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ÀS IMAGENS, AS SOMBRAS DO PORVIR: 30 anos da Reforma
Psiquiátrica brasileira
RESUMO
O presente artigo tem por finalidade apresentar o panorama da trajetória histórica da Reforma
Psiquiátrica brasileira, dando destaque para a Carta de Bauru (1987), considerada o marco
inaugural do processo de emancipação e cidadania da pessoa em sofrimento psíquico na luta
por uma sociedade sem manicômios. Contudo, em face das últimas propostas apresentadas no
final de 2017 pela Coordenação Nacional de Saúde Mental, a Carta de Bauru (2017), editada
dias antes da publicação e vigência da Resolução nº 32/2017, apresenta-se como um
instrumento de resistência e luta pela consolidação da cidadania da pessoa em sofrimento
psíquico.
ABSTRACT
This article is to present the panorama of the historical trajectory of the Brazilian Psychiatric
Reform, highlighting the Charter of Bauru (1987), considered the inaugural landmark of the
process of emancipation and citizenship of the person in psychic suffering in the struggle for a
society without asylums. However, in view of the latest proposals presented at the end of 2017
by the National Coordination of Mental Health, the Bauru Charter (2017), published days
before the publication and validity of Resolution 32/2017, is presented as an instrument of
resistance and struggle for the consolidation of the citizenship of the person in psychic
suffering.
INTRODUÇÃO
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“Nos anos 1980, o movimento da Reforma Sanitária criticava a mercantilização da medicina sob o comando da
Previdência Social e buscava a universalização do direito à saúde, ampliando esse debate no Brasil. A partir
disso, medidas de reformulação do sistema de saúde foram encaminhadas ao Estado, com base em um
diagnóstico do modelo de saúde vigente que revelou uma rede de saúde ineficiente, desintegrada e complexa
(RIBEIRO et al,2010, p.45)”.
2
“A Reforma Sanitária se colocava, assim, fundamentalmente como um processo político, entendido como
possibilidade emancipatória na construção da pólis, da esfera pública, dos bens comuns. Era um processo que
levava à produção intelectual crítica, práticas e ações alternativas ao modelo hegemônico, militância cotidiana,
ocupação de espaços institucionais, articulações com outros setores da sociedade, ocupação de espaços no
interior do aparato estatal, avanços e recuos. Um processo político, colocando em cena e em pauta a relação entre
Estado e sociedade civil. A Reforma Sanitária se constituiu tensionando, criticamente, os termos dessa relação
(YASUI, 2010, p. 30-31)”.
3
“A crise é deflagrada a partir da denúncia realizada por três médicos bolsistas do CPPII, ao registrarem no livro
de ocorrências do plantão de pronto-socorro as irregularidades da unidade hospitalar, trazendo a público a trágica
situação existente naquele hospital [...] O Movimento dos Trabalhadores de Saúde Mental denunciou a falta de
recursos das unidades, à consequente precariedade das condições de trabalho refletida na assistência dispensada
à população e seu atrelamento às políticas de saúde mental e trabalhista nacional. As amarras de caráter
trabalhista e humanitário dão grande repercussão ao movimento, que consegue manter-se por cerca de oito meses
em destaque na grande imprensa (AMARANTE et al, 1995 [2015], p. 52)”.
4
“O primeiro gesto da Reforma Psiquiátrica. Naquele ano, médicos denunciaram as precárias condições às quais
eram submetidos os pacientes nos hospitais psiquiátricos da DINSAM, órgão ligado ao Ministério da Saúde. Em
abril, profissionais das quatro unidades do Rio de Janeiro deflagraram a primeira greve no setor público, após o
regime militar, que logo recebeu o apoio de várias entidades (YASUI, 2010, p. 37).”
5
“O Congresso de Camburiú cumpriu função semelhante à do Movimento Democrático Brasileiro (MDB), no
plano da política. Apesar de conservadora, a Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP) acolheu e abriu espaço
para o movimento da Reforma Psiquiátrica (YASUI, 2010, p. 37)”.
6
A Reforma Psiquiátrica brasileira decorrente do cotidiano das experiências profissionais de práticas
institucionais e universitárias, buscou politizar a questão da saúde mental, especialmente, contra as instituições
psiquiátricas e produziu reflexões críticas que provocaram uma ruptura epistemológica, criou experiências e
estratégias de cuidado contra-hegemônicas, conquistou mudanças no aparato jurídico e buscou produzir efeitos
no campo sociocultural (YASUI, 2010).
7
Na década de 1970, a Organização das Nações Unidas (ONU) editou dois documentos importantes em relação
à proteção da pessoa com deficiência entendida como vulnerável: Declaração de Direitos da Pessoa com
Deficiência Mental (1971) e Declaração de Direitos da Pessoa com Deficiência (1975).
8
“O campo da saúde mental é um lugar de conflitos e disputas. Lugar do encontro do singular e do social, do eu
e do outro. É também, o lugar de confronto: das ideias de liberdade, autonomia e solidariedade contra o controle
e a segregação, da inclusão e da exclusão, da afirmação da cidadania e de sua negação. Portanto, campo de lutas
políticas e ideológicas que envolvem militância, protagonismo, negociações, articulações, pactuações. Assim, a
Reforma Psiquiátrica é um movimento político, impregnado ética e ideologicamente, e o processo de sua
construção não pode ser desvinculado da luta pela transformação da sociedade (YASUI, 2010, p. 32)”.
mental, dentre eles Franco Basaglia, Felix Guattari, Robert Castel, Erwing Goffman,
dentre outros (AMARANTE et al, 1995 [2015], p. 55).
