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Elas da favela
quarta-feira, janeiro 12, 2011
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Vinte e sete de junho de 2007. A maior operação policial realizada no Complexo do Alemão, favela da
Zona Oeste do Rio de Janeiro, desde sua ocupação pela Força Nacional de Segurança Pública, que já
dura sete meses, deixou 19 mortos e 13 feridos.
Da fatalidade surgiu a inspiração para o documentário “Elas da Favela”, lançado no Dia Internacional dos
Direitos Humanos (10/12), na Assembléia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj) e veiculado
simultaneamente na TV Alerj. O curta-metragem é resultado de quatro meses de pesquisa e entrevistas
com mulheres do Complexo do Alemão, que falam de suas experiências em uma comunidade ocupada
pela polícia.
“A intenção era fazer um curta para que o filme fosse instrumento de debate, para que fomentasse
discussões e servisse de material de apoio, apresentado antes de palestras e debates”, conta Dafne
Capella, diretora do filme, uma iniciativa do mandato do deputado estadual Marcelo Freixo.
“Escolhemos entrevistar mulheres pela importância de se dar voz a quem sofre mais com a questão da
‘insegurança pública.’ Ouve-se outros setores da sociedade, mas o morador da favela, de uma forma
geral, que é quem está no meio do fogo cruzado, não é ouvido.”, afirma Dafne. “E em não se dando voz
ao morador da favela, menos ainda à mulher.”
Na contramão dessa tendência, o documentário faz questão de ampliar essas vozes. São seis mulheres
que falam de ser mãe, filha, irmã, amiga e esposa em uma favela ocupada pela polícia, sem que
entretanto sua segurança esteja garantida. Em alguns casos, muito pelo contrário.
É o caso de Josicleide, que relata uma situação que pode parecer o pesadelo de qualquer mãe, mas ali se
tornou realidade. Seu filho, menor de idade, foi baleado dentro de casa e levado para o hospital. Após
receber cuidados médicos, o jovem foi preso injustamente e passou oito dias no Departamento Geral de
Ações Socioeducativas (Degase) sob alegação de que estaria envolvido com o tráfico de drogas. Quando
o engano foi confirmado, a família recebeu uma moção de desagravo do juiz Siro Darlan, titular da 1ª
Vara da Infância e da Juventude do Rio de Janeiro.
Josicleide conta que seu filho achou desnecessário buscar a moção, mas ela fez questão de guardar o
papel. “Caso a idoneidade do filho desta mulher fosse questionada novamente, ela poderia mostrar que
não era bem assim. Mas no final das contas, é muito pouco, porque ela sabe, o filho dela sabe, mas o
resto da sociedade e polícia continuam acreditando que ele é suspeito”, avalia Dafne.
Mães da favela
Se ser mãe é padecer no paraíso, no Complexo do Alemão isso se confirma pelos relatos das
entrevistadas. Dona Jacira, por exemplo, viu seus filhos serem levados para o lado de fora de sua casa
enquanto ela e as mulheres da família foram trancadas do lado de dentro. Neste momento ela conta
Colado de <http://www.inclusive.org.br/?p=18318>
08/10/2010
Xandra Stefanel
Revista do Brasil
No verão de 1961, cinco jovens cineastas de classe média subiram morros cariocas e fizeram o filme “5x
Favela”. Lá estavam Cacá Diegues, Leon Hirszman, Joaquim Pedro de Andrade, Marcos Farias e Miguel
Borges, integrantes do Centro Popular de Cultura (CPC), da União Nacional dos Estudantes (UNE). A
obra, hoje difícil de ser vista em locadoras ou cineclubes, tornou-se um marco do cinema nacional como
uma das precursoras do Cinema Novo, movimento cinematográfico brasileiro influenciado pelo
neorrealismo italiano e pela Nouvelle Vague (nova onda) francesa.
Quase 50 anos e muitos filmes depois, Cacá voltou a subir os morros cariocas. Agora como produtor e na
companhia de sete jovens cineastas moradores de comunidades carentes do Rio de Janeiro. O longa-
metragem “5x Favela, Agora por Nós Mesmos”, lançado em agosto, tem cinco episódios, assim como o
da década de 1960. A diferença é que o olhar dos atuais diretores não é “estrangeiro”: todos moram nos
ambientes onde filmaram.
A ideia nasceu na década de 1990, quando Cacá teve o primeiro contato com organizações culturais de
várias comunidades e passou a acompanhar os curtas-metragens dos participantes de cursos e oficinas,
feitos em câmeras domésticas, editados em programas acessíveis e que circulavam quase que
exclusivamente de um núcleo comunitário a outro. Ele e a produtora Renata Almeida Magalhães
perceberam que poderiam ajudar a lapidar diamantes e resolveram montar um projeto para
proporcionar a esses jovens as mesmas condições de produção de qualquer filme de médio porte e
permitir que tivessem acesso à economia formal do cinema.
