França, 1555.
Enviada para ser a governanta da rainha, Sheena descobre que um duque quer governar
sua vida!
Quando menos esperava, a jovem escocesa, Sheena McCraggan, foi enviada a uma
corte luxuosa, onde os conceitos de moral e os valores humanos eram todos distorcidos!
Sua missão, tentar salvar a educação da jovem rainha da Escócia, que corria o risco
de ser corrompida.
Mas ela jamais imaginara que seria o pivô de um plano centra o rei... E muito menos
que se apaixonaria perdidamente por um duque francês rico, charmoso e muito, muito
especial!
— Eu mesmo não imaginei que ainda estaria neste lugar — respondeu o duque de
Salvoire, fechando a porta atrás de si e se aproximando deles, enquanto retirava as
ornamentadas luvas de pelica.
-— Não, nada tão excitante — disse ele — Fiquei em Anet e estou a caminho de
Paris, para me encontrar com o rei. Porém, a duquesa de Valentinois, pediu para levar
uma mensagem ao Convento das Irmãs Pobres, que fica nesta terra que Deus esqueceu.
Só mesmo Ele, a quem essas freiras adoram com tanta devoção, sabe o motivo de
haverem se instalado tão longe.
Um gesto vago de sua mão determinou que os outros se sentassem também. Eles o
fizeram, mas sem a mesma descontração da qual vinham desfrutando antes da chegada
do lorde. Dali por diante, certa tensão se fez presente, e todos assumiram uma postura
mais polida. Suas faces se voltaram na direção dele, aguardando que dissesse algo.
O duque notou que se tratava de quatro dos mais sóbrios e inteligentes rapazes da
corte. Como todos eram seus subordinados, imaginou que deveria ter sido a própria
duquesa, que escolhera aquele grupo para cumprir a missão, qualquer que fosse ela, à
qual haviam sido confiados.
"Ela nunca falha", pensou, esboçando um leve sorriso.
Jamais imaginara que qualquer outra mulher pudesse ser tão sábia, astuciosa e
inteligente quanto Diane de Poitiers.
— Qualquer um se sente feliz por estar lá, então é normal que lamente ao deixar o
lugar. A duquesa e o rei construíram um verdadeiro lar naquele palácio, baseado em amor
verdadeiro.
O ar surpreso de sua pequena platéia foi notável. O duque era conhecido por sua
postura quase sempre cínica diante de tudo.
Tendo sofrido uma forte decepção amorosa com a tenra idade de dezoito anos,
jurou que jamais se deixaria levar outra vez pelos encantos do coração.
Tinha por hábito declarar ser desprovido de coração, alegando possuir apenas um
bom cérebro, que julgava muito mais confiável.
Como que arrependido por dizer aquela frase em tom tão terno e simpático, proferiu
ele próprio outra pergunta, com ainda mais secura e rispidez do que o normal.
— Diziam estar à espera de um navio vindo da Escócia, não é? Seria essa uma
mera desculpa para esconder algum tipo nefasto de contrabando que estão fazendo pelo
canal? Ouvi falar que os portos da Bretanha estão cheios de ouro inglês.
— Não há nada que esteja fora do alcance de seus ouvidos, não é mesmo, Milorde?
E verdade que está havendo um grande crescimento do contrabando, mas todo ele é
benéfico à França. Nesse caso, quem somos nós para desestimular um bom cliente, por
mais desagrado que ele demonstre ao levar a mão ao bolso para pagar a conta? Mas não
me entenda mal, isso não significa que participamos de qualquer atividade desse tipo.
— E mesmo? Não imaginei que precisássemos pedir que enviassem uma pessoa
de lá, para cumprir tão simples tarefa. Será possível que não haja pessoa alguma, em toda
a França, que esteja apta a cumprir tal missão? Quem disse que nossas damas não
possuem tanto o conhecimento quanto a inteligência para fazê-lo?
— Concordo com sua opinião, honrado Milorde — disse o comandante Gustave de
Cloude — É quase um insulto que tenhamos de mandar buscar de além mar, em uma terra
de bárbaros quase selvagens, uma instrutora para a futura noiva de nosso príncipe. Mas
nos disseram que a jovem rainha insistiu pessoalmente, na dispensa de madame D'Paroy,
tamanho o desgosto que sentia na companhia dela.
— Uma personalidade admirável para alguém tão jovem. Ora, ainda bem que a
França poderá fazer uso de alguém assim. Ela será o par perfeito para nosso infante
príncipe.
Ao acabar de falar, a voz indignada do nobre ainda ecoava pelo ambiente quando
outra se fez ouvir, em um tom que parecia tão frio e pungente, quanto jovem.
— Lamento informá-lo, Milorde, mas seu desejo não se cumpriu. A nau escocesa
não afundou, e chegou a salvo ao porto. Aliás, já está atracada há tempo.
Os olhos verdes da linda moça que estava diante dele o confrontavam com
indisfarçável hostilidade. Era a primeira vez que se deparava com uma escocesa de
constituição física tão delicada.
Os cabelos cacheados escapavam do chapéu, sob a fúria do vento, revelando sua
cor avermelhada, que parecia ouro incandescente. A pele alva denotava algo que inspirava
pureza, pois era tão perfeita e clara que parecia translúcida.
— Pode dizer o que quiser agora mesmo, desde que me permita chegar mais perto
do fogo — respondeu ela — Meus pés estão encharcados. Nunca imaginei que a França
pudesse ser tão lamacenta.
O tom de dignidade e a força na voz da dama pareciam não combinar com formas
tão suaves e delicadas, quanto às de seu rosto e de seu corpo.
— Na verdade, ouvi muito bem qual era o real intento por trás de suas expectativas,
Milorde.
Estavam habituado a ver o duque vencer todos com sua argumentação afiada, e era
uma experiência interessante vê-lo em apuros, principalmente contra uma oponente tão
bela, formidável e, acima de tudo, jovem.
Então abriram caminho para Sheena se aproximar do fogo. Ajudaram-na a retirar o
casaco e o chapéu, ambos encharcados.
— Aqui está — disse uma serviçal, entregando uma caneca e se curvando com
humildade — As botas não secarão depressa o bastante, Milady, pois estão encharcadas
demais.
— Pois não. Quanto àquele senhor de sua comitiva, que estava passando mal,
tudo o que tenho a dizer é que também demorará a se recuperar — informou a robusta
mulher.
— Faça o que puder por ele, por favor — disse Sheena, observando a mulher se
afastar.
Embora a pousada fosse simples, os trajes dos homens eram luxuosos ao extremo,
e todos usavam jóias.
Ao olhar para si mesma, sentiu-se vestida de maneira pouco arrojada, embora suas
roupas houvessem sido feitas dos melhores tecidos, pelas mãos mais hábeis da alfaiataria
escocesa.
A França era mesmo a terra dos exageros, pensou consigo mesma. Mas deveria
superar qualquer problema, pelo bem de seu pai e de seu país.
Semicerrando os olhos, lembrou-se das palavras que trocara com o velho patriarca
McCraggan antes da viagem.
— Não, papai. Eu não irei — dissera ela, contrariada, poucos dias antes, ainda na
Escócia — De que servirá minha presença em um lugar, onde todos estão corrompidos
pela luxúria e pelos maus hábitos?
— Ora, filha, deveria estar se sentindo grata pela oportunidade que está sendo
oferecida — censurou o pai.
— Oportunidade? Bem, é claro que estou ansiosa por prestar meus serviços à
rainha, nem duvide disso, mas como é que Vossa Majestade vai me dar ouvidos, havendo
tanta gente mais interessante em quem prestar atenção?
— Oh.
— Sim, minha filha. Fomos forçados a mandá-la para lá, contra nosso próprio bom
senso. Acreditamos que a governanta dela seria um bom exemplo, e que bastaria para
mantê-la distante da indecência que impera naquele reino.
— Isso não está certo. Eu não deveria estar dizendo essas coisas a você.
Sheena sabia sobre o que seu pai estava falando. Todos na Escócia sabiam que
Lady Fleming, a governanta real de Maria Stuart, havia se enamorado e tido um caso com
Henrique II.
— Papai sei que ela fraquejou, mas isso pode até vir a ser bom no futuro. Afinal, é
uma escocesa, e está carregando o filho do próprio rei da França no ventre.
— O bastardo que ele gerou nela, isso sim! E pensar que fui uma das pessoas que
a avaliaram e a julgaram competente como acompanhante de Vossa Majestade, antes da
partida da nossa jovem rainha.
Uma grande ansiedade a dominou naquele momento, quando seu pai contou que a
governanta francesa, fora rejeitada pela própria Maria Stuart. Como poderia Sheena, ainda
com dezessete anos, ter sucesso onde uma pessoa experiente falhara de maneira
vergonhosa, e outra fora dispensada pela própria rainha?
Mas fora um dos anciãos do conselho, quem fizera sugestão dela se tornar a nova
acompanhante da soberana escocesa.
O velho sábio sugerira que não era de instrução ou tutela que a rainha precisava,
mas sim de companhia e de amizade. Algo que apenas alguém na mesma faixa etária,
poderia proporcionar à pequena e desafiadora herdeira do trono.
Até então sempre fora fácil chamar os franceses de pervertidos, mas a atitude de
Lady Fleming os levou a engolir o próprio orgulho e a enxergar os problemas dentro da
elite da Escócia.
Diante de tal cenário, obrigaram Sir Euan McCraggan a enviar sua própria filha,
naquela missão quase impossível, apelando para seu senso de servidão à família real, a
fim de fazê-lo concordar com a idéia, de mandar seu único ente querida àquele reino
famoso por sua perversão.
Além disso, Sheena fora incumbida de espionar o rei da França, para tentar
descobrir se ele tinha mesmo a intenção de ajudar a jovem Maria Stuart a assumir o trono
da Inglaterra, que seria dela por direito, quando a velha rainha Maria Tudor viesse a
falecer.
Se não recebessem ajuda do rei aliado, os escoceses talvez não tivessem forças
para fazer com que os ingleses cumprissem sua obrigação em deixar a verdadeira
soberana assumir.
Estava claro que aquele papel de governanta e de espiã real não seria fácil de
desempenhar. Para completar, não havia quem a orientasse quanto ao aspecto feminino
daquela viagem.
Desde que sua mãe falecera, quase dez anos antes, fora obrigada a aprender tudo
com as poucas amigas da família que mantiveram contato com eles.
— Milady, não creio que queira mesmo partir agora, não é? — falou a mulher,
fitando Sheena com ar de descrença — Aquele homem ainda está mal. Não seria bom que
ele viajasse naquele estado.
— Claro. Por favor, informe minha acompanhante a respeito do estado dele, que ela
providenciará um chá de raízes, que o colocará em plena forma. Diga a todos de minha
comitiva que estou ansiosa para partir. Gostaria de tê-los prontos o mais depressa
possível, pois pretendo seguir para Paris dentro de uma hora.
— Farei como ordenou Milady, mas não sei se poderão se aprontar tão depressa.
— Apenas transmita minha mensagem, e serei grata. Eles são escoceses. Sei que o
farão — Sheena se voltou para os homens que a ladeavam — Milordes, espero que me
conduzam o mais depressa possível nessa viagem. Estou ansiosa para ver sua Majestade,
a rainha Maria Stuart, e para assumir minhas novas incumbências.
— Mas que pressa — objetou o duque, até então em silêncio — Não seria mais
sábio pousar aqui mesmo esta noite? O local pode até ser simples, mas é seco, limpo e
quente.
Ao ver o sorriso cínico que tomou forma naqueles lábios másculos e bem definidos,
teve certeza de que aquilo não o abalara.
O tom sarcástico que permeou o comentário, a fez perder o parco controle sobre
seu indomável temperamento escocês.
— Em minha opinião Milorde, ficarei melhor sem seus conselhos. Palavras advindas
de uma língua tão ferina são um perigo, para aqueles que têm um trabalho sério a fazer.
— Como quiser Milady. Estou a seu dispor. Garanto que nos encontraremos em
Paris.
Aquela altura, já tinha certeza de que fora em vão que gastara tanto dinheiro na
confecção de roupas refinadas para aquela viagem.
O cobertor de veludo, embainhado com uma pele macia, que colocaram sobre suas
pernas para aquecê-la durante a viagem, era de um tecido mais refinado e de acabamento
mais bem trabalhado do que o vestido que ela trajava naquele momento. E aquele era um
dos melhores que mandara fazer.
A carruagem, em si, já era um grande exagero. Não imaginara que o rei teria tanta
consideração pela nova governanta de Maria Stuart.
Imaginara que iria causar boa impressão em toda a corte com os vestidos que
levara na bagagem. Pensara que estariam à altura do cargo de governanta da jovem
rainha da Escócia. Entretanto, estava se sentindo como uma serviçal comum.
Comparando seus trajes aos dos jovens e galantes oficiais que a escoltavam,
percebeu que até as selas de seus cavalos eram adornadas com delicadeza e esmero,
sendo a do comandante Gustave cravejada de pedras semipreciosas.
Naquele momento, sua única acompanhante era sua própria dama de companhia,
Maggie, que viajava com ela na carruagem. Os outros serviçais da comitiva haviam
seguido em um transporte mais lento, e quase não teriam contato com Sheena.
De repente, como que em um estalo, tornou-se ciente de que era tão digna quanto
qualquer francês, e que muito sangue escocês fora derramado em nome de sua futura
tutelada. Não poderia deixar que um tolo complexo de inferioridade a desanimasse.
— Não se preocupe Milady — disse Maggie pressentindo a tensão que incomodava
sua jovem patroa — Eles não são melhores do que nós. Tudo o que esse povo tem é
dinheiro. Têm tantas riquezas que só lhes restaram corrupção e preguiça nas veias.
— Não diga isso — respondeu Sheena, rindo — Veja o conforto com que estamos
viajando. Não devemos julgá-los com antecedência, se nem mesmo os conheceremos. O
rei está sendo muito cortês, não acha? Estamos sendo tratadas como membros da família
real.
— Grande coisa. Homens que se vestem como mulheres, que usam jóias e luvas
bordadas, não me parecem lá muito másculos. Prefiro nossos guerreiros que, embora
usem roupas simples, sabem manusear a espada. Gostaria de saber se esses efeminados
lutariam para salvar Vossa Majestade, a pequena rainha.
— Eles não ouviram nada. Além disso, não entendem o que falamos em nosso
idioma.
— Mesmo assim, não quero que diga essas coisas. Distraia-se. Veja só essas belas
casas pelo caminho.
Sheena se sentia como se estivesse em meio a um conto de fadas. Tudo era tão
colorido e bem cuidado que nem parecia real. Os jardins, floridos a despeito do clima, eram
o complemento perfeito para as construções refinadas e pintadas com esmero.
Era um grande contraste com o estado do castelo de sua própria família, que se
encontrava em péssimo estado. Embora fossem bem cuidados, todos aqueles anos de
guerra haviam minado os recursos necessários, para fazer as reformas mais simples.
Portas e paredes precisavam de pintura, as poucas escadas de madeira estavam se
desmantelando, e as de pedra precisavam de polimento.
Diante de todo daquele luxo, percebeu que seria difícil atender à missão de que fora
incumbida. Precisaria ter muito tato para levar a rainha a compreender, que os clãs da
Escócia, lhe permaneciam fiéis, e que todos estavam dispostos a dar a própria vida por
ela. Ao se aproximar de Paris, o medo de falhar começou a incomodá-la.
— Mas que vergonha, menina. Isso não é um comportamento digno para alguém na
sua posição. Na verdade, não me lembro de tê-la visto com medo de algo. Não acabou de
me dizer que estamos sendo tratadas com consideração? Seremos conduzidas à presença
do rei da França em pessoa, e depois encontraremos nossa rainha. Isso é motivo para se
orgulhar, e não para temer.
— Ora, eles que nos respeitem como estamos! Muitos dos homens que estão
lutando por Vossa Majestade, fazem-no com os pés descalços e com as roupas rasgadas.
Caso a pequena rainha já esteja encantada por esse antro de corrupção, faça-a se lembrar
disso. Deixe claro que muitas crianças ficaram órfãs e que inúmeras esposas se tornaram
viúvas, para mantê-la a salvo das garras dos ingleses, assim como para defender-lhe o
reino.
Estava pronta para odiá-lo e espezinhá-lo, antes mesmo de conhecê-lo. Ouvira falar
da falta de pudor daquele homem, que chegara a mudar os monogramas de todos os
castelos para "D" e "H", homenageando sua união com a amante, Diane de Poitiers, em
total negligência à verdadeira rainha da França, sua esposa, Catarina de Medici.