9
“A crise da previdência dos anos 1970 e início dos 1980 é decorrente de um lado, da queda na arrecadação em
razão da crise financeira mundial e consequente aumento do desemprego e, de outro, da crescente compra de
serviços privados, com pagamento baseado em modelo caraterizado por agregação de procedimentos, sem
regulação eficaz, tornando os custos crescentes e imprevisíveis (SCHECHTMAN; ALVES, 2014, p. 46)”.
10
“Com a criação do Sistema Nacional de Saúde, em 1975, através da Lei nº 6.229, estabeleceu-se competências
do INAMPS (assistência curativa e individualizada) e do Ministério da Saúde (medicina preventiva e coletiva).
Dessa maneira, por intermédio da portaria nº 5, de 11 de maio de 1980, institui-se a Comissão Interministerial de
Planejamento e Coordenação entre os Ministérios, a fim de planejar e coordenar as ações na área da saúde
(AMARANTE et al 1995[2015], p. 61)”.
11
“Para enfrentar a grave crise financeira, o governo militar buscou formular alternativas, como o Plano Prev-
Saúde, que incorporou teses e propostas do Movimento Sanitário que já haviam sido apresentadas na Declaração
de Alma-Ata, tais como descentralização, hierarquização, regionalização e ênfase aos serviços básicos de saúde
(YASUI, 2010, p. 39)”.
12
“O Movimento dos Trabalhadores em Saúde Mental (MTSM) e a Associação Brasileira de Psiquiatria que
haviam se aproximado por ocasião do Congresso de Abertura experimentaram um distanciamento, a partir deste
momento, decorrente da postura considerada politizada, radical e crítica que o MTSM vinha assumindo em sua
trajetória [...] As moções aprovadas em assembleia passam pelo apoio à luta pela democratização da Associação
Brasileira de Psiquiatria e de suas federadas, pela crítica à privatização da saúde por meio de denúncias
pessoas em sofrimento psíquico, além de discutir a luta pelo direito à saúde como
democratização da ordem econômico-social.
No final de 1981, foi criado o Conselho Nacional de Administração da Saúde
Previdenciária (CONASP)13. Assim, como parte do órgão, criou-se o projeto de Ações
Integradas de Saúde (AIS), um importante instrumento de descentralização e de articulação
institucional, possibilitando o repasse de recursos financeiros da União para outros entes
políticos14.
Denominado de “cogestão”, o convênio entre os Ministérios da Previdência e
Assistência Social e o da Saúde assinalaram um marco na trajetória das políticas públicas de
saúde, prevendo a colaboração do Ministério da Previdência no custeio, planejamento e
avaliação das unidades hospitalares do Ministério da Saúde15.
Os proprietários de hospitais psiquiátricos se posicionavam com resistência a essa
nova configuração política, em razão da ameaça dos seus lucros e da perda do poder político.
Sob novo estatuto, em 1973, a Federação Brasileira de Hospitais (FBH) tornava-se o órgão
organizador e centralizador da maior parte dos recursos destinados à saúde (AMARANTE et
al 1995 [2015] ).
Nesse sentido, em 1986, realizou-se a 8º Conferência Nacional de Saúde16, presidida
por Sérgio Arouca, que no relatório final apresentou as diretrizes e princípios do Sistema
março do ano seguinte. Realizado entre os dias 17 e 21 de março de 1986, em Brasília, reuniria diferentes setores
da sociedade para discussão de todas as propostas de mudanças (SOPHIA, 2012, p. 555-6).
17
“No total participaram mais de cinco mil pessoas, sendo mil delegados. Significativamente, um único setor
recusou-se a participar daquela conferência: os prestadores de serviços privados de saúde (YASUI, 2010, p. 40).”
18
“Enquanto se debatia a legislação do SUS no Congresso Nacional, foram adotadas medidas visando à
integração das ações e à unificação dos serviços de saúde, mediante convênios entre os governos federal,
estadual e municipal, com a implantação dos programas como se fossem pontes capazes de facilitar a travessia
para a outra margem do rio, ou seja, o SUS. Entre essas iniciativas, podem ser mencionadas as Ações Integradas
de Saúde (AIS) e os Sistemas Unificados e Descentralizados de Saúde (SUDS), reconhecidos como uma
estratégia-ponte para o SUS (PAIM, 2009, p. 40-1)”.
19
“A escolha da cidade paulista deveu-se ao fato de estar sob uma administração progressista à época, o que
favoreceu o apoio para a organização e para a realização do evento. Além disso, havia várias lideranças
expressivas da Reforma Sanitária, como David Capistrano, secretário municipal de saúde, e da Reforma
Psiquiátrica, como Roberto Tykanori, que lá tinham implantado o primeiro Núcleo de Atenção Psicossocial –
NAPS (YASUI, 2010, p. 45)”.
20
“Tratava-se de: produzir uma utopia norteadora das propostas assistenciais; resgatar a discussão sobre
segregação e a violência institucional; repensar as práticas e inventar possibilidades para ampliar o campo de
atuação. Tratava-se, também, de uma profunda e radical ruptura com o modelo hegemônico médico-centrado de
produção de um saber técnico, de uma razão instrumental, sobre a loucura (YASUI, 2010, p. 45)”.
21
De acordo com YASUI (2010), após algumas discussões, uma das primeiras datas sugeridas foi 13 de maio,
data da aprovação da Lei n. 180 da Itália e da libertação da escravatura, porém a escolha recaiu no dia 18 de
maio, sem nenhum motivo mais relevante.
22
Por fim, na Carta de Bauru (1987) havia a crítica à indústria da loucura e à mercantilização da doença, bem
como à reforma sanitária privatizante e autoritária, tal como o desejo por uma reforma sanitária democrática e
popular, pela reforma agrária e urbana, pela organização livre e independente dos trabalhadores e pelo direito à
sindicalização dos serviços públicos e pelo Dia Nacional da Luta Antimanicomial em 1988.
