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António Manuel Hespanha, Um poder um pouco mais que simbólico.

Juristas e legisladores
em luta pelo poder de dizer o direito.

1. Introdução.
Este artigo lida com temas razoavelmente conhecidos e tratados, mesmo na incipiente
historiografia jurídica portuguesa sobre o século XIX. Em primeira linha, do que aqui se fala é de
assuntos que têm vindo à baila em livros ou artigos recentes de vários autores, nomeadamente
questões como a das fontes de direito ou a do controle da constitucionalidade (ou da jurisdicidade,
como já propus para evitar a confusão com problemáticas mais recentes) das leis. Qualquer dos
dois temas se encaixa num assunto de importância verdadeiramente constitucional, que é o da
composição do ordenamento jurídico, na verdade tão constitucional que apenas foi tratado – e,
ainda assim, sem o destaque nem a profundidade proporcionais – pela actual constituição. Todas
as anteriores o omitiram, como que põe respeito por um nível hiper-constituinte que nenhuma
delas ousou assumir 1.
Embora, neste texto, me refira aos aspectos histórico-dogmáticos desta questão, estou
cada vez mais convencidos que estes não se tornam plenamente compreensíveis sem a sua
vinculação a problemas de história política; não tanto de história da política geral, ou da política
constitucional. Mas de história do grupo dos juristas como participante da luta política; no caso
concreto, da luta pelo poder de dizer o direito, o qual – está bem de ver – se torna num poder
cardinal em sociedades em que vigora o primado do direito (ou dos direitos ... definidos pelo
direito), como foram as sociedades europeias de Antigo Regime – embora sob modalidades
diversas, consoante nos referimos às sociedades pré-iluministas ou às sociedades iluministas – ou
as sociedades pós-revolucionárias – também aqui sob modalidades diversas, dependentes de nos
referirmos às sociedades de matriz liberal ou às de matiz legalista-democrática.
Embora em todas elas – segundo diversas modalidades, repito – se reconhecesse o
primado do direito, o certo é que esse primado não habilitava do mesmo modo os juristas para se
alcandorar à posição de definidores últimos da ordem jurídica. Este tinha sido a posição de que
secularmente e en propre eles tinham desfrutado durante o período do direito comum. O advento
do legalismo – jusracionalista e, depois, democrático-parlamentar – obriga-os a uma partilha
indesejada, apesar da decisiva participação que têm em qualquer dos dois modelos de ordem
jurídica, ou como Kronjuristen ou como membros dos parlamentos, para não referir já a sua função
de participantes privilegiados do novo espaço público.
Seja como for, era grande a nostalgia da época em que o direito era a sua doutrina -
sábia, sensata, experimentada, recebida, produto de uma reflexão corporativa - e não as
especulações dos philosophes ou idéologues, ou a vontade arbitrária dos parlamentares. É, a meu
ver, fundamentalmente, o anseio, por parte do corpo dos juristas, de recuperar uma hegemonia
decisiva que explica a história da teoria das fontes do direito e a teoria da constituição de todo o
período oitocentusta. Mesmo se os argumentos são dogmáticos, filosóficos, de razoabilidade, eles
servem quase sempre para recuperar o domínio do campo de produção do direito. Por vezes, com
resultados colaterais que não serviam igualmente a todos os sub-grupos: a promoção simbólica da
teoria, do sistema, do método controlado, da tradição sábia, atribuía um lugar central no campo
aos juristas académicos, marginalizando os “práticos” ou os “casuístas” (ou seja, nomeadamente,
os juízes.
Embora isso não se torne, porventura, imediatamente aparente, é, portanto, com esta
sociologia do campo dos saberes jurídicos que o texto principalmente se relaciona, contribuindo
para problematizar tanto uma leitura da história jurídica orientada para as questões dogmáticas,
como uma sua leitura sob o exclusivo signo do político e das ideias dominantes neste domínio.

2. A falta de método.
Qualquer que seja o ramo do direito em que trabalhem, uma queixa era comum aos
juristas académicos portugueses - a da “falta de método” com que as disciplinas vinham sendo
tratadas. Por vezes, a expressão “falta de método” é substituída por “falta de sistema”, mas a ideia

1
Já me referi a este tema em Guiando a mão invisível. Direitos, Estado e lei no constitucionalismo monárquico
português, Coimbra, Almedina, 2994. Este silêncio constitucional sobre a questão das fontes de direito não é exclusivo do
constitucionalismo português. V., para Espanha, as inovadoras questões levantadas por Carlos Garriga e Marta Lorente,
em Cádiz, 1812. La constitución jurisdicional, Madrid, Centro de Estudios Constitucionales, 2007 (retomando textos
antriores); ver aí, também, o “Epílogo”, de Bartolomé Clavero.

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é sempre a mesma – a doutrina vinha-se limitando a fazer um tratamento anotativo da legislação e
esta, por sua vez, era muitas vezes caótica ou inconsistente.
Os inconvenientes desta situação eram apontados.
Um deles era uma deficiência “científica”, já que o direito se devia construir por grandes
princípios, aos quais as normas mais concretas pudessem ser referidas.
Dado o sincretismo então dominante – ele mesmo, decerto, uma consequência da falta de
método ... -, nem sempre se entende bem a genealogia teórica desta ideia.
A referência mítica ao “método” vinha desde o séc. XVI, impulsionada pela preocupação
ramística 2 e humanista 3, significando, ao mesmo tempo, uma preocupação de singeleza,
despojamento e popularização do discurso (populariter discurrere), um anseio por uma verdade
única e não apenas probabilística, e um discurso rigoroso, ordenado e cuja construção fosse
verificável. O alvo da crítica era o pensamento do ius commune tradicional 4, argumentativo e
casuísta, repousando nas opiniões e estilos recebidos, mais do que na coerência, singeleza e
racionalidade substancial das soluções. Esta preocupação torna-se central no iluminismo jurídico,
constituindo, em Portugal, uma das chaves do discurso pombalino de que são subsidiários os
documentos de reforma dos estudos jurídicos de 1772. Aí se determina a adopção de um “método”
sintético e compendiário, apontando esta última palavra para a ideia de que todas as proposições
deveriam depender logicamente de princípios comuns.
Porém, nesta segunda metade do séc. XVIII, a ideia de rigor metódico é ainda mais
potenciada pela convicção – também muito típica do racionalismo das Luzes - de que existe uma
ciência exacta do direito, que deve dirigir mesmo a legislação: “Uma legislação – escreve José
Veríssimo Álvares da Silva, numa obra dirigida a apontar o caminho a um “novo código” – não é
outra coisa mais, que um compêndio de sabedoria para governar certa porção da Humanidade,
que se uniu em Sociedade, debaixo de uma certa forma de governo, que entre si pacteou. Esta a
causa, porque Platão dizia, que «as Republicas são felizes, quando os filósofos as governassem,
ou os Reis fossem Filósofos» [...] a fim de fazer referir uma multiplicidade de leis a seus genéricos
princípios; e mais que tudo às regras, que a Lógica explica de um, e outro método” 5.
Neste contexto teórico, a interpretação é, em princípio, a descoberta do sentido da
natureza, “pelo que ou incide ou sobre coisas ou sobre palavras” (Karl Anton von Martíni [1726-
1800] 6, Positiones Juris Naturae, 1762, § 592). Assim, a arte de interpretar tem da sua sede
própria na lógica e no método, cujas regras gerais a jurisprudência procura especificar ( ibid., §.
595). Como a interpretação também se aplica ao direito natural, parte aqui das regras da recta
razão (ibid., § 597), da qual se extraem diversas regras para a interpretação do direito. Mesmo do
direito legislado, pois o direito natural tenderia, cada vez mais, a estar positivado na lei. E, assim,
sendo a interpretação – o saber jurídico, ou jurisprudência - cada vez mais entendido como
interpretação da lei, ela acaba por depender, ao mesmo tempo, de princípios de razão e de
método que abrem um largo campo de intervenção à doutrina.

Este último parágrafo revela, no entanto, a ambiguidade do jusracionalismo em relação às


relações entre lei e doutrina e, portanto, ao equilíbrio político entre “políticos” e “juristas”. Na
verdade, uma das tarefas dos juristas é – nesta época de absolutismo político – a averiguação da
razão e fim da proposição legislativa, pois a razão é a “causa, respeito ou fim que moveu o autor a
adoptar aquela proposição” (ibid., § 605). E, embora a natureza e o fim do homem digam muito da
razão das leis naturais; porém, “a razão das leis positivas tira-se mais das circunstâncias históricas
em que surgiram” (ibid., § 607) 7. Assim, na interpretação do direito positivo, a determinação fiel da
vontade do legislador avulta como o primeiro critério da interpretação. Por um lado, porque ela
2
Cf., sobre o tema, Walter Ong, Ramus: method and the decay of dialogue, Cambridge, MA: Harvard University
Press, 1958.
3
V. A. M. Hespanha, “Cultura giuridica; libri dei giuristi e techniche tipografiche”, em Maria Antonietta Visceglia
(ed.), Le radice storiche dell’Europa. L’étà moderna, Roma, Viella, 39-68.
4
Que então recebe a designação de “praxística”.
5
José Veríssimo Álvares da Silva, Introducção ao Novo Código ou Dissertação crítica sobre a principal causa da
obscuridade do nosso Código authentico, Lisboa, Regia Officina Typographica, 1780. p. 2-3. Note-se a oposição entre um
código “novo”, racionalmente orientado, e um código “autêntico” (cujo étimo grego significa “de origem incontroversa”,
“genuíno”; ou seja, legitimado, não pela novidade ou pela perfeição substancial, mas pela tradição). Em todo o caso,
6
Um dos redactores do ABGB.
7
Também averiguadas segundo parâmetros racionais, i.e., doutrinais, pensados pelos juristas, segundo a sua
particular concepção do que é a racionalidade ou normalidade das coisas.