Mas não esperava ver o rosto triste do homem de cabelos negros, que a fitava com
ar melancólico.
— Majestade, esta é lady Sheena McCraggan — anunciou uma voz, logo à porta,
ao mesmo tempo em que ela se ajoelhava em uma mesura de grande respeito.
— Sim, imaginei que estaria. Uma pena — disse o rei, pausando para se ajeitar no
assento — Reparei que seu francês é excelente.
Ao vê-lo se adiantar depressa, Sheena se virou para trás. A mulher mais bela que
ela já vira até então, estava entrando no aposento. Não era jovem, mas havia uma
vitalidade jovial em sua compleição e em seus movimentos, que parecia advir de alguma
fonte mágica. O vestido branco, com detalhes em preto, realçava a pele perfeita e alva. A
mulher se ajoelhou diante do rei.
— Sabe que cada momento que passo em sua ausência é como uma eternidade de
solidão para mim.
O murmúrio do soberano francês fora feito apenas aos ouvidos dela, mas quem
estava próximo também escutou.
— Esta é Lady McCraggan, que acabou de chegar. Infelizmente, fez uma viagem
difícil.
A mulher sorriu para Sheena com tamanha ternura, que boa parte da tensão e do
cansaço da viagem pareceram se esvair de seu corpo.
— Estamos muito contentes que esteja aqui, Milady — disse a deslumbrante dama
— A jovem rainha estava ansiosa para conhecê-la. Tenho certeza de que o que Maria
Stuart mais deseja no momento são notícias da Escócia e de seu povo.
Sheena sentiu a tensão dominar seu corpo no mesmo instante. Aquela era Diane de
Poitiers, a tão difamada mulher que seduzira Henrique II! Era quem o levara a esquecer a
própria honra e relegar ao esquecimento sua esposa, a rainha da França.
Deveria ter se dado conta disso desde o princípio. Mas sua mente parecia
tendenciosa, querendo acreditar que aquela pessoa de aparência amável e de charme e
beleza encantadora, não era a protagonista daquela história escandalosa e cheia de
revezes.
No íntimo, pensara que os boatos eram exagerados, e que a amante do rei não
tinha livre trânsito pelo palácio. Imaginara-a isolada da corte, em algum lugar inacessível.
Quando se deu conta, já havia reverenciado o rei e estava seguindo aquela mulher
controversa pelos corredores do suntuoso palácio.
— A pequena rainha esteve sob minha guarda ao longo de um bom tempo — disse
a amásia real — Supervisionei toda sua educação. Vossa Majestade é uma aluna
promissora. Ficará surpresa ao descobrir quanto ela é talentosa, e ao ver o progresso que
atingiu nos últimos anos, em termos de educação e de refinamento.
Sheena ficou tão escandalizada com aquela revelação, que nada pôde responder.
Até que ponto a jovem soberana teria sido contaminada pela educação deturpada que uma
pessoa sem escrúpulos poderia oferecer? Haveria muito a ser reparado? Em que tipo de
bruxarias aquela mulher a haveria iniciado? Estaria ela preparando Maria Stuart para a arte
de seduzir e de subjugar um homem?
— Creio que deva estar cansada, por causa da viajem — sugeriu Diane, em tom
simpático, ao ver o silêncio da recém chegada — Preparei um quarto ao lado do da rainha.
Terão muito que conversar nos próximos dias. Depois de se conhecerem, recolha-se a seu
aposento e durma um pouco. Isso lhe fará bem. Se estiver disposta a nos acompanhar,
nós a aguardaremos para o jantar de hoje à noite. Teremos um baile em seguida. Se
preferir dormir até o raiar da próxima manhã, sinta-se à vontade.
— Sua rainha anda bastante atarefada nos últimos tempos — falou Diane — Tem
passado muito tempo ensaiando seu papel na peça que encenará diante do rei na próxima
semana, junto às outras crianças reais. Será um evento muito alegre. Talvez você possa
ajudá-la com os detalhes finais.
Para Sheena, aquelas palavras soaram como um duro golpe. Não conseguia
imaginar a rainha da Escócia, interpretando uma peça de teatro, como uma mera atriz,
diante de outras pessoas. Mesmo que a platéia fosse a nata da corte real, incluindo o
próprio rei da França, aquilo continuava soando como algo muito errado.
— Esta ala do palácio é destinada às crianças reais. Alguns são muito jovens, mas
como já deve saber nosso príncipe herdeiro e a sua rainha são quase da mesma idade e
têm muitos interesses em comum. Mas há muitas outras pessoas fazendo companhia a
Maria Stuart. Na verdade, trinta e sete crianças de sangue nobre, participam de suas
atividades estudantis e desportivas.
— Sim, isso mesmo. Espero que não tenha pensado que deixaríamos nossa
hóspede escocesa, sem ter com quem se divertir e passar o tempo.
— Foi muita consideração por parte de Vossa Majestade — falou Sheena, mais do
que depressa.
— Bem, é aqui que deveremos encontrá-la — disse a mulher, abrindo uma grande
porta, bem no meio do corredor.
Foi então que a viu. Esperara encontrar uma criança, mas a moça diante de seus
olhos era mais alta do que ela própria. Embora fossem da mesma nacionalidade, a única
semelhança entre elas era a cor dos cabelos, de um tom avermelhado.
O rosto da jovem rainha era mais oval e sua pele mais alva, quase translúcida. Seus
traços pareciam tão proporcionais que não transmitiam expressão alguma.
Maria Stuart ostentava uma beleza admirável, mas mesmo assim surgiu uma
espécie de decepção na mente de Sheena, como se o que estava vendo não
correspondesse ao que esperara a princípio.
Sem perceber, caminhou até se prostrar em reverência diante da rainha, que disse
apenas.
— Então você é lady McCraggan. Pensei que me lembraria de seu rosto, mas não
me lembro.
— Pensei que seus cabelos fossem castanhos — falou Maria Stuart, com ar
petulante — Creio que estava pensando em outra pessoa. Não imagino quem poderia ser.
Naquele instante, uma pessoa que estava em outro canto do aposento se fez notar,
aproximando-se e capturando a atenção de todos.
Ao ver quem era Sheena sentiu-se tomada por um arrepio de temor. Era o mesmo
homem que a confrontara na pousada! Estava arrependida por não haver perguntado nada
a respeito dele depois de vê-lo partir.
Pensara então que seria melhor esquecê-lo, mas se enganara. Parecia tratar-se de
um inimigo perigoso, e ela não sabia nada a respeito dele.
Ao sentir as mãos da rainha sobre as suas, e ver aqueles olhos ganharem uma
expressão charmosa, compreendeu a fama do carisma dos Stuart, que eram capazes de
levar as pessoas a servi-los, oferecendo um mero sorriso.
— Oh, obrigada! Gostaria de poder dizer a eles que meu coração e minha alma
estão lá, com cada um deles -— disse Maria Stuart, de maneira envolvente.
Mas o belo momento foi interrompido pelo homem que Sheena conhecera na
pousada.
— Sinto-me lisonjeado com seus elogios, Milady. Mas acho que nossa visitante não
está interessada em cavalos. Com certeza, na Escócia eles devem possuir águias para
levá-los de um lugar para outro.
Ao ser satirizada Sheena tentou fuzilá-lo com um olhar de censura, mas falhou por
completo.
— Mas que comentário ridículo, Milorde. Como sempre, fazendo piada de tudo.
Porém, sua idéia é gloriosa. Se pudéssemos ser carregados por águias, teríamos o meio
de transporte mais confortável e rápido do mundo.
— Sim — murmurou ela, sem conseguir se sentir feliz como deveria estar.
Estava na França, de mãos dadas com a própria rainha, e não conseguia ficar
alegre. Não poderia. Como seria possível fazê-lo, sabendo que a futura governante de seu
povo, vinha sendo educada por uma mulher sem o menor escrúpulo ou moral?
Antes que entrasse no outro cômodo, Sheena ouviu o duque dizer a Diane algo em
um tom baixo e abafado. Mesmo assim, conseguiu entender a frase.
— Milady eu acho aconselhável comprar roupas melhores para essa moça. Lady
McCraggan parece estar precisando!
CAPÍTULO III
O duque de Salvoire subiu a escada espiral que levava de uma ala à outra do
palácio. A iluminação havia sido quase toda apagada, e em uma área onde não havia
chama no candelabro, ele bateu o joelho em um canto.
— Estou com apenas vinte e seis anos e já me sinto cansado de fazer essas
travessias noturnas.
Ao chegar à porta do aposento, deu duas batidas rápidas e uma demorada, como
sempre fazia. Uma serviçal abriu a porta e fez uma mesura, sem fitar-lhe o rosto. Após
deixá-lo entrar, desapareceu por outra passagem lateral.
O perfume que dominava o local era doce e agradável. Parecia capaz de levar um
homem a ficar alucinado, de tão provocante. As luzes estavam quase todas apagadas, e a
penumbra imperava no ambiente.
— Jarnac! — exclamou ela — Esperei tanto por você. Pensei que houvesse me
esquecido.
— Como eu poderia? — indagou o duque, beijando a mão macia que fora oferecida.
Conforme René se movia, o robe de cetim deslizava sobre seu corpo voluptuoso,
revelando que não havia nada além daquele fino tecido sobre sua pele. Deixava
transparecer o claro vulto dos seios firmes e volumosos, assim como o contorno dos
quadris arredondados e das pernas bem torneadas.
A pergunta, que poderia parecer casual, foi feita com tanta sensualidade que o
levou ao máximo estado de alerta.
— Mas que coisa, René! Há algo que aconteça na corte e que não chegue a seus
ouvidos? Como consegue ter um espião em cada cômodo do palácio?
— Esse é meu segredo, mon bravel Sabe bem que essa é a razão de eu ser tão útil
e indispensável à rainha. Não fosse por isso, meu destino seria acompanhar meu marido
até a fazenda, onde o passatempo é observar a plantação de milho crescer. O único
passeio das mulheres é ir à missa aos domingos, acompanhada de uma ninhada de filhos.
Este é um belo quadro para se admirar, mas não faz meu gênero.
O duque sabia que aquilo era bem verdade. O conde de Pouget se afastara da corte
havia um ano, cansado de tentar acobertar as estripulias da esposa. Partira para
administrar sua propriedade em Chambord, onde não mais precisaria fazer vistas grossas
às infidelidades de sua esposa.
Embora sempre houvesse sido volúvel, fora uma mulher inteligente o bastante para
se tornar uma das damas de companhia de Catarina, a rainha da França, tornando sua
informante oficial.
— Ainda não respondeu à minha pergunta — insistiu ela — Por que passou tanto
tempo com a "divina Diane"? Por acaso isso significa que, como nosso soberano, você
também a acha divina?
— Creio que já tivemos essa discussão antes — disse ele, com uma boa dose de
bom humor — Admiro muito a duquesa, como já disse, mas não sou adepto do suicídio.
Tentar roubar a atenção dela, sob os olhos do rei, seria assinar minha sentença de morte.
— Sim, sei que estou sendo tola, mas estou com ciúme dela. Culpo-a por todo o
tempo que ficamos separados. Tenho bons motivos para me ressentir, não tenho? Qual o
problema de ficarmos juntos em sua propriedade, no campo? Se fôssemos separadamente
para lá, ninguém desconfiaria.
Enquanto era abraçado, o duque mal prestou atenção nela. Seu olhar parecia
distante e impessoal, mesmo tento uma mulher tão desejável a envolvê-lo entre os braços
carinhosos.
— Não precisa ficar magoada. A duquesa pediu que eu estivesse presente, quando
da chegada da nova governanta de Maria Stuart, enviada da Escócia.
A condessa se afastou dos braços dele.
— É mesmo, a substituta chegou. Como pensei que isso só ocorreria amanhã, até
me esqueci do que meus informantes disseram. Como é a tal garota? Em sua opinião é
mesmo bela como todos comentaram?
— Isso mesmo.
— Por que mais, exceto para ver a atenção do rei desviada da odiada Diane? Nem
mesmo a bruxaria dela funcionou diante dos encantos da bela governanta anterior.
— Pelo amor de Deus! — indignou-se ele — Mas que idéia monstruosa. A rainha
ficaria satisfeita do rei ter um caso, apenas para que ele fosse infiel à mulher a quem ama
desde a adolescência?
— E que é dezoito anos mais velha que ele! — protestou René — Se isso não é um
tipo de bruxaria, eu mesma gostaria de conhecer a fórmula.
— Não discutirei isso com você. Foi a duquesa quem ensinou o rei a governar. Não
fosse por ela, a França estaria em maus lençóis hoje em dia.
A condessa se moveu de maneira sensual, e uma lateral do robe deslizou por sobre
seu ombro, revelando uma parte daquele corpo por tantos desejado. O gesto era um
convite à sedução, e ambos estavam cientes disso.
Mas, na mente do duque, uma imagem se interpôs entre eles. A silhueta delicada e
esguia de Sheena veio à mente. Ao se lembrar da pele alva e do olhar sincero e inocente
da jovem dama, foi impossível deixar de compará-la a René. Sua amante não transmitia a
menor pureza. Por um momento, chegou a sentir repulsa pela lembrança de havê-la
beijado.
Aceitara se aproximar dela como uma mera condição imposta por seus amigos,
durante um desafio, e depois não conseguira mais se desvencilhar. Todos os homens da
corte a desejavam, e a posição de tê-la sob seu controle era muito cômoda.
Sabendo que já estavam envolvidos demais, tinha noção de que seria desastroso
partir sem satisfazê-la. Deixou-a se aproximar e abraçá-lo outra vez. Antes que seus lábios
se encontrassem, ouviu-a sussurrar.
— Oh, Jarnac... Por que estamos perdendo tempo conversando? Senti tanto sua
falta...
Ficara sabendo que a jovem rainha já era fluente em latim, grego, espanhol e
italiano, além de falar inglês e francês com perfeição. A própria rainha achava que já havia
passado o tempo de parar de receber instrução.
Ao falar que não fora enviada como professora, mas sim para ser uma espécie de
acompanhante, recebera dela uma resposta sincera.
— Já tenho muita companhia, minha cara. Mas não me entenda mal. E bom que
esteja aqui também. Um novo rosto é sempre uma diversão a mais.
Contudo, quando Sheena tentara falar sobre a Escócia, a rainha dissera que não
estava interessada em saber a respeito de crises sobre as quais não entendia nada. Aquilo
fora avassalador.
Como poderia orientar uma pessoa com mais cultura do que ela própria e com
tamanha convicção em fazer apenas o que queria? Pior ainda, já estava ciente da
infiltração dos hábitos franceses no modo de pensar da soberana. Para sua surpresa,
Maria Stuart caçoava da rainha, chamando-a de ciumenta.
Pior ainda foi saber que a duquesa de Valentinois era a única pessoa a censurar a
garota com relação a tal postura. Sheena se viu obrigada a dizer que Diane estava certa.
Como poderia, mais adiante, alegar que aquela mulher era um modelo de falta de caráter,
se era obrigada a concordar com suas opiniões?
A primeira coisa que Maggie perguntou, assim que voltou a ver a patroa, foi a
respeito do encontro com a amada rainha da Escócia.
— Bem — respondeu Sheena. — Sua alteza é adorável, mas não se trata mais de
uma criança. Não somos mais necessárias aqui.
— O que é isso? Está pensando em desistir antes mesmo de tentar? Acha que a
rainha, depois de tantos anos no exílio, iria se mostrar fraca e carente, sem saber se está
lidando com uma inimiga da família real? Como ela poderia diferenciá-la de uma rebelde
reformista, como aqueles que participaram do complô contra a mãe dela?
— Ora, mas há amigos e amigos, não é? Não se esqueça do que pode estar se
passando pela mente dela. Como ela poderia ter certeza de não estar diante de uma
potencial traidora?
— Sim, isso faz sentido. Quem sabe, com o tempo, tudo não fique mais simples. No
momento, não sei bem o que pensar.
Sem nenhum aviso, lágrimas começaram a escorrer pelo rosto delicado e adorável
de Sheena. A tensão de tudo o que passara naquela difícil viagem, o confronto com o
duque, a decepção com a rainha e o desânimo que sentia, estavam cobrando seu preço.
Quando despertou, havia uma luz tênue por trás das cortinas. Parecia o sol da
aurora. Sabendo que não conseguiria voltar a dormir, levantou-se, fez sua toalete e se
armou. Como era muito cedo para sair, foi até a janela e ficou observando o jardim.