23
“Não há uma sede, fichas de inscrição ou rituais de filiação. Existe como uma utopia ativa, prenha de desejos e
ideias de transformação, e como materialidade na prática cotidiana de profissionais, familiares, usuários e tantos
outros que se identificam com seu ideário. É, fundamentalmente, um dispositivo social que congrega e articula
pessoas, trabalhos e lugares (YASUI, 2010, p. 46)”.
24
“Em função das atrocidades, incluindo-se mortes, cometidas com os pacientes lá internados. Iniciou-se, a
partir da desmontagem do manicômio, um processo de transformação exemplar, com a implantação de uma rede
de atenção em saúde mental substitutiva (YASUI, 2010, p. 47)”.
25
Quanto à composição das entidades que atuaram ver YASUI (2010).
26
“Além da pioneira Sociedade de Serviços Gerais para a Integração (SOSINTRA) do Rio de Janeiro (criada em
1978) e do Grupo Loucos pela Vida de Juqueri, nasceram a Associação Franco Basaglia (São Paulo), a
Associação Franco Rotelli (Santos), o SOS Saúde Mental, entre outras (YASUI, 2010, p. 50)”.
27
“As principais transformações no campo jurídico-político tiveram início a partir deste Projeto de Lei que
provocou enorme polêmica na mídia nacional, ao mesmo tempo que algumas associações de usuários e
familiares foram constituídas em função dele. Umas contrárias, outras a favor, o resultado importante deste
contexto foi que, de forma muito importante, os temas da loucura, da assistência psiquiátrica e dos manicômios,
invadiram boa parte do interesse nacional (AMARANTE et al, 1995[2015], p.84)”.
28
É importante ressaltar que a aprovação da Lei Orgânica da Saúde (Lei nº. 8.080/90), foi obtida graças a uma
intensa mobilização e articulação das forças políticas em favor da reforma, agrupadas na Plenária das Entidades
de Saúde. Contudo, todos os artigos referentes à participação social foram vetados, obrigando a uma nova
mobilização e à aprovação da Lei nº 8.142/90, que dispõe sobre a realização de Conferências e sobre os
Conselhos de Saúde, tornando-os obrigatórios (YASUI, 2010).
29
“A Conferência de Saúde deve ser convocada a cada quatro anos para avaliar a situação de saúde e propor as
diretrizes para a formulação da política de saúde nos níveis correspondentes. Portanto, não cabe a essa instância
formular políticas, mas sim propor diretrizes para tal formulação, tendo em conta a análise da situação de saúde.
Compete aos governos democraticamente eleitos formular as políticas de saúde (PAIM, 2009, p. 64)”.
30
“O Conselho de Saúde tem caráter permanente e deliberativo, atuando na formulação de estratégias e no
controle da execução da política de saúde, inclusive nos aspectos econômicos e financeiros. Entretanto, suas
decisões devem ser homologadas pelo chefe do poder legalmente constituído, em cada esfera de governo (PAIM,
2009, p. 64)”.
31
Que o hospital psiquiátrico, como única modalidade assistencial, impede alcançar os objetivos já mencionados
ao: a) isolar o doente do seu meio, gerando, dessa forma, maior incapacidade social; b) criar condições
desfavoráveis que põem em perigo os direitos humanos e civis do enfermo; c) requerer a maior parte dos
recursos humanos e financeiros destinados pelos países aos serviços de saúde mental; e d) fornecer ensino
insuficientemente vinculado com as necessidades de saúde mental das populações, dos serviços de saúde e
outros setores (DECLARAÇÃO DE CARACAS, 1990).
32
“Desde as suas origens, tais subsistemas percorreram caminhos paralelos, de forma relativamente autônoma e
respondendo a pressões distintas. Ao lado deles, pode-se identificar, também, a medicina liberal, as instituições
filantrópicas e a chamada medicina popular (PAIM, 2009, p. 30)”.
33
“Esse tipo de saúde pública não tinha qualquer integração com a medicina previdenciária implantada nos
Institutos de Aposentadoria e Pensões (IAPs), nem com a saúde do trabalhador. Separava, artificialmente, a
prevenção e cura (tratamento), a assistência individual e a atenção coletiva, a promoção e a proteção em relação
à recuperação e à reabilitação da saúde (PAIM, 2009, p. 31)”.
34
“O Sistema Único de Saúde implica ações e serviços federais, estaduais, distritais (DF) e municipais, regendo-
se pelos princípios da descentralização, com direção única em cada esfera de governo, do atendimento integral,
com prioridade para as atividades preventivas, e da participação da comunidade, que confirma seu caráter de
direito social pessoal, de um lado, e de direito social coletivo, de outro. É também por meio dele que o Poder
Público desenvolve uma série de atividades de controle de substâncias de interesse para a saúde e outras
destinadas ao aperfeiçoamento das prestações sanitárias (DA SILVA, 2005, p. 831)”.
35
“Ao se referir às ações e serviços de saúde prestados por pessoas naturais ou jurídicas, poder ser interpretada
como capaz de interferir na medicina liberal e na medicina empresarial, por exemplo. Do mesmo modo, ao
contemplar entidades jurídicas de direito público ou privado, essa regulação poder se dirigir a serviços e ações de
saúde realizados por fundações públicas, instituições filantrópicas e empresas privadas, como as que
comercializam planos de saúde (PAIM, 2009, p. 52)”.
direto à saúde, consolidando a maior política de inclusão social no setor da saúde do Brasil ao
possibilitar o exercício da cidadania sanitária36.