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constitui a origem, ou causa eficiente do direito positivo. Depois, porque, embora sujeito às leis
naturais, o Imperante goza de uma larga margem de arbítrio na sua adaptação aos “momentos” da
sociedade civil. E, finalmente, porque se presume que é ele quem dispõe da melhor informação,
quer sobre essas circunstâncias concretas, quer sobre o conteúdo da lei natural. Por isso, K. A.
Martini não deixa de estabelecer que é apenas ao Imperante que cabe “restringir ou estender por
interpretação autêntica a sua lei, ou declarar das coisas obscuras” (ibid., § 1223).
Tudo isto contraria, evidentemente, a hegemonia dos juristas, tendo acabado por pesar
bastante sobre as medidas restritivas em relação ao império da doutrina que ocorrem nos finais do
séc. XIX: a interpretação doutrinal tende, nesta linha, a ser proibida por disposição legal, em
diversos países europeus (França, ordonnance de 1667, I, 3-7; Lei de 24.8.1790; Const. 1791,
3,5,21; Cod. Pen. 1810, art. 127; Portugal, L. 18.8.1769; devendo as dúvidas ser remetidas ao
soberano (référé législatif).
Em contrapartida, a influência da epistemologia das ciências de Kant - que chega ao
direito, nomeadamente, através do jovem Karl Friedrich von Savigny 8 -, concebendo a ciência
como um conhecimento geral, ordenado por categorias, favorece uma concepção doutrinal do
direito e, de passo, uma hegemonia simbólica dos juristas na revelação do direito. Todavia,
também a leitura de estes escritos de juventude de Savigny não se acomoda bem como o que
mais tarde se tornará a opinião dominante do autor na sua fase de maturidade (ou seja, no
System des römischen Rechts, 1840-1849), quanto aos equilíbrios entre lei e doutrina. Nesta sua
fase juvenil, Savigny tem, ainda, muito de legalista, como se pode notar no seu curso sobre
Metodologia do direito, dado na Universidade de Marburgo, em 1802/1803 9; em que Savigny
ainda designa a ciência do direito por “ciência da legislação” e, consequentemente, ainda vê na
interpretação doutrinal uma estrita busca da vontade (do legislador), rigorosamente limitada pela
sua expressão textual 10. E, por isso, o impacto do todo da obra de Savigny, debate-se numa
contradição fundamental. Ou a fonte do direito é a vontade (conjuntural) do soberano e, então, não
há grandes recursos para construir sobre as suas manifestações um saber coerente e geral como
a ciência 11. Ou se prefere esta construção científica e, então, ter-se-á que substituir a vontade real
do soberano, expressa no texto das suas leis, por uma vontade fictícia, de um legislador coerente
e razoável, mas porém fantástico. O espírito da época - que não era apenas do despotismo
iluminado dos Estados alemães (nomadamente, da Prússia e da Áustria) ou o do jacobinismo da
França revolucionária, mas ainda o de uma reacção europeia contra os abusos de uma doutrina e
de uma jurisprudência errante e incerta 12 - acaba por prevalecer, numa concepção de direito que,
por ora, concede pouco espaço à construção jurídica. Pois, apesar de continuar a considerar
8
1779-1861. Dados biográficos: http://www.savigny.de/. Sobre o conceito de “ciência da legislação” na obra do
jovem Savigny, v. Aldo Mazzacane, “Jurisprudenz als Wissenschaft”, em Friedrich Carl von Savigny, Vorlesung über
juristische Methodologie, 1802-1842, Frankfurt/Main, V. Klostermann, 2004, 30 ss..
9
E recolhido por dois estudantes de direito que, além de juristas famosos, ficaram para a história como
coleccionadores de alguns sanguinosos contos populares para meninos – os irmãos Grimm Ed. moderna de Aldo
Mazzacane em Friedrich Carl von Savigny, Vorlesungen über jurisitische Methodologie (1802-1842), Frankfurt-Main, V.
Klostermann, 2004.
10
„Die ächte Interpretation beschränkt sich auf den gegebenen Text, sucht auf, was in ihm liegt, was aus ihm zu
erkennen ist, und sie abstrahiert von allen übrigen Quellen, außer insoweit sie zur Einsicht in ihren Text beitragen“ [ a
verdadeira interpretação limita-se ao texto dado, àquilo que consta dele, que se pode extrair dele, abstraindo de todas as
outras fontes, a menos que elas contribuam para esclarecer o texto]. O texto é ambíguo, já que “texto” (ou mesmo “lei”,
“legislador”) podiam, então significar, seja o texto emanado do poder legislativo, seja os textos do Corpus iuris civilis.
11
Por isso é que Savigny anota, no seu escrito “Juristische Methodologie” (Inverno, 1802): “Begriff der
Jurisprudenz oder Gesetzgebungswissenschaft: historische Darstellung der gegebensetzenden Funktion eines bestimmten
Staates in eines Gegeben Zeit -. Das Staatsrecht gehört nicht dahin. -. Privatrecht, Criminalrecht. (2v) Erster Grundsatz. Die
Jurisprudenz ist eine historische Wissenschaft: (a) historisch in eigentlichen Sinn; (b) philologisch. Begriff des Staates –
Notwendigkeit eines äußern Faktums, wodurch die Rechte der Bürger bestimmet werden – Gesetz (Civilgesetz,
Criminalgesetz) – Behandlung des Gesetzes ? Rein logish, reine Interpretation, Ergründung des einzelnen als eine solchen
[...] Zweiter Grundsatz. Sie ist eine philosophische Wissenschaft. Systeme der Jurisprudenz sehr früh angefangen [...].
Dritter Grundsatz. Verbindung des exetischen und systematischen Elements: in dieser Verbindung die juristische Methode
vollendete [...] Neue Ansicht für die Wissenschaft: historische Behandlung im eigentlichen Sinn, d.h., Betrachtung der
Gesetzgebung als sich fortbildend in einer gegebenen Zeit. Zusammenhang unserer Wissenschaft mit der Geschichte des
Staates und des Volks. -. Das System selbst muss als fortschreitend gedacht werden” (2v-4), em Freidrich Carl von
Savigny, Vorlesungen [...], cit., 91-93. Este texto, feito de apontamentos por desenvolver, é ambíguo. Mas parece que
coincide com a interpretação acima. O saber sobre o direito (a legislação) conjuntural do Estado não é uma ciência, não
apenas porque se ocupa de factos particulares, mas ainda porque incide sobre aspectos de facto (históricos, filológicos),
que não podem constituir objecto da ciência. Esta só aparece quando se encara estes factos como manifestações
singulares de um sistema global, que compreende o todo a legislação, em relação com o ambiente político e histórico
contemporâneos.
12
Veja-se a crítica em Luigi António Muratori (1672–1750), Dei diffetti della giurisprudenza, Venezia, 1742; ou, em
Portugal, em Luís António Verney (1713-1792), Verdadeiro método de estudar, 1746; ou António Barnabé Elescano de
Aragão Morais, Demétrio moderno ou bibliographo juridico portuguez, Lisboa, 1781.

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elementos de interpretação que ultrapassam a letra da lei, a conformidade final dos resultados da
interpretação com o texto da lei permanece como a pedra de toque da validade do trabalho dos
juristas. A mudança só virá com o reforço da influência kantiana e, sobretudo, o extraordinário
impacto das concepções românticas e doutrinárias da Escola Histórica Alemã, depois da
publicação da fundamental obra de maturidade de Savigny 13
Nesta valorização da doutrina também convinha o cientismo positivista que, embora só
floresça mais tarde, por volta da década de 70, já vai dando origem, logo nas décadas de 40 e de
50, a referências aos “princípios das ciências sociais e políticas”.
E, finalmente, as influências de um jusnaturalismo retórico e acrítico, fértil em afirmações
genéricas sobre a natureza do homem, do mundo, da sociedade, da família, da mulher, dos
contratos, da propriedade, da capacidade jurídica, etc., nos quadros daquele saber ecléctico e
carregado de lugares comuns que constituía o estofo dos saberes cultivados nas abundantes
“academias de ciências morais e políticas”. Saber que se combinava bem, tanto com o
organicismo romântico, sempre em busca de formulações sintéticas e impressionistas dos factos
humanos e sociais, como com o proclamado “império da razão” trazido para a ribalta da política e
do direito pelos doctrinaires franceses da década de 1830 14.

3. Orientação doutrinal da jurisprudência ou primado da Constituição e das leis ?


Políticos e juristas.
Outra das deficiências notada pelos juristas da primeira metade do séc. XIX tinha
conotações mais práticas. A falta de método levava, não apenas à proliferação de opiniões
desencontradas, mas ainda à falta de uma direcção para as decisões jurisprudenciais.
No contexto político das primeiríssimas décadas dos regimes constitucionais – como se
conheceram em França, em Espanha e em Portugal -, esta inexistência de uma função dirigente
da doutrina não deixava, afinal, de ser consistente com a projectada função dirigente da
constituição e da lei parlamentar; a doutrina, tal como a jurisprudência, haviam de ser dirigidas, e
não dirigentes; o que, no caso da última, era um obstáculo político-doutrinal sério a um controlo
judicial da constitucionalidade das leis, pois esta supunha nos juristas e nos juízes uma
legitimidade ou competência de interpretar a constituição superior à dos mesmos parlamentares.
E, de facto, os defensores soberania (agora, da soberania popular) tendiam a ver inimigos jurados
nos juristas “sicofantas” 15 e “sofísticos” – denunciados por J. Bentham - e na sua primazia política -
a tal “desembargocracia”, resquício da velha ordem, ainda recusada pelo escritor-parlamentar
Almeida Garrett nos meados da década de 30, justamente a propósito da vigilância da
“jurisdicidade” as leis.
Na verdade, a função dirigente da constituição e da lei parlamentar tinha certos corolários.
O mais importante era a proibição da interpretação doutrinal das normas de hierarquia
superior, remetendo todas as tarefas interpretativas para o órgão legislativo 16; depois, o recurso de
cassação com fundamento na violação da lei; depois, ainda, a redução da doutrina à mera
exegese; por último, a integração legislativa das lacunas ou, faute de mieux, a integração da lei
com recurso a fontes legislativas estrangeiras 17. Daí que a difusão do poder de interpretar a

13
O Vom Beruf unserer Zeit für Gesetzgebung und Rechtswissenschaft, 1814, e o System des heutigen
römischen Rechts, 8 volumes, 1840 até 1849.
14
Cf. Pierre Rosanvalon, Le moment Guizot, Paris, Gallimard, 1985.
15
Interesseiros, parasitas.
16
Cf. Paolo Alvazzi del Frate, “Aux origines du référé législatif: interprétation et jurisorudencedans lse achiers de
doléances de 189” (conferência na Sociéte d’histoire du Droit, Paris, 2006, em http://www.scribd.com/doc/254477/Refere-
legislatif-cahiers1789; resumo de Id., Giurisprudenza e référé législatif in Francia nel período rivoluzionario e napoleonico,
Torino, 2005).
17
Solução que, se negava crédito à pura doutrina, também era muito problemática do ponto de vista do controle
parlamentar do direito

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constituição 18 e as leis 19; a insindicância das decisões dos tribunais 20; a indefinição dos contornos
da ordem jurídica, com a consequente atribuição de um poder de a conformar, de a interpretar e
de a integrar à doutrina; tudo isto era fatal para a garantia da constituição formal. Mas, também,
para a supremacia dos juristas sobre “os políticos”.
Como se sabe, as cortes vintistas estavam cheias de juristas 21. Mas nem por isso se
deixaram de ouvir no hemiciclo ecos das diatribes contra os profissionais de leis, tradicionais na
literatura popular de Antigo Regime e, agora, ainda fomentadas pela formidável e influente
hostilidade de Jeremy Bentham em relação aos homens do foro 22.
Alguns exemplos.
Em 8 de Maio de 1821 23, Borges Carneiro – ele mesmo jurista – propõe que, até nova
ordem, não sejam admitidos ao primeiro ano Jurídico novos Estudantes. A medida justificar-se-ia,
tanto pelo carácter parasitário generalidade das profissões jurídicas 24, como pela má qualidade do
ensino, cujos conteúdos seriam geralmente incompatíveis com a nova ordem constitucional 25.
A discussão do parecer da Comissão de Instrução Pública sobre a reforma dos estudos, e
da universidade 26 deu origem a um saboroso diálogo entre dois dos mais ilustres deputados
18
Sobre o carácter difuso da interpretação constitucional sob a Constituição de Cadiz de 1812, v. Carlos Garriga
e Marta Lorente, Cádiz, 1812 [...] , cit., maxime, II.2, e IV. 8 a 10. A opinião dos dois historiadores espanhóis funda-se no
facto de a constituição autorizar qualquer espanhol a denunciar às cortes ou ao rei a violação da constituição por qualquer
autoridade (“Art. 372. As Cortes nas suas primeiras sessões tomarão em consideração as infracções da Constituição, que
lhes tiverem feito presentes, para lhes dar o remédio conveniente e fazer efectiva a responsabilidade dos que tiverem
contravindo a ela. Art. 373. Todo o Espanhol tem direito de requerer ás Cortes ou ao rei para reclamar a observância da
Constituição”, trad. port. da época), com isto se legitimando um poder muito difuso de interpretar a constituição.
Teoricamente, o raciocínio pode parecer um pouco exagerado, pois o denunciante apenas aventava uma interpretação
constitucional, que as Cortes acolheriam ou não. A Constituição portuguesa de 1822 atribuía idêntico poder de
representação a “qualquer português” (art. 16º - Todo o Português poderá apresentar por escrito às Cortes, ou ao poder
executivo reclamações, queixas ou petições, que deverão ser examinadas; art. 17º — Todo o Português tem igualmente o
direito de expor qualquer infracção da Constituição, e de requerer perante a competente Autoridade a efectiva
responsabilidade do infractor.”); embora, quanto às dúvidas de “quaisquer autoridades” sobre a interpretação das leis, as
mandasse endereçar ao Supremo Tribunal de Justiça, que a remeteria, acompanhada do seu parecer, ao rei, para
resolução final pelas Cortes (artº 191, III).
19
Esta crença na possibilidade de tornar o controlo da constituição e das leis num atributo genericamente
concedido relaciona-se, evidentemente, com a nova noção de espaço público (cf. J. Habermas, Strukturwandel der
Öffentlichkeit. Untersuchungen zu einer Kategorie der bürgerlichen Gesellschaft, 1962), como lugar de debate pela opinião
pública esclarecida das questões que interessam a todos. Alguns dos mais prolíficos juristas do trânsito do século - como J.
Bentham e, na área luso-brasileira, Silvestre Pinheiro Ferreira – viveram sobretudo para a difusão de subsídios para a
criação deste espaço aberto de discussão política e jurídico-constitucional (v., adiante, nota Error: Reference source not
found: “Esperar que, sem uma publicidade verdadeira, e independente da vontade dos funcionários públicos, se possam
descobrir, e castigar os seus [da Constituição] erros e abusos, é deplorável cegueira [...]”, Silvestre Pinheiro Ferreira, aí
citado).
20
Segundo a Constituição de Cadiz, os juízes continuavam dispensados de fundamentar as sentenças, na
sequência de um estilo do direito comum, que tinha sido recebido pelo direito castelhano (Carlos Garriga & Marta Lorente,
Cádiz, 1812 [...], 261 ss.), mas não pelo direito português. Assim, no primeiro constitucionalismo português, na sequência
do direito anterior, tanto havia a obrigação de motivar as sentenças, como se podia pedir revista de uma sentença, com o
fundamento de que fora dada contra direito expresso (“nulidade ou injustiça notória”, diz o art. 192º da Constituição de
1822; sendo que um dos casos de nulidade da sentença era, segundo a Ord. III, 75, a dada “contra direito expresso”).
21
Fernando Piteira Santos, Geografia e economia da revolução de 1820, Lisboa, Publicações Europa América,
1962.; entre os 110 eleitos, 43 magistrados e outros juristas, 20 lentes e professores, 15 eclesiásticos, 11 militares, 5
proprietários, 3 médicos e 3 negociantes (cf. http://maltez.info/respublica/portugalpolitico/acontecimentos/1820.htm );
biografias em http://maltez.info/respublica/portugalpolitico/classepolitica/abcedario.htm (nos meritórios e generosos sites
organizados por José Adelino Maltez)
22
Sobretudo nas suas obras Manuel de sophismes politiques (1824) e Chrestomatia (1816), as quais, não
sendo dirigidas especificamente aos juristas, criticam muitos dos seus usos de linguagem.
23
DCGECNP, nº 74, p. 831.
24
“Qual é a razão porque as demandas duram tantos anos? é por causa dos Advogados. Há pouco vimos uma, a
da Chapeleiro: era questão que se decidia em duas horas, levou 6 anos [...]a razão é porque das demandas vive muita
gente, vivem Letrados, vivem Procuradores, e outra muita gente: para viver esta muita gente é preciso durar uma demanda
5 anos; isto é hum grandíssimo mal, porque todo o homem que anda em demandas anda em ódios, e distraído das suas
ocupações: é preciso que esta imensa turba, chamada gente de Lei, e vá tomar outro modo de vida, que vão para as Artes,
e para a Agricultura: não é necessário tantos Letrados, tantos Ministros, tanta gente de Lei, que vivem de discórdias e
ódios entre os Cidadãos, e principalmente estabelecer uma Lei para conciliar as partes [...]” (loc. cit.).
25
“O Estudo de Direito Canónico e Civil, tal qual está, não vale nada: o Direito Canónico lá vale alguma coisa
porque não há maus Compêndios, mas sobre Direito Civil os Estudantes tem muita coisa que, aprendendo-a, hão de
desaprender. O Direito Pátrio, tal qual está, não serve de nada: as Instituições de Pascoal José de Mello são muito boas,
mas não servem: tem muita coisa em contraposição com o sistema Constitucional: tudo que se diz sobre ultimas vontades,
e sobro escravos, são erros que é necessário desaprender” (loc. cit.).
26
V. DCGECNP, nº 157, de 21-8-1821, p. 1967.

