Ensaio sobre "O Legado do Congresso de Viena à Questão Judaica nos Estados
Germânicos"
Retomando aos ideais franceses, Napoleão não apenas expandiu territórios em suas
conquistas, mas difundiu ideais. Ideais estes que marcaram e influenciaram mentes, povos e
culturas, que culminaram com o sentimento de cidadania dos contemporâneos Estados-nação.
Foi um poder muito mais efetivo - inclusive para sua própria derrocada - que suas empreitadas
militares, poder esse que não visualizou ou por ventura subestimou.
Povos que anteriormente não se viam como cidadãos, com seus direitos respeitados,
como detentores de poder de transformação, se viram empossados de uma nova dinâmica e
desejo de autodeterminação. Com os ideais de liberdade e igualdade, em essência civil-
jurídica, como constituintes de um conjunto de nacionais, percebeu-se a importância desse
conjunto de valores compartilhados para a ação política, tanto de ordem interna como externa.
Em Viena isso se refletia de forma bastante contundente, a julgar por também ser o
local das reuniões, pois “apesar das discriminações medievais que ainda vigoravam sobre os
judeus vienenses, alguns deles, devido à sua riqueza e cultura, eram tidos em altíssima
consideração pelas elites européias. Durante o Congresso, os Rothschilds, Arnsteins, Eskels,
von Herz e Itzongs abriram seus salões para os participantes do Congresso, levantando a
questão judaica junto a seus freqüentadores. Os salões culturais de anfitriãs judias, como
Fanny von Arnstein e sua irmã, já eram famosos endereços freqüentados pelas elites
européias, inclusive por José II, imperador da Áustria” (MORASHÁ)
Destaque importante nesse intento teve Metternich, que sob influência de Salomon
Rothschild, barão austríaco, demonstrou apoio à causa judaica. Mas sofrendo forte oposição,
terminou o congresso sem uma solução contundente, apesar das declarações de garantir
direitos aos judeus. Com a criação da Confederação Germânica presidida pela Áustria dos
autoritários Habsburgos, que indicavam objeção à resolução efetiva da causa com uma
reforma, houve mais um indicativo de que os judeus saíram perdendo.
Dada falta de igualdade frentes aos demais austríacos, em 1848, judeus vienenses
abraçaram a causa revolucionária espalhada pela Europa, a fim de solucionar questões como
cidadãos austríacos e de sua condição enquanto povo judeu, tendo líderes no movimento,
como Adolf Fischhof e Ludwig August. Nesse intento “o imperador Fernando I é obrigado a
aceitar o parlamentarismo e uma Constituição, que reconhecia os direitos iguais e a liberdade
de credo a todos os cidadãos”, todavia o movimento contrarrevolucionário absolutista fez com
que Fernando I abdicasse em nome de seu filho Francisco José suspendendo as reformas.
Por isso a literatura pode se tornar uma fonte importante para se conhecer fatos e
ações tidos por muito tempo como marginais, mas que demonstram a realidade de outras
perspectivas. Para a situação judaica resultante de 1815 para as sociedades germânicas no
período, a obra Die Judenbuche (A faia dos judeus), uma novela de Annette von Droste-
Hülshoff, publicada em 1842, retratando a representação que se tinha na época de costumes e
valores desse grupo na sociedade alemã e os judeus nela.
Para compreender essa dinâmica é importante o debate a respeito disso como bem
exposto por Magdalena Nowinska (2015), em seu artigo sobre a obra que intitula “Parte da
sociedade ou sociedade à parte? Representação de judeus na novela Die Judenbuche (1842)
de Annette von Droste-Hülshoff”.
Nas palavras de Nowinska (2015) é colocado que “o texto foi compreendido pela
autora como um “quadro de costumes”, ou seja, uma representação realista e ao mesmo tempo
crítica de costumes e moralidades de uma sociedade, neste caso um vilarejo na Westfália. O
quadro inclui também personagens judaicos [para análise] se os judeus são representados
nesse texto como parte da sociedade ou como uma sociedade à parte, como outsiders. A
análise é inserida dentro do contexto histórico da publicação da Judenbuche”, vilarejo esse
cujas relações sociais de seus habitantes se assemelham a como a histografia hoje designa boa
parte do período medieval europeu (NOWINSKA, 2015, p.71).