É dever do Estado promover as condições indispensáveis para o exercício do direito
fundamental à saúde pelos cidadãos, compreendendo, assim, as ações de planejamento
financeiro e orçamentário na execução de políticas públicas37, não excluindo os deveres dos
cidadãos, da família, das empresas e da sociedade.
Nesse plano de consolidação da saúde pública e da nova proposta de política em saúde
mental no cenário brasileiro ao longo dos anos 1990, o Ministério da Saúde editou Portarias,
de caráter administrativo, a fim de promover a reinserção da pessoa em sofrimento psíquico
no convívio social, enquanto tramitava no Congresso Nacional o Projeto de Lei nº 3.657/89,
que assumiu diversas nuances jurídicas ao longo do processo legislativo, em virtude das
negociações políticas, distanciando-se cada vez mais da proposta original.
Nessa acepção, o Senado Federal, em 1996, adotou a Resolução nº 46/199 da
Organização das Nações Unidas (ONU)38, como paradigma orientador da normogênese da lei
federal da Reforma Psiquiátrica brasileira, assumindo uma postura tímida diante da
mobilização da Luta Antimanicomial, no âmbito social, e das propostas de radicalização e
rupturas com o sistema hospitalocêntrico.
É inegável os avanços, na prática do cuidado em saúde mental, iniciados já na década
de 1990, enquanto se discutia no legislativo federal o dispositivo jurídico regulamentador da
nova política nacional de saúde mental39. Entretanto, até a aprovação e promulgação da Lei da
36
“Embora o direito à saúde tenha sido difundido internacionalmente, desde a criação da Organização Mundial
da Saúde (OMS), em 1948, somente quarenta anos depois o Brasil reconheceu, formalmente, a saúde como
direito social. Como referido anteriormente, antes de 1988 somente os trabalhadores com carteira de trabalho
assinada e em dia com as contribuições pagas à previdência social tinham garantido por lei o direito à assistência
médica, através dos serviços prestados pelo INAMPS (PAIM, 2009, p. 41)”.
37
Entendidas como políticas econômicas e sociais, de caráter preventivo, visando à redução de riscos de doenças
e outros agravos, além de determinar a garantia de acesso universal e igualitário aos serviços de saúde (art.
2°,§1º da Lei nº 8.080/90).
38
Editado em 17 de dezembro de 1991, os Princípios para a Proteção das Pessoas com Doença Mental e para
Melhoramento dos Cuidados em Saúde Mental foram regulamentados através da Resolução nº 46/119.
39
Em que pese a Segunda Lei Federal de Assistência Médico-Legal - Decreto nº 24.559 de 3 de julho de 1934
assinado por Getúlio Vargas – ter vigência, à época da discussão legislativa federal sobre o Projeto de Lei nº
3.657/89 foram editadas no território brasileiro diversas leis estaduais em sentido contrário à materialidade do
Decreto nº 24.559/34, a saber: Rio Grande do Sul ( Lei nº 9.716 de 7 de agosto de 1992); Ceará ( Lei nº 12.151
de 29 de julho de 1993); Pernambuco ( Lei nº 11.065 de 16 de maio de 1994); Rio Grande do Norte ( Lei nº
6.758 de 4 de janeiro de 1995); Minas Gerais ( Lei nº. 11.802 de 18 de janeiro de 1995); Paraná ( Lei nº 11.189
de 9 de novembro de 1995); Distrito Federal ( Lei nº 975 de 12 de dezembro de 1995) e Espírito Santo ( Lei nº
5.267, de 10 de setembro de 1996).
Reforma Psiquiátrica (Lei nº 10.216/01), a transição para uma nova assistência psiquiátrica no
território brasileiro ocorreu a partir de Portarias Ministeriais, no âmbito institucional,
inclusive após a consolidação do dispositivo normativo federal.
Antes da edição normativa do dispositivo jurídico da Reforma Psiquiátrica, o
Coordenador de Saúde Mental, à época, Domingo Sávio Nascimento Alves assinou Portarias
na década de 1990. A primeira delas foi a Portaria nº 189 de 19 de novembro de 1991, que
aprovava a inclusão de grupos e procedimentos da tabela SIH-SUS, na área de saúde mental –
hospitais psiquiátricos, ao considerar a necessidade de melhoria na qualidade da atenção às
pessoas portadoras de transtornos mentais por meio da diversificação de métodos e técnicas
terapêuticas, visando à integralidade da atenção a esse grupo.
Já a Portaria nº 224, de 29 de janeiro de 1992, apresentava diretrizes normativas do
serviço em saúde mental contendo princípios da saúde pública como a universalidade,
hierarquização, regionalização e integridade das ações, além de normas para o atendimento
ambulatorial, sobre o funcionamento dos Núcleos/ Centros de Atenção Psicossocial
(NAPs/CAPs) e normas para atendimento hospitalar. Em 10 de novembro de 1999, a Lei
federal nº 9.867 criou e regulamentou o funcionamento de Cooperativas Sociais.
As Cooperativas Sociais foram constituídas com a finalidade de inserir as pessoas em
desvantagem no mercado econômico, por meio do trabalho, fundamentam-se no interesse
geral da comunidade em promover a pessoa humana e a integração social dos cidadãos, e
incluem entre suas atividades (art. 1º da Lei nº 9.867/99). Nesse sentido, para efeito dessa lei,
considerou-se como pessoa em desvantagem, inclusive, os deficientes psíquicos e mentais, as
pessoas dependentes de acompanhamento psiquiátrico permanente e os egressos de hospitais
psiquiátricos (art.3º, II, da Lei nº 9.867/99).
