FEMINISTAS
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Sociólogo e Antropólogo pela UFSCar e mestrando do PPG-Sociologia\UFSCar
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Mestre e Doutorando em Educação Especial pela UFSCar. Professor do Centro Universitário Unifafibe -
Bebedouro/SP
INTRODUÇÃO
A primeira autora feminista nos disability studies com a qual tive (Marco) contato
foi Jenny Morris e suas contribuições em Pride Against Prejudice (1991) refletiam todo
o movimento crítico deficiente por direitos, pós anos 60 e, ainda, adicionava a dimensão
do cuidado, das dores crônicas e de corporalidades que não exatamente se consertam
(reabilitam).
Ao nos aprofundarmos nas no jogo de disputas da área (considerando os disability
studies como um termo amplo e difuso que tenta homogeneizar uma maneira específica
de compreender a deficiência), é possível reparar que no discurso “mais oficial” do
surgimento de tal área, a epistemologia feminista (RAGO, 1998) estava presente como
periférica ou como uma crítica posterior aos primeiros entendimentos dos daqueles
considerados prógonos (todos homens) dos estudos sobre deficiência (DINIZ, 2003;
2007). Diante do exposto, esse paper se dispõe a complicar uma história homogênea
que trata da emergência dos disability studies, focalizando, ao menos brevemente, parte
do debate feminista sobre deficiência no diálogo com as teorias sociais da deficiência
que se intensificaram de maneira crítica e contundente a partir dos anos 1980.
A primeira recomendação ao ler este trabalho é que os disability studies não
possuem uma origem específica independente do contexto histórico e social e político
que possibilitaram forjar as primeiras indagações e proposições que hoje são
reconhecidas dessa vertente teórica. Para isso mencionar-se-á que o [moderno]
movimento político em prol dos direitos dos deficientes se cristalizou na efervescência
[d] “os anos 60” no bojo dos “novos movimentos sociais”. (ADELMAN, 2009).
A segunda recomendação, que se liga à primeira e será mais especificamente o
foco deste texto, trata da necessidade de admitirmos o movimento teórico-político
feminista como interferência fundamental, assim como a sociologia (ou as ciências
sociais) é creditada, na elaboração das premissas envolvendo o contexto da deficiência e
que, posteriormente, foram levadas a cabo pelas\os teóricas\os deficientes\dos disability
studies. Diante de tal tarefa, discutiremos, a partir de algumas obras que trouxeram à
tona a intersecção feminista sobre gênero e deficiência, evidenciando discussões
‘sociológicas’ sobre deficiência [mesmo que situando-se no ponto de estudos sobre
mulheres deficientes].
Em face dessas duas recomendações-temáticas, que serão construídas no
momento de nossas reflexões, oferecemos um convite para trazermos à tona algumas
discussões atualmente mais à moda nos debates propostos pelos disability studies: tanto
o que se considera como critical disability studies como um de seus exemplos, a teoria
crip.
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Lembrando que em grande parte os disability studies orbitam suas teorias em torno de dois grandes’
modelos ‘construcionistas da deficiência. O modelo social, emergente no contexto britânico, e o modelo
minoritário\de direitos, contextualizado no solo norte-americano. Para discussões pertinentes sobre essas
questões ver MEEKOSHA, 2004; DINIZ, 2007; MELLO, 2009; HARLOS, 2012.
só do desenho investigativo relacional disciplinar das ciências sociais são feitos os
disability studies.
Lennard J. Davis (2006) e Debora Diniz (2007) argumentam em consonância
que a partir dos anos 1990 tais estudos terão sua expansão crítica nas humanidades,
criando alguns distanciamentos teórico-analíticos com algumas vertentes mais
sociológicas da área4, alocando a deficiência cada vez mais como uma categoria de
análise cultural - na esteira dos entendimentos da época com relação as problemáticas
envolvendo outras categorias como classe, raça, gênero e sexualidade. Junto a esse
contexto, nesta breve exposição, resolvemos abordar a ligação entre gênero e
deficiência a partir do que mencionamos serem os estudos feministas sobre deficiência
(Feminist disability studies). Nossa suposição é que a teoria e as movimentações
feministas são fundamentais para pensar a emergência dos próprios disability studies,
assim como foi o método sociológico nos anos 1970 e 1980.
Foi no palco da crítica feminista aos paradigmas sociais, culturais e científicos
daquele período, que a corrente teórica dos disability studies pode construir também
seus debates, na medida em que
Amparados nas construções analíticas dos estudos de gênero -
em que se identificava a força das estruturas sociais para a
opressão das mulheres, retirando da natureza as justificativas
morais sobre a desigualdade de gênero -, o modelo social da
deficiência fez o mesmo ao separar lesão de deficiência. Lesão,
para o modelo social da deficiência, é o equivalente, nos estudos
de gênero, a sexo. E assim como o papel de gênero que cabe a
cada sexo é resultado da socialização, a significação da lesão
como deficiência é um processo estritamente social. (DINIZ,
2003, p. 2).