Dessa forma, ao se analisar um texto literário como fonte, como dito por Nowinska
(2015), é importante se ater a três aspectos: (1) a representação dos personagens judaicos; (2)
o discurso do narrador, a representação da convivência entre judeus e gentios na sociedade do
“quadro de costumes”.
Outro ponto que se percebe a diferenciação aos judeus é que quando se refere a
algum personagem judeu, não o denomina pelo nome, mas o chama apenas “o judeu”,
despersonificando seu caráter, ou no máximo como um gentílico antes do nome, como “o
judeu Aaron”, “o judeu Salomon”, etc.
Embora seja uma obra repleta de referências a essa diferenciação quanto aos judeus,
cabe neste ensaio demonstrar o panorama do contexto em que esse povo viveu, após o
Congresso de Viena, de forma discriminada e/ou marginalizada; fator esse que também
permeou as ações e o imaginário de muitos ao longo do século XIX até culminar com o
grande desastre do holocausto produzido pela Alemanha nazista e a Segunda Guerra Mundial,
fator que relacionando-se política, econômica, social e historicamente, também outras
questões no mesmo Congresso, levaram a esse catastrófico conflito, cujo presente trabalho
não esgota as análises para a questão judaica na Europa do século XIX pós Viena e a tragédia
na sociedade alemã nazista.
Portanto, remontar, “fazer essa pergunta significa naturalmente pressupor que esse
tipo de questão existia, o que de fato era o caso. Die Judenbuche foi publicada em um período
no qual a posição de judeus na sociedade alemã era discutida e negociada publicamente, ou
seja, em uma época de debates acerca da emancipação dos judeus, cujo ponto central era a
questão se os estados alemães deveriam conceder a eles os mesmos direitos da população
cristã – ou seja, se eles deveriam ser tratados como cidadãos iguais e como parte da sociedade
alemã. […] O termo “emancipação” refere-se a medidas políticas de diversos estados
europeus, desde a declaração de direitos humanos em 1789 na França, de garantir aos judeus
igualdade como cidadãos. Na Alemanha, a emancipação foi introduzida por Napoleão durante
a ocupação dos territórios alemães. As medidas foram em parte revisadas depois do
Congresso de Viena em 1815.” (NOWINSKA, 2015, p.71)
Sendo assim, não há como negar a importância dos ideais franceses e ações
napoleônicas, bem como a reação aristocrática das demais potências, talvez menos a Grã-
Bretanha, para a questão judaica e seu legado para os judeus no século XX, e talvez até a
criação do Estado de Israel.
REFERÊNCIAS
DROSTE-HÜLSHOFF, Anette. The Jews' Beech Tree: A Moral Portrait from Mountainous
Westphalia. University Press of America, Lanham, 2014
ELON, Amos. The Pity of It All: A Portrait of Jews In Germany 1743 – 1933. Londres.
Penguin Books, 2004.
HACKEN, Richard. The Jewish Community Library in Vienna: From Dispersion and
Destruction to Partial Restoration. Leo Baeck Institute Yearbook, Oxford, 2002.
MONDAINI, Marco. Guerras Napoleônicas. In: MAGNOLI, Demétrio (org.). História das
guerras. São Paulo: Contexto, 2008. Guerras Napoleônicas.
NICOLSON, Harold. The Congress of Viena – A Study in Allied Untry: 1812 – 1822. The
Viking Press, Nova York, 1964.
NOWINSKA, Magdalena. Parte da sociedade ou sociedade à parte? Representação de
judeus na novela Die Judenbuche (1842) de Annette von Droste-Hülshoff. Revista
Literatura E Sociedade, v.20, n. 21, p. 70-79, São Paulo, 2015.