A bela alvorada trouxe algumas revelações. Logo abaixo de sua sacada, observou
um lindo cavalo branco sendo preparado para montaria, levando-a a cogitar sobre quem
poderia estar saindo àquela hora. Para sua surpresa, era Diane de Poitiers.
Pouco depois uma voz grave se fez ouvir logo abaixo. O rei, em pessoa, montado
em seu cavalo negro, perguntou a um dos pajens qual a direção seguida pela duquesa,
seguindo então pela trilha indicada.
Pelo que viu, havia muito que aprender a respeito da França e daquela corte
desconhecida. Pôs-se a pensar no problema mais imediato que se apresentava. sendo
uma recém-chegada, quem poderia lhe falar de maneira aberta e confiável, esclarecendo
sobre o que ocorria naquele reino?
Sheena hesitou ao acabar de ler. Aquela era uma situação que não lhe parecia
muito correta, pois não era certo ficar sozinha no jardim com um homem que mal conhecia.
Mas estava curiosa. Queria também fazer algumas perguntas, e ainda não sabia em quem
confiar.
— Pensei que não fosse aceitar meu convite — disse Gustave, beijando a mão que
lhe foi oferecida.
— E eu queria falar com você. Ontem foi impossível, pois estava na companhia de
meus três companheiros e de sua pajem. Mas agora é diferente, pois poderei dizer tudo o
que quero. Acho-a adorável! Não consegui pensar em mais nada além de sua beleza,
desde que a conheci.
— Como podemos ser sérios? — questionou o rapaz, soltando o riso — E por que
deveríamos? Somos jovens, solitários, e eu estou mais do que apaixonado!
Ao tentar se afastar notou que o comandante estava segurando suas duas mãos,
cobrindo-as de beijos.
— Minha cara, você é tão linda. E... é adorável! Como podemos conversar, quando
tudo o que tenho em mente é o desejo de lhe confessar quanto sua presença me afeta?
Tudo o que consigo pensar é em seus olhos, suas mãos, seus lábios...
Ao vê-lo se curvar na direção de seu rosto, ela percebeu ainda mais a tolice que
cometera ao aceitar o convite. Com um gesto resoluto, soltou-se dele e agarrou a parte
dianteira de suas saias, começando a correr em direção à porta por aonde chegara até ali.
Após atravessar o jardim, ouvindo seu nome ser chamado em tom de súplica, atrás
de si, achou a passagem para 'dentro do palácio. Ao atravessá-la, sentiu-se desorientada.
Havia tantas portas e escadas ao longo do corredor intermediário que parecia impossível
saber por aonde viera.
Temendo estar sendo seguida, tomou um dos acessos e subiu uma escada. Não
demorou em notar que estava no lugar errado, pois chegara a uma sala diferente da que
esperava.
Notou então um vulto se aproximar pelo lado oposto, e deduziu que estava
invadindo alguma ala real. Tentou sair dali antes de ser abordada, sem nem mesmo
encarar quem quer que fosse que ali estivesse, mas não conseguiu.
Ao se virar para ver quem a segurara pelo braço, reconheceu de imediato o duque
de Salvoire. A expressão dele parecia desanimada.
Diante da pergunta, Sheena percebeu que estava enrubescida pela corrida. Tinha
os cabelos desalinhados, e seu chapéu havia caído em algum ponto do percurso da fuga.
Para completar, estava com as mãos trêmulas, e seria impossível esconder isso dele, já
que estavam em contato.
— Foi apenas... Um engano. Deixe-me ir. Não pretendia vir por aqui — balbuciou
ela, tentando se desvencilhar com delicadeza.
— Pensei que os escoceses não tivessem medo de nada, e que, acima de tudo,
fossem mais corajosos do que qualquer outro povo da Europa.
— Não acha que seria melhor que eu voltasse para meu país agora mesmo?
— Não há o que temer aqui. Com o tempo, descobrirá que todos os medos vêm de
dentro de nós mesmos, e não de fora.
Quando chegaram à escada que levava à ala das crianças reais, ela agradeceu e
fez uma mesura para se despedir. Antes que Jarnac pudesse retribuir, o comandante
Gustave surgiu no extremo do corredor, carregando o chapéu que combinava com o
vestido dela.
O brilho nos olhos do duque, assim como sua expressão curiosa, deixaram óbvio
que a reconstituição da embaraçosa situação já ocorrera em sua mente. Diante de tal
vergonha, Sheena saiu em disparada, subindo sozinha o último lance de escada e se
trancando em seu quarto.
CAPÍTULO IV
Deus, o que o duque deve estar pensando de mim? — murmurou Sheena,
exprimindo em palavras a pergunta que tanto atormentava sua mente.
Desde que saíra correndo pela escada indicada por ele, sentia-se desorientada.
Não entendeu o olhar que recebeu de Jarnac. Seria apenas jocosa censura ou havia
mesmo decepção na expressão dele?
Iria o duque entender que se tratara de uma atitude inocente, ou a julgaria vulgar e
leviana? De repente, ao perceber o que se passava por sua própria cabeça, repreendeu-se
por estar preocupada com a opinião dele. Mas, como o clima entre eles era bélico, não
pretendia lhe fornecer munição.
Então, mais uma vez, a grandiosidade da tarefa que tinha diante de si a fez
estremecer. Com sua educação escocesa, como poderia lidar com as intrigas daquela
corte corrupta? Como reverteria a influência daquelas pessoas sobre Maria Stuart?
— Pelo que o pajem disse você deveria acompanhá-la até o lugar onde o rei irá
participar de um jogo chamado tênis, ao qual ambas precisariam assistir.
— Um presente.
A frase que ouvira o duque dizer a Diane de Poitiers, na tarde anterior, ainda ecoava
na mente. De imediato, sentiu o rosto enrubescer. Como aquelas pessoas se atreviam a
ser tão preconceituosas?
— Como assim, "devolver"? Por quê?
— Porque estou dizendo para que o faça. Vou vestir minhas próprias roupas. O que
é bom para a Escócia tem de ser mais do que suficiente para a França!
— Mas, lady McCraggan, isso é loucura! Embora seus trajes sejam o que de melhor
pudemos providenciar, em meio à guerra que nosso país está envolvido, eles nem se
comparam ao requinte extravagante desta corte.
— Mesmo assim, será isso o que vestirei. Devolva o vestido à duquesa, e diga que
não aceito presentes de desconhecidos.
Após hesitar e fitar sua dama de companhia com ar in crédulo, Sheena perguntou.
— A própria rainha Catarina de Medici! E com a promessa de que outros lhe serão
dados. A soberana quer vê-la, assim que possível, nos aposentos dela.
— Mas que gentileza. Como ela pôde saber que eu estava precisando desse tipo de
vestido, se nem mesmo nos conhecemos ainda?
— Dizem que a monarca tem seus meios de descobrir tudo o que interessa —
esclareceu a dama de companhia.
— A mulher é quase uma reclusa em sua ala do palácio, dando a impressão de que
não se importa com o que acontece ao redor, parecendo até mesmo preferir que se
esqueça de sua existência.
— Isso deve magoá-la. Ninguém gosta de ser esquecida, muito menos uma rainha.
— Não sei se é bem assim. Pelo que dizem, lady Catarina só chama atenção sobre
si para levantar polêmicas contra Diane de Poitiers. Segundo os comentários, diz-se que é
a duquesa quem cuida de cada uma das crianças reais, a partir do momento em que
deixam o ventre da esposa do rei.
— Sabendo, ora... Na ala dos serviçais se comenta um pouco de tudo. Nunca ouvi
tanta fofoca como existe lá embaixo.
— Mas como consegue entendê-los? Sei que você mal sabe francês.
— Aqui no palácio, isso não é problema. Podem-se encontrar muitos escoceses
trabalhando na corte. Alguns chegaram há muito tempo, e fizeram fila para falar comigo e
ter notícias de casa.
— Tantos assim?
— Claro. Só para começar, posso citar a comitiva que acompanhou nossa rainha
até aqui, arrumadeiras, pajens, cozinheiras e serviçais, entre outros. Além disso, há os que
vieram antes e depois da chegada de Maria Stuart, alguns em busca de aventuras, outros
a serviço.
— Então já conseguiu fazer amigos. Ótimo. Mas, pelo que entendi, a rainha aceita a
presença da duquesa... Tem certeza de que foi isso o que disseram?
— Tal e qual acabei de dizer. Pelo menos é o que a rainha alega. Claro que há os
que dizem que se trata de uma fachada, e que a verdadeira vontade dela é acabar com
lady Diane, para livrar o rei de seus encantos.
Ao ver Maggie dar de ombros, Sheena começou a rir. Aquele era um hábito francês,
uma maneira de denotar pouco caso que nem mesmo era conhecida na Escócia. Então se
voltou para o espelho, e colocou o vestido à frente do corpo outra vez.
— Vamos lá, minha cara. Ajude-me a colocar este belo traje. Não devo deixar nossa
jovem rainha esperando por mim. Verei o rei da França jogar esse tal de tênis!
Algum tempo depois, já arrumada, fitou com admiração seu próprio reflexo. Mal
podia acreditar que era ela mesma. Se o comandante Gustave a estava achando
encantadora antes, o que diria se a visse naquele momento? Ao se perguntar aquilo,
percebeu quanto fora tola.
Sua inexperiência a levara a agir como criança. Uma mulher deveria saber manter
qualquer homem a uma distância segura, mas sempre por perto. Depois teria de rever sua
postura em tais situações.
— Mon Dieu. Que vestido lindo! — exclamou Maria Stuart, admirada — É arrasador.
Onde conseguiu um traje tão adorável? Não creio que haja algo assim na Escócia.
— Como é? Não pode ser! — exaltou-se a jovem soberana — Bem, dela o vestido
não era. Com certeza, deve ter pegado de uma de suas damas de companhia. A condessa
de Saint Vincente é mais ou menos de seu tamanho, e é famosa por ter mais vestidos do
que seria capaz de usar ao longo de toda a vida.
— Quanto a isso não posso dizer nada, Milady. De qualquer maneira, foi muita
generosidade dela me enviar tal maravilha. A rainha da França deve ser uma pessoa muito
gentil e humana, por se preocupar tanto com uma pessoa desconhecida.
A expressão de Maria Stuart foi ininteligível, mas ficou claro que ela teve de se
conter para não dizer o que pensava. Com ar distante, tomou Sheena pela mão e começou
a caminhar.
— Venha. Vamos à quadra real assistir ao novo esporte que foi inventado, e que o
rei começou a treinar. Chama-se tênis. E uma versão com raquete de outro jogo francês,
inventado no século XII, chamado jeu de paume, em que se usava uma luva de couro ou
uma pá para rebater uma pequena bola.
— Henrique II gosta muito de ter audiência quando exibe suas habilidades. Afinal,
qual o homem que não gosta? Isso parece ser um fator comum. Todos eles adoram
receber cumprimentos e elogios.
— E ótimo tê-la aqui comigo. Embora tenha muitos amigos e amigas, é bom ter
mais uma. Conversei com uma de minhas damas de companhia, e combinamos que
vamos lhe ensinar todas as particularidades e gracejos desta corte. E difícil que uma
pessoa recém chegada não cometa gafes, mas tentaremos prevenir isso, orientando-a.
— Vamos conseguir você verá. Aliás, vendo como ficou bela com esse vestido,
estou certa de que haverá muitas pessoas dispostas a orientá-la. Principalmente os
cavalheiros da corte.
Naquele momento, ocorreu a intenção de lembrar à rainha de que seu papel ali era
o de orientá-la, e não o contrário. Mas, diante da postura resoluta e carismática da jovem
Maria Stuart, era fácil perceber que qualquer contestação seria inútil.
— Por que ela usa essas cores? — perguntou ela, em um murmúrio, inclinando-se
na direção de Maria Stuart.
— Após a morte do marido, ela jurou que manteria sempre um sinal de luto por ele.
Mas ninguém nega que suas roupas combinam muito bem com seus cabelos e tom de
pele.
— Creio que haja questões mais sérias que tenham prioridade sobre esse tipo de
assunto, Majestade. Quando Milady tiver algum tempo disponível, eu gostaria muito de
falar sobre a situação em que se encontra seu reino, a nossa amada Escócia.
A expressão da jovem rainha não se alterou de maneira perceptível, mas ficou óbvio
que ela se distanciou mentalmente no mesmo instante. Com olhar vago, agiu como se não
houvesse escutado, e continuou observando o jogo.
Antes que pudesse dizer algo, Sheena escutou uma voz atrás de si.
Era o duque de Salvoire. Não havia dúvida quanto ao tom jocoso daquela pergunta,
pois ele estava ciente da inexperiência dela em avaliar um esporte recém inventado, e até
então desconhecido fora da França.
— Ainda há muito que preciso mostrar para lady McCraggan — interveio Maria
Stuart, não dando tempo para que ela respondesse — Não creio que haja muita diversão
ao longo das montanhas barrentas da Escócia. Precisamos entretê-la, Milorde, e deixar
claro que aqui na França podemos ser alegres e elegantes mesmo quando estamos em
guerra.
— Majestade não precisa se preocupar com algo tão brutal quanto às guerras —
afirmou o duque.
— Pelo contrário, Milorde. Os súditos da rainha Maria Stuart estão lutando nesse
mesmo instante em defesa dos interesses dela. Diariamente, muitos dão suas vidas para
manter o reino dela intacto.
— Por acaso ouvi-o elogiando o rei? — indagou Diane, sorrindo para Jarnac.
— Quando o faço, é óbvio que estou prestando uma homenagem à Milady, sem
dúvida alguma — disse ele, curvando-se em reverência — Todos sabemos que nosso
sucesso depende de sua habilidade estupenda em resolver assuntos de Estado.
— Suas palavras são muito gentis, Milorde — falou ela, sem negar nada, voltando-
se na direção da quadra e sorrindo com ar quase maternal — Precisarei interrompê-lo em
minutos. Quem seria tolo o bastante para desejar estar no lugar do rei? Ele não pode se
distrair nem mesmo por meia hora, que surgem assuntos que requerem sua atenção
imediata.
— Queria me ver?
— Sim, sim.
O sorriso que eles trocaram foi de enorme cumplicidade. Sheena sabia que havia
algum significado para aquilo, mas não imaginava o que poderia ser. Enquanto os
observava caminhar na direção do palácio, ouviu Maria Stuart reclamar que elas haviam
chegado tarde demais. Mas só prestou mais atenção ao vê-la se dirigir ao duque, dizendo.
— A rainha Catarina mandou esse vestido de presente a lady McCraggan. Não acha
que ela ficou muito bonita, Milorde?
— Sei o que está pensando. E bastante incomum que ela demonstre tamanha
generosidade por alguém. Não ganhei presente algum de Catarina, nem mesmo em meu
aniversário — reclamou a jovem rainha, parecendo intrigada.
A frase dele foi interrompida pelo som de gritos, vindos da direção para onde o rei e
a duquesa haviam seguido.
De maneira quase inconsciente, todos foram para aquele lado. Sheena e Maria
Stuart se encontravam mais próximas, e estavam entre as primeiras pessoas que
chegaram ao local.
Diante daquela visão, Sheena estremeceu. O rei estava fazendo um gesto, como se
fosse seguir os guardas, mas a duquesa o impediu, tocando-lhe o braço e, com uma
expressão triste, caminhou para dentro do palácio.
A ala da soberana era a mais sombria e a mais mal decorada do palácio. Tudo
parecia destoar da classe e do bom gosto de todo o resto. Chegaram então à câmara onde
os visitantes eram recebidos. Embora fosse dia, as janelas estavam fechadas e a
iluminação era feita por meio de tochas e candeeiros. Um incenso de perfume estranho e
desagradável carregava o ar.
Uma sensação horrível invadiu o corpo de Sheena naquele momento, e ficou claro
que Maria Stuart compartilhou seu mal estar.
— Lady McCraggan, que bom que veio. Fico feliz que tenha aceitado meu convite
— disse Catarina, arregalando os olhos ao ver o rosto de Sheena — Mas você é linda! E
tem cabelos avermelhados... Isso é bom. Muito bom!
— Majestade, sou muito grata por sua generosidade. Este vestido é maravilhoso.
Nem sei como retribuir tal gentileza e demonstrar minha felicidade.
— Haverá mais presentes. Como seu corpo é muito delicado, precisei encomendar
vestidos às minhas costureiras e estilistas. Mas encontramos alguns trajes que lhe
servirão, até que as roupas novas cheguem.
— Oh! Encomendou outros vestidos para mim? Mas que embaraçoso, Sua
Majestade. Por que está sendo tão gentil?