“A principal diferença entre os dois filmes é que o primeiro foi feito por cinco jovens universitários
generosos e bacanas, mas de classe média, com um olhar de fora. E esse, não. Foi concebido, escrito,
criado e realizado por jovens moradores de favelas”, compara Cacá. “Essa é a primeira geração de
audiovisual das favelas cariocas e uma contribuição importante para a evolução do cinema brasileiro. Eu
Em 2007, a dupla de produtores organizou oficinas de roteiro para escolher as histórias que seriam
filmadas. Elas foram ministradas em cinco comunidades que já desenvolviam programas de audiovisual
em favelas: Nós do Morro, no Vidigal; AfroReggae, na Parada de Lucas; Cinemaneiro, que atende
moradores da Linha Amarela; Central Única das Favelas (Cufa), na Cidade de Deus; e o Observatório de
Favelas, no Complexo da Maré.
Foram mais de 600 inscritos. Na primeira triagem, o número caiu para pouco mais de 240, que
participaram de oficinas técnicas de capacitação, como figurino e arte, entre outras. Só esse processo
consumiu cerca de 10% do orçamento total da obra, que foi de R$ 4 milhões. Todos tiveram aulas e
palestras com grandes nomes do cinema nacional, como Nelson Pereira dos Santos, Ruy Guerra, Walter
Lima Jr., Walter Salles, Fernando Meirelles, João Moreira Salles e Lauro Escorel.
Dos 240, 90 trabalharam efetivamente no filme e os demais, segundo Cacá, ficaram aptos a alçar voo no
difícil mercado cinematográfico brasileiro. Ele explica que os sete diretores foram selecionados por meio
de três critérios: “O primeiro deles, obviamente, era o currículo: quem já tinha feito um filme e
demonstrado talento. O segundo foi o aproveitamento na oficina e o terceiro, nossa intuição”.
“Quando eu recebi o argumento, senti o desafio. Ninguém queria filmar a violência porque isso é clichê,
mas eu, como gosto de drama, adorei. O fato de eu ter um irmão que foi traficante me permitiu colocar
elementos da minha vida pessoal na ficção”, comemora Luciano. Ele é morador do Vidigal e já teve seu
curta “Neguinho e Kika” premiado em vários festivais nacionais e no de Marselha (França), além de ter
trabalhado na preparação de atores de “Cidade de Deus” (Fernando Meirelles) e “Tropa de Elite 2” (José
Padilha) e atuado em 13 longas, entre os quais “Orfeu” (Cacá Diegues), “O Primeiro Dia” (Walter Salles)
Acende a Luz
Luciana Bezerra, de 36 anos, também é atriz, trabalha com cinema há 17 anos e mora no Vidigal. O
episódio que dirigiu, Acende a Luz, retrata as dificuldades de vizinhos que estão sem luz às vésperas do
Natal. “O Vidigal vive essa história a cada dia. Ela é alegre, tem muito a ver com a minha família, em
como a gente encara a vida, mesmo com as dificuldades.” Foi esse o episódio que rendeu a Dila Guerra,
da Cia. de Emergência Teatral, que trabalha para o Sindicato dos Bancários do Rio de Janeiro, o prêmio
de melhor atriz coadjuvante.
Manaíra Carneiro, de 23 anos, também estranhou as pompas do festival de cinema francês. “Foi um
choque. Saí de uma realidade muito pobre para uma muito rica, com gente ostentando, quase que
queimando dinheiro. Foi emocionante exibir nosso filme lá, mas era tudo muito estranho. Eu, por
exemplo, quase não vi criança lá [risos]! Quando vi, fotografei e fiquei mostrando para todo mundo. Tô
acostumada com a favela, cheia de criança e onde as famílias têm sete filhos”, brinca a jovem, que
sonha em continuar a trabalhar com audiovisual aliado a novas tecnologias para poder ajudar sua
família.
Fonte de Renda
Ela dirigiu com Wagner Novais, de 25 anos, o episódio Fonte de Renda, em que Maicon, um jovem
padeiro, passa a levar drogas aos colegas para ter dinheiro para estudar Direito. “Esse é um filme muito
humano. Tem quem critique porque tem muita gente feliz, rindo. O que precisam entender é que as
pessoas da favela riem e são felizes como todo mundo”, critica Wavá, como é conhecido. “Há oito anos,
quando comecei as oficinas de cinema, chorei quando vi meu primeiro curta no campinho de terra
batida da Cidade de Deus. Soube que queria aquilo para a minha vida. Hoje posso dizer que fui para
Cannes. Eu nunca esperava”, emociona-se.