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juristas – Manuel Borges Carneiro e Manuel Fernandes Tomás. O primeiro desconfiava que os
lentes da Universidade pudessem elaborar uma reforma universitária liberta das “trapaças” da
doutrina jurídica tradicional 27. Ao que o segundo – menos cáustico, em geral, em relação aos
juristas - ripostou que o mal não estava na doutrina jurídica universitária, mas na prática do foro 28.
Qualquer que fosse a sede do mal, o mal era o mesmo – a inadequação do direito ao sistema
constitucional. O público em geral, esse, queixava-se às Cortes da demora das demandas,
causadas pela chicana forense 29.
Esta desconfiança em relação aos juristas continuava-se numa desconfiança em relação
aos tribunais. Embora devamos voltar ao assunto, não deixaremos de transcrever aqui as
emblemáticas posições tomadas em Cortes por alguns deputados famosos sobre o
incumprimentos das leis pela administração e, em particular, pelos tribunais, nomeadamente pelas
suas mais altas instâncias. Segundo eles criam, a revolução podia estar duplamente em perigo.
Não apenas pelo incumprimento das leis, em si mesmo; mas pela revolta popular contra os
abusos das autoridades constituídas.
“O Senhor Borges Carneiro. - A razão porque continuo as vexações dos Ministros, é porque
todo o Negocio está dependente do Desembargo do Paço. Todo o Requerimento contra Ministro, ha
de ir ao Desembargo do Paço, e ele põe-lhe uma pedra era cima, e tudo fica no mesmo estado. Eu
sei de hum Requerimento de numa parte que se queixava de hum Ministro, em razão de injustiças
cometida sem uns Autos em que requeria que eles subissem à Mesa; passearam-se 20 Ordens, e
tudo estava no mesmo. Requeria a Parte ao Desembargo do Paço para virem os Autos, dizia o
Desembargo do Paço "Passe Ordem 2:000 réis. Diz outra vez a Parte, não cumpriu a Provisão, está
tudo no mesmo estado" Passe Ordem dizia o Desembarco do Paço: 2000 réis. Vinha a Parte outra
vez. O Ministro não cumpre. Dizia o Desembargo do Paço "Passe Ordem" 2:000 réis. Quarenta mil
réis lhe levou de Ordens, e no fim de uns poucos de anos de luta, mandou o Corregedor os Autos.
Chegarão à Mesa. Diz a Mesa "Remetidos ao mesmo Corregedor para tornar a informar" Então os
Ministros que sabem isto podem por ventura ter amor da justiça? podem obrar como devem?
Certamente não. Não tenho ódio nenhum pessoal àqueles Ministros; Deus lhes dê as fortunas que
desejo para mim, mas considerado? como Desembargadores do Paço são indignos da confiança
Publica. Tudo ali fica emperrado, e a Regência está amarrada sem poder fazer nada; por isso apoio
com urgência a moção do senhor Alves do Rio.
O senhor Castelo Branco. - O mal é da maior evidência. Se nós víssemos que os Ministros
em geral cumpriam as Leis, e a Administração Publica não ia bem; então era uma consequência que
o defeito vinha das Leis, e não dos que a executavam. Porem nós todos os dias coramos ouvindo
factos praticados pelos Ministros contra as Leis que eles não cumprem logo não vem o mal só de
que as Leis são defeituosas, mas sim da má vontade dos Executores. Jamais poderemos conseguir
o fim que desejamos, uma vez que não tenhamos homens aferrados ao sistema. A males
extraordinários, eu não conheço senão remédios extraordinárias. Conheço quanto é arriscado o
deixar ao Poder Executivo todo o arbítrio, entretanto as circunstâncias nos obrigam a autorizar a
Regência a tomar uma medida Provisória. [...] O que eu digo é, que uma vez que nós desgostemos
os Povos, não poderemos marcar até onde poderão chegar os resultados, por isso me parece bem
ordenar que a Regência seja interinamente autorizada para dar nisto providencias as mais prontas,
sem se ligar, nem mesmo às formalidades determinadas pelas Leis”. 30

27
“Há presunção que aqueles Lentes tendo sido criados com estas doutrinas lhe tenham amor, e aferro; e por
consequência que na reforma se introduzam certos princípios de trapaça, que venham depois a contaminar o foro. Hoje em
dia é necessário que se busquem homens que tenham ideias da verdadeira filosofia, que tenham lido mais filósofos que
juristas; pois que estes sempre militam sobre os bárbaros princípios donde procedeu a legislação romana” (loc. cit.). mais
tarde, quando se discute o (tradicional) acesso automático dos lentes de direito aos lugares de desembargador. Borges
Carneiro volta a manifestar claramente a sua opinião sobre os professores de direito: “O Sr. Borges Carneiro: - Como a
Constituição diz «que a promoção da magistratura seguirá a regra da antiguidade no serviço com as restrições, e pela
maneira que a lei determinar» está evidente que o serviço de que fala é o feito na magistratura e nenhum outro. Como pois
se pretende agora ir buscar o serviço de lente de Coimbra para os lugares de desembargadores? Eis aí uma coisa
directamente contraria à Constituição [...] Um lente está hábil para bem servir a magistratura? Não vai nada da teoria á
pratica? Sofre a boa administração da justiça que alguém passe de repente da cadeira à relação? E se os lentes juristas
pretendem de justiça esta prerrogativa, porque a não hão de ter igualmente os lentes teólogos, médicos, filósofos,
matemáticos? Venham estes também para as Relações [...] “ (DCGECNP, nº 54, de 04-10-1822, p. 683).
28
“Aquela trapaça de que fala o Preopinante não se ensina na Universidade, aprende-se aqui no foro. Eu andei
na Universidade, e pratiquei no foro; o que aprendi no foro era alheio do que me ensinarão em Coimbra” (loc. cit.).
29
“À Comissão de Legislação foram remetidas duas Petições, uma em nome de Joaquim Ignacio de Seixas,
outra em nome de D. Josefa Maria do Livramento Smith [...] ambas a pedirem uma nova Lei, que com penas graves
desterre do Foro as demoras estudadas, com que se estorvam os progressos das demandas” (DCGECNP, nº 51, de 05-
04-1821, p. 47). O que encontra eco nas palavras de Borges Carneiro – embora a outro propósito – dias depois: “Desta
minha moção desejo se mande tomar lembrança na Acta, e bem assim que se recomende à Regência do Reino que
expeça ordens mui positivas às Relações e Juízos contenciosos para que tratem de extirpar e abreviar as demandas,
interminável origem de ódios e dissensões, devendo o inumerável exercito que vive deste sórdido e cruel mester de
demandas e disputas forenses, ir procurando outro modo de vida” (ibid., 28-4-1821, p. 710.”.
30
DCGENP, de 10-04-1821, p. 527 ss..

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6
Politicamente, qualquer alusão aos poderes dos juristas de conformarem o direito,
nomeadamente no plano do direito político, não poderia deixar de ser entendida como tentativas
de deslegitimar a soberania popular. Por isso, as primeiras obras jurídicas pós-vintistas não são
férteis nessas declarações sobre alegadas faculdades de criação do direito que, por natureza,
competiriam à doutrina. Pelo contrário. Autores muito reputados e usados na primeira metade do
século continuam a dizer – na esteira do “legalismo” 31 da Lei da Boa Razão e em conformidade
com o monopólio de criação de direito atribuído ao parlamento pela lógica dos regimes
representativos – que a doutrina não goza de um valor obrigatório 32. O que se propõe, isso sim, é
que o código possa guardar a unidade de pensamento e de sistema 33, o que se conseguiria
entregando a elaboração do projecto a um só homem ou a uma comissão de juristas; mas um ou
outra haviam de ser nomeados pelo poder soberano, como sempre acontecera na história 34,
recaindo no poder soberano o poder de transformar o projecto em texto legal definitivo.
O primeiro manual de direito constitucional publicado em Portugal – uma tradução do
salamantino Ramón Salas 35 - insiste na origem parlamentar da Constituição e das leis, cometendo
a feitura de uma e outras aos órgãos representativos. “Segundo o meu parecer – escreve ele (ob.
cit., p. 7) - uma Constituição politica, não é outra coisa, do que a expressão autêntica 36 das regras,
e condições, com que um povo quer ser governado [...]“. Desta legitimidade original da
Constituição, expressão da soberania popular, decorre o princípio do primado da constituição
sobre todas as outras leis 37, bem como o papel subordinado (exegético, anotativo) da doutrina
jurídica 38. O texto citado na nota anterior, ao distinguir os casos em que um jurisconsulto, actua
como tal, “tratando do direito estabelecido” (de iure condito) daqueles assume a pose “de filósofo,
e legislador se trata do Direito, que devia estabelecer-se” (de iure condendo), resume os lugares
dos juristas no cenário do legalismo, desde os finais do séc. XVIII até aos meados do séc. XX.
Actuavam, antes do acto do legislador, como especialistas, de filosofia ou de política,
assessorando o Príncipe ou integrando as comissões preparatórias de legislação, num caso ou
noutro formulando propostas de política do direito, a ser apreciadas pelo legislador. Depois de
promulgada a lei, voltavam à sua veste de técnicos de direito, de juristas em sentido próprio, para
explicar e aplicar a vontade do legislador. É por isso que a exuberância doutrinal que encontramos