— Vejo que é uma pessoa grata, e isso é tudo o que espero gratidão. Você é muito
bonita, e isso é excelente. Da próxima vez quero que venha sozinha, para termos uma
conversa mais longa e particular.
Ao falar, a rainha deu um tapinha no ombro de Sheena. A mão dela era pesada e os
anéis grotescos. Foi impossível deixar de notar que suas unhas estavam sujas. O perfume
forte já não escondia mais a necessidade de um banho.
— Lamento, mas agora há alguém à minha espera — disse Catarina — Até mais
ver, lady McCraggan.
Assim que saíram de lá, Maria Stuart, que ficara calada todo o tempo, reclamou do
mau cheiro do lugar. Embora quisesse defender a monarca da França, Sheena não pôde
discordar de sua tutelada. Ainda assim, falou.
— Vejo que não adianta contrariá-la. Então, vamos mudar de assunto. Sabe de uma
coisa? Aposto que o homem que chegou para ver Catarina era outro dos necromantes que
ela adora consultar a toda hora.
— Como é?
— Isso mesmo. Você ainda não sabe? A rainha só quer saber desse tipo de
assunto. Clarividentes, leitores de sorte, astrólogos, cristalomantes e todo o tipo de
adivinhos. Há dezenas deles nos aposentos da ala dela do palácio. Antes eu até achava
divertido consultá-los, mas como eles erram quase tudo o que predizem isso também
perdeu a graça. Além disso, sinto muita maldade neles.
— Por que ela estaria tão interessada nesse tipo de coisa? — questionou Sheena,
intrigada.
Ciente de que aquela era uma evasiva e que a verdade não fora dita, Sheena soube
que não adiantaria pedir que Maria Stuart falasse o que estava pensando. Embora
estivesse muito curiosa, precisava ressaltar o alto valor de uma atitude discreta, e deixou
seu interesse pessoal em segundo plano.
— De qualquer maneira, foi muita gentileza da parte dela ter me enviado esse lindo
vestido.
— Claro que foi — concordou a jovem rainha — Gostaria de saber se a idéia partiu
das estrelas ou da bola de cristal. Quem sabe se foi iniciativa dela mesma?
— Mas é claro que foi dela mesma — defendeu Sheena, em tom leal.
— É provável que sim. Nesse caso, que é o pior, não tardará para descobrirmos o
real motivo que a levou a fazê-lo.
CAPÍTULO V
Sheena fez uma mesura, admirada com a boa aparência dele. Era um dos mais
belos homens que já vira quase tão bonito quanto o próprio duque de Salvoire.
Mas ao olhá-lo com mais atenção, percebeu que a impressão inicial não fora tão
verdadeira. Com certeza ele era mais velho do que imaginara a princípio e havia algo
repelente naquele sorriso.
Como sempre fazia quando recebia elogios daquele tipo, ela abaixou o rosto e olhou
para o chão. Mesmo estando naquele meio por mais de duas semanas, ainda não
conseguia evitar o enrubescimento e o desconcerto, que aquela linguagem floreada e
extravagante dos homens da corte lhe causava, embora já estivesse quase se
acostumando.
— Considere mais do que isso. Pelo que ouvi Catarina de Medici a tem na mais alta
estima.
— Oh.
Ouvir aquilo a surpreendeu. Estava grata pelos diversos vestidos que ganhara, mas
não conseguia entender o motivo que levara a rainha a ter tanto apreço por sua pessoa.
— Como sempre, a rainha está certa. Temos sorte em tê-la como hóspede em
nosso país. Você brilha como o sol de nossas praias do sul. E difícil acreditar que tenha
vindo de um lugar tão frio quanto as terras do norte.
— Pena eu não ter sido afortunado o bastante para vê-la em tal cenário. Tenho
certeza de que deve parecer a imagem de Afrodite se elevando das águas.
— Por favor, não vá — interrompeu o marquês — Preciso lhe falar. E algo muito
importante.
— Como já disse, Vossa Majestade falou com tanta afeição a seu respeito, que me
senti compelido a simpatizar com Milady antes mesmo de vê-la.
Ao ouvir aquilo, ela desviou o olhar para o jardim. Ao longo do tempo em que estava
ali, descobriu que havia um campo de batalha invisível sob a aparência de paz daquela
corte.
Aqueles que serviam à rainha odiavam com fanatismo tudo o que dizia respeito à
bela duquesa de Valentinois, que era quem tinha o rei na palma da mão. Mesmo sendo
dezoito anos mais velha do que Henrique, estando já com cinqüenta e seis, ela ainda era
uma das mulheres mais lindas da França e, sem dúvida, a mais poderosa.
Em certa ocasião, logo depois que chegara, ficara estupefata ao ouvir o cardeal
dizer que a duquesa era uma pessoa abençoada. Na ocasião, um dos conselheiros reais
com quem o clérigo conversava respondera em tom baixo, dizendo que Diane de Poitiers
era uma grande rainha. Ao ver o representante da igreja assentir e sorrir, Sheena se
sentira desorientada.
Como o clero poderia aprovar uma pessoa adúltera? Não era aquele um pecado,
além de ser uma situação ilegal? Contudo, aqueles quinze dias foram mais do que sufi-
ciente para compreender o que levava as pessoas a admirar tanto a duquesa, e a
espezinhar tanto a rainha oficial que, em meio à sua frustração, agarrava-se a seus
adivinhos e necromantes.
Mas Sheena dissera a si mesma, dúzias de vezes, que embora fosse excêntrica e
não gostasse de tomar banho, Catarina de Medici era a esposa legítima do rei, e não havia
desculpa para a desonra à qual ele a submetia. Sua simpatia deveria ficar sempre com a
rainha, por menos que desejasse tomar partido naquela contenda.
— Não estou preocupada com o que ocorre nos bastidores do palácio — respondeu
ela, de maneira contundente. — Estou aqui para servir à jovem rainha da Escócia, e nada
mais me diz respeito.
— Mas Maria Stuart será nossa rainha também. Creio que não seja difícil imaginar
as dificuldades que jazem diante de nós — O marquês olhou ao redor com ar de
preocupação — O que aquela bruxa lhe disse?
— Não sei de quem está falando, Milorde — falou Sheena, arregalando os olhos.
— Acho que sabe sim. De quem mais poderia ser, senão da mulher que enfeitiçou e
escravizou o próprio rei? Não sente piedade por ele, um jovem inocente, haver sido pego
na teia de uma mulher mais velha e esperta?
— Pelo contrário. Um homem é sempre um servo nas mãos de uma mulher esperta.
Ele nem mesmo teve chance, pois foi envolto pela duquesa, quando ainda era um bebê.
Será que é muito difícil entender que o rei deve ser salvo, pelo bem da França?
— Talvez Milady seja a única pessoa que pode ter sucesso onde todos os outros
falharam. Fale com ele. Faça-o perceber que existem outras mulheres no mundo além da
duquesa. Você é jovem, bela e alegre. Leve um pouco de felicidade à vida dele. Sua
aurora pode ofuscar o sol antigo daquela bruxa, que deveria ter se posto há muito tempo.
— Em minha opinião Milorde, seria muito melhor eu não me envolver em algo que
não diz respeito às minhas tarefas oficiais.
— Posso garantir que não sou insensível quanto à situação dela. Também sou
muito grata pelas gentilezas que venho recebendo, e jamais negarei isso.
— Creio que seja apenas isso que Vossa Majestade espera de você, um pouco de
gratidão e de amizade. Ela gostaria de recebê-la hoje à tarde, às três e meia.
— Se minha própria rainha não me ordenar o contrário, estarei lá, com todo prazer.
Depois de vê-lo fazer uma mesura e se afastar, Sheena observou que a expressão
dele era a de alguém bastante satisfeito com o que ouvira. Mais tarde, quando foi atender
ao compromisso, observou o ambiente desagradável em que a rainha Catarina vivia e
concluiu que ela própria havia favorecido as condições, para seu marido sair em busca de
uma amante.
— Fico feliz que tenha vindo — disse a monarca — E bom que conversemos e nos
conheçamos melhor. Ainda bem que Maria Stuart a deixou vir só. Sente-se, lady
McCraggan, pois quero lhe falar.
— Sou toda ouvidos.
— O marquês me contou a respeito das palavras gentis que você disse sobre mim.
Impressionou-me o fato de haver percebido, em tão pouco tempo, que minha realidade é a
de ser prisioneira em meu próprio palácio. Sou tão infeliz que, se não fosse por minhas
amigas, preferiria estar morta.
— O quê, por exemplo? — indagou a rainha — Meus filhos foram todos tirados de
mim pela duquesa de Valentinois, assim que nasceram. Não pude lhes dar nem mesmo a
amamentação. Cada roupa deles foi escolhida por ela. No momento em que dou à luz, o
bebê passa a ser dela.
— Mas que inferno é esse em que estou vivendo? Só pode ser resultado de
bruxaria! Sim, bruxaria. Ela é velha, mas o demônio a fez permanecer jovem. Onde estão
as rugas? Por que o corpo dela não ficou flácido? E os cabelos, por que não
embranquecem? Apenas magia poderia manter a idade à distância. Isso quer dizer que
Satanás possui a alma daquela mulher!
— E mesmo?
— Que é minha sobrinha e, por acaso, futura nora. Maria Stuart é uma criança linda
e adorável, e a amamos profundamente — O rei se voltou para a esposa — Não é
mesmo?
— Quem sabe. Agora, minha cara, por que não conversamos sobre o motivo que
me fez vir até aqui? Há pessoas à minha espera em outra parte do palácio, para tratar de
assuntos de governo.
Naquele momento, Sheena compreendeu que estava dispensada. Fez uma mesura
e se retirou, seguindo uma das damas de companhia da rainha. Ao sair, ouviu Catarina
exaltando sua beleza diante do rei. De fato, aquilo parecia muito confuso.
Livre do compromisso voltou até a ala das crianças reais, onde encontrou Maria
Stuart rodeada por um grupo de adolescentes. Ao se aproximar, ouviu a jovem rainha
dizer.
— Ora, está bem. Mas cheguei a pensar que a houvessem raptado. Agora venha
conosco, depressa! Estamos indo ver o novo malabarista que chegou da Itália. Dizem que
o homem é fenomenal, e que consegue manter vinte bolas no ar ao mesmo tempo!
De repente, sentindo o coração disparar, olhou para o lado e viu que Jarnac estava
caminhando ao seu lado. Ambos pararam e ele a encarou com ar de desaprovação, antes
de perguntar.
— Onde esteve?
— E talvez eu também tenha meus motivos para não querer lhe dizer.
— O que o comandante tem a ver com isso? — indagou Sheena, soltando um riso
de desdém.
— Creio que só você mesma poderia responder a tal pergunta — disse o conde,
seguindo-a até o pavimento inferior e se colocando diante dela — E então? Vai me dizer
ou não?
— Ora. Não sei do que está falando. Não estou fazendo nada perigoso. Só não
entendo por que devo me submeter a seu interrogatório.
— Duvido. Não creio que seja capaz de ajudar alguém sem segundas intenções.
Assim que acabou de proferir a frase, Sheena se arrependeu de tê-la dito. Estava
ciente de que agira de forma bastante rude e infantil.
— Oh, é mesmo?
— Deixe-me em paz. Não quero ser envolvida em intrigas. Nem nas suas nem nas
de ninguém.
Para sua surpresa, Jarnac fez uma expressão de alívio ao ouvir aquilo, e então
respondeu.
— Pode acreditar no que estou dizendo. Tudo o que quero fazer é servir à minha
rainha.
— Não estou fazendo nada disso — defendeu-se Sheena — Por que fala como se
eu estivesse agindo errado?
— Está bem. Estive com a rainha, nos aposentos dela. Há algo de errado nisso?
Percebendo que a expressão dele era muito grave, Sheena deduziu que não
deveria provocá-lo ainda mais.
Ao ver que Jarnac ficara tenso outra vez, pensou em perguntar qual era o problema,
mas a duquesa se aproximou e os interrompeu.
— Vamos logo até o saguão, sim? Estou curiosa para conhecer o tal artista.
Precisarei entrar em reunião com o rei e alguns embaixadores. Se nos demorarmos muito,
perderei toda a apresentação.
— Nada. Por favor, não me faça perguntas. No momento, não estou disposta a
explicar nada a ninguém. Gostaria que ninguém me notasse.
— Está bem. Mas valeu a pena. Pelo menos estou mais aliviado por haver dito o
que penso a seu respeito. Ainda bem que sou rico. Sabia que sou um bom partido?
— Porque não havia encontrado, até hoje, alguém que me atraísse de verdade.
Ela ergueu o dedo na direção dele, em uma postura de advertência. Era impossível
não notar que o estava deixando cada vez mais apaixonado, por mais que tentasse
dissuadi-lo.
Por sorte, descobrira nele uma pessoa madura e tranqüila. Não apenas era de uma
das melhores famílias da França, como também se tratava de uma ótima pessoa.
— Não há nada que possa ser contado. Não sei como colocar em palavras o que
estou sentindo.
— Está mesmo falando sério? — Ele se ajoelhou diante dela — Preciso dizer isso
agora. Não importa quanto isso vá me custar em doações para a caridade. Eu te amo!
Estou falando de todo o coração. Aceita se casar comigo?
Teria o aviso algo a ver com o jovem e apaixonado comandante? Ao vê-lo ali,
ajoelhado, uma onda de pânico a invadiu. Era horrível não saber o que estava
acontecendo.
CAPITULO VI
Alguém bateu à porta do quarto e Maggie foi atender. Sheena a ouviu murmurar
algo quase ininteligível e então voltar.
— Estou quase acabando — disse ela com ar de dúvida, mal desviando o olhar da
escrivaninha, onde se debruçara para escrever uma carta ao pai.
O que diria a ele? Que a futura rainha da Escócia não estava nem um pouco
interessada em saber sobre seu país? Até então, não pudera mandar nenhum dos
prometidos relatórios, pois não sabia se poderia confiar no sigilo da correspondência. A
França tinha tantos espiões que cada carta era aberta inúmera vezes antes de chegar a
seu destino.
Pelo menos fora o que sua fiel acompanhante descobrira. Havia pessoas
espionando em nome da rainha, outros para a duquesa, alguns eram financiados pela
própria igreja, muitos o faziam em prol do Estado e existiam ainda os que espionavam por
pura curiosidade.
Desde que ali chegara, quase três semanas antes, não pudera mandar nenhuma
notícia mais séria. Naquela oportunidade, porém, havia surgido um mensageiro
considerado confiável pelos criados escoceses.
Como teria coragem de contar que não investigara se o rei da França tinha intenção
ou não de lutar para colocar Maria Stuart no trono da Inglaterra, quando chegasse o
momento da coroação? Pior do que isso seria contar sobre a influência que a jovem rainha
estava recebendo daquela corte corrupta.
Ao ver o mal-encarado homem partir, um desejo enorme de voltar para casa invadiu
a ambas, que começaram a conversar sobre a Escócia. Mas havia uma preocupação
intuitiva brotando no coração de Sheena, que teve a impressão de que a carta não
chegaria a seu destino.
Perdendo a disposição para conversar, olhou-se no espelho. O vestido de cetim
azul-celeste que a rainha lhe dera naquela manhã, realçava ainda mais sua pele alva e os
cabelos cor de cobre.
Imaginou o que os anciãos do clã diriam se a vissem daquela forma. Com certeza
alegariam que ela estava se vendendo em troca de conforto, e seu pai ficaria muito
magoado.
Incomodada com tal idéia, caminhou até a janela. Depois atravessou o quarto, em
direção à porta. Sem dar satisfação alguma a Maggie, saiu de lá decidida a encontrar o rei
e a perguntar sobre suas intenções.
Tinha noção de que era improvável que o encontrasse disponível àquela hora, mas
iria tentar. Não desistiria até obter uma resposta, fosse ela qual fosse.
— Para onde vai com esse ar tão orgulhoso e resoluto? — indagou uma voz vinda
de outra escada, logo atrás dela.
— Acho que encontrará "todos", como acabou de defini-los, no jardim. O rei vai
jogar tênis daqui a meia hora, e sua rainha convidou o delfim para jogar uma partida de
peteca,
— Não precisa se apressar — disse o marquês, sorrindo — Acho que fui o único a
notar sua ausência.
Desde que chegara à França, aprendera que era esperado que uma mulher
flertasse mais do que falasse. Olhou-o de soslaio, com um leve sorriso nos lábios, sem
muita consciência de quanto estava sensual.
— Estou apenas dizendo a verdade. Aliás, é uma pena que eu não seja o único
homem a admirá-la. Há alguém que a elogia tanto que chego a me sentir bastante
enciumado.