Wavá teve algumas experiências semelhantes às de Maicon quando entrou no curso de Cinema na
Estácio de Sá. “Passei por dificuldades para me locomover e não podia ficar além do período da aula
porque não tinha dinheiro para me alimentar. No episódio Fonte de Renda, falo na galhofa sobre o
conflito de classes que vi na minha faculdade.”
Deixa Voar
Deixa Voar mostra as barreiras imaginárias do Complexo da Maré, onde mora o diretor Cadu Barcellos.
Conta a história de Flávio, que, para buscar a pipa do amigo, é obrigado a ir para o “território” dominado
por uma facção rival. É um retrato singelo de uma cidade chamada Maré. “Aquilo é um grande
continente com vários países: 16 comunidades, 170 mil habitantes, todas as facções, polícia, milícias... É
um episódio sobre o desconhecido, o refugiado”, explica o diretor.
Para Cadu, “5x Favela, Agora por Nós Mesmos” é mais que um filme, “é um marco na história da
cinematografia brasileira”. “Nunca vi nada parecido. Um cara da favela falando sobre a sua realidade no
cinema é revolucionário. Além disso, tem a questão do ponto de encontro, porque jovens de várias
O mais emocionante, para ele, é saber da importância disso para as pessoas que moram na favela.
“Viver de arte no Brasil é muito difícil, mas é muito legal ver sua família, os vizinhos e amigos dizendo
que se sentem representados naquilo que eu fiz, no jeito de falar, vestir, nas pequenas coisas. Isso não
acontece nas novelas, nem em outros filmes. Eu estava cansado de sentar em frente à televisão e
receber luz. Eu queria mudar de lado e reluzir.”
Cacá Diegues garante que todos conseguiram esse feito e que Leon Hirszman (1937-1987), idealizador
do primeiro “5x Favela”, está comemorando. “Onde quer que ele esteja, está felicíssimo. Leon sempre
foi um congraçador que trabalhou pela solidariedade e pela soma das pessoas.”
Colado de <http://www.brasildefato.com.br/node/4403>
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Clarissa Thomé, RIO - O Estadao de S.Paulo
A fotógrafa e documentarista Dafne Capella passou dois meses convivendo com mulheres do Complexo
do Alemão, conjunto de favelas na zona norte do Rio marcado pela guerra entre policiais e traficantes.
Ouviu a história de mulheres que cresceram ali, outras que conseguiram se mudar, mas ainda trabalham
no morro - e dramas como o da mãe que teve o filho atingido por bala perdida, preso como traficante e
que acabou recebendo pedido de desculpas judiciário, após provar ser inocente. O resultado é o
documentário Elas da Favela, que está sendo distribuído na Europa pela Anistia Internacional.
"Encontrei mulheres guerreiras, pessoas muito dignas, que se esforçam para garantir educação para os
filhos, para evitar que se envolvam com o tráfico." O fio condutor do Elas da Favela são duas líderes
comunitárias - Lúcia Cabral, de 42 anos, e Renata Trajano, de 29.
As duas enfrentam escadarias íngremes e entram em becos para apresentar as mulheres do Alemão.
Entre elas está a doméstica Josicleide Urbano, de 42. Ela conta que, certa vez, ao chegar do trabalho em
dia de tiroteio, entrou pelas vielas, apesar da ordem dos policiais de descer o morro. Quando chegou em
casa, viu o filho Ivo, de 17 anos, desmaiado, atingido por um tiro no braço. "Dos oito dias em que ficou
preso, dois foram em delegacia. Meu filho era inocente e estava no meio de adultos criminosos." Hoje,
Ivo não fala sobre o assunto nem deixa que toquem no braço. "Fiz questão que ele fosse receber o
pedido de desculpa por escrito."
O documentário não trata apenas da violência. Bruna, filha de Lúcia, aparece aos 18 anos, grávida. A
mãe é filmada distribuindo camisinhas como bolsista do projeto de saúde sexual da Fundação Ford.
"Minha filha tem informação, acesso ao preservativo, mas quis engravidar. Não adianta ter informação
se é o desejo da pessoa."
Dafne foi convidada pelo deputado estadual Marcelo Freixo (PSOL), presidente da Comissão de Direitos
Humanos da Assembleia Legislativa, para fazer uma série de documentários. Elas da Favela foi o
primeiro. "A intenção é que o documentário seja apresentado antes de debates, em escolas,
associações", diz Dafne.