Outro documento normativo importante nesse processo, assinado em 2 de dezembro
de 1999, foi a Resolução nº 298 do Conselho Nacional de Saúde (CNS) que constituiu a
Comissão de Saúde Mental com o objetivo de assessorar o plenário na formulação de políticas
públicas, tendo em vista a necessidade de ampliar e resguardar os direitos das pessoas com
transtornos, em consonância com a Carta de Princípios e Direitos de Cidadania dos Portadores
40
Posteriormente, através da Portaria nº 3.090, de 23 de dezembro de 2011 ocorreu a alteração, inclusive
dispondo sobre a Rede de Atenção Psicossocial, sobre repasse de recursos e incentivo de custeio e custeio
mensal para implantação e/ou implementação e funcionamento dos Serviços Residenciais Terapêuticos.
De acordo com Janaína Lima Penalva da Silva (2007), a partir dessa alteração
legislativa, houve a inserção de um novo direito fundamental na Carta Magna de 1988: o
direito à singularidade41 do portador de sofrimento mental. De fato, o sofrimento psíquico
não é sinônimo de periculosidade, de irracionalidade, de incapacidade civil, tampouco
impedimento para o exercício de cidadania42. Desse modo, o direito à saúde mental entendido,
sobretudo, como preservação e conservação da integridade psíquica do indivíduo assegura a
não discriminação em face do ordenamento jurídico43.
É possível observar através da hermenêutica do texto jurídico da Lei nº 10.216/01, a
presença de normas jurídicas materialmente constitucionais como aquelas que preveem, por
exemplo, a proteção das pessoas acometidas de transtorno mental contra a discriminação
(art.1º), a tomada de conhecimento, por ocasião do atendimento em saúde mental, dos direitos
da pessoa portadora de transtorno mental (art. 2º, caput), a proteção da honra, da dignidade e
da imagem do usuário (art. 2º, I a IX).
Nesse sentido, ficou demarcada a inescusável responsabilidade do Estado na
promoção da saúde mental pública em âmbito nacional com a participação da sociedade e da
família (art. 3º). Como parte dessa construção, a internação, em qualquer de suas
modalidades, assumiu caráter excepcional cabendo apenas quando os recursos extra-
hospitalares se mostrarem insuficientes (art. 4º). Assim, o tratamento passou a ter como
finalidade permanente a reinserção social do paciente em seu meio, devendo inclusive, nos
casos de regime de internação, ser assegurada a presença de equipe multidisciplinar na
assistência terapêutica composta por serviços médicos, de assistência social, psicológicos,
ocupacionais, de lazer, e outros (art. 3º,§§ 1º e 2º).
41
Significa o direito a ter respeitada uma condição de vida em sofrimento mental, um direito que exige que os
portadores de sofrimento mental sejam tratados com igual respeito e consideração mesmo diante de toda
diferença que a loucura representa (DA SILVA, 2007, p. 126).
42
Trata-se não apenas de desfazer o aparato e a cultura manicomiais ainda hegemônicas no cenário psiquiátrico,
mas, sobretudo construir uma nova maneira de a sociedade lidar com a loucura. A desconstrução do manicômio
implica necessariamente reinventar não só a psiquiatria, mas a própria sociedade em que vivemos. A instituição
psiquiátrica (no seu sentido mais amplo: conceitos, práticas, normas, estabelecimentos assistenciais, dispositivos
legais, corporações profissionais – ou seja, o modo instituído de tratar os loucos) é extremamente reveladora dos
impasses e contradições que atravessam a sociedade (BEZERRA, 1992).
43
Afirma Menelick de Carvalho Netto (2005) que o reconhecimento da diferença específica como direito à
igualdade, em relação aos portadores de sofrimento mental, sempre esteve autorizado pela afirmação dos
princípios de igualdade e liberdade; nós, que não éramos capazes de ver a injustiça até então perpetrada. Dessa
sorte, é que a explicitação mediante lei demonstra o patamar alcançado da nossa comunidade de princípios no
mais fiel cumprimento da Constituição.
44
No início dos anos 2000, após a III Conferência Nacional em Saúde Mental, diversas Portarias Ministeriais
foram editadas a fim de criar e consolidar a Política Nacional em Saúde Mental. Em 31 de janeiro de 2002, a
Portaria n.251 estabeleceu diretrizes e normas para a assistência hospitalar em psiquiatria, reclassificando os
hospitais psiquiátricos, ao definir a estrutura, a porta de entrada para as internações psiquiátricas na rede do SUS
e instituir o Programa Nacional de Avaliação dos Serviços Hospitalares (PNASH/Psiquiatria). Já em 19 de
fevereiro de 2002, através da Portaria nº 336 foi regulamentado o funcionamento dos Centros de Atenção
Psicossocial. No dia 30 de abril de 2002, a Portaria n.816 criou o Programa Nacional de Atenção Comunitária
Integrada a Usuários de Álcool e outras Drogas. Por fim, em 26 de dezembro de 2002, a Portaria n. 2.391/GM
regulamentou o controle das internações psiquiátricas involuntárias (IPI) e voluntárias (IPV). No ano de 2003, a
fim de promover a efetividade do direito social à moradia, em 31 de julho foi criada a Lei nº 10.708 que institui
o Programa de Volta para Casa e o benefício do auxílio-reabilitação psicossocial para usuários egressos de
internações. Em 14 de outubro de 2004, a Portaria nº 2.197 instituiu a Política Nacional a Atenção Integral a
Usuários de Álcool e outras Drogas. No ano de 2005, dois documentos foram editados, a Portaria n. 245, de 17
de fevereiro, que destinou incentivo financeiro para implantação de Centros de Atenção Psicossocial e a Portaria
nº 336, de 19 de fevereiro, que estabeleceu as modalidades de Centro de Atenção Psicossocial e equipe mínima.