— Sobre o quê?
— A respeito do homem que a admira mais do que eu. Pelo tanto que o ouço falar
em sua exaltação, imagino que suas orelhas devam ficar quentes a maior parte do dia.
— Nem sequer imagino quem possa ser. Conheço as pessoas daqui a tão pouco
tempo que não consigo sequer conceber a idéia de alguém se lembrar de mim em minha
ausência.
— Agora tenho certeza de que está se divertindo à minha custa. Desde que cheguei
Vossa Majestade mal notou minha presença!
— Isso é o que ele quer que todos pensem. O rei é bastante tímido, e só conta
certos detalhes aos amigos mais íntimos, como eu.
— Está se referindo à duquesa? Ela é uma velha. Faz tanto tempo que estão juntos,
que ele se acomodou. Quem não gosta de ter a vida facilitada por alguém? Mas sei que
faz tempo que o coração dele está livre.
— Não creio que isso seja de minha conta, Milorde — interrompeu Sheena, com
firmeza.
— Então o fato de o rei do país mais desenvolvido do mundo estar aos seus pés
não lhe diz respeito? Vossa Majestade a ama, Milady.
— Mentira! Isso é mentira! E mesmo que fosse verdade, eu preferiria não saber. O
rei é um homem casado. E a rainha Catarina? Qualquer um que deserda a própria mulher,
para se juntar com outra é merecedor apenas de meu desprezo.
Logo alcançou o local onde estava Maria Stuart. Mal se aproximou e a jovem rainha
estendeu a mão, chamando-a.
— Venha conosco e seja a juíza. Sei que vou vencer, como sempre, mas o príncipe
me forçou a conceder uma vantagem a ele, Isso não é justo!
Rindo e conversando, a pequena rainha nem sequer notou que Sheena não fez
menção em responder. Ela apenas seguiu em direção ao jardim, liderando o grupo de
jovens.
O quarto de Diane era deslumbrante, mas saber que aquele era o mesmo ambiente
onde ela e o rei traíam a rainha levou-a a se sentir desconfortável.
— Oh, lady McCraggan, que bom que veio. Já faz algum tempo que venho
querendo conversar com você. Aliás, importa-se se eu chamá-la de Sheena? Acho muito
mais amigável.
— Como quiser.
— Mas que distração a minha — lamentou Diane — Esqueci-me de que ele viria
hoje. Poderia perdoar minha ausência por alguns minutos, Milady? Não posso deixar o
joalheiro real esperando. O rei mandou que um bracelete de diamantes fosse
confeccionado, como um presente para meu aniversário, e não posso fazer nosso artista
das jóias esperar.
Sheena não conseguia disfarçar o desgosto que sentia em estar ali. Embora o
ambiente fosse agradável, e a duquesa gentil ao extremo, era impossível ignorar o fato de
aquele ser o local, onde era cometido o adultério mais flagrante da Europa.
Assim que foi deixada sozinha, começou a admirar a arte daquele quarto. As
esculturas eram obras incríveis, e o motivo era, invariavelmente, a beleza da própria
duquesa.
Os quadros, assim como o afresco que decorava a parede acima da cama, eram de
gosto excelentes. No teto não havia nenhuma pintura de Diane, como esperara ver quando
levantou a cabeça.
Não fazia sentido. Sem alarde, continuou observando o que havia ao redor, mas já
menos à vontade. Achava horrível ser observada daquele modo.
Sentiu um desejo quase incontrolável de voltar para sua casa, na Escócia, onde o
teto jamais "tivera olhos".
Antes que pudesse sair dali, notou que alguém se aproximava do aposento. Era o
próprio rei que estava entrando.
— Você é a lady McCraggan, estou certo? Perdoe-me por não tê-la reconhecido de
imediato. Então a duquesa está aqui ao lado?
— Isso mesmo.
— Oh, sim, fui eu quem o chamou. Fico feliz com isso — disse o rei, em tom sério,
apressando-se em juntar-se à amante.
Sheena deduziu que o monarca ficara enciumado por deixar Diane sozinha com
outro homem. Aquela era uma prova de que o marquês havia mentido sobre os
sentimentos de Henrique II.
Ele retornou para o aposento principal depois de alguns minutos, dizendo em tom
alegre.
O sorriso dele denunciava uma satisfação sem tamanho. Havia amor em sua
expressão e qualquer pessoa mais sensível perceberia isso.
Foi então que Sheena criou coragem. Que o espião do teto ouvisse se assim o
quisesse! Aquela era uma oportunidade única, e não poderia ser desperdiçada.
— Majestade, gostaria de saber se posso lhe dirigir a palavra — murmurou ela, com
timidez.
— Antes de eu deixar a Escócia, meu velho pai me informou de que a rainha Maria
Tudor, da Inglaterra, está velha e doente. Não se espera que ela viva muito mais tempo.
No caso de a rainha inglesa morrer, os anciãos de meu povo temem que Elizabeth tome o
trono para si.
— O direito é dela — confirmou o rei — E como minha futura nora, insistirei em vê-la
como rainha da Inglaterra.
— Pretende mandar soldados e armas para lutar por ela? — indagou Sheena,
quase sem fôlego.
— Maria Tudor ainda não morreu minha criança — disse Henrique II, virando e
começando a se afastar — A vontade de Deus pode ser a de que ela ainda viva por muitos
anos.
Como diria isso a seu pai? E quanto às famílias daqueles que haviam morrido na
guerra? Como dar a notícia de que fora tudo em vão? Um futuro negro parecia espreitar a
Escócia.
Ao chegar a seu aposento, entrou caminhando devagar e se deitou de bruços na
cama. Não tinha ânimo nem mesmo para contar a Maggie o que acontecera.
Depois de muito pensar, encontrou consolo em uma esperança fraca, mas ainda
presente, de que o rei não houvesse expressado suas verdadeiras intenções por
considerá-la uma criança.
Lembrou-se então de que saíra do quarto da duquesa sem nada dizer, o que era
uma grande falta de educação. Então chamou sua dama de companhia.
— Maggie, leve um recado à duquesa de Valentinois. Diga que me senti mal e que
precisei me recolher.
— Ela pediu para me ver. Bem que eu gostaria de saber qual era o assunto, mas
acho que nunca vou descobrir.
— Pelo que ouvi dizer, se a duquesa quer algo de você ela deixará isso bem claro,
cedo ou tarde.
Os homens, usando seus trajes de gala, foram definidos por Maria Stuart como
"pavões exibindo a plumagem para as fêmeas". Fora a própria rainha da Escócia quem
sugerira aquele evento. Na França, qualquer desculpa servia de pretexto para se começar
uma festa. As pessoas da corte tinham muito dinheiro e pouco o que fazer.
O rei, por outro lado, estava sempre ocupado, parando de trabalhar apenas para
cavalgar pela manhã e para jogar tênis à tarde. A duquesa também não tinha muito tempo
para si, pois os compromissos de Estado exigiam sua presença ao lado do rei. A
supervisão do palácio também cabia a ela.
Sentada em um dos bancos de mármore, cercada por arbustos, Sheena optou por
se isolar de toda aquela festividade, para desfrutar a quietude do local.
Mas não houve tempo para tanto. Enquanto observava os peixes dourados na
piscina próxima, percebeu a presença de um homem que se aproximava, vindo das
sombras do caminho. Assustada, soltou uma exclamação, e então o ouviu falar.
Longe das tochas, o brilho natural daquela noite de lua cheia, também estava tendo
um efeito interessante sobre ele.
Sheena achou que o marquês de Maupré estava ainda mais atraente naquele
momento. Ao mesmo tempo, ficou curiosa por ele não estar acompanhando uma das
mulheres da corte, que pareciam muito interessadas em sua presença.
— Vim até aqui para recuperar o fôlego — explicou ela, sentindo-se inclinada a se
justificar, mesmo sem saber o motivo — Há gente demais na festa.
Seria muita rudeza sair dali sem mais nem menos, o que a levou a ceder e ficar.
— Bem, não devo me demorar muito. Minha rainha pode precisar de mim.
— Maria Stuart não parecia precisar de ninguém da última vez em que a vi, minutos
atrás. Pela expressão dela, achei-a muito feliz. E é assim mesmo que deve ser. Os jovens
devem ter a oportunidade de se divertir, sem medo de demonstrar que são felizes.
— Não apenas os jovens, Milorde. Acho que todos devem ter tal liberdade.
— Bem que eu gostaria que fosse assim — respondeu ele — Infelizmente, a maioria
das pessoas só consegue odiar e agredir todos os que estão por perto.
— Tem certeza de que também não está sendo cínico? — indagou Sheena,
percebendo que o estava comparando a Jarnac.
— Mas não você, que é tão diferente dos outros. E vivaz, sincera e inteligente. Além
disso, parece ser tão livre. Isso não é maravilhoso?
— Marquês, por favor, não venha me falar de amor, está bem? Estou começando a
achar esse assunto cansativo.
— Isso não é verdade. Nenhuma mulher poderia se cansar de amar. Mas não estou
aqui para falar do mesmo assunto que tratamos antes. Aquele foi um engano meu, e agora
estou ciente disso. No momento, gostaria de falar um pouco sobre mim, se me for
permitido.
— Duvido que algo que eu dissesse pudesse impedi-lo de realizar sua intenção. Em
minha opinião, Milorde acho que deveríamos voltar à festa.
— Por favor, ainda não. Não antes de eu ter a oportunidade de mostrar que a estou
amando.
— Ora, tais palavras só têm um significado. Eu te amo. Sua bela face me encantou,
assim como sua obstinação, o brilho de seus olhos e a perfeição de seus lábios, que foram
feitos para fazer um homem se perder em beijos.
— Seu pedido não tem fundamento, Milorde. Nós nos encontramos quase todos os
dias, na corte.
— Mas não tenho a oportunidade de mostrar o que o amor significa para mim, e o
que pode vir a existir entre nós.
— Apenas por ser muito inocente, minha cara. Deixe-me ensinar algo novo a
respeito do amor.
Antes mesmo que Sheena pudesse reagir o marquês a segurou pela cintura,
puxando-a para si com muita firmeza e tomando seus lábios, em um beijo violento.
Era a primeira vez na vida que Sheena era beijada. Jamais tocara os lábios de
alguém antes e, por um momento, aquilo a fez sentir-se paralisada, sem saber como lidar
com aquele fervor. De súbito, descobrindo-se indignada com a impertinência dele,
começou a se debater, tentando se livrar daquele abraço repulsivo.
— Minha querida... — ele suplicou, mas uma voz grave ecoou atrás dos dois.
— Então devo ir vê-la nesse mesmo instante — disse ela, com presteza e alívio.
— Não sei o que deve estar pensando a meu respeito, mas não pretendia estar com
o marquês naquele lugar e sim sozinha. Saí da festa para me afastar da multidão e achar
um local quieto para ficar...
— Lady McCraggan, não precisa se justificar para mim. O tom de descaso dele a
levou a parar a frase no meio.
Não havia motivo racional para tanto, mas ela sentiu os olhos se encherem de
lágrimas.
— Maria Stuart perguntou mesmo por você, o que me fez notar sua ausência. Mas
antes que vá atendê-la, preciso falar sobre algo muito importante.
Enquanto falava, ele abriu uma caixa de madeira, revelando uma pilha de
envelopes. O que encabeçava a pilha foi reconhecido de imediato por Sheena, que disse.
— Que a carta chegaria à Escócia em segurança, sem ser aberta — falou Jarnac
concluindo a frase para ela — Acontece que o homem que foi incumbido dessa tarefa tem
estado sob vigilância já faz algum tempo, sob suspeita de estar a serviço da Espanha. Ao
sair do palácio com a correspondência, ele ia direto se encontrar com o embaixador
espanhol, que lia todas as cartas antes de voltar a selá-las e mandar o mensageiro seguir
caminho.
— Sim, isso mesmo. Embora tenhamos assinado uma trégua em janeiro último, a
Espanha ainda é inimiga da França e, por conseqüência, da Escócia.
— Sim, é claro que você não sabia. Mas, nesse meio tempo, sua carta me foi
trazida junto com todas as outras. Acho que devo dizer que já li seu conteúdo.
— Como ousou ler sem pedir minha permissão? — indagou Sheena, indignada —
Já não bastava minha correspondência haver sido lida por um espião inimigo?
— Nos dias de hoje, existem muito poucas pessoas em quem confiar — murmurou
ele, arqueando uma das sobrancelhas — Como você mesma deve ter descoberto agora há
pouco.
Sheena percebeu que havia certo desdém no tom dele, ao se referir ao marquês.
Isso a fez enrubescer.
— E muito confortável julgar os outros, não? Mas não é nada fácil que uma pessoa
vinda de fora se adapte ao comportamento dos cavalheiros desta corte.
— E mesmo assim vejo que demonstrou certa predileção pelo marquês. Vi que o
descreveu com termos bastante amáveis, enquanto eu mesmo não fui tão afortunado.
— Esse texto foi escrito apenas para os olhos de meu pai, e de mais ninguém! E se
citei o marquês em "termos amáveis", como acabou de colocar, era porque não o conhecia
tanto quanto agora.
— Espero que, a partir de hoje, saiba com quem está lidando. Seria sábio ficar
alerta com relação a ele — aconselhou o duque — Garanto que não é o tipo de companhia
que deveria optar em ter por perto.
— Acho que ainda não tive o privilégio de escolher com quem devo ou não me
relacionar neste palácio, mas mesmo assim, Milorde, reservo-me o direito de escolher
quem terei como amigo ou não.
— Vejo que não tenho a sorte de ser um dos escolhidos para esse seleto grupo de
pessoas.
Diante do silêncio dela, Jarnac caminhou até a janela e então se virou para encará-
la, antes de prosseguir.
— E necessário ser muito jovem para se querer ser mais velho. Estou com vinte e
seis anos, mas posso me lembrar muito bem de dizer o mesmo que você quando tinha a
sua idade, e de me enfurecer quando riam de mim. Por favor, vamos esquecer o que
aconteceu e começar outra vez. Permite-me dizer uma ou duas coisas que acho
necessário que saiba?
— Deve interpretar por si mesma o que acabei de falar — disse ele, com suavidade
— Mas deixe-me falar apenas mais uma coisa. afaste-se do marquês de Maupré. Não o
ouça. Evite-o a todo custo.
— Ele disse que está apaixonado? Que a está amando? — indagou Jarnac, com
total ceticismo — Por sua expressão, posso ver que sim. Bem, não acredite nele. O
marquês só é capaz de amar a si mesmo. Todos seus esforços visam apenas satisfazer
suas ambições pessoais. E estamos falando de um homem muito ambicioso.
O escárnio no tom dele era tanto que Sheena começou a argumentar, sem nem
mesmo desejar fazê-lo.
— Até mesmo o marquês deve ser capaz de, eventualmente, dizer a verdade.
— Ora, sua tola! Está distorcendo tudo o que estou dizendo. Pense o que quiser a
meu respeito, mas lembre-se de que o marquês de Maupré não merece confiança. A forma
como ele chegou à posição que ocupa hoje na corte, faz com que todas as pessoas
decentes do reino o espezinhem e o evitem. Não espero que entenda do que estou
falando, mas vejo-me obrigado a avisá-la para se manter distante dele. Tudo o que
ganhará por se aproximar será decepção, dor e mágoa.
— E por que eu deveria acreditar nisso tudo? Como saber se o que me diz não é
mentira?
— Ouça-me, Sheena! Sei do que estou falando, e você não sabe nada sobre este
lugar. Não consegue nem mesmo se manter afastada do perigo.
— Tudo o que tenho a dizer é que estou cansada de seus insultos. Acho que vou
procurar o marquês agora mesmo e contar tudo o que acabou de dizer. Seria mais sensato
pedir a ele para ser meu amigo e para me proteger de tipos como você.
— Farei o que quiser, e sua opinião não vai interferir em minhas decisões.
— Ouça-me, garota! Se pensa que pode brincar com fogo e não se queimar está
muito enganada. Se repetir uma só palavra do que foi dito aqui, as conseqüências serão
lamentáveis. Não para mim, mas para você mesma, é claro. Já a avisei de que está em
perigo. Se não me der crédito, só Deus sabe o que a espera.
— Farei com que entre um pouco de bom senso em sua cabeça, nem que seja a
última coisa que eu faça!
— Seu descontrolado! Bruto! Nunca mais faça isso, pois eu não admito tal abuso!