31
Que, como vimos, pode ser apenas aparente.
32
“42. Ill [...] continuadamente recorremos aos escritos e opiniões dos JCtos, não porque tenham força
de obrigar, mas ou porque neles achamos a tradição sucessiva, ou o direito consuetudinário, sobre a decisão dos casos e
inteligência das leis duvidosas ou porque nos servem de meio para descobrir a boa razão das leis, e chegar à sua
verdadeira interpretação. O mesmo se deve dizer dos Arestos [...] ”(M. A. Coelho da Rocha, Instituições [...] , 1845, nº 42.III.
33
“Tratando-se de uma obra, que deve ser hum sistema, e ser um todo, coerente entre si, em cada um dos seus
artigos, que poderia haver mais discreto, do que procurar consegui-la pelo trabalho de um só entendimento ?”, Vicente
José Ferrer Cardoso da Costa, O que he o código Civil, Lisboa, Typ. De António Rodrigues Galhardo, 1822, p. vi.
34
“Justiniano juntou hum Tribunal de Jurisconsultos, para lhes incumbir a tarefa das suas Compilações: e não se
viu empregar depois nenhum outro meio, senão este, para se fazerem Códigos. Ternos entre nós a prova disto, não só nas
Ordenações, de que usamos, e nas outras, que lhe precederão, mas também nos projectos de sua reforma, de que se tem
tratado há século e meio [...]”,Vicente José Ferrer Cardoso da Costa, O que he o código Civil, cit., 3.
35
Ramon Salas (y Cortez), Lições de direito público constitucional para as escolas de Hespanha, trad. por D. G.
L. D'Andrade, Lisboa, Rollandiana, 1822. A edição portuguesa não compreende a parte da obra de Salas mais
especificamente dedicada à análise da Constituição de Cádis. Para uma edição integral, Ramon Salas, Lecciones de
derecho publico constitucional, Introducción de Jusé Luís Bermejo, Madrid, Centro de Estudios Constitucionales, 1982.
36
De novo a palavra que remetia para uma legitimidade primitiva e própria.
37
“As Leis Constitucionais chamam-se também fundamentais, porque são o apoio, o cimento, e os alicerces do
edifício social, que sem elas não pode ficar sólido por muito tempo. Chamam-se também frequentemente Leis primárias
(ou primitivas) para dar a entender que com elas se devem conformar as Leis, que versam sobre interesses individuais, e
subordinados; e as quais se chamam Leis secundárias. E com efeito, se as Leis secundárias se não acham em perfeita
harmonia com as Leis primárias, fundamentais, ou Constitucionais, um Governo não pode ser libe ral senão no nome. Que
me importa, que a Lei primária sancione a liberdade individual, se as Leis secundárias põem a minha liberdade à
disposição de alguns mandatários, ou agentes de poder, que podem privar-me dela pretextando medidas de segurança, ou
em virtude do Caveant Consules do Senado Romano, de que em todos os tempos se fez um uso tão imoderado contra a
liberdade dos Cidadãos? Em poucas palavras, as Leis secundárias não devem ser senão as consequências naturais das
Leis primárias fundamentais, ou Constitucionais” (ob. cit., p. 4).
38
Como discurso distinto do filósofo ou do político: “Leis Constitucionais, (ou Constituintes) são as que se
contêm, ou devem conter-se em uma Constituição politica; as que se contêm, quando como Jurisconsulto trata do Direito
estabelecido; e as que devem conter-se, quando como Filósofo, e Legislador se trata do Direito, que devia estabelecer-se.
Na primeira parte desta obra fala-se das Leis Constitucionais, que uma boa Constituição Política deve conter; e nos
reduzimos a dar nela teorias, e abstracções; e na 2ª. quando tratarmos de confrontar com nossos princípios a Constituição
Politica da Monarquia Espanhola falaremos das Leis Constituintes no primeiro sentido, isto é, das Leis, ou disposições
contidas na Constituição” (ob. cit., 3-5).

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7
na obra de R. Salas, como na de outros autores congéneres, não indicia pretensões de criar
autonomamente direito, mas antes de influenciar o legislador. J. Bentham – bastante consciente
da distância entre Sólon ou Licurgo e os seus conselheiros – não fez outra coisa durante toda a
sua vida: tentar ser a eminência parda, por detrás de quem fizesse as leis.

4. As pretensões “contra-maioritárias” da doutrina.


Passada esta vaga de culto irrestrito da soberania popular, surgem projectos de introduzir
na política e no direito elementos que corrigissem o eventual desatino das maiorias parlamentares.
Ou porque se mantinha estas a memória dos “governos de assembleia” – nomeadamente do
período da Convenção e do Terror (1792-1795) -; ou porque se passou a entender que a Nação
não se esgotava na geração de cidadãos que sufragaram o parlamento; ou porque se entendia
que o fazer do direito não era matéria de exercício de poder político, mas antes ou o legítimo uso
de autoridade carismática, social ou técnica 39 ou uma tarefa sobretudo codificatória de um direito
deposto na tradição e que era preciso, apenas codificar.
Mesmo no plano constitucional, contraposta à ideia de uma constituição como acto de
ruptura, “constituinte”, fundado na formulação de uma vontade maioritária da “nação representada”
cedo apareceu a ideia de uma constituição-codificação, que recolhesse, garantisse por escrito não
essa vontade de uma maioria parlamentar, mas o génio da “nação originária”, vertido nas suas
antigas leis fundamentais, eventualmente rejuvenescidas. Lembremos, apenas, três exemplos. Em
1812, as Cortes de Cádis justificavam, assim, a empresa constituinte: “Las Cortes generales y
extraordinarias de la Nación Española, bien convencidas, después del mas detenido examen y
madura deliberación, de que las antiguas leyes fundamentales de esta Monarquía, acompañadas
de las oportunas providencias y precauciones, que aseguren de un modo estable y permanente su
entero cumplimiento, podrán llenar debidamente el grande objeto de promover la gloria, la
prosperidad y el bien de toda la Nación, decretan la siguiente Constitución Política para el buen
gobierno y recta administración del Estado”. Em 1814, Luís XVIII descreve do mesmo modo o
modela da sua Charte, bem como a relação entre o voto do povo e o carácter na Nação: “Nous
avons enfin cherché les principes de la Charte constitutionnelle dans le caractère français, et dans
les monuments vénérables des siècles passés» 40. E em Portugal, em 1822, logo no preâmbulo da
Constituição, exprimisse a mesma ideia de que a vontade parlamentar, embora maioritária, apenas
poderia convir com a constituição tradicional e codificá-la (“decretá-la”) convenientemente, se
sacramentalmente inspirada por Deus: “Em Nome da Santíssima e Indivisível Trindade, as Cortes
Gerais Extraordinárias e Constituintes na Nação Portuguesa, intimamente convencidas de que as
desgraças públicas, que tanto a tem oprimido e ainda oprimem, tiveram a sua origem no desprezo
dos direitos do cidadão, e no esquecimento das leis fundamentais da Monarquia; e havendo
outrossim considerado, que somente pelo restabelecimento destas leis, ampliadas e reformadas,
pode conseguir-se a prosperidade da mesma Nação, e precaver-se, que ela não torne a cair no
abismo, de que a salvou a heróica virtude de seus filhos; decretam a seguinte Constituição
Política, a fim de assegurar os direitos de cada um, e o bem geral de todos os Portugueses 41 42.
39
Sobre os fundamentos doutrinais destas correntes anti-parlamentares do primeiro constitucionalismo, v. o meu
livro Guiando a mão invisível [...] , 11.4.8.1 e 12.2.
40
“Nous avons dû, à l’exemple des rois nos prédécesseurs, apprécier les effets des progrès toujours croissants
des lumières, les rapports nouveaux que ces progrès ont introduits dans la société, la direction imprimée aux esprits depuis
un demi-siècle, et les graves altérations qui en sont resultées: nous avons reconnu que le vœu de nos sujets pour une
Charte constitutionnelle était l’expression d’un besoin réel; mais en cédant à ce vœu, nous avons pris toutes les précautions
pour que cette Charte fût digne de nous et du peuple auquel nous sommes fiers de commander. Des hommes sages, pris
dans les premiers corps de l’Etat, se sont réunis à des commissions de notre Conseil, pour travailler à cet important
ouvrage. En même temps que nous reconnaissions qu’une Constitution libre et monarchique devait remplir l’attente de
1’Europe éclairée, nous avons dû nous souvenir aussi que notre premier devoir envers nos peuples était de conserver, pour
leur propre intérêt, les droits et les prérogatives de notre couronne. Nous avons espéré qu’instruits par l’expérience, ils
seraient convaincus que l’autorité suprême peut seule donner aux institutions qu’elle établit, la force, la permanence et la
majesté dont elle est elle-même revêtue; qu’ainsi lorsque la sagesse des rois s’accorde librement avec le vœu des peuples,
une Charte constitutionnelle peut être de longue durée; mais que, quand la violence arrache des concessions à la faiblesse
du gouvernement, la liberté publique n’est pas moins en danger que le trône même. Nous avons enfin cherché les principes
de la Charte constitutionnelle dans le caractère français, et dans les monuments vénérables des siècles passés ».
41
Apresentado pelo Dr. Moura em nome da Comissão da Constituição, em Sessão de 8 de Fevereiro de 1821 –
Mandou-se imprimir para discussão. Em sessão de 9 de Julho principiou a discussão sobre o preâmbulo e ficou aprovado.
Em sessão de 13 de Julho continuou a discussão, e decidiu-se que as palavras “havendo maduramento considerado” se
substituíssem “intimamente convencidas”. Que à palavra “oprimem” se juntasse “ainda” Que se dissesse “ampliadas e
reformadas”; que se suprimissem as palavras “com oportunas providências”; que à palavra “renascer” se substituía
“resultar”; que se suprima a palavra “antiga” ficando só “prosperidade”; que se suprima a palavra “Cidadãos”.
42
Sobre a ideia de constituição como codificação da tradição jurídica, v., para Portugal, o meu artigo "O projecto
institucional do tradicionalismo reformista", em O liberalismo na península ibérica na primeira metade do século XIX,

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O surgir da figura do poder moderador - sob este nome, ou sob a invocação do “princípio
monárquico” ou, sem nome, mas por meio de adequados mecanismos constitucionais (direito de
veto, poder de dissolução das câmaras, responsabilidade ministerial exclusivamente perante o rei)
– tem também como função a de aportar um princípio “contra-maioritário” aos regimes
constitucionais”. E por isso se estende por toda a Europa continental e pelo mundo influenciado
pelos seus modelos constitucionais 43.
Porém, a peça talvez mais expressiva e influente da ideia de uma legitimidade contra-
maioritária própria da autoridade dos juristas provém de França, onde, logo a partir do Directório, e
muito especialmente, durante a preparação do Code Civil, os juristas reclamam para si uma
especial sagesse que os tornaria nos guardiões naturais do verdadeiro direito, senão com um
poder de cassation à rebours sobre o direito parlamentar, pelo menos com uma reserva natural –
oponível mesmo ao legislador - de interpretar e de integrar com generosa amplitude as leis
positivas, à luz de um direito natural, de cujo discernimento eles seriam os detentores
monopolistas. O Discours préliminaire sur le Projet du Code Civil apresentado por Jean-Etienne-
Marie Portalis 44, no 1º do Pluvioso do ano IX 45, contém as linhas de orientação desta nova defesa
da função criadora dos juristas, agora em face das novidades de um regime de alegado primado
da lei parlamentar. Essa defesa articula-se nas linhas seguintes:
 o direito positivo como aplicação do direito natural 46;
 este, como ordem imperativa, fundada na natureza das coisas;
 os juristas, como possuidores de uma sabedoria, feita de tradição, de estudo e de
prática, capaz de identificar os princípios desta ordem e, logo, detentores das chaves
de compreensão e de integração do direito legislado 47 48;
 os magistrados, senhores de uma ciência de concretização do direito, estranha à
ciência do legislador, o qual, por isso, não pode invadir o campo da magistratura 49 50.

