não se pode
desprezar sua proposta por ser talvez
A razão centrada no sujeito é a porta o único caminho que sustenta a
esperança da grande maioria da
aberta para a qual podem entrar as humanidade num mundo melhor
diversas críticas hoje colocadas à razão (GOERGEN, 1996, p.21-22).

moderna.
Lyotard, como um pós-moderno, não crê
no potencial emancipador da razão das
As críticas feitas à razão moderna por
ciências, fazendo uma critica as narrativas
Nietzsche, Adorno, Horkheimer,
clássicas da ciência. Para Lyotard, a pós-
Heidegger, Lyotard, coincidem em um
modernidade “é a época histórica em que
objetivo: “... a desconstrução de um
supostamente não se acredita mais na
conceito de razão, centrada no sujeito,
validade destas narrativas” (Goergen,
absoluta e objetivada” (Goergen, 1996,
1996, p.7). Ele radicaliza sua posição e
p.19). Da mesma forma que defendem um
investe em uma ruptura epistemológica, a
mesmo fim, acabam por encontrar uma
qual encontra solo na emoção, na
saída fora da própria razão. Habermas
parologia. É uma defesa intransigente da
compactua com o objetivo da crítica, mas
‘des-razão’ uma vez que ele não percebe
não aceita que a solução esteja para além
a razão como motor da construção de um
da razão. Assim sendo, “... a solução
homem livre e emancipado, como bem
para Habermas não está na tentativa
coloca Habermas. Lyotard reforça que o
(impossível) de soltar para fora da
saber científico busca um novo estatuto
racionalidade” (id. ibid, p.19).
em função de novas necessidades
impostas pela sociedade pós-industrial,
Na busca da solução dentro da própria
assegurando as relações entre saber e
razão é que Habermas defende a mudança
poder.
paradigmática, como já mencionamos. A
teoria da ação comunicativa é a razão pela
Examinando-se o estatuto atual do
qual, ele, aposta no projeto da saber científico, constata-se que
enquanto este último parece mais
modernidade. subordinado do que nunca às
potências e, correndo até mesmo o
risco, com as novas tecnologias, de

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tornar-se um dos principais elementos componentes, tendo em vista manter
de seus conflitos, a questão da dupla e melhorar as suas performances. O
legitimação está longe de se diluir e consenso é objeto de procedimentos
não pode deixar, por isso, de ser administrativos, no sentido de
considerada com mais cuidado. Pois Luhmann, valendo apenas como meio
ela se apresenta em sua forma mais para o verdadeiro fim, aquele que
completa, a reversão, que vem legitima o sistema, o poder.
evidenciar serem saber e poder as
duas faces de uma mesma questão:
quem decide o que é saber, e quem Isto posto, fica bastante clara a descrença
sabe o que convém decidir? O
de Lyotard no referencial habermasiano.
problema do saber na idade da
informática é o mais do que nunca o O consenso para ele, de fato, é algo
problema do governo (1988, p.13-
14). inatingível. O que se precisa preservar é o
dissenso, a heterogeneidade. O
O autor nos remete ao contexto de
importante é se perceber que o consenso,
legitimação do saber científico pela
conforme propõe Habermas, não é algo
sociedade contemporânea, pós-industrial
que nega a heterogeneidade, a diferença,
ou pós-moderna, conforme ele mesmo
a individualidade dos sujeitos que
designa. A ciência é entendida como
participam dele. Ele é um mecanismo
força produtiva, controlada pelo capital
capaz de proporcionar uma unidade da
encontrando sua legitimidade no poder (o
razão na multiciplicidade de vozes. O
governo, conforme citação acima).
consenso não é um acontecimento
estático, mas dinâmico, provisório e
A pós-modernidade defende o
político.
heterogêneo, as partículas, o minúsculo
não se buscando saídas salvadoras.
5 TECENDO POSSÍVEIS
Lyotard não acredita nas propostas CONCLUSÕES
teóricas de Habermas, principalmente no
que se refere ao consenso, argumentando Habermas se filia à Escola de Frankfurt

(apud GOERGEN, 1996, p. 13): não como um membro que diz amém4 ao
que o pai quer que um filho diga. Não se
[...], o princípio do consenso, como pode inferir que sua filiação à Escola
critério de validação parece, ...,
esteja no fato das discordâncias que ele
insuficiente. Ou é acordo dos homens
enquanto inteligências conhecedoras provoca com seus pares, até porque o que
e vontades livre, obtido através do
diálogo. ... Ou é manipulado pelo 4
sistema como uma de suas Referência do hebraico: assim seja.
Concordância incondicional.