— Claro que não. Estou certo de que gosta apenas daqueles que a cortejam com
palavras doces, determinados a usá-la como um objeto. Será que não vê que aqueles que
tentam agradá-la estão apenas querendo ganhar algo para si mesmo? Tudo o que esses
cortesãos corruptos dizem possui duplo sentido. Há sempre um motivo escuso por trás de
suas atitudes.
— Pare! Não lhe darei ouvidos. Vou procurar o marquês e contar sobre sua intenção
de difamá-lo.
Sheena se virou para sair, mas Jarnac a segurou pelo pulso, puxando-a de volta.
— Pois bem. Já que é o que quer fazer, então vá. Vejo que me enganei. Você é
igual às outras mulheres daqui, que querem um homem apenas pela promessa de ter
ardentes noites de amor. E só nisso que pensa, não? Apenas no desejo insaciável de
encontrar paixões vulgares e insinceras.
— Então vá! Ofereça seus lábios e seu coração a ele, com toda sua confiança. Logo
descobrirá a que isso a levará e quanto se magoará.
— Mas antes de ir se deliciar com os beijos do marquês, por que não experimenta
um dos meus? Talvez descubra que posso agradá-la ainda mais do que ele.
Por um momento, antes de se render, ela o fitou diretamente nos olhos, e viu uma
chama, cuja origem ela não sabia explicar. Um brilho diferente, ardoroso, como se a alma
dele estivesse prestes a se unir à sua. O beijo foi se tornando mais suave e envolvente,
mas antes que pudesse se tornar apaixonado, Jarnac interrompeu o contato e se afastou
um pouco. Ao senti-la cambalear, segurou-a com cuidado. Afastou-se e foi até a janela,
ainda ofegante.
Os dois haviam sido afetados. Nenhum deles esperava reagir ao outro daquela
maneira. Tanto que demorou um bom tempo até que ela percebesse que não estava mais
sendo mantida ali à força.
— Vá falar com o marquês, se é isso o que quer — disse ele, por fim, olhando para
fora, sem encará-la.
A voz dele soou em outro tom, já sem irritação nenhuma. Havia apenas amargura
em suas palavras. Quando conseguiu se mover, Sheena caminhou para fora, sem se sentir
agredida, e sem pressa. Lançou um último olhar na direção dele, debruçado no parapeito.
Admirou os ombros largos e se sentiu intrigada. Como podia não estar mais alterada? Sem
compreender direito o que se passava em sua mente, deixou a sala com passos lentos,
com a nítida impressão de que estava em meio a um sonho. Mas se este era bom ou ruim,
parecia impossível dizer.
CAPITULO VIII
Sheena passou uma noite inquieta e mal dormida. Por mais que tentasse manter os
pensamentos em ordem, o beijo de Jarnac não saía do seu pensamento. Quando o dia
amanheceu, levantou e se arrumou. Foi então até a janela para observar a paisagem. O ar
quente que soprava em sua face fez com que se lembrasse do ar frio do norte da Europa.
Ao mesmo tempo em que sentia saudade de casa, considerava triste a idéia de partir.
Aquele tipo de confusão era apenas um reflexo da inversão de valores à qual estava
sendo submetida. Seu pai sempre ensinara que não havia meio termo, em se tratando de
honra e de fé. Mas, na corte francesa, tudo era baseado em meios termos. Nesse caso,
como distinguir o certo do errado?
Para completar, achara que o beijo que recebera do marquês fora revoltante e o do
duque, por outro lado, indefinível. Não sabia dizer se adorara ou se odiara o que havia
acontecido. "Preciso sair daqui", pensou. "Se eu for para o campo, talvez consiga
raciocinar com clareza."
O olhar de Jarnac era uma memória difícil de ser ignorada e impossível de ser
esquecida. Decidida a fazer algo para se acalmar, saiu rumo ao quarto de Maria Stuart,
para avisá-la de que pretendia sair para cavalgar sozinha naquela manhã.
— Lady McCraggan? Vossa Majestade, a rainha da Escócia, pediu para não ser
importunada nesta manhã. A festa acabou depois da alvorada, e só agora todos se
recolheram para dormir.
— Oh, sim, está bem. Por favor, providencie um cavalo para mim. Pretendo
cavalgar pelo bosque.
— Considere feito — disse o pajem, em tom servil — Pedirei para que levem um
cavalo ao portão sul.
— Obrigada.
Sheena tomou o desjejum, voltou para se trocar e colocou a roupa de montaria que
fora enviada pela rainha. Por algum motivo, Catarina mandara confeccionar aquele traje
nas mesmas cores das roupas da duquesa de Valentinois. Embora parecesse estranho
vestir-se daquela maneira, era o único que havia à sua disposição. Como também tinha os
cabelos avermelhados, dava a impressão de que estava imitando Diane de Poitiers.
Ao se olhar no espelho, lembrou-se das brincadeiras de Maria Stuart, dizendo que
gostava de ser diferente e chamativa, e que sua maior diversão era saber que, naquela
corte, as únicas com cabelos avermelhados eram ela mesma, a duquesa e, naqueles
últimos tempos, Sheena. Dizia que, se voltasse à Escócia, tudo perderia a graça porque
havia muitas mulheres ruivas por lá.
Quando se dirigiu ao portão sul, ainda antes das oito, Sheena ficou sabendo da
chegada de um grande adivinho, chamado Nostradamus, que havia sido contratado para
orientar Catarina de Medici, ao lado de tantos outros astrólogos, cartomantes, e toda sorte
de necromantes. Pela empolgação de todos que falavam nele, deveria ser alguém muito
famoso na França. Parecia que o tal homem era ainda mais renomado do que os irmãos
Ruggieir, conselheiros oficiais da rainha.
Forneceram um cavalo branco como a neve. A sela era forrada de veludo preto e
bordada com o brasão da Escócia. Foi um prazer enorme saber que nem todos haviam
esquecido que a comitiva de Maria Stuart era formada por representantes de outro país.
Orgulhava-se em ver aquele símbolo em todos os pertences da jovem rainha, e ficou feliz
de tê-lo em sua montaria.
Assim que saiu pelo portão, ouviu o som de um galope a acompanhá-la. Era o
pajem que a seguiria todo o tempo, mesmo que de longe. Decidida a ignorar o detalhe de
que não estava só, começou a cavalgar depressa, sentindo o vento no rosto e o sol na
lateral da face. Não demorou a chegar a campo aberto, em uma área de mata nativa, fora
do bosque do palácio. Tentou fingir que estava nos campos da Escócia, onde costumava
passear apenas na companhia da natureza e de Deus.
Fazendo o animal ir mais e mais depressa, tentou deixar os pensamentos para trás.
Correr daquele modo a ajudava a se sentir aliviada. Atiçando um pouco mais o cavalo,
chegou a uma alta velocidade. De repente, ao ouvir gritos atrás de si, virou o rosto para
olhar para a trilha por onde seguira. O pajem estava desmontando para verificar a pata do
animal.
Sheena não parou ao sinal dele, pois não queria perder a oportunidade de estar só.
Em vez disso, fez seu cavalo correr ainda mais, e se deliciou com a sensação de
liberdade. Nada poderia pará-la. Quando as imagens da cena do beijo vinham à mente, a
sensação de velocidade a ajudava a ver com mais clareza.
Conseguiu concluir também que Jarnac parecia mesmo sincero, mas o ardor no
olhar dele permanecia um mistério. Ao mesmo tempo, sentiu em si a confirmação de que o
marquês não era confiável. O discernimento entre certo e errado parecia funcionar melhor,
enquanto estava longe daquele palácio cheio de corrupção e de falsidade.
Ela não sabia ao certo quanto tempo havia se passado, mas o cavalo estava
começando a demonstrar sinais de cansaço. Como sempre adorara animais, e não
gostava de vê-los sofrer, reduziu o passo a um trote, e então o deixou caminhar devagar.
Ambos estavam exaustos. Só então Sheena percebeu que estava ofegante. Mas,
ao mesmo tempo, sentia-se aliviada e calma. A região era cheia de árvores frondosas, em
meio a uma mata densa. A estrada havia acabado, e já estava em uma estreita trilha de
grama pisada. Finalmente sentiu-se em paz. Desde que chegara à França, não havia
ficado só. Estava sempre com alguém. Até mesmo em seu quarto, a privacidade lhe
escapava. Maggie sempre tinha algo a fazer por perto, e começava a contar as fofocas,
que havia descoberto nas horas anteriores.
Conforme Sheena avançava, a mata se tornava mais densa. O animal foi fazendo
as curvas por conta própria, e ela não se incomodou. No íntimo, estava indiferente quanto
ao local onde se encontravam. Com certeza, quando o animal sentisse fome ou sede,
voltaria para a cocheira.
Depois de algum tempo, já com o sol alto no céu, começou a sentir que era hora de
retornar. Maria Stuart poderia sair à sua procura, e não seria bom deixá-la esperando.
Ponderou se deveria voltar pelo caminho por onde viera ou se tentaria achar outra trilha. A
segunda alternativa pareceu mais interessante, pois demoraria mais para chegar ao
palácio. Pegando o acesso mais estreito na bifurcação seguinte, começou a ir em direção
ao norte, onde deveria encontrar a estrada principal.
Percorridos alguns poucos quilômetros, ouviu uma voz em meio à mata. Decidida a
pedir informações, seguiu na direção de onde vinha o som. Encontrou uma clareira onde
havia uma casa, um galpão e um bando de homens simples sentados à grama. Ouviam a
outro senhor, mais bem vestido, que lhes falava.
— Desculpe-me, Milorde, mas poderia me indicar que caminho devo seguir para
retornar ao palácio? Acho que me perdi.
— E ela! E ela! Ela foi enviada até nós. O Senhor a entregou em nossas mãos!
— Por favor, soltem o animal — pediu ela — Estou ansiosa para retornar ao palácio.
Digam-me apenas em que direção devo seguir.
Percebendo que estava em algum tipo de apuro, e que aquelas pessoas tinham
problemas sérios, Sheena tentou virar o animal para voltar pelo caminho por onde chegara.
Mas os homens estavam segurando o cavalo, mantendo-o imóvel.
Começando a ficar desesperada, pois a estavam mantendo presa, ela tentou puxar
a rédea com mais força e ameaçou bater nas mãos deles com o chicote de montaria.
O pregador o tomou dela com um gesto brusco, subiu em um toco de árvore, para
ficar mais alto. Ergueu na mão o pequeno açoite, cujo cabo era cravejado de brilhantes.
— Vejam o que devemos fazer com ela — gritou o homem, quebrando o cabo do
chicote de montaria — Isso mesmo. Acabemos com a bruxa que vem tentando destruir a
França. Só nós podemos salvar o rei da feitiçaria dessa maldita!
Ao acabar de falar, percebeu que a euforia os estava impedindo de ouvir. Para seu
horror, o agitador estava organizando ainda mais o grupo, instruindo-o aos gritos.
— A meretriz nos foi entregue por meios divinos! A bruxa que enfeitiçou e
escravizou o rei é agora nossa prisioneira. Aqui está uma mulher que vendeu a alma ao
diabo. O que devemos fazer? Não acham que temos o direito de castigá-la?
— Pois façamos o mesmo com ela — ordenou o pregador — Vamos fazê-la sentir o
mesmo tormento que impingiu aos outros. Oremos, enquanto ela estiver queimando, para
que o rei se liberte do feitiço demoníaco dessa bruxa.
— Olhe para mim, seu tolo! Sou muito jovem. Tenho apenas dezessete anos! Como
pode acreditar que eu seja uma mulher que já tem muito mais de cinqüenta?
Ao perceber que ele era um fanático, e que não havia bom senso na mente dele, o
pânico quase a dominou por completo, levando-a a gritar.
— Vocês optaram por viver de acordo com o que é bom e correto. O Senhor foi
generoso e a enviou para nossas mãos, em um ato divino. Mas devemos ser rápidos, ou o
demônio a quem essa bruxa se associou pode vir resgatá-la.
— Sim. O Senhor nos deu permissão para enviá-la — afirmou o insano líder do
grupo, dando a entender que falara com o Criador — Tragam-me uma tocha!
Após colocar fogo nas bordas da lenha, o pregador voltou a se ajoelhar e a olhar
para o céu, recomeçando a orar. Alguns o acompanharam no mesmo instante, enquanto
outros gritavam em coro.
Logo as labaredas começaram a tocar seus pés, que já haviam sido descalços
pelos homens. Ao mesmo tempo, a oração e o burburinho foram interrompidos, pelo grito
desesperado de um homem que se aproximava correndo, aos berros.
Pouco depois, o ruído do galope de muitos animais se fez ouvir. A fumaça densa
impedia que ela visse o que estava acontecendo, pois seus olhos ardiam muito. A dor em
seus pés era tão intensa, que a estava impedindo de compreender o que ouvia. Mas o som
de espadas golpeando e os ecos de gritos de dor pareciam muito reais, para serem meras
alucinações.
Ao se ver nos braços dele, Sheena sentiu-se segura. Com os olhos fechados, e
sentindo-se fraca, foi colocada com gentileza na frente dele, sobre a sela do belo corcel
negro.
— Calma. Está tudo bem. Você vai ficar boa. Já acabou. O sofrimento passou.
Ao ouvir aquilo, toda a tensão reprimida foi vertida em alívio, choro e tremor.
Acomodada naqueles braços fortes, Sheena descobriu que estava se sentindo mais
segura do que nunca se sentira antes, em toda sua vida. Era como se a dor deixasse de
ser tão importante naquele momento. Até então, jamais imaginara que o colo de um
homem fosse tão confortador.
— Está tudo certo agora, Sheena — murmurou Jarnac, mais uma vez — Graças a
Deus, você está salva!
CAPITULO IX
— Estou viva!
Havia repetido aquela frase em sua mente milhares de vezes desde que fora
resgatada. Mas naquele momento falou em voz alta, pois Diane de Poitiers respondeu.
Por um instante, Sheena se sentiu tensa. Ficou magoada por haver sofrido tanto por
ser confundida com a duquesa. Mas precisava encará-la.
Ao abrir os olhos, notou que a mulher estava se aproximando do divã, com o rosto
molhado de lágrimas. Segurando as mãos entre as suas, ela disse.
— Oh, minha criança, como poderei demonstrar quanto lamento por haver sido
submetida à tamanha dor por minha causa?
— Pelo contrário. Isso foi tudo! Foi um erro grave, e também uma grande vergonha.
Estamos falando da sua vida, quase tirada no lugar da minha. Eu e o rei estamos nos
sentindo humilhados, por isso ter acontecido com uma hóspede tão admirável, que veio de
outro país acreditando que encontraria segurança sob nosso teto. Se não fosse o duque de
Salvoire, só Deus sabe o que teria acontecido.
— O duque?
— Ele estava lá fora, cavalgando com os amigos, quando avistou seu pajem
voltando a pé, trazendo o cavalo pela rédea. Ao ser questionado, o homem disse que não
podia acompanhar uma "lady escocesa, que cavalgava como o vento".
— Ele disse haver sentido "nos ossos" que havia algo errado. Reunindo os amigos,
contou algo que nenhum de nós sabia ainda. Havia rumores de que um bando de
reformistas se instalara na floresta ao sul do palácio, montando ali o esconderijo onde
planejavam seus ataques contra a boa fé.
— Entendo.
— Agradeço ao céu, de todo meu coração, que o duque tenha chegado a tempo.
Até já enviei um presente a Notre Dame e outro ao Convento das Filhas de Deus, para
expressar minha gratidão por seu resgate — disse Diane, curvando-se e passando a mão
pelos cabelos dela — Nem me atrevo a dizer que imagino o que deve ter passado. Seria o
mesmo que ofendê-la, pois só quem esteve na sua situação pode conceber tal horror.
— Fico feliz que não tenha sido a senhora, Milady — disse Sheena, espantando-se
por sentir o desejo sincero de falar aquilo.
— Duvido que eu possa ser tão corajosa quanto você. O duque contou que a
encontrou com o rosto erguido em direção ao céu, sem soltar nenhum grito nem chorar,
mesmo com as chamas queimando-lhe os pés. Quantas pessoas seriam capazes de
enfrentar a morte com tanta bravura?
— Sou o bode expiatório deles. Se eu não existisse, arrumariam outro alvo para sua
insanidade. Essas pessoas querem minar a ordem e a monarquia. Eles precisam ser
eliminados.
— Precisa ser assim. Não apenas pela tentativa de assassiná-la, pensando que se
tratasse de minha pessoa, mas porque estão lutando contra a fé que cultivamos que é
nossa única esperança de salvação.
Naquele momento, falando daquela forma, a duquesa parecia tão fanática quanto o
pregador dos lenhadores. Seria possível que o único caminho conhecido pela humanidade
era o da violência e o da morte?