Autoras como Jenny Morris, Susan Wendell, Mairian Corker, Simi Linton e
Carol Thomas são amplamente conhecidas nos disability studies, principalmente por
suas posições críticas e feministas com relação às considerações construcionistas sobre
deficiência. Nesse sentido, arrisco dizer que a colocação de Garland-Thomson (2005, p.
1575) de que “um corpo de escritos [...] elabora a deficiência como uma construção
social, muitas vezes usando o gênero como uma pedra de toque para montar tal
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Em o que é deficiência? (2007) a Antropóloga Débora Diniz faz algumas considerações a respeito da
sociologia da medicina, como um dos saberes informativos disability studies, modelo social britânico e
sua crítica feminista. Segundo Diniz (2007, p. 61), “Diferentemente dos teóricos do modelo social, muitas
feministas não hesitaram em pôr lado a lado a experiência das doenças crônicas e das lesões,
considerando-as igualmente como deficiências, como propunham os precursores da sociologia médica
nos estados unidos.”
argumento” se refere não só às obras deficientes-feministas que ela mesma cita
constantemente em suas análises, mas também às obras que aquelas autoras citadas por
Garland-Thomson engajam-se criticamente: a saber, as teorias alavancadas por modelos
sociais de compreensão da deficiência, como, por exemplo, o modelo social britânico
que distingue lesão de deficiência, de maneira muito semelhante às distinções entre sexo
e gênero. A respeito deste difundido modelo, as feministas teóricas da deficiência
argumentam que sua fundação considera como premissas da deficiência determinadas
posições de sujeitos, que eram brancas, masculinas e físicas (DINIZ, 2007; MELLO,
2009; MELLO, NUERNBERG, 2012).
Nesse contexto, a crítica feminista estava no fato de que as teorias pautadas no
disability studies que se supunham naquele momento inovadoras, democráticas ou
promotoras da igualdade, estavam sendo delineadas por um tipo específico de deficiente
e revelavam pautas que, invariavelmente, representavam seus próprios desejos e
anseios, tratando-se de deficientes que eram “na sua maioria homens institucionalizados
por lesões físicas, inconformados com a situação de opressão em que viviam, que
iniciaram a estruturação do campo [...] reproduziam a situação privilegiada desse grupo”
(DINIZ, 2003, p.2)
No texto supracitado de 2005, Rosemarie Garland-Thomson propõe um ensaio
de revisão bibliográfica sobre as obras feministas nos disability studies. Para a autora,
ao investigarem
Conclusão
No texto Breaking the boundaries of the broken body (1996) Margrit Shildrick
e Janet Price, ao analisarem algumas teorias pós-modernas que poderiam informar mais
criticamente os disability studies, argumentam “que o corpo como eficiente (abled)\
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E pode ser acessado nesse link: http://muse.jhu.edu/journals/nwsa_journal/toc/nwsa14.3.html
deficiente (disabled) tem historicidade e é construído, não de- uma vez-por-todas, nem
por processos intencionais, mas através da constante repetição de um conjunto de
normas. É através de tal prática repetitiva que o corpo tido como eficiente\\deficiente é
tanto materializado quanto naturalizado” (SHILDRICK e PRICE, 1996, p. 94). Dez
anos depois, Robert Mcruer (2006) ecoaria, mesmo que indiretamente, as indicações de
Shildrick e Price, ao problematizar o corpo sem deficiência (able body) em sua suposta
naturalidade e normalidade. Como exemplo de sua postura queer-crip Mcruer cita Judith
Butler substituindo termos como gênero e sexualidade por capacidade corporal e
deficiência (nos colchetes)
[a capacidade corporal (Able-bodiedness)] oferece posições ...
normativas que são intrinsecamente impossíveis de encarnar, e a
persistente falha de se identificar plenamente e sem incoerência
com estas posições revela [a capacidade corporal] propriamente
não só como uma lei obrigatória, mas como uma comédia
inevitável. Na verdade, gostaria de oferecer esta visão sobre
[identidade do corpo capaz (able-bodied identity)] tanto como
um sistema obrigatório e uma comédia intrínseca, uma paródia
constante de si mesma, como uma perspectiva [deficiente]
alternativa (BUTLER Apud MCRUER, 2006, p.10).
FINE, Michelle, and ASCH, Adrienne (eds.). Women with Disabilities: Essays in
Psychology, Culture, and Politics.Philadelphia: Temple University Press. 1988
ZOLA, Irving Kenneth. Bringing Our Bodies and Ourselves Back. In: Reflections
on a Past, Present, and Future "Medical Sociology". Journal of Health and Social
Behavior, Vol. 32, No. 1 (Mar), pp. 1-16, 1991