Lisboa, Sá da Costa, 1982, I, 63-90.”; por último, a propósito da Constituição de Cádiz, v. Carlos Garriga e Marta Lorente,
Cádiz, 1812 [...] , 22 ss.; 377 ss.. e bibl. aí citada.
43
Sobre ele e a sua teoria, v. o meu livro Guiando a mão invisível [...], 250 ss..
44
Jean-Etienne-Marie Portalis Discours et rapports sur le Code Civil, précédés de l’Essai sur l’utilité de la
codification de Frédéric Portalis, Paris, Centre de Philosophie Politique et Juridique, 1989.
45
21.01.1801.
46
“Les lois ne sont de purs actes de puissance; ce sont des actes de sagesse, de justice et de raison. Le
législateur exerce moins une autorité qu’un sacerdoce [...] “, 5; “Quoi que l’on face, les lois positives ne sauraient jamais
remplacer l’usage de la raison naturelle dans les affaires de la vie [...] “, 7.
47
“C’est au magistrat et au jurisconsulte, pénétrés de l’esprit général des lois, à en diriger l’application.// De là,
chez toutes les nations policés, on voit toujours se former, à coté du sanctuaire des lois, et sous la surveillance di
législateur, un dépôt de maximes, de décisions et de doctrines qui s’épure journellement par la pratique et par le choc des
débats judiciaires, qui s’accroît sans cesse de toutes les connaissances acquises, et qui a constamment été regardé
comme le vrai supplément de la législation” [...], Mais le Code le plus simple serait-il à la portée de toutes les classes de la
société ? Les passions ne seraient-elles perpétuellement occupées à en détourner le vrai sens ? Ne faut-il pas une certaine
expérience pour faire une sage application des lois ?”, 8-10 ; « Dans l’état de nos sociétés, il est trop heureux que la
jurisprudence forme une science qui puisse fixer le talent, flatter l’amour propre et réveiller l’émulation. Une classe entière
d’hommes se voue dès lors à cette science, et cette classe. Consacrée à l’étude des lois, offre des conseils et des
défenseurs aux citoyens qui ne pourraient se diriger et se défendre eux-mêmes, et devient comme le séminaire de la
magistrature », 13.
48
“Le droit est la raison universelle, la suprême raison fondée sur la nature même des choses. Les lois sont ou ne
doivent être que le droit réduit en règles positives, en préceptes particuliers.// Le doit est moralement obligatoire ; mais par
lui-même in n’emporte aucune contrainte ; il dirige, les lois commandent ; il sert de boussole, et les lois de compas. // Les
divers peuples entre eux ne vivent que sous l’empire du droit ; les membres de chaque cité snt régis, comme hommes, par
le droit, et comme citoyens, par des lois », 15.
49
« il est deux sortes d’interprétation : l’une par voie de doctrine, et l’autre par voie d’autorité.// L’interprétation par
voie de doctrine, consiste à saisir le vrai sens des lois, à les appliquer avec discernement, et à les suppléer dans les cas
qu’elles n’ont pas réglés. Sans cette espèce d’interprétation pourrait-on concevoir la possibilité de remplir l’office de juge ?
L’interprétation par voie d’autorité consiste à résoudre les questions et les doutes par la voie de règlements ou de
dispositions générales. Ce mode d’interprétation est le seule qui soit interdit au juge [...] Forcer le magistrat de recourir au
législateur, ce serait admettre le plus funeste des principes ; ce serait renouveler parmi nous la désastreuse législation des
rescrits ; car, lorsque le législateur intervient pour prononcer sur des affaires nées et vivement agités entre particuliers, il
n’est pas plus à l’abri des surprises que les tribunaux. On a moins à redouter l’arbitrage réglé, timide et circonspect d’un
magistrat qui peut être reformé, et qui est soumis à l’action en forfaiture, que l’arbitraire absolu d’un pouvoir indépendant qui
n’est jamais responsable. [...] », 13.
50
« Il y a une science pour les législateurs, comme il y en a une pour les magistrats ; et l’une ne rassemble pas à
l’autre. La science du législateur consiste à trouver, dans chaque matière, les principes les plus favorables au bien commun
: la science du magistrat est de mettre ces principes en action, de les ramifier, de les étendre, par une application sage et

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Nesta coabitação, o espaço mais restrito é, como se vê, o do legislador, entalado entre a
sabedoria quase sacral dos juristas e a artesania casuística dos juízes 51. Nem era livre de querer o
que lhe aprouvesse, nem sequer de levar até à fase da aplicação as suas atribuições normativas.
Esta recuperação da tradicional função dos juristas de criar e de legitimar o direito é,
portanto, levada a cabo a partir de 1804.
Porém, o ambiente político e cultural da Restauração e do doutrinarismo da Monarquia
orleanista (a partir de 1830) ainda reforçam mais uma concepção elitista e “contra-maioritária”
(como hoje alguns gostam de dizer) do direito. Também no campo jurídico, impera, agora
soberanamente, a ideia de um “império da razão”, adverso da criação parlamentar do direito e, em
contrapartida, adepto de uma sua legitimação pela autoridade racional ou científica 52.

5. Os juristas doutrinários: razão, filosofia, tradição. A constituição supra-


constitucional.
Os testemunhos desta reaquisição de poder e de capacidade de intervenção dos juristas –
sobretudo dos juristas académicos, aqueles que, no ambiente português, estudámos mais
sistematicamente – são contínuos a partir dos anos 40, embora com diferentes graus de auto-
confiança.
Uns, mais próximos das posições românticas e doutrinárias – como Basílio Alberto de
Sousa Pinto 53 - com declarações rotundas sobre o primado da razão, da “natureza” e do
temperamento dos povos, sobre as decisões de efémeros arranjos políticos nas Câmaras. Outros,
embora perfilhando ideais políticos mais próximos das posições democráticas – como Vicente
Ferrer Neto Paiva (1798-1886) 54 - reclamando os direitos da “filosofia” na conformação do direito.
Outros, por fim, com perfis mais “técnicos” do que “ideológicos”, invocando ou a tradição
dogmática, desde os praxistas até aos autores portugueses pós-liberais 55 – como é o caso de

raisonnée, aux hypothèses privées ; étudier l’esprit de la loi quand la lettre tue, et de ne pas s’exposer à être tour à tour
esclave et rebelle, et à désobéir par esprit de servitude » 13.
51
« Il y a une science pour les législateurs, comme il y en a une pour les magistrats ; et l’une ne rassemble pas à
l’autre. La science du législateur consiste à trouver, dans chaque matière, les principes les plus favorables au bien commun
: la science du magistrat est de mettre ces principes en action, de les ramifier, de les étendre, par une application sage et
raisonnée, aux hypothèses privées ; étudier l’esprit de la loi quand la lettre tue, et de ne pas s’exposer à être tour à tour
esclave et rebelle, et à désobéir par esprit de servitude » 14.
52
Estas são as ideias centrais da corrente doutrinária. V. o meu Guiando a mão invisível [...], maxime, 162 ss. e
bibl. aí citada.
53
Basílio Alberto de Sousa Pinto (1793-1881), de origem pequeno-aristocrática-rural (1º visconde de São
Jerónimo), doutor em leis (1817), activista revolucionário em 1820 e deputado às cortes constituintes, de que foi secretário;
desterrado durante o miguelismo. Como professor, ensina História do Direito (1818/1819), ocupa vários cargos
universitários, entre os quais o de Decano e Lente de Prima da Faculdade de Direito (1858), e Reitor da Universidade, de
1859 a 1863. Neste último cargo, foi objecto de viva contestação pelos estudantes da geração reformista. No plano político,
ocupou também cargos importantes, como Director-Geral do Ensino Primário e Secundário (1842), vogal da mesma
Direcção-Geral (1845), Vice-Presidente do Conselho Superior de Instrução Pública, e Conselheiro de Estado. Distinguiu-se,
na academia, como professor de Direito Pátrio (1837-1841; cadeira em que então se incluía o Direito Constitucional); de
Direito Público Universal (1842/843 e 1853/854); e de Direito Criminal. As suas fontes doutrinais mais evidentes
aproximam-no do doutrinarismo conservador, dominante em França nos anos 30 e 40.
54
Mais um beirão, natural da Lousã. Doutor em cânones (1821), demitido pelos miguelistas em 1830 e
reintegrado em 1834. Foi professor de Direito público universal e das gentes. Deputado em 1838-1840, pertencia à ala
menos radical do cartismo, tendo sido ministro da Justiça em 1857, depois da queda de Costa Cabral. Na Faculdade de
Direito, pertencia a uma corrente liberal moderada, cujas raízes douttrinais eram Kant e, sobretudo, K. F. Krause, que
influenciou de forma marcante o liberalismo da segunda metade do séc. XIX. Na Faculdade, substitui (em 1837) o velho
manual de F. A. Martini pelos Élements de Droit Naturel de Burlamaqui, enquanto não apronta o seu próprio livro de texto
(Elementos de Direito das Gentes, 1839; Elementos de Direito Natural, 1850). Nota biográfica. Luís Cabral de Moncada, «O
Liberalismo de Vicente Ferrer Neto Paiva», 1946, in Estudos. de História do Direito, Coimbra, 1949, pp. 277-389.
55
Nomeadamente, Manuel de Almeida e Sousa, J. J. Correia Teles, Manuel António Coelho da Rocha ou José
Joaquim Pais da Silva .