Por que não optar por algo mais harmonioso e ameno, que pudesse dar uma
chance às pessoas?
Mesmo não concordando com o que aconteceria, Sheena sabia que deveria ficar
calada, pois pessoas fanáticas não ouviam ninguém a não ser elas próprias.
— Vejo que está bastante cansada — falou Diane, fitando-a com atenção —
Desculpe-me por ter falado tanto, mas o que aconteceu a você me deixou muito abalada.
Nem se compara ao que você deve estar sentindo, mas também estou em choque.
Era Maria Stuart, seguida pelo grupo de adolescentes, que a acompanhava por todo
o palácio. A jovem rainha se aproximou e colocou um maço de cravos sobre o lençol aos
pés dela.
— Oh, que bom que está acordada. Sua dama de companhia ameaçou nos dar as
mais severas punições se a incomodássemos. Mas que ótima guardiã você arrumou.
Sabia que eu adoro ver uma escocesa enfurecida? Mas, falando sério, nós nos
preocupamos muito com seu sumiço. Que aventura assustadora e excitante deve ter sido!
Ser queimada na fogueira e sobreviver... Poderá contar essa história por toda a vida!
— Esta é uma experiência que vou me esforçar para esquecer — disse Sheena,
com um sorriso singelo.
— Agora nos conte como se sentiu — exigiu Maria Stuart — Por acaso ficou
aterrorizada? Enquanto sentia os pés queimando, foi tomada por uma espécie de frenesi,
por saber que estava prestes a chegar ao paraíso?
— Lamento, mas não creio que possa definir com exatidão o que senti. Não ainda.
— Oh, mas que estraga prazeres é você! Já imaginei inúmeras vezes como seria
encarar a morte, tanto na fogueira quanto na frente do carrasco. Até já sonhei com a cena
de caminhar até lá, colocar a cabeça no apoio e observar os olhos dele me fitando, por trás
do capuz.
— Não diga isso — protestou Sheena, sentindo um arrepio de horror.
— Está bem — concordou Maria Stuart — Para animá-la, arrumamos uma pequena
surpresa.
— Conseguimos marcar uma visita com o mais novo adivinho da rainha Catarina, o
tal de Nostradamus. Ele virá até aqui para conversar comigo. O que acha disso?
— Acho que é um desperdício de uma bela tarde, que poderia ser aproveitada
fazendo algo muito mais produtivo, Majestade.
— Essa é mesmo a minha Sheena — falou a rainha — Sempre com uma visão
prática de tudo, mostrando-nos que somos todos avoados. Bem, desta vez não será do
jeito dela. Estou mais do que ansiosa para ouvir as predições desse tal profeta.
— Lorde Nostradamus, sua fama o precede. Ouvimos falar que suas profecias
nunca falham, e que sua visão do futuro é a mais precisa do mundo.
O profeta sorriu.
— Vocês são todos muito jovens, e o futuro parece estar muito distante. Mas o
tempo passa depressa, e tudo se tornará presente e então já será passado.
— Conte o que vê para minha vida. Usarei a coroa tripla? Serei mesmo a rainha da
França, da Escócia e da Inglaterra?
— Continuará linda e os homens sempre a amarão, mas sua beleza não lhe trará
felicidade. O ciúme será sempre um inimigo amargo, principalmente quando se tratar de
certa mulher que usará uma coroa. Vossa Majestade se casará, ficará viúva e desposará
um homem que não estará à sua altura.
— Existirão paixões, espadas, violência e lágrimas à sua volta. Oh, sim. Uma coroa
será colocada sobre sua cabeça. Irá amar e será amada com muita intensidade. Sua vida
será cheia de paixão. Pronto. Isso basta.
— Não, não. Diga mais. Conte tudo o que viu! — ordenou Maria Stuart.
— Pelo menos minha vida será excitante — murmurou a jovem rainha, com um
brilho animado no olhar — Espere! Não vá ainda. E o futuro de meus amigos? E quanto ao
destino de meu noivo, o delfim?
— Lamento, mas só posso consultar uma pessoa por vez. Quando me concentro
em alguém, sua personalidade fica entre mim e qualquer outro.
O profeta se despediu com educação e se moveu rumo à porta. Então ele avistou
Sheena pela primeira vez, desde que chegara. Como se estivesse sendo guiado caminhou
até ela.
— Eu mesma.
— Todos no palácio só estão falando sobre isso. Aceite minha simpatia por seu
sofrimento, e meus votos por uma rápida recuperação de seus ferimentos.
— Muito obrigada.
— Muitas vezes, uma experiência dolorosa para o corpo pode trazer um grande
conforto para o coração.
Sheena arregalou os olhos, mas não teve tempo de perguntar o que significava
aquilo, pois o estranho homem partiu sem demora.
Maria Stuart ainda estava falando animada sobre seu futuro, e pouco depois deixou
o quarto, acompanhada por seus amigos adolescentes.
O ambiente ficou tão silencioso que foi inevitável que as lembranças do que passara
nas mãos daqueles fanáticos retornassem.
Estava tão absorta que não ouviu a porta se abrir outra vez e, quando se deu por
conta, Jarnac estava ao seu lado.
Antes que pudesse ficar brava por ele haver entrado sem bater, lembrou-se de ter
estado seminua diante dele, e de ser envolta pelo mesmo casaco de veludo que o vestia
naquele momento. Aquilo a fez baixar o olhar, enrubescida.
— S...sim, obrigada.
— O médico falou que as queimaduras não foram tão graves, e que logo estará tudo
normal.
— Já não sinto mais dor — falou Sheena, fazendo uma pausa, antes de prosseguir.
— Quero agradecer por você ter ido me salvar.
— Pelo contrário. A duquesa me contou que, se não fosse por você, eu não estaria
aqui, agora.
— Como pôde ser tão tola a ponto de deixar seu pajem para trás? — indagou,
notando que Sheena enrubesceu e estreitou o olhar — Bem, esqueça. O rei já ordenou
que, de agora em diante, todos que saírem para cavalgar deve ser acompanhado por dois
homens armados, além do pajem. A próxima vítima pode não ter tanta sorte.
— O que é certo e o que é errado? — indagou Jarnac — Essa pergunta não a tem
incomodado desde que chegou à corte francesa?
— Vá embora, bela escocesa. Este é meu conselho. Neste palácio, há coisas que
ainda não posso explicar. Se me ouvir, voltará para sua casa, antes de se amargurar e se
desiludir. Sei que veio para cá cheia de positivismo, segurança e lealdade, mas, se
permanecer mais tempo, isso tudo será consumido. Talvez se torne uma pessoa infeliz e,
quem sabe, tão cínica quanto eu mesmo.
— Parta Sheena. Não mude, por favor. Faça o que estou dizendo, e siga sua
própria carta, rumo à Escócia.
— Minha carta?
— Sim, providenciei para que ela fosse encaminhada ao seu pai, por um
mensageiro de confiança. Garanto que ele a entregará.
— Nem imagina como fico feliz com isso. Muito obrigada. Aliás, ainda não o
agradeci apropriadamente, por haver salvado minha vida. Como soube onde me
encontrar?
Desde que seus pés haviam se recuperado, Sheena começara a fazer tudo com ar
de urgência. Estava sempre com pressa, como se estivesse fugindo de algo. Na verdade,
tentava escapar de si mesma, ignorando os próprios pensamentos e sentimentos. Tinha
medo de parar para analisar a si mesma e descobrir alguma verdade que preferiria ignorar.
— Não fique bravo comigo, Eminência — disse a jovem rainha — Não se esqueça
de que estou crescendo.
Sheena teve de conter o riso, pois até podia imaginar o olhar de súplica da menina.
Como não houve resposta do clérigo, a própria rainha prosseguiu.
— Sou muito feliz aqui na França. Todos são muito gentis comigo, e é aqui que está
meu noivo.
— Sim, sei que Vossa Majestade é muito admirada e querida por todos. Mas não
estaria fazendo meu papel de confessor, se não a avisasse que manipular os sentimentos
dos homens é como brincar com fogo.
— Mas não quero ser cuidadosa, precavida nem madura! Mesmo estando
crescendo, pretendo continuar jovem e aproveitar a vida. Quero desfrutar de cada
momento dela.
— Sua Majestade está cercada por moças muito devotadas em sua comitiva. Sugiro
que cultive a amizade delas e que aprenda a ser um pouco mais cuidadosa e discreta.
— Elas me cansam, assim como todas as outras mulheres, que são bem pouco
interessantes.
— Nem todas. Estou certo de que Vossa Majestade tem muito em comum com a
delicada lady McCraggan, que chegou da Escócia há menos de um mês.
— Sheena é o que Sua Eminência chamaria de "uma garota adorável", não é? Mas
quanto aos interesses em comum, o que poderíamos compartilhar? Ela fala o tempo todo
da Escócia, uma terra fria e barrenta, cujo povo é pobre e sem classe. Eu amo a França!
Quero viver aqui, na corte. Um dia quero ser sua rainha.
Aquilo foi o limite para Sheena. Foi preciso conter um gemido de desgosto, pois
aquela afirmação a deixou com mal estar. O que os anciãos dos clãs iriam dizer, se
ouvissem sua própria rainha falando daquela maneira de sua amada terra natal?
Seria muito sofrimento para eles, descobrir que a rainha por quem estavam lutando
e morrendo, os espezinhava como a um bando de cães sem raça. Não suportando mais
permanecer ali, recuou em silêncio e deixou a ante-sala, ciente de que falhara por
completo em sua missão.
Sempre afirmara para si mesma, de todo o coração, que a rainha estava protelando
os assuntos oficiais sobre a Escócia, por ser jovem e querer apenas se divertir. Mas estava
optando por não ver a verdade. Maria Stuart não amava sua pátria.
Sem perceber, caminhou de maneira errante pelo palácio, sem destino certo.
Sentia-se perdida. Quando se deu por conta, estava no alto de uma das escadas, que
levavam ao saguão da ala central, onde ocorriam os negócios de Estado.
Então, colocando as mãos sobre o braço dele, aproximou-se mais, fazendo com que
seus corpos se tocassem. Aquele gesto simples dava a entender que ela estava se
rendendo aos encantos do duque de Salvoire.
Uma estranha emoção se fez sentir em seu ser. Era quase como uma dor em seu
peito. Depois de fitá-los por mais um momento, virou-se de repente e saiu em disparada,
retornando para seu próprio quarto.
Ao entrar, descobriu que o cômodo estava, para sua felicidade, vazio. Fechou a
porta atrás de si e a trancou a chave. Encostou-se ao portal e começou a chorar, sem
entender bem a razão, enquanto tentava controlar os soluços. Então caminhou até a cama
e se deitou de bruços, agarrando-se ao macio travesseiro de plumas, enquanto se esvaía
em lágrimas.
Naquele momento, reconheceu o que estava sentindo. Era ciúme. Precisava admitir
isso sem hipocrisia nem medo. Ciúme. E tal emoção só podia significar uma única coisa,
estava apaixonada por Jarnac.
Na verdade, Sheena soubera disso desde o momento em que fora resgatada por
ele, sendo carregada por aqueles braços fortes e depois acomodada junto àquele peito
másculo, sobre a sela do corcel negro.
Lembrando-se daquele momento, teve certeza de que já sabia que o amava, e que
apenas não quisera admiti-lo até então. Talvez o amasse desde que o vira pela primeira
vez, pois só isso explicaria a falta de ar que sentia toda vez que o via.
Dizer aquilo em voz alta pareceu ainda mais desesperador. Ele próprio a
aconselhara a voltar para casa, o que significava que não era correspondida. Talvez o
brilho nos olhos dele representasse desejo e desafio perante sua presença, mas não
poderia ser amor. E se não fosse, não haveria esperança para ela.
Para completar, ao ver a condessa de Pouguet tocá-lo, tivera certeza de outra coisa.
Eles eram amantes. Jarnac não fizera a menor menção de afastá-la, porque estava
habituado a tê-la para si, com freqüência. A idéia de vê-lo nos braços de outra a fez se
sentir ainda pior. Parecia loucura que o estivesse amando.
Iria retornar para sua casa. Precisaria encontrar uma maneira de dizer aos anciãos
e aos líderes dos clãs tudo o que descobrira. Ou talvez não. Seria melhor não contar nada,
e deixá-los pensar, que a jovem rainha era merecedora de seus esforços. Havia uma
remota possibilidade de o destino ser benevolente e lhes dar a oportunidade de não
precisarem encarar tamanha decepção. Se lhes tirasse a esperança naquele momento, era
provável que seu país não sobrevivesse.
A resolução que sentia era tão forte quanto à dor de saber que deixaria para trás o
homem de sua vida. Seu coração jamais seria o mesmo, e seu destino seria a solidão, mas
nenhum sofrimento seria maior do que ver Jarnac nos braços de outra pessoa.
Não poderia se unir a outro homem. Quem quer que fosse ele não mereceria uma
esposa infiel.
Mesmo que estivessem separados por muitos quilômetros, seu coração sempre
pertenceria ao duque de Salvoire. Se não pudesse amar aquele com quem viesse a se
casar, permaneceria solteira. Talvez entrasse para um convento.
A única coisa que a fez hesitar foi à lembrança do beijo que recebera dele. Seria
uma memória que levaria consigo por toda a vida.
Depois de algum tempo, saiu para o corredor e pediu a um pajem que fosse a busca
de Maggie. Logo em seguida a mulher chegou pronta para atendê-la. Informou-a de que a
missão delas havia terminado, e a instruiu para começar a arrumar as malas de ambas.
— Diga que fico lisonjeada com o convite — ela instruiu ao mensageiro — mas que
estou muito indisposta. Leve o traje de volta, acompanhado do meu sincero pedido de
desculpas.
Já que iria partir, não pretendia mais fazer as vontades daquelas pessoas
complicadas. Não tinha a menor intenção de continuar se adequando às loucuras daquela
gente.
Não tardou para que houvesse outro chamado à porta. Era a principal dama de
companhia da rainha da França, a própria condessa René de Pouguet, e parecia estar
bastante irritada.
— Lady McCraggan acabei de enviar um pajem com um convite da rainha, para que
fosse jantar com ela nesse final de tarde, e ele retornou dizendo que a encontrou
indisposta. Parece-me que não há nada errado com você.
Havia tanto escárnio no tom de voz da mulher que Sheena precisou se conter, para
responder com educação. Mesmo sabendo que estava de partida, ainda se sentia como
uma representante da Escócia naquele palácio, e não queria deixar má impressão.
— Sinto muito. Agora percebo que fui rude para com a rainha, que tem sido muito
gentil comigo.
— "Gentil" é uma palavra muito fraca para definir a conduta da rainha. Os vestidos
que ela lhe deu custaram muitos milhares de francos, e nunca se ouviu falar de Vossa
Majestade ser tão generosa, com alguém tão pouco importante quanto você.
Engolindo em seco, pois não queria prosseguir com a discussão, já que sabia ter
cometido uma gafe, Sheena disse apenas.
Aquela postura humilde pareceu desarmar René, que prosseguiu com mais
suavidade.
— Por sorte, a rainha Catarina não foi informada do ocorrido. Vou omitir o
desagradável detalhe de sua rejeição inicial, mas sugiro que aceite o convite e vista o traje
que foi enviado. Esteja nos aposentos dela dentro de uma hora.
Ao ver a mulher se retirar, Maggie começou a resmungar com revolta, mas Sheena
a mandou se calar. Todos comentavam que aqueles que insultavam algum protegido da
coroa se tornavam vítimas dos mais estranhos infortúnios.
Como seria inevitável, ela se vestiu conformada com a idéia de fazer aquele último
sacrifício por seu país, antes de retornar para casa. Lá, teria muito tempo para ficar
sozinha e pensar no amor que fora obrigada a deixar na França.
Se bem que se tratava da mais cara seda que ela já vira na vida. O corte do vestido
era perfeito, contornando cada curva de seu corpo como se a estivesse acariciando.
A grande sala estava muito mal iluminada, e o cheiro de incenso parecia mais forte
e enjoativo do que nunca. Assim que a avistaram, todos ficaram em silêncio. A rainha
ordenou que se aproximasse e se acomodasse.
— Não vai honrar meu brinde? — questionou Catarina, com um tom autoritário —
Nosso vinho não é bom o bastante, ou a saúde do rei da França, futuro sogro de sua
rainha, não é de seu interesse?
Um leve gole do drinque foi suficiente para Sheena perceber que ela estava
estragada, ou algo do gênero. O amargor forte foi causando uma espécie de
adormecimento em sua língua, e também em seus lábios.