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caracteriza a Escola de Frankfurt não é a
[...] Habermas desenvolve sua teoria
massa homogênea em forma de um da ação comunicativa em um diálogo
pensamento único, como se fosse coberto constante com autores de uma ampla
gama de linhas teóricas. Assim, ele
de verdades absolutizadas. A presença de incorpora uma série de temas e
contribuições que foram
Habermas na Escola não só revitaliza esse
desenvolvidos, seja pelo
pensamento como também toma funcionalismo, pela fenomenologia,
pelo marxismo, seja, obviamente,
proporções inigualáveis em todo mundo. pela própria teoria crítica da Escola
de Frankfurt, sua matriz original.
Podemos até mesmo dizer que Habermas
Desta forma sua teoria assume
é o único filho vivo e autêntico da Escola naturalmente um caráter
interparadigmático; o que significa...,
neste final e início de séculos. um mero amálgama de várias linhas
teóricas, mas um processo
Habermas é um dos teóricos mais extremamente rico de
incorporação/superação (PINTO,
polêmicos da atualidade, pois sua teoria 1996 p.16-17)
da ação comunicativa provoca mal-estar
É inegável a contribuição do referencial
no seio da ciência moderna e pós-
habermasiano para o meio acadêmico
moderna. O projeto da modernidade de
científico, nas diversas áreas do
Habermas, em meio a um mundo cada
conhecimento, com destaque para a
vez mais caótico e mais desracionalizado,
educação, para as ciências sociais
é o caminho que pode fazer ressurgir uma
e política. No entanto, ele tem recebido
nova esperança para a humanidade e,
diversas e severas críticas, inclusive a de
conseqüentemente, para todo o planeta
ser considerado eclético, conforme já
que hoje se sente desrenferencializado,
anunciado. Uma justificativa para este
como bem nos lembra Goergen (1996).
tipo de crítica recebida por Habermas
pode ser a de que, como um pesquisador
Habermas já recebeu diversas críticas,
crítico, "quer multiplicar-se em filósofo e
inclusive a de ser considerado eclético,
cientista social" (ARAGÃO, 1992,
segundo Aragão (1996). Por sua vez, e de
p.131). Na verdade, esse tem sido o real
idéia oposta, Pinto (1996) o admite como
esforço de Habermas, cuja tentativa é a de
um teórico que busca estabelecer um
perceber a filosofia por suas próprias
diálogo interparadigmático com as
conclusões e seus próprios pensamentos
diversas tendências do pensamento. Neste
do que seja esta ciência e não sob a óptica
sentido, explicita-nos:

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de explicar os fenômenos históricos, acompanhar criticamente esse
sociais, políticos e econômicos, nem a desenvolvimento de sorte que possa a
ampliação do conceito de racionalidade. abrir novas possibilidades para a busca de
Diante de tal percepção, ele busca novos valores que favoreçam as
conciliar elementos teóricos da mudanças necessárias para uma
sociologia, da psicanálise, das ciências aproximação entre os homens, sociedade
políticas e da lingüística no sentido de e natureza, sustentadas por um projeto
estabelecer análises mais amplas. Para emancipador. O acompanhamento crítico
Aragão, é exatamente nessa perspectiva e reflexivo desse desenvolvimento
de juntar teoria social crítica e filosofia técnico e científico requer uma abertura
que Habermas acaba por priorizar a para novos ‘olhares’ epistemológicos do
filosofia, afirmando: “... o filósofo acaba saber. Tarefa difícil, principalmente
sobrepondo ao sociólogo, apesar do deu quando aprendemos a dogmatizar a
descrédito pela filosofia como intérprete ciência e a absolutizar as verdades, mas
do problema da razão" (ARAGÃO, 1992, não impossível.
p.131).
No sentido de entender que há novos
Com esses diferentes posicionamentos olhares epistemológicos é que ousamos
tecidos acerca do pensamento de discutir o referencial habermasiano como
Habermas, nos é possível questionar, um deles. Certamente, este referencial
apesar do convencimento sobre sua tem boas respostas para muitos aspectos
contribuição para a teoria do que envolvem a problemática do
conhecimento e para as nossas pesquisas: conhecimento, das ciências, da técnica e
HABERMAS É UM TEÓRICO ECLÉTICO da racionalidade nos novos tempos.
OU UM TEÓRICO INTERPARADIG-
MÁTICO?

O desenvolvimento técnico e científico,


que tem marcado presença nas sociedades
atuais e principalmente nas sociedades
desenvolvidas, impõe uma condição
fundamental para a humanidade:

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ARILENE MARIA SOARES DE MEDEIROS


Mestra e Doutora em Educação
Professora da Faculdade de Educação da
Universidade
do Estado do Rio Grande do Norte
arilene.medeiros@bol.com.br

MARIA AUXILIADORA DE R. BRAGA MARQUES


Mestra e Doutora em Educação
Professora da Universidade Federal de Lavras-MG
cili@netsite.com.br

Aceito para publicação em: 30/11/2003

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