Os próximos trabalhos serão sobre o sistema educacional do Movimento dos Trabalhadores Sem-Terra
(MST) e o processo eleitoral.
Colado de <http://www.estadao.com.br/noticias/impresso,historias-de-mulheres-no-alemao-viram-filme,336705,0.htm>
Sandra Azerêdo
CASTRO, Eliana de Moura; MACHADO, Marília Novais da Mata. Muito bem, Carolina!
Biografia de Carolina Maria de Jesus. Belo Horizonte: Editora C/Arte, 2007. 136 p.
Na pequena introdução da biografia de Carolina, Eliana de Moura Castro e Marília Novais da
Mata Machado sugerem que a escreveram com o objetivo de desvendar os mistérios
que cercam sua vida e, mais especificamente, de responder a perguntas relativas ao
sucesso de seu livro Quarto de despejo, editado oito vezes, em tiragens de 10 mil
exemplares cada , procurando saber também por que Carolina tinha uma necessidade
tão premente de escrever . Parece que o que intrigou as autoras foi sobretudo essa escrita
de uma mulher favelada. E negra. Escrita que, como elas relatam, teve muito sucesso, mas
um sucesso muito breve – no ano seguinte, ela já era carta fora do baralho (p. 11).
Para elas, é parte do mistério também Carolina ter sido mais bem aceita no exterior,
especialmente nos Estados Unidos. O livro busca entender como essa mulher negra,
favelada, pobre e semi-analfabeta (45), que catava papel nas ruas, escreveu um livro
publicado em 14 países, sendo as primeiras traduções curiosamente ... a dinamarquesa e
a holandesa .
Nessa busca de entender a escrita de Carolina, o livro se divide em nove capítulos, uma
parte deles refaz seu percurso, desde a infância em Sacramento, interior de Minas Gerais,
onde ela nasceu; passando por São Paulo, onde trabalhou como empregada doméstica;
depois a favela do Canindé, às margens do Tietê, onde viveu grande parte de sua vida
adulta e onde conheceu o repórter Audálio Dantas, que publicou Quarto de despejo; e,
finalmente, o sítio em Parelheiros, interior de São Paulo, onde Carolina morreu, em 1977,
aos 62 anos. Uma segunda parte dos capítulos se refere especificamente à escrita de
Carolina: Carolina e Audálio ; o sucesso de Carolina ; Carolina maldita ; a obra
de Carolina ; e Carolina redescoberta , que é o capítulo final.
As autoras fizeram um excelente trabalho de pesquisa, entrevistando uma série de pessoas
que tiveram contato com Carolina, visitando lugares pelos quais ela passou, buscando
documentos, inclusive fotos e manuscritos, produzindo assim um registro sociohistórico não
apenas do Brasil da época de Carolina, mas do Brasil de hoje, onde a desigualdade
permanece como uma questão urgente. Trata-se, pois, de um trabalho que deve ser lido,
sobretudo porque, como indica o professor Jacyntho Lins Brandão, que apre¬senta o livro,
faltam trabalhos sobre a biografada e o livro contém importan¬tes informações sobre
Carolina. Além disso, a abordagem que as autoras fazem do trabalho de Carolina é de
grande interesse, especialmente para a área de ciências humanas.
Essa abordagem, embora atenta ao contexto, privilegia os aspectos psico¬lógicos, e a
análise da escrita de Carolina busca entender sua motivação para escrever em vez de
considerar como a própria escrita funciona como um dado histórico, possibilitando o
entendimento de seu contexto. No livro de Eliana e Marília, o contexto aparece mais como
uma espécie de cenário que a personagem apenas registra em sua escrita. Isso fica
especialmente claro na seguinte passagem da biografia:
A amargura do seu discurso, o pessimismo em relação ao futuro, as incertezas sobre a
própria sobrevivência aparecem ao lado de uma apreciação lírica da paisagem, do céu
azul, da noite estrelada. Sua capacidade de apreciar a beleza a impulsiona em direção
à vida e à salvação. Brinca com suas próprias extravagâncias: O céu já está
salpicado de estrelas. Eu que sou exótica gostaria de recortar um pedaço do céu para
fazer um vestido (2007, p. 109).
Numa abordagem diferente, que considera o corpo como um artefato da escrita de Carolina,
Gizelda Melo lê essa frase como uma forma de superação do corpo subjugado das mulheres
da senzala, que, como escreve Gilberto Freire, servia para proporcionar aos jovens da casa
Colado de <http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?pid=S1679-44272008000200010&script=sci_arttext>