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Manuel de Almeida e Sousa (Lobão) 56, J. H. Correia Teles 57 -, ou o consenso dos códigos
modernos das nações mais polidas 58, nomeadamente a lição do Code Napoléon – como é o caso
de Manuel António Coelho da Rocha (1793-1850) 59 ou José Dias Ferreira (1837-1907) 60.
Estes dois últimos juristas referiam-se ao direito civil – pelo menos a esse. Mas o mesmo
acontecia com os que cultivavam o direito administrativo e, embora em menor grau, o direito
constitucional 61. Mesmo neste ramo de direito, não deixava de haver – como ainda veremos mais
tarde - quem estimasse que, por cima da constituição escrita, outra existia, não escrita e ligada à
natureza das coisas. É o caso de Basílio Alberto. Seguindo os pontos de vista doutrinários, ele
entendia que a soberania – e logo o poder do povo de criar direito – estava limitado pela razão,
que, assim, constituía a verdadeira ordem jurídica eminente ou o verdadeiro poder constituinte 62.
Mas, a estes limites, havia ainda que acrescentar os limites da natureza histórica e orgânica da
Nação, de que os parlamentares não podiam dispor, mas cujo conhecimento estava facilitado aos
juristas, aos filósofos, aos historiadores e aos políticos por uma tradição de cultivo de saberes que
56
Manuel de Almeida e Sousa é, no século XIX o epígono mais característico da tradição jurídica pré-pombalina.
Formara-se em cânones em 1762, ainda antes da Reforma Pombalina (e da Lei da Boa Razão). Depois da formatura,
advogou, durante anos, em Tondela, numa zona em que a advocacia tinha tradições. Destacou-se nesse meio, sendo
contratado pelo mosteiro cónegos de Santa Cruz de Coimbra, uma instituição também tradicionalmente litigante. Publica a
sua primeira obra – um tratado sobre morgados, tão erudito como prático, numa matéria que interessava muito a
aristocracia rural – com mais de sessenta anos, em 1807. Até à sua morte, em 1817, escreveu uma obra vastíssima, onde
não esconde o seu gosto pelo estilo e pela substância do direito tradicional, nem a sua discordância – embora envolta em
fórmulas de um por vezes irónico respeito – por Pascoal de Melo Freire, o símbolo do novo direito reformista. Apesar disso,
está ao par das codificações estrangeiras – nomeadamente do Código Prussiano, que eventualmente cita. Alexandre
Herculano traça dele um retrato impiedoso: “Houve na Beira um letrado de curta inteligência e nenhuma filosofia, chamado
por alcunha o Lobão. Tinham-no adivinhado por instinto os benardos e os cruzios. Era o seu advogado. Este homem
escreveu nas primeiras décadas deste século, em ódio da gramática e da língua, uma pilha de volumes refertos de
erudições gravíssimas, pesadíssimas, pedantíssimas, onde o pró e o contra das opiniões dos jurisconsultos se acham
acumulados por tal arte, que a leitura dessas dezenas de in quartos é o meio mais seguro de se não saber qual é o
verdadeiro direito na maior parte das matérias jurídicas. São os livros de Lobão tesouro precioso, mina inesgotável de
alegações eternas e contraditórias, para advogados medíocres. Como o mestre de meninos de Atenas que emendava
Homero, o causídico beirão engenhou três grossos volumes a endireitar as torturas do ilustre Melo Freire. Com que
delícias não castiga ele às vezes a ignorância desse pobre homem de génio!” (Estudos sobre o casamento civil, Lisboa,
Typ. Universal, 1866, 186-187). S.C. 4115 V.
57
Nasceu a 10 de Maio de 1780, em Santiago de Besteiros, na Serra do Caramulo. Licenciou-se em Direito pela
Universidade de Coimbra em 1800 e advogou em Tondela. Desempenhou as funções de Juiz de Fora, na Figueira da Foz.
Desembargador da Relação do Porto e sócio honorário da Associação dos Advogados de Lisboa. Em 13 de Fevereiro de
1827, foi provido no lugar de Superintendente das Obras da Barra de Aveiro. Deputado constituinte em 1821, foi ainda
candidato pelo pequeno concelho de Campanhã, Porto, a deputado às Cortes Constituintes de 1836, perdendo largamente
para Passos Manuel. Foi, depois, deputado em mais duas legislaturas. Notabilizou-se pelas obras jurídicas: Theoria da
interpretação das leis e ensaio sobre a natureza do censo consignativo, 1815; Doutrina das acções accommodada ao Foro
de Portugal, 1819 (completado por Exemplario de libellos podendo servir de appendice e supplemento à doutrina das
acções, 1843); Manual do tabellião ou ensaio de jurisprudência euremática, 1823; Commentario critico à lei da boa razão,
em data de 18 de Agosto de 1769, 1824; Tratado das obrigações pessoaes e reciprocas nos pactos, contractos,
convenções, &c., 1835; mas, sobretudo, pelo Digesto português ou tratado dos direitos e obrigações civis accomodado às
leis e costumes da Nação Portuguesa para servir de subsídio ao novo Código Civil , Coimbra, Imp. da Universidade, 1835-
1836 (completado com as Adições ao digesto português, de 1838, e o Manual do processo civil; supplemento do Digesto
portuguez, 1842). Faleceu em Estarreja a 3 de Julho de 1849 e está sepultado no Cemitério de Beduído. No mesmo
concelho de Estarreja, mas agora em Canelas, nasceria, em 1899 (m. 1958), um outro grande civilista – Manuel de
Andrade - que, tendo sido um dos mais notáveis professores Faculdade de Direito de Coimbra do séc. XX, viria a integrar a
Comissão Redactora do Código Civil de 1966. Correia Teles foi autor de um Projecto de Código do Processo Criminal
(1840).
58
Que os Estatutos da Universidade tinham mandado aplicar, como sintomas da Boa Razão em que seriam
fundados.
59
Nasceu em na comarca da Feira. Morreu em Covelas (Arouca), em 1850, onde está sepultado. Doutorou-se
em Leis, em 1818; liberal, foi expulso da Universidade em 1823, sendo reintegrado em 1834. É autor de duas obras
famosas: Ensaio sobre a historia do governo e da legislação de Portugal, para servir de introducção ao estudo do Direito
patrio. Coimbra, Imp. da Universidade 1841 (eds. aumentadas até 1851) e Instituições de Direito Civil portuguez para uso
dos seus discipulos. Coimbra, Imp. da Universidade, 1845, um dos compêndios mais notáveis e usados de direito civil dos
meados do séc. XIX português, em que se combina a descrição do direito vigente - tendo como base o direito então
recebico, nomeadamente os códigos europeus, com destaque para o Code civil - com desenvolvidas notas finais com
propostas de reforma. V. Seabra de Albuquerque, Bibliographia da Imprensa da Universidade, 1872 e 1873, pp. 87 e 88.
60
José Dias Ferreira nasceu, em 1837, em Aldeia Nova, Arganil, mais uma vez nessa zona da Beira serrana,
donde desaguaram em Coimbra tantos juristas. Filho de pequenos lavradores, começa por aspirar a uma vida eclesiástica,
matriculando-se, em 1852, na Faculdade de Teologia. É sob a influência do professor de filosofia da Faculdade de Direito,
Vicente Ferrer Neto Paiva, que se transfere para o curso jurídico, que termina com distinção em 1860, e em que se doutora
em 1866, sendo nomeado lente de Direito Natural e das Gentes e de Filosofia do Direito, cujas lições publicou em 1864
com o título de “Noções fundamentais de Filosofia do Direito”. Casa bem, com uma Pinto Basto, da tradicional fábrica de
porcelana e cristais da Vista Alegre. Ao mesmo tempo, entra na política, sendo, em 1861, eleito para as Cortes, onde se
mantém, representando círculos diversos e grupos políticos também diversos, embora sempre tendendo para a esquerda
do liberalismo, até 1905. Embora prossiga a sua carreira académica em Coimbra, em 1865 fixa residência em Lisboa e
notabiliza-se como jurisconsulto e advogado, entre outros, da companhia de Crédito Predial Português. É neste período
que fará publicar as suas versões anotadas do Código Civil (1870), do Código de Processo Civil (1890) e da Novíssima

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tinham por objecto a tradição e, finalmente, a alma dos povos. A eles se refere Almeida Garrett –
que, embora literato, tivera também uma formação jurídica - : “Eu não sou um retroactor e
protesto, Senhores, que o tenho provado toda a minha fraca vida, e hei-de continuar a prová-lo !
Mas, embora uma Constituição se escreva num papel, e embora as maiores somas de liberdade
se ponham nesse papel, se a Constituição escrita não for acomodada na prática aos usos e
costumes dos povos, a Constituição há-de ficar no papel” 63. Completando esta linha de
pensamento que ia levando a cabo a transferência da soberania do povo – e dos seus
representantes parlamentares – para elites de avulsa origem, outros reclamavam para si esse
poder demiúrgico de sondar o génio da Nação – e de lhe afeiçoar a Constituição e as leis –, por
via de méritos próprios ou adquiridos por tradição familiar: “A minha aristocracia é a dos notáveis
de qualquer nação, por seus talentos, virtudes e serviços; e nesta minha ideia eu uno o presente
ao passado; quero dizer que em uma monarquia, em que de facto e de direito já existe uma classe
ilustre pelos altos feitos de seus maiores, identificada com os triunfos e as glórias da nação; de
que uma boa parte, ao menos, ao lado dela, ou à testa dos seus exércitos combateu com honra
pela conquista de sua liberdade, que por ela sem murmurar sacrificou sua fortuna; essa classe
não deve ser desconsiderada […]” 64.
Nesta mesma linha, o já antes referido democrata Vicente Ferrer Neto Paiva opina – no
âmbito da discussão sobre a elaboração do futuro Código Civil – que “[...] Os princípios do Direito,
que a Filosofia descobre, demonstra e explica, são preexistentes a todas as leis positivas,
dominam estas e são a verdadeira pedra de toque da sua justiça ou injustiça. As leis positivas são
somente a expressão dos princípios, que ensinam a Filosofia de Direita e a Política; e nem sempre
essa expressão é ajustada com eles” 65. Pelo que, preferindo esperar em Deus e nos juristas
esclarecidos, mais do que nos representantes do povo que haviam de votar o Projecto nas Cortes,
confia ao seu colega António Luís Seabra: “Eu, que espero em Deus, que o seu Projecto,
conquistando a opinião dos Jurisconsultos esclarecidos, há-de vir a ser lei do país” 66. E não era
apenas ele a alimentar esta esperança. Também Alberto Antonio Moraes de Carvalho - “do
Conselho de Sua Majestade, Deputado da Nação Portuguesa, Bacharel Formado em Cânones
pela Universidade de Coimbra, Membro Honorário do Instituto da Ordem dos Advogados
Brasileiros, Membro Correspondente do Instituto Histórico de França e de outras Associações” –
cria que “um Código é edifício que deve ser delineado por um só arquitecto, que lhe imprima uni-
dade de pensamento, e harmonia das partes com o todo: pode e deve, antes de ser aprovado,
passar pelo crisol da discussão em uma ou mais comissões de homens amestrados e
encanecidos na ciência da jurisprudência; mas não parece ser possível discuti-lo minuciosamente
nas câmaras legislativas 67. E, na verdade, Deus esteve atento e estes desejos cumpriram-se.
Como escreveu, também sem mágoas, Manuel da Silva Bruschy, um jurista alinhado com o partido
miguelista: “O Sr. Seabra fez um projecto de Código o qual foi submetido a tantas revisões,
Reforma Judiciária (1892). Funda e dirige o Jornal da Jurisprudência (1865-1870) e o semanário Boletim dos Tribunais
(1885-1892), colaborando simultaneamente com outros órgãos da imprensa social e jurídica. Em 1867 é membro da
Comissão revisora do Código Comercial Português. No ano seguinte, entra na alta roda da política, como Ministro da
Fazenda e, sucessivamente, da Justiça e do Reino. Finalmente, chega a presidente do governo. O seu pendor crítico das
instituições, leva-o a fundar um Partido Constituinte, que propunha uma profunda reforma da Carta; e, anos mais tarde
(1893-1896), a comprometer-se com uma gorada conjura republicana, de que deveria sair Presidente da República.
Gozava da fama de intelectual imaginativo e rigoroso e, por isso, prestigiado.
61
Reconhecidamente mais “político” e vinculado aos textos constitucionais.
62
“Se as leis devem ser filhas da razão, aqui temos a soberania necessariamente limitada pela mesma razão, e
não absoluta. Dissemos que a Lei não pode ser em caso algum efeito da vontade de todos, e o motivo é óbvio, visto que
devendo elas ser reguladas pelo que é de razão, nunca poderão ser obra de todos, porque ainda que todos possam ter
uma vontade, ainda os loucos, e os mais ignorantes, o mesmo não pode dizer-se a respeito da razão que falta nos
furiosos, mentecaptos, ignorantes. Ora sendo além disso limitada a inteligência de todos os homens, ainda a dos mais
ilustrados, é por conseguinte limitada a sua razão, devendo as Leis ser obra desta, não pode existir soberania absoluta, e
portanto nem o povo a tem, nem pode delegá-la [...] Diz o artigo [da ConstituiçãoS. de 1838] que ela reside essencialmente
na nação, isto é, que da nação é que a soberania provém imediatamente. Nação, como conjunto dos cidadãos ilustrados.
Pelos princípios expendidos devemos todavia entender, que nem todos podem exercê-la, mas só, e simplesmente aqueles
que forem dotados de uma razão ilustrada” (Basílio A Sousa Pinto, Análise da Constituição de 1838, em DVD “Fontes para
a história constitucional [...]”, lição 24).
63
Almeida Garrett, DCGC. 1837-1838, II, 13. Sobre a impossibilidade de seguir rígidos modelos matemáticos na
reflexão política, v., do mesmo autor, DCGC. 1837-1838, I, 66.
64
Dep. Lourenço José Moniz, DCGC. 1837-1838, II, 44.
65
Vicente Ferrer Neto Paiva, Reflexões sobre os sete primeiros títulos do Livro único da Parte I do Projecto do
Codigo Civil Portuguez, I, Coimbra, Imprensa da Universidade, 1859, p. 56/57.
66
Id., Ibid., p. 7.
67
Alberto Antonio Moraes de Carvalho, Observações sobre a Primeira Pare do Projecto do Codigo Civil
Portuguez do Ex.mo Conselheiro Antonio Luiz De Seabra, Coimbra, Imprensa da Universidade, 1857, vii.

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comissões, alterações, emendas, etc., que muito difere do que foi promulgado. Finalmente levado
às Cortes, alguns minutos bastaram para ser lido, examinado, discutido, e aprovado o actual
Código. Esta rápida manipulação foi geralmente censurada e todavia parece-nos haver sido uma
grande vantagem, porque a não ser assim, nem vinte anos chegariam, e os disparates e
desconchavos haviam de ser aos milhares, per causa das variantes das votações, e pela falta de
habilitações e estudos próprios do corpo legislativo o qual apesar do seu epíteto é mais
chancelaria do que fábrica de leis” 68.
No direito penal, a referência à doutrina como fonte principal de direito era dificultada pelo
princípio nullum crimen (nulla poena) sine lege. Mas também aqui não faltava quem entendesse
que, tirando a parte directamente punitiva do direito penal, a sua dogmática dependia muito menos
da vontade do legislador do que das figuras dogmáticas dos juristas 69. Isto é muito claro com a
lição da chamada “escola clássica do direito penal” que, partindo da ética de I. Kant 70 - quer
refundar o direito de punir no carácter censurável do acto criminoso, em termos de valores
absolutos, de bens jurídicos, tendencialmente absolutos, universais e abstractos, libertos das
contingências da política legislativa. Para se ser moralmente censurável, tem-se que o ser perante
grandes valores, ligados à liberdade e à natureza do homem, e não apenas em face de valores
propostos conjunturalmente por um legislador, no âmbito de uma concreta política de disciplina
social. A ilicitude – ou seja, a violação do direito - tem que ter foros ontológicos, tem que se fundar
numa teoria da justiça, não podendo limitar-se a ser uma mera violação dos tipos legais de crime
que um qualquer legislador imaginou em vista da utilidade da república. O que vai ser punido não
é a simples desobediência a uma lei do Estado, mas a ofensa a grandes valores. Valores como a
liberdade e a dignidade do homem. Qualquer ofensa a estes valores seria, em absoluto, um mal,
que devia ser retribuído, independentemente de quaisquer considerações de oportunidade (de
política social ou de educação/melhoramento dos indivíduos) 71. Outros autores faziam decorrer o
dogmatismo axiológico da própria natureza da ciência, tal como Kant a teorizara. Qualquer saber
científico devia basear-se em princípios, dos quais todas as proposições tiravam a sua
legitimidade. O mesmo se passaria com a ciência do direito penal, cujo princípio base seria o
fundamento do direito de punir, ou seja, a razão pela qual era legítimo punir. “Puisque toute
science se fonde sur un principe, et le droit de punir est le principe de la science pénale, puisque
l'on n'a commencé qu’à cette époque seulement à véritablement examiner ce principe sous les
différentes faces de sa légitimité, de sa base et de son extension, nous pouvons sans exagération
affirmer que c'est sous nos yeux qu'est née, qu'est apparue cette science et que c'est presque
comme compagne et contemporaine de notre génération qu'elle a grandi et s'est développée”,
escreve Levy Maria Jordão 72. Também por resta via se consolidava o predomínio da autoridade da
razão sobre a vontade do poder. De novo, do império do povo para a autoridade dos sábios.