Em 4 de junho de 2009, a Portaria nº 1.190 estabeleceu o Plano Emergencial de ampliação do Acesso ao
Tratamento e Prevenção em Álcool e outras Drogas. Em 25 de agosto de 2009, foi promulgado o Decreto nº
6.949 que promulgou a Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e seu Protocolo
Facultativo, assinados em Nova York, em 30 de 2007. Em 20 de maio de 2010, o Decreto nº 7.179 criou o Plano
Integrado de Enfrentamento ao Crack e outras Drogas. Em 6 de dezembro de 2010, a Portaria nº 3.796 institui o
Colegiado Nacional de Coordenadores de Saúde Mental. Já em 30 de dezembro de 2010, a Portaria nº 4.279
estabeleceu diretrizes para a organização da Rede de Atenção à Saúde. Nessa data, editou-se a Portaria nº 4.279
que estabeleceu diretrizes para a organização da Rede de Atenção à Saúde no âmbito do Sistema Único de Saúde
(SUS). Após a realização da IV Conferência Nacional em Saúde Mental, o Decreto nº 7.508 de 28 de junho de
2011, regulamentou a Lei nº 8.080/90 para dispor sobre a organização do Sistema Único de Saúde – SUS, o
planejamento da saúde, a assistência à saúde e a articulação interfederativa. Em 7 de julho de 2011, a Portaria nº
1.600 reformulou a Política Nacional de Atenção às Urgências e institui a Rede de Atenção às Urgências no
SUS. Em 21 de outubro de 2011, a Portaria nº 2.488 aprovou a Política Nacional de Atenção Básica. Em 23 de
dezembro de 2011, a Portaria nº 3.086 tratou sobre o financiamento dos Centros de Atenção Psicossocial.
Também na mesma data, diversas portarias foram editadas, como a Portaria nº 3.090 que alterou a Portaria nº
106/2000, dispondo sobre o repasse de recursos de incentivo de custeio e custeio mensal para implantação e/ou
implementação e funcionamento dos Serviços Residenciais Terapêuticos (SRT), a Portaria nº 3.088 que instituiu
a Rede de Atenção Psicossocial, além da Portaria n. 3.099 que estabeleceu recursos a serem incorporados ao teto
financeiro anual da Assistência Ambulatorial e Hospitalar de Média e Alta Complexidade referentes ao novo tipo
de financiamento dos Centros de Atenção Psicossocial (CAPs). Em 25 de janeiro de 2012, a Portaria nº 121
institui a Unidade de Acolhimento. Ainda nesta data, a Portaria nº 122, definiu a composição, o processo de
trabalho e o financiamento das equipes dos Consultórios na Rua no âmbito da Atenção Básica, além disso, a
Portaria nº 123 definiu os critérios de cálculo do número máximo de equipes de Consultório na Rua por
Município. Em 26 de janeiro, a Portaria nº 132 instituiu incentivo financeiro de custeio para o componente de
Reabilitação Psicossocial – trabalho e renda, empreendimentos solidários e cooperativas sociais. Nessa mesma
data, a Portaria nº 13º redefiniu o CAPS AD III e os incentivos financeiros. Ademais, a Portaria nº 131
incentivou financeiramente o custeio dos Serviços de Atenção em Regime Residencial, incluídas as
Comunidades Terapêuticas. Em 31 de janeiro de 2012, a Portaria nº 251 estabeleceu diretrizes e normas para a
assistência hospitalar em psiquiatria, reclassificando os hospitais psiquiátricos e internações psiquiátricas. Nessa
data, a Portaria nº 148 tratou sobre o funcionamento e habilitação do Serviço Hospitalar de Referência. Em 29 de
fevereiro de 2012, a Portaria nº 349, alterou a Portaria nº 148 com a criação do Serviço Hospitalar de Referência
juntamente com a Portaria nº 1.615, de 26 de julho, que alterou a Portaria nº 148. Em 22 de agosto de 2012, a
Portaria nº 856 criou a Unidade de Atenção em regime residencial e Comunidade Terapêutica. Também nesta
data, a Portaria nº 854 alterou a tabela de procedimentos. Em 17 de setembro de 2012, a Nota Técnica nº 854
tratou sobre instrumentos de informação. Já em 21 de setembro de 2012, a Portaria nº 953 incluiu na Tabela de
Habilitação do SCNES Serviços Hospitalares de Referência para a atenção a pessoas com sofrimento ou
transtorno mental incluindo aquelas com necessidades de saúde decorrentes do uso de álcool e outras drogas. Em
24 de julho de 2013, a Portaria nº 1.516 alterou o conhecimento da Comissão Intergestores Bipartite (CIB) da
Portaria nº 148, juntamente com a Portaria nº 3.091 publicada em 13 de dezembro de 2013. Já a Portaria nº 1.966
de 10 de setembro de 2013 promoveu a mudança do custeio do CAPS AD III e CAPS III. Em 2014, a Portaria nº
2.840 de 29 de dezembro criou o Programa de Desinstitucionalização integrante do componente Estratégias de
Desistitucionalização da Rede de Atenção Psicossocial (RAPs), no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS), e
instituiu o respectivo incentivo financeiro de custeio.
45
Conforme afirma Lívia Barbosa Pereira (2013), a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e
seu Protocolo facultativo constitui o mais recente documento internacional de proteção aos direitos das pessoas
com deficiência. É a primeira convenção do milênio, adotada na Organização das Nações Unidas (ONU) em 13
de dezembro de 2006, em reunião da Assembleia Geral na comemoração do Dia Internacional dos Direitos
Humanos A Convenção foi originalmente proposta pela Delegação do México, na Assembleia Geral da ONU em
2001, quando se formou um Comitê responsável pelos trabalhos e pela sua construção. Atualmente, a Convenção
conta com 153 assinaturas e 110 ratificações, e seu Protocolo Facultativo com 90 assinaturas e 63 ratificações.