Havia algo errado. Sheena concluiu que havia algo em seu vinho, e tentou se
levantar para fugir dali. Mas era tarde. Seu corpo não respondeu ao comando. De repente,
sentiu-se pesada, e uma profunda escuridão cobriu seus sentidos.
CAPÍTULO XI
Havia algo surgindo diante de Sheena. Uma luz distante e fugaz, que parecia lutar
contra a escuridão que a envolvia. O restante soava apenas como uma série de ruídos,
tanto de fragmentos de frases quanto de sons do ambiente.
Tentou mover o corpo e se descobriu paralisada. Era capaz de pensar, mas nenhum
músculo respondia a seus comandos. Lembrou-se, naquele momento, do modo como
perdera a lucidez. Imaginou se havia sido envenenada.
Seria aquilo a morte? Mas, se estava morta, por que tinha a sensação de que seu
coração estava batendo? E por que a haviam deixado sem roupas? Imaginou o que teria
feito de mal para a rainha da França tê-la assassinado daquela maneira. Não fazia sentido.
Aos poucos, as vozes foram se tornando compreensíveis, mas seu corpo ainda não
atendia aos comandos.
— Tem certeza de que é melhor mandá-la despida? A roupa branca estava linda —
murmurou alguém.
— Assim será melhor — respondeu um homem — Esse corpo perfeito merece ser
exposto.
— Nesse caso, devem levá-la agora — falou uma voz, que parecia a de Catarina.
Braços fortes ergueram Sheena, e então alguém colocou algo pesado sobre ela,
ainda suspensa.
— Assim está melhor — disse a condessa René — Com esse acolchoado por cima,
ninguém imaginará que o bom marquês está levando a pequena escocesa. Vou escoltá-lo
pelo caminho, para despistar qualquer curioso, enquanto ele se afasta com sua preciosa
"carga".
— Ótimo, ótimo. Agora que já escureceu mais, ninguém os questionará no trajeto
até lá — festejou a rainha.
Apavorada, Sheena concluiu que, se ainda estava viva, seria por pouco tempo.
Talvez a jogassem no lago, ou a enterrassem daquela forma mesmo. A idéia a deixou em
pânico. Mentalmente, só restava rezar. Seria pedir demais, se rogasse para que o duque a
salvasse outra vez? Então percebeu que estava em movimento. Embora não pudesse
controlar nada em seu corpo, sua percepção havia melhorado um pouco. Depois de
percorrerem certo trecho, uma onda de ânimo preencheu-lhe o coração, ao ouvir uma voz
chamando pela condessa.
— René? Por que está fazendo o marquês de estivador? Se precisava de um, por
que não me solicitou?
— Ora, Jarnac, mas que surpresa encontrá-lo aqui, há essa hora! — improvisou ela.
Sheena tentou gritar e se mover com todas as forças, mas não obteve resultado.
Queria avisá-lo de que estava ali, sob aquele acolchoado, prestes a sofrer um destino
desconhecido e, provavelmente, terrível.
"Não!", pensou Sheena, ansiosa. "Peça para ver o presente! E tudo mentira! Sou eu
quem está aqui! Salve-me!"
Mas os lábios dela não obedeciam a seus pensamentos. Com pesar, ouviu o duque
se despedir. Sentiu o marquês seguir seu caminho e o escutou murmurar.
— Não precisa temê-lo — assegurou René — Vou me encontrar com ele daqui a
pouco, e o entreterei pelo restante da noite. Vamos, depressa!
Logo em seguida, Sheena ouviu uma porta sendo aberta, e a condessa disse a
alguém a mesma história que contou ao duque. Com certeza, era um dos pajens ou algum
guarda que os interpelara.
A próxima coisa que sentiu foi seu corpo ser depositado sobre uma cama macia.
Retiraram o acolchoado pesado e o pano que a estava cobrindo.
Uma onda de pânico se apossou de Sheena. Não bastava estar nua e paralisada
sobre a cama de Henrique II, como também estava prestes a ser violentada!
— Não toque nela, seu louco! A rainha foi muito clara. Essa menina precisa ser
perfeita aos olhos do rei, para que ele a possua e se apaixone na primeira noite,
abandonando a duquesa.
— Sim, ele se apaixonará. Essa garota é lindíssima. Vamos embora de uma vez,
antes que eu me arrependa de deixá-la intacta.
— Venha. Não podemos correr o risco de sermos vistos aqui. Ainda bem que o
pajem que estava de plantão hoje é um espião da rainha. Ninguém terá certeza de onde
veio o "presente", até que seja tarde demais.
Houve outro ruído de portas sendo abertas e fechadas em seqüência, indicando que
o sórdido casal estava deixando a galeria dos aposentos reais.
Depois de algum tempo, talvez uma hora, Sheena notou que conseguia mover as
pálpebras. O efeito da droga que haviam dado a ela estava passando. Com muito esforço,
conseguiu abrir os olhos. Estava mesmo na imensa cama do rei, acomodada entre os
lençóis. Sentia-se indefesa e inútil. A qualquer momento, Henrique II entraria ali, e sua
reação seria uma incógnita.
Só lhe restava rezar, mais uma vez. Aquilo estava se tornando um hábito, e talvez
Deus já estivesse ficando cansado de atender seus apelos. Como fora possível que Jarnac
houvesse estado tão perto no corredor, e não sentira a presença dela? Mesmo assim,
continuou rogando ao céu para que o duque viesse salvá-la.
Ao notar que a porta interna do aposento fora aberta, ela voltou a fechar os olhos.
Não ousaria abri-los, pois não teria coragem de encarar o rei, talvez acompanhado da
própria duquesa, quando fosse descoberta naquela situação humilhante.
Ao ouvir aquela voz grave e profunda, Sheena abriu os olhos de imediato, pois
pensou que estava perdendo o juízo.
Mas não estava. Era mesmo Jarnac que estava de pé ao seu lado, fitando-a com ar
preocupado.
"Você veio! Leve-me embora depressa, meu amor!", pensou ela, mas seus lábios
permaneceram imóveis.
— Mal pude acreditar que o que descobri em meio às fofocas fosse mesmo verdade
— murmurou ele, com ar decepcionado — Sua dama de companhia me falou que a rainha
mandou um vestido todo branco, e a convidou para jantar. Ela já estava preocupada, e me
deixou também. O que aconteceu? Está aqui sob algum tipo de ameaça, ou é por vontade
própria?
Sem poder se mover, tudo o que Sheena conseguia fazer era fitá-lo, e rogar para
que seu olhar fosse compreendido.
— Quer que eu a leve embora? Diga logo, ou tomarei seu silêncio como mais uma
de suas tolices. Responda.
— Qual o problema com você? Sua mania de me contrariar chegou ao limite dessa
vez. Não quer falar? Então fique aí. Acho mesmo que fui um tolo em achar que estava
sendo forçada a algo. E pensar que tive de questionar todos os pajens deste andar por
nada!
— Não sei o que lhe fizeram, mas juro que vão pagar caro por isso, meu amor. Oh,
meu amor. Fique tranqüila. Vou cuidar de você.
Sheena mal acreditou no que ouviu, mas, ao se esforçar para gemer, voltou a se
sentir tonta. Naquele momento, sabendo que estava segura nos braços dele, voltou a se
entregar à escuridão que espreitava sua consciência. Mas, dessa vez, entregou-se sem
medo algum.
CAPÍTULO XII
Sheena sentiu-se aninhada no colo de alguém que a balançava para frente e para
trás. De repente, como um eco em sua mente, lembrou-se do que havia acontecido. Foi
preciso fazer um grande esforço para voltar completamente à consciência.
— O quê? Estou com tanto sono que não consigo entender nada do que você fala.
Sheena esfregou os olhos com as costas das mãos e então se lembrou de tudo.
Ficou de pé de repente, perdendo o equilíbrio, mas não chegou a cair. Um sorriso se
formou em seus lábios e ela foi para frente do espelho.
— Posso me mover de novo! Voltei ao normal! Oh, graças a Deus. Pensei que a
droga que me deram iria me tornar um vegetal. Veja, estou viva e bem!
— Sim, graças a Deus, mas se vista depressa, por favor. Não temos tempo a
perder.
De repente, uma lembrança lhe trouxe uma onda de felicidade. Jarnac a havia
chamado de "meu amor"! Aquilo foi suficiente para fazê-la sentir-se nas nuvens.
— O que há? Vejo que ainda nem amanheceu. E cedo demais para levantar da
cama.
— O duque de Salvoire?
— Sim. Foi ele quem a trouxe para cá, mais morta do que viva. Ele me contou o que
aconteceu e me instruiu quanto ao que deveria ser feito. Se vista, minha criança. Não há
tempo para conversarmos.
Sheena compreendia muito bem quanto perigo aquela corte poderia oferecer. Após
se vestir, olhou ao redor e viu a bagagem arrumada para partir.
— Sim. Sei que não vamos levar conosco nenhum de seus presentes, mas não
quero deixar nada nosso para trás.
— Hoje? Agora?
— Isso mesmo. Uma das carruagens do duque está nos esperando lá embaixo.
Espere um minuto, enquanto chamo o carregador para levar nossas coisas.
Fora Jarnac quem providenciara sua fuga, depois de resgatá-la da cama do rei. Ele,
mais do que ninguém, sabia que sua única esperança de sobrevivência seria fugir dali
antes que a rainha Catarina soubesse da falha de seu plano.
Contudo, precisava falar com o duque antes de partir. Deixaria seu amor para trás.
Teria entendido mal o que o ouvira dizer? Teria sido sua imaginação assim tão cruel?
Como era possível que ele fosse capaz de mandá-la embora, se a amasse de verdade?
Por outro lado, talvez ele a amasse tanto que preferisse vê-la viva e distante, do que
se arriscar a deixá-la morrer. E esse seria seu inevitável destino. Seria fácil forjar um delito
qualquer para mandá-la para as masmorras, e então para o carrasco. A rainha jamais
admitiria ter sido passada para trás por uma governanta estrangeira.
Sheena tinha a impressão de que, a qualquer momento, uma das portas pelas quais
passavam iria se abrir e algum guarda da rainha iria pará-la e prendê-la em nome de
Vossa Majestade.
Era um coche menor e um pouco menos luxuoso do que aquele em que haviam
viajado antes, mas parecia ser muito mais rápido.
— Ainda bem que conseguimos sair de lá. Pensei que alguém fosse nos deter —
falou a dama de companhia.
— Calma Maggie. Temos uma grande vantagem sobre qualquer um que queira nos
seguir, e estamos indo bastante depressa. Mas há algo de que preciso ter certeza. Ele
mesmo disse, com todas as letras, que está me enviando de volta para casa?
— Não exatamente. Mas para onde mais poderíamos estar indo? Nenhum lugar da
França seria seguro para você, Milady.
Sheena fechou os olhos por um momento, tentando reorganizar as idéias. Era óbvio
que estava sendo mandada para casa, e não fazia sentido alimentar falsas esperanças a
respeito de poder ficar ao lado de Jarnac.
As lembranças de estar nos braços de Jarnac, de ver a paixão arder nos olhos
escuros, antes mesmo de ela própria descobrir que o amava, seria um tesouro que
carregaria consigo por toda a vida.
— Milady, ainda bem que está sã e salva. Sua demora foi tamanha que comecei a
temer pelo pior.
— Tudo o que interessa agora é que você está salva — ressaltou Gustave.
— Não muito. Apenas que a rainha usou um truque sujo, mas que o duque
conseguiu salvá-la a tempo.
— Em direção à costa.
— Foi o que pensei — respondeu Sheena, cabisbaixa, sentindo-se triste por ter de
deixar Jarnac para trás.
— O marquês de Maupré.
— Por acaso não sabe quem ele é? Estamos falando do homem mais corrupto e
sujo de toda Paris. E um alcoviteiro. Adquiriu sua riqueza conseguindo mulheres para os
nobres que podiam pagar seu preço.
— Um alcoviteiro?
— Isso. Ele é do tipo de gente que jamais deveria conseguir um título, mas que, de
tanto prestar seus "favores" aos nobres, conseguiu chantagear um deles para conquistá-lo.
O passo seguinte foi tentar oferecer seus serviços ao rei. Quando foi dispensado, graças à
interferência da duquesa, aproximou-se da rainha e encontrou ali amparo para suas
atividades. Além disso, assumiu o papel de intermediário dela em todos os serviços sujos.
— Concordo com sua opinião sobre ele, mas não falemos mais nisso.
— Não iremos nos ver pela manhã — avisou Gustave, ao deixá-la à porta de
entrada daquele humilde retiro.
— Não sei Milady. Apenas obedeço a ordens. No que me diz respeito, basta o
duque instruir e eu faço a tarefa, sem questionar.
Muito depois de se despedir dele, Sheena ainda estava pensando no que ouvira seu
jovem amigo comandante dizer a respeito de Jarnac ser muito humano e inteligente.
Perguntou-se outra vez qual era a razão de não poder ficar ao lado de seu amado.
Depois de conhecê-lo, jamais seria feliz com outro homem.
Arrependera-se por tê-lo julgado mal logo a princípio, devido a uma impressão
baseada em um comentário que ouvira sem ser notada, feito, na ocasião, a uma
desconhecida, e não a ela.
— E mesmo. Não pensei que nossa viagem fosse terminar dessa maneira, e muito
menos por esse motivo. Há uma pergunta que está me incomodando. Você acha que o
duque corre algum risco por ter nos ajudado? Será que ainda o verei outra vez?
— Não se preocupe com ele, pois garanto que seu herói preferido saberá se safar,
com a mesma habilidade com que a vem salvando nos últimos tempos. Mas é pouco
provável que volte a vê-lo nessa vida. Tenho a impressão de que o mensageiro que nos
encontrará aqui amanhã, como nos informou o estalajadeiro, estará de posse de nossas
passagens de navio, e nos embarcará para casa sem demora. Depois de tudo o que fez
por nós, o que mais esperar dele?
A escuridão da noite envolveu o lugar, e o sono prevaleceu. Mas Sheena não pôde
descansar. Seus sonhos a perturbaram por toda a madrugada. Imagens de solidão e de
tristeza, de uma vida sem amor...
Na manhã seguinte, acordou antes de Maggie, com o raiar do sol, e foi até a
pequena sala do refeitório, onde tomaria o desjejum. Olhou pela janela e avistou outro
coche do lado de fora da pousada, parecido com o que as levara até ali. O brasão na porta
indicava que deveria se tratar do mensageiro que esperavam.
Uma tristeza enorme dominou seu coração e a alma. Sabendo que estava sozinha,
fechou os olhos e começou a chorar. A vida parecia fazer menos sentido naquela manhã.
— Está realmente tão triste assim por partir? — indagou uma voz grave, vinda da
direção da porta.
— Bem... Eu...
— Não consegue dizer? Calma, querida. Está tudo bem. Não pensou que eu
deixaria que partisse assim, pensou? Eu te amo. Amo mais do que achei que seria
possível. Não poderia deixá-la ir embora. Mas para que possamos prosseguir, preciso
saber o que você sente realmente.
Ela jamais imaginou que um beijo pudesse ser tão intenso, íntimo e promissor. Toda
a tristeza desapareceu de seu coração, e o futuro tomou a forma de um lindo horizonte a
ser descoberto.
— Minha amada agora podemos deixar essa terra de corrupção e maldade.
Consegui o consentimento do rei para que viajemos a outro lugar. E um lugar que foi
descoberto pelo navegador Cristóvão Colombo, em nome da Espanha. A França já marcou
lá suas pegadas, e é onde seremos bem vindos. Viveremos em um lugar onde o trabalho
inocente ainda é o maior valor de uma pessoa. Não é isso o que sempre quis?
— Sim, parece um sonho — murmurou ela — Mas eu seria feliz ao seu lado, em
qualquer lugar. Ainda assim, não corremos o risco de os espiões da rainha nos perseguir?
— Não. Tenho meu próprio navio, que já está pronto desde antes de sua chegada.
Estava adiando a viagem por falta de motivação, mas agora é o momento ideal. Contudo,
antes de partirmos, precisamos tornar nossa união oficial. Não sei se suportarei viajar
durante meses em alto mar, e não tê-la em minha cama. Quer se casar comigo?
— Sim! — Sheena o beijou — Oh, Jarnac, nem imagina como estou feliz. Mas não
será arriscado procurarmos uma igreja em um povoado qualquer?
Diante deles, tudo era desconhecido. Mas em seus corações, uma luz infinita
afastava todos os medos.
A luz do amor.
A mesma que vinha de Deus e que seria deles por toda a Eternidade.
FIM