6. A jurisprudência. Até agora, quase uma incógnita.


Uma análise semelhante sobre a relação entre o direito jurisprudencial e o direito legislado
poderia ser feita, se houvesse material estudado que nos permitisse avaliar, de forma não
impressionista, a vinculação efectiva dos juízes à lei. Não há, nem sequer existem, para a primeira
metade do século, recolhas impressas de jurisprudência; mesmo para a segunda metade, só tarde
e magramente surgem conjuntos algo sistemáticos e abrangentes 73.
Algumas coisas, no entanto sabemos.
Uma delas é que os juristas académicos se queixavam frequentemente do caos
jurisprudencial, cuja causa imputavam à falta de códigos e à debilidade ou inexistência de um

68
Manuel Maria Bruschy, Manual de direito civil português segundo a novissima legislação, Lisboa, Editores
Roland & Semiond, 1868/9, 3 vols., I, p. 20.
69
V. António Manuel Hespanha, “A evolução da doutrina e do ensino do direito penal em Portugal, c. 1800-c.
1910”, em Quaderni Fiorentini per la Storia del Pensiero Giuridico: ("Principio di legalità e diritto penale”), 36(2007), 420-
503.
70
Cf., sobre a influência de I. Kant sobre a teoria penalista, v. Carl Ludwig von Bar et al., A history of continental
criminal law, Union, New Jersey, The Lawbook Exchange, Ltd., 1999, 422 (trad. ingl.).
71
A ideia volta a ser reformulada, anos mais tarde, por Carlo Salomon Zachariä, Anfangsgründe des
philosophischen Criminalrechts, 1805.
72
Levy Maria Jordão, Visconde de Paiva Manso, Cours de droit pénal, Lisbonne, Typ. de Lallemant, 1858, 16.
73
“ [...] dos Arestos ainda que destes fazemos menor uso, por não termos colecções. Os arestos encontram-se
dispersos pelas, obras dos praxistas. Em Mendes a Castro, e no seu adicionador França acha-se uma pequena colecção”
(M. A. Coelho da Rocha, Instituições [...], 42.III)..

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sistema doutrinal 74. No entanto, isto – que pode bem corresponder à realidade - pode também
traduzir o despeito dos juristas académicos pela independência dos juízes em relação à
pretendida hegemonia doutrinal dos seus antigos mestres, ao julgar segundo a “oportunística” lei
ou segundo os seus particulares entendimentos da nova ordem jurídica.
Porém, podia tratar-se de algo mais fundo, justamente radicado na própria estrutura do
direito de então, como tem sido ultimamente destacado para uma situação jurídico-constitucional
muito próxima da portuguesa – a da Espanha de Cádis 75.
Na verdade, nenhuma das constituições da Monarquia vinculavam expressamente o juiz à
lei. Sabemos que, nas primeiras cortes, muito cuidado se recomendou quanto à limitação da
discricionariedade dos juízes, que traziam do Antigo Regime, apesar das reformas pombalinas –
nomeadamente da Lei da Boa Razão -, uma tradição de arbítrio e de insindicabilidade. Logo nas
Bases da Constituição se estabelece a impossibilidade de o Judiciário se arrogar competências do
Legislativo 76 77. Mas, apesar de os juízes terem jurado as Bases, os debates continuam pontuados
de sinais de profunda insatisfação, popular e dos próprios parlamentares, quando à obediência
dos juízes à lei. Em 10-04-1821 78, abre-se mais um debate sobre o assunto, em que Borges
Carneiro é, como sempre, quase brutal: “Eu sei que os Magistrados vexam os Povos, e fazem
tudo o que é mau e todo o Mundo sabe que de todas as Repartições a que mais influi na felicidade
dos Povos é a Administração da Justiça [...] Todos sabem que [o Desembargo do Paço, que devia
controlar a magistratura, enquanto a Constituição não fosse aprovada] é uma coisa muito
vagarosa, muito tardia, e uma mola ferrugenta; esta máquina nova, não pode andar com rodas
velhas. Como há-de o Desembargo do Paço acabar com essa extorsão de Salários, se ele os está
apoiando? como há de acabar com as demoras do Foro, se ele é moroso? como há-de escolher
homens Constitucionais, se os que os animam são os mais inconstitucionais? [...] A Regência deve
ser autorizada para que, sem dependência de Propostas do Desembargo do Paço, sem
dependência de Proposta de Donatários, nomeie Magistrados capazes, e remova aqueles que o
não forem” (ib, p. 526). Ao que outro deputado (Miranda) acrescenta: “Eu estou enfadado de ouvir
representações das terras, em razão dos maus Ministros que tem. Queixam-se todos, que estão
pior do que estavam, que as Cortes não cuidam em nada; e isto porque os Ministros cuidam em
obstar à publicação dos Decretos, pelos meios que lhe é possível [...] Há ainda alguns Ministros
bons, mas apparent rari nantes in gurgite vasto! a maior parte deles querem indispor os Povos
pela sua parte contra este sistema; e o que tem concorrido para conservar a segurança Publica é
o espírito dos Povos [...] É certo que o estado actual de Legislação concorre muito, mas é certo
também que os Ministros procuram todos os labirintos da Legislação para oprimir os Povos” (ib.,
527). Ao que outro (Castelo Branco) acrescenta: “O mal é da maior evidência. Se nós víssemos
que os Ministros em geral cumpriam as Leis, e a Administração Publica não ia bem; então era uma
consequência que o defeito vinha das Leis, e não dos que a executavam. Porem nós todos os dias
estamos ouvindo factos praticados pelos Ministros contra as Leis que eles não cumprem logo não
vem o mal só de que as Leis são defeituosas, mas sim da má vontade dos Executores” (ibid.).
Neste espírito, chega-se a adoptar a prática régia de Antigo Regime de nomear juízes especiais
para certas causas, a pedido das partes 79.
Na Constituição de 1822, algumas medidas se tomaram para restringir o arbítrio judicial ou
para garantir a sua disciplina. Por um lado, garantia a legalidade do comportamento dos
magistrados e oficiais de justiça 80. Mas também é certo que se garantia a independência do poder

74
V. o panorama traçado por Manuel A.Coelho da Rocha no “Prefácio” às suas Instituições [...] .
75
Cf. Carlos Garriga e Marta Lorente, Cádiz, 1812 [...], maxime, 389 ss., com as referências que contém para
outros textos integrados no livro.
76 “
O poder Judiciário está nos Juízes. Cada hum destes poderes será respectivamente regulado de modo, que
nenhum possa arrogar a si as atribuições do outro” (DCGECNP, nº 30, de 09-03-1821, p. 233).
77
Cf., sobre o tema da magistratura nos finais do Antigo Regime e no primeiro constitucionalismo, António Pedro
Barbas Homem, Judex perfectus […], cit., 573 ss..
78
DCGECNP, nº 54, p. 526 ss..
79
Cf., v.g., DCGECNP, nº 51, de 5-4-1821, p. 488.
80
A Constituição de 1822 coloca os juízes e oficiais de justiça sob estrita vigilância, quanto a abusos e
prevaricações, o que corresponde à imagem popular de uma justiça arbitrária, corrupta e corporativa: “Todos os
magistrados e oficiais da justiça serão responsáveis pelos abusos de poder e pelos erros que cometerem no exercício dos
seus empregos […] Qualquer cidadão, ainda que não seja nisso particularmente interessado, poderá acusá-los por
suborno, peita, ou conluio […]” (art. 196); enquanto que o art. 198 determinava que, nos casos provados, a Relação os
repreendesse, os condenasse em penas pecuniárias ou lhes abrisse um processo crime. Cautelas ainda maiores existiam
no domínio da justiça penal e, nomeadamente, da prisão (arts. 204 ss.). Quanto às sentenças manifestamente dadas
“contra direito expresso”.

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judicial (artº 176), proibindo a avocação de causas, a reabertura de causas julgadas ou a dispensa
de formalidades. Porém, nunca se diz claramente – nem em rigor se podia dizer, dado o quadro
francamente pluralista das fontes de direito, mesmo depois da Lei da Boa Razão - que os juízes
deviam julgar segundo a lei.
Há algumas disposições que podiam ser lidas como sinais de legalismo jacobino; por
exemplo, quando se comete ao Supremo Tribunal de Justiça “propor ao rei, com o seu parecer, as
dúvidas que tiver ou que lhe forem representadas por quaisquer autoridades, quanto à inteligência
de alguma lei, para seguir a conveniente declaração das Cortes” (artº 191). Em suma, uma
espécie de référé législatif. Isto, porém, tem uma história mais antiga: já as Ordenações
dispunham (Ord. fil., III, 64,2) que as dúvidas insanáveis quanto à integração/interpretação da lei
deviam ser postas ao rei, que as determinaria com força vinculativa para o julgamento de casos
semelhantes 81.
No domínio da revisão extraordinária das sentenças, manteve-se o antigo “recurso de
revista”, que permitia, agora ao Supremo Tribunal de Justiça, anular as sentenças recorridas, com
os fundamentos previstos no direito anterior, já que a nova Constituição nada especifica sobre
isso, reenviando a decisão para a Relação competente (artº 191). Ora direito anterior (Ord. fil., III,
95, modificada pela L. 3.11.1768, admitia a revista nos casos de nulidade ou de injustiça notória 82.
Os casos de nulidade estavam previstos na Ord. fil., II, 75, pr., englobando, entre outros, o
“julgamento contra direito expresso” 83. Os casos de justiça notória, ainda eram mais difíceis de
delimitar. Segundo Melo Freire, seriam não os que “se opunham à opinião comum dos doutores,
ou os estranhos a alguma autoridade extrínseca [...] mas os que contrariem o direito natural ou a
razão e equidade do direito civil, reconhecidas pelo direito e por igual válidas em todas as nações”
84
. Já se vê que este tipo de recursos, que a Constituição mantém, quase que perturbam mais a
garantia da legalidade do que a adjuvam, embora em alguns casos tenham servido para impor
retroactivamente a nova ordem constitucional 85 86.
As queixas sobre a discricionariedade dos juízes continuaram, portanto, já depois de
promulgada a Constituição – e uma vez que muita coisa relativa à disciplina judicial ficara remetida
para lei ordinária – as suspeições e os incómodos com o arbítrio dos juízes permaneciam. Ao
discutir um dos institutos que, segundo alguns, viriam a fazer efectivas as garantias constitucionais
nos tribunais – a instituição do júri - o Deputado Girão declarava: “Eu ficaria tão descansado se se
introduzissem os jurados, que nada mais desejava, porque todos os juízes que agora são
tortíssimos, haviam-se de pôr direitos como as colunas; mas senão houver jurados, eles hão de
continuar a ser tortos, e hão de ficar tortos toda a sua vida” 87. Isto porque, longe de resumir os
males a idiossincrasias ou interesses pessoais, ele encontrava na magistratura defeitos
estruturais, um dos quais era, precisamente, a antipatia às leis constitucionais que nem tinham
aprendido, nem entendiam: “Falo da magistratura que forma uma corporação vitalícia, e abraça a
Monarquia de um a outro extremo. Por esta ocasião devo dizer, que eu não tenho raiva insana aos
juízes; não, Senhores, eu os respeito muito, e desejo que sejam respeitados; mas não quero ser
seu escravo; e conheço alguns que fazem as delícias da sociedade, tão integérrimos, tão sábios, e
tão liberais, que se todos assim fossem nem fazer leis era preciso, podiam reger a seu arbítrio;
todavia eles são poucos, e o maior número é de monstros que horrorizam as presentes gerações,
e horrorizarão as futuras: eles minam o sistema constitucional desgostando o povo, absolvendo
infalivelmente os maus filhos da pátria, oprimindo os bons; eles zombam das modernas leis, que