46
Tal dispositivo encontra previsão no art. 9º, II da Portaria nº 3.088/11.
regulação do acesso dos usuários aos diferentes pontos de atenção da rede (art. 4º). Entretanto,
curiosamente, não se apresentou a explicação dos “parâmetros” científicos para a medição na
avaliação técnica da saúde mental.
Outro impasse se refere à proibição de qualquer ampliação da capacidade já instalada
de leitos psiquiátricos em hospitais especializados (art. 5º). Observa-se que além de não
promover a extinção progressiva dos leitos psiquiátricos, o presente documento mostra-se
favorável a sua manutenção. Ademais, a criação da Equipe Multiprofissional de Atenção
Especializada em Saúde Mental, ao que parece, prestará serviços de média complexidade em
nível ambulatorial e hospitalar compreendendo inclusive serviços de urgência e emergência.
Em princípio, tal iniciativa não parece contrária à Rede de Atenção Psicossocial,
entretanto ao analisar a Portaria nº 3.088/11, é possível verificar que o ponto de atenção da
RAPs na atenção psicossocial é o Centro de Atenção Psicossocial (art. 7º, caput da Portaria nº
3.088/11) e não a unidade hospitalar, tampouco os eventuais serviços ambulatoriais e
emergenciais prestados (art. 5º da Portaria nº 3.088/11). Observe que também nos CAPs há a
previsão de equipe multidisciplinar (art. 7º, § 1º da Portaria nº 3.088/11) nas diversas
modalidades, em razão da necessidade do atendimento psiquiátrico (art. 7º, § 4º da Portaria nº
3.088/11).
Em relação aos usuários de álcool e outras drogas, a Resolução nº 32/2017 como
solução buscou estabelecer a criação de nova modalidade de Centro de Atenção Psicossocial
(CAPs AD IV), com funcionamento 24 horas, prestando assistência de urgência e emergência
para ofertar “linhas de cuidado em situações de cenas de uso de drogas, especialmente o crack
(cracolândia)”, de forma multiprofissional e intersetorial (art. 7º). Todavia, o CAPs AD III, já
presente na RAPs, possui a mesma disponibilidade de funcionamento, conjugando a
reintegração social do usuário ao território. Curiosamente, a nova proposta não explicou “as
linhas de cuidado” ofertadas nas cracolândias, por exemplo, onde há explícitas situações de
uso de drogas, sem violentar física e mentalmente as pessoas em sofrimento psíquico em
situação de rua, já que a política de redução de danos, ao que parece, não encontra assento
nessas novas diretrizes.
Como promessa de desinstitucionalização de pacientes moradores em hospitais
psiquiátricos através dos Serviços de Residências Terapêuticas (SRTs), a Resolução nº
32/2017 buscará dar maior flexibilidade para a gestão municipal, bem como fortalecer e
apoiar técnica e financeiramente o processo, além de habilitar 200 SRTs até o final de 2018
(art. 8º). Uma aporia diante do privilégio que a presente resolução oferece ao sistema
hospitalocêntrico, ao desconsiderar inclusive a previsão da Portaria nº 3.090/11, ANEXO I –
Das Diretrizes do funcionamento dos Serviços Residenciais Terapêuticos que já apresenta o
tratamento terapêutico no local de habitação dos usuários.
Além disso, de acordo com o art. 2º, § 3º da Portaria nº 3.090/11, os SRTs I e II
devem manter-se como unidades de moradia, inseridos na comunidade, devendo estar
localizados fora dos limites de unidades hospitalares gerais ou especializadas, estando
vinculados à rede de serviços de saúde.
Ainda em proposta contrária a extinção dos leitos psiquiátricos, o art. 9º da Resolução
nº 32 tem a iniciativa de ampliar a oferta de leitos hospitalares qualificados para a atenção a
pessoas com transtornos mentais e/ou com necessidades decorrentes do uso do crack, álcool e
outras drogas. Curiosamente, o monitoramento sistemático da taxa de ocupação mínima das
internações em Hospitais Gerais deverá servir para o pagamento integral do procedimento
como forma de incentivo (art. 9º, III). Ainda em relação ao financiamento, há a proposta de
reajuste do valor das diárias para internação em hospitais especializados de forma escalonada,
em relação aos atuais níveis, conforme o porte do Hospital (art. 9º, IV).
Por fim, assumiu-se o compromisso no financiamento de pesquisas que subsidiem a
implantação de Programas de Prevenção ao Uso de Álcool e Outras Drogas para adolescentes
e jovens (art.10º). Além disso, buscou-se o fortalecimento da parceria e o apoio intersetorial
entre o Ministério da Saúde, Ministério da Justiça, Ministério do Desenvolvimento Social e
Ministério do Trabalho em relação às Comunidades Terapêuticas (art.11º), em evidente
demonstração do interesse de incluí-las na RAPs47.
Firmou-se também o compromisso de promover ações de prevenção ao suicídio, por
meio de parcerias com Estados e Municípios, bem como instituições que atuam nesta área
(art.12). A Resolução nº 32 entrou em vigor em 14 de dezembro de 2017 (art.13),
enfraquecendo a Política Nacional de Saúde Mental48.
47
Atualmente, a Portaria nº 3.088/11 prevê os serviços de atenção em regime residencial, entre os quais as
Comunidades Terapêuticas, destinada a promoção de serviços contínuos de saúde, de caráter residencial
transitório até 9 meses com necessidades clínicas estáveis decorrentes do uso de crack, álcool e outras drogas
(art. 9º, II). Assim, na presente estrutura a Comunidade Terapêutica tem utilização secundária e temporária, não
cabendo elencá-la inclusive como dispositivo principal na RAPs.
48
É importante considerar a Nota Pública da Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PGR-
00505982/2017), do Ministério Público Federal, emitida no dia 13 de dezembro de 2017 apresentando críticas
quando à “nova” política em saúde mental.
49
“Realizamos marchas, manifestações, passeatas, ofertando à sociedade brasileira o alegre sabor da liberdade
(CARTA DE BAURU, 2017)”.
50
“Inventamos novos serviços e redes, arranjos e experiências, que gritam com voz forte a potência deste
cuidado. Combatemos a cada dia o manicômio em suas várias formas, do hospital psiquiátrico à comunidade
terapêutica, incluindo o manicômio judiciário; e a lógica manicomial que disputa o funcionamento de todos os
espaços do viver. Gravamos, em corpos e mentes, a certeza de que toda a vida vale a pena, a ser vivida em sua
pluralidade, diversidade e plenitude. Temos orgulho das conquistas que garantiram a transformação da atenção
pública em saúde mental em todos os quadrantes de nosso país: milhares de CAPS, ações na atenção básica, o
Programa de Volta Pra Casa, novos modos de trabalhar e produzir, múltiplos projetos de arte, cultura, economia
solidária, geração de trabalho e renda e protagonismo (CARTA DE BAURU, 2017)”.
51
“Com a exigência do cuidado para a infância e juventude, enfrentamos a medicalização das crianças e a
criminalização dos jovens. A presença protagonista de crianças e adolescentes e seus familiares nesse Encontro é
um marco histórico e indica a importância da continuidade e avanço das políticas públicas de saúde mental
intersetoriais para crianças e adolescentes na perspectiva do cuidado sem controle, garantindo seu direito à voz
para a construção de uma sociedade livre de manicômios. Cuidar da infância e da adolescência em liberdade é
fundamental na nossa luta (CARTA DE BAURU, 2017)”.
52
“Nestes 30 anos, entretanto, o mundo viveu a globalização e a hegemonia da ideologia neoliberal, produzindo
uma gritante desigualdade: 1% da população mundial tem mais riquezas que os outros 99%. Isto conduziu a uma
ruptura do pacto civilizatório contido na Declaração Universal dos Direitos Humanos: quando os interesses do
capital tudo dominam, não há direito que se respeite nem vida que tenha valor. No Brasil, um processo de
redução das desigualdades sociais, iniciado nos anos 2000, foi brutalmente interrompido pelo golpe de 2016;
golpe que resultou, dentre tantos outros efeitos deletérios, na ampliação do processo vigente de privatização e na
redução de recursos para as políticas públicas sociais, como moradia, transporte, previdência, educação, trabalho
e renda e saúde. Vivemos um violento ataque ao SUS, com a diminuição do financiamento e a desfiguração de
seus princípios de universalidade, equidade e integralidade. Nossa democracia, ferida, vive hoje, sob constante e
forte ameaça. Precisamos fortalecer a luta por um processo de educação permanente, por nenhum serviço a
menos, nenhum trabalhador a menos e nenhum direito a menos (CARTA DE BAURU, 2017)”.
53
“Acesa e viva, mantém-se a nossa disposição de lutar contra tudo aquilo que é intolerável para a dignidade das
pessoas e nefasto para o seu convívio enquanto iguais: a exploração e a ganância, o manicômio e a tortura, o
autoritarismo e o Estado de exceção. Tecemos laços de afeto e de solidariedade que nos acolhem na dor e nos
protegem no abandono - sustentando o delicado equilíbrio da esperança em nossos corações. Portanto,
prosseguimos, com o mesmo empenho tenaz, na luta por uma sociedade sem manicômios. Não podemos deixar
CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
BEZERRA, Jr, Benilton. Cidadania e loucura: um paradoxo? In: Psiquiatria sem hospício:
Contribuições ao estudo da reforma psiquiátrica. (Bezerra, Jr. B., Amarante, P.(org). Rio
de Janeiro: Relumé-Dumará,1992.
Oficial da República Federativa do Brasil; Brasília, DF, 10 nov. 1999. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9867.htm Acesso em: 18 dez. 2017.
________. Lei nº 10.216/01, de 6 de abril de 2001. Dispõe sobre a proteção e os direitos das
pessoas portadoras de transtornos mentais e redireciona o modelo assistencial em saúde
mental. Diário Oficial da República Federativa do Brasil. Brasília, DF, 09 abr. 2001.
Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/leis_2001/l10216.htm. Acesso em:
18 dez. 2017.
COSTA, Jurandir Freire Costa. História da Psiquiatria no Brasil: um corte ideológico. 5.ed.
Rio de Janeiro: Garamond, 2006.
DA SILVA, José Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo. 25ª ed. São Paulo:
Editores Malheiros, 2005.
PAIM, Jairnilson Silva. O que é o SUS. Rio de Janeiro: Editora FIOCRUZ, 2009.
PEREIRA, Lívia Barbosa. Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e
Justiça: novos contornos das necessidades humanas para a proteção social dos países
signatários. Brasília, 2013, 161 p. Dissertação (Mestrado em Política Social) - Programa de
Pós-Graduação em Política Social. Universidade de Brasília, 2013.
SOUZA, Waldir da Silva. In: AMARANTE, Paulo (Coord). Loucos pela vida: a trajetória da
reforma psiquiátrica no Brasil. Rio de Janeiro: Fiocruz, 1995 [2015].
Recebido em 19.12.2017
Aprovado em 29.12.2017