81
Note-se a repetição deste preceito no nº 3 da mesma ordenação, reafirmando o alcance geral da decisão
tomada para aquele caso particular “nº 2: “ [...] porque não somente tais determinações são desembargo daquele feito de
que se trata, mas são leis para desembargarem outros semelhantes”; nº 3: “ [...] seja remetida a nós, para darmos sobre
isso nossa determinação, a qual se guardará”. Já que o “nós” significa “tribunais régios da corte”, esta é a origem dos
assentos, previstos desde as Ordenações Manuelinas (1514-1521) que a Lei da Boa Razão (L. de 18.8.1769, § 4) depois
restringirá aos da Mesa Grande da Casa da Suplicação.
82
Mas já não de decisão segundo o legítimo arbítrio do juiz ou simplesmente injusta (cf. Pascoal de Melo Freire,
Institutiones iuris civilis [...] , IV, tit. 23, § 26; § 28.
83
Note-se: não “lei expressa”.
84
Id, Ibid., § 28.
85
Por exemplo, quando se autorizaram as revistas de condenações proferidas depois de 1807 por motivos
políticos e ideológicos (ou seja, as condenações de proto-liberais e “afrancesados” (Port. 12.2.1821, art. 5º).
86
Os capítulos VII a IX da Reforma judicial de 1822 (L12.11.1822) não se referem aos fundamentos dos recursos
de revista, apenas tocando a sua tramitação. Novas reformas do STJ ou da Organização Judiciária, com interesse apara a
história da revista: lei 19.5.1832; dec. 20.11.1836; L. 28.11.1840; L. 19.12.1843; 11.7.1849.
87
DCG-CD, nº 7, de 10-01-1823, p. 419.

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nem querem estudar, nem as entendem; eles cegos de orgulho e espírito de classe só acham bom
tudo quanto conserva o cunho antigo [...] ” 88.
Perante esta continuidade das condições jurídicas para uma sistemática sidicabilidade da
jurisprudência, o que as cortes vintistas fazer é – optando por uma característica apropriação /
reconversão de instituições anteriores – admitir generosamente petições às cortes contra decisões
judiciais, sob a forma implícita dos antigos recursos de revista de graça especial ou
especialíssima, que dispensava os principais fundamentais da revista, bem como a forma e figura
de juízo 89. Embora não avocando causas para julgamento, o que violaria um artigo já citado da
Constituição, as cortes modificavam extraordinariamente a ordem de recursos, promovendo mais
uma decisão das Relações sobre uma causa passada em julgado. É claro que isto não implicava
que a nova decisão resolvesse a questão no sentido que as cortes desejavam ou antecipavam;
mas constituía uma notória medida de pressão sobre a alta administração da justiça.
A Constituição de 1822 durou pouco. E, com a Carta Constitucional, pouco mudou quanto
ao estatuto do judiciário, neste particular da sua vinculação à lei. Os princípios clássicos da
independência judicial 90 - garantida, nomeadamente, pela inamovibilidade (ou perpetuidade) dos
juízes 91 –, do julgamento por júri 92, da responsabilidade dos agentes da justiça, da publicidade e
simplificação processual 93, da garantia do foro natural 94 e da garantia de recurso 95, incluído o de
revista 96 estão consagrados. Mas, em muitos casos, estão dependentes de regulamentação
inexistente ou presos a incongruente regulamentação pré-constitucional e, por isso, segundo
alguns, pouco passam de letra morta. Por outro lado, continua a ser em vão que se procura um
injunção, dirigida aos juízes, de cumprirem a lei 97, embora se mantenha o direito genérico de
qualquer cidadão apresentar por escrito aos poderes legislativo ou (!) executivo queixas quanto ao
incumprimento da constituição 98.
Em 1826 99, foi lido o Relatório e Parecer da Comissão encarregada de indicar os artigos
da Carta Constitucional, cuja execução estava dependente de Leis regulamentares, e de indicar a
urgência relativa destas. Entre estas, algumas eram relativas ao poder judicial 100, e justamente no
88
DCG-CD, nº 15, de 20-01-1823, p. 526,
89
Cf. DCG-CD, nº 96, de 04-06-1821, p. 1105. O despacho de revista (“por Graça especialíssima sobre, uma
Causa de alimentos, que no Juízo da Correição do Cível da Corte lhe moveram [...]; atendendo a seus fundamentos,
concedem ao Suplicantes pedida Revista, não obstante o lapso do tempo”) era dirigido ao Presidente da Regência do
Reino, para execução [pela relação]. Já numa outra petição, a revista é negada a causa, pelo seu valor, caber na alçada do
tribunal “recorrido” e por o peticionário requerer que e revista fosse feita pelo próprio congresso; outra petição é recusada
por se referir a “uma demanda, que está pendente perante o Poder Judiciário”, o que contrariava a natureza extraordinária
do recurso (“O recurso de graça especialíssima segundo as suas leis, é extraordinário. Eu vou falar nos termos da
legislação actual. O recurso destas graças segundo a lei de 3 de Novembro [de 1768] é extraordinário; e segundo a nossa
ordenação em quanto houverem os meios ordinários, não tem lugar os extraordinários para este caso, que é a acção
revisória a seguir, e por conseguinte não lhe cabe o meio extraordinário, e conseguintemente voto contra ele”, José
Ferreira Borges”, em DCGCNP, nº 48, de 27-09-1822, p. 602); noutros casos, porém, a concessão da revista incluía a
dispensa da lei (v. casos de p. 1419). Sobre a história deste tipo de recurso, v. Paulo Merêa, “Bosquejo histórico do recurso
de revista”, Lisboa, Tip. Da Imprensa Nacional, Sep., 7(1948).
90
Art. 145, § 11.
91
Art. 120, prevendo, no entanto, a possibilidade de mudanças dos juízes, de acordo com a lei; art. 121,
possibilidade da sua suspensão pelo rei; art. 122, garantia contra a perda de lugar.
92
Arts. 118 e 119: jurados tanto no cível como no crime, nos casos determinados por lei. Sobre a história do
instituto em Portugal, Marnoco e Sousa, Direito politico […], cit., 778 ss..
93
Art. 126: público dos actos processuais; arts. 127-129, existência de juízes árbitros, de tentativa obrigatória de
conciliação nas causas cíveis e de juízes de paz electivos, com as competências previstas na lei.
94
Art. 145, §§ 10 e 16.
95
Art. 125: recurso para as Relações. O recurso de revista mantém-se. Sobre ele, J. P. Sarmento de Queiróz,
Infancia do Supremo Tribunal de Justiça: ou a aliança da justiça com a política, 1850; Eduardo Dally Alves de Sá, Supremo
Tribunal de Justiça, Lisboa, 1872; a lei de 19.1843 transforma o STJ numa terceira instância, afastando-o do modelo do
Tribunal de Cassação.
96
Art. 131, § 1 – “Conceder ou denegar revistas nas causas, e pela maneira que a lei determinar”.
97
A Carta dispõe, no art. 110, que “os juízes aplicam a lei”; mas isto destina-se a contra-distingui-los dos jurados,
“que se pronunciam sobre o facto”.
98
Note-se que, salvo no que respeita aos direitos fundamentais, a Carta não proibia a qualquer dos poderes
constitucionais a suspensão da Constituição (cf. art. 145, § 33.).
99
DCG-CD, nº 13, de 17-11-1826, p. 85 ss..
100
Além da sempre esperada e nunca efectivada lei da responsabilidade dos funcionários, indicavam-se: “Divisão
do Território, que lhe respeita: Instituição, e Regimento dos Juízes de Paz, e dos Juízos conciliatórios; Organização, e
Regimento dos Juízes, e Juízos de Primeira Instância (compreendendo os Jurados para as Causas Crimes); a Distribuição,

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sentido de cercear a sua discricionariedade, prevenindo uma excessiva autonomia, que lhe
permitisse usurpar funções de dizer o direito, contrariando a separação de poderes. O juízo sobre
a magistratura, como instituição, não podia ser mais negro: “O Corpo da Magistratura é aquele,
que mais mal tem feito ao Reino; mas também é o que mais cruelmente tem sido caluniado. Os
Portugueses tem grande sede de Justiça; mas devemos confessar que a má administração desta
nem procede da corrupção da Classe em massa, nem mesmo da prevaricação dos indivíduos
exclusivamente. Há Magistrados mui respeitáveis pelas suas luzes, pelo seu desinteresse, e pela
sua imparcialidade; se há muitos maus, é para admirar que seu número não seja ainda maior
pelos poderosos estímulos, que as Instituições lhes ofereciam para prevaricarem. Comecemos
pela impunidade, assegurada de facto pela viciosa organização dos Tribunais [...]” (ibid.).
No centro de tudo estava a arbitrariedade no decidir, que o antigo direito lhes conferia 101, o
que aproximava o juiz português do kadi magrebino 102. Sete anos mais tarde, o diagnóstico
mantém-se, apesar dos decretos de reforma judiciária de 1832. É que, com as sucessivas e
brutais mudança de regimes de sinal contrário, a falta de disciplina dera azo a todos os abusos,
por parte de um funcionalismo judicial nomeado de acordo com as suas inclinações políticas 103.
Estes queixumes parlamentares que, no calor do debate político, nem sempre podem ser
tomados à letra; precisam de ser completados por estudos feitos sobre o material empírico das
decisões judiciais e duas razões de decidir avaliando, a partir, daí, a efectiva discrição dos
magistrados.
Algumas sentenças consultadas, sem carácter sistemático, revelam pouco. Numa grande
parte dos casos, apresentam razões de decidir pouco relacionadas com os dados legais ou
doutrinais, como se o resultado surgisse dos próprios factos ou de um saber jurídico que
pertencesse ao senso comum e que, portanto, não necessitasse de abonação. Mas, no contexto
desta discrição, o silêncio quanto às fontes doutrinais é ainda muito maior do que a parcimónia na
indicação das fontes legais. Porém, também encontrámos sentenças bem argumentadas, dadas
em questões de grande relevância política, como a constitucionalidade de algumas medidas
legislativas tomadas durante a regência de D. Pedro, ainda nos Açores (c. 1833). Um jurista da
época – F. A. Silva Ferrão (1798-1874) 104 – refere que era corrente os juízes considerarem que
podiam declarar inaplicável uma lei por a considerarem contraditória com princípios da

Organização, e Regimento dos Tribunais de Segunda Instancia, do Supremo Tribunal de Justiça, e da Câmara dos Pares
do Reino, como Tribunal Criminal” (ibid.).
101
“há uma Lei de 1769, que dá a boa razão de cada um, i.e., o arbítrio do Juiz, como regra de julgar; há outra,
que concede aos Desembargadores Poder discricionário para imposição das penas: acrescente-se o Poder colossal
concedido aos Juízes de Fora, a mobilidade de todos os Lugares trienais, as dificuldades, e eternas delongas para novo
despacho, a certeza de que o meio mais seguro para ser de novo empregado era o dinheiro, e as protecções; e a isto
ajunte-se a servil dependência, em que o Magistrado estava, de todas os grandes Autoridades; e diga-se como seria
possível que a Justiça fosse geralmente administrada com imparcialidade” (ibid.).
102
“A inviolabilidade de facto, de que se tem revestido a Magistratura Portuguesa, faz com que a justiça em
Portugal se administre mais arbitrariamente do que em Marrocos” (Deputado Alvares Pereira, em DCG-CD, nº 44, de 05-
03-1828, p. 689).
103
“Aquela terrível anarquia de autoridades, aquele intrincado labirinto de leis novas aqui, de leis velhas acolá,
torna-te mais insuportável ainda pelo flagelo de empregados sem escolha, ou de escolha sem justiça. [...] Em toda a
ocasião pois se deve cautelosamente proceder em a nomeação deles, porém muito mais circunspecção cumpre haver na
rápida transição de um governo a outro [...] E fez-se isso? A administração propriamente dita, pela primeira vez
estabelecida entre nós, de poucos era bem compreendida. Todavia os lugares, especialmente os subalternos foram
preenchidos ás cegas, e quase sem selecção alguma, talvez porque quem tinha padrinho não devesse morrer mouro (riso).
[...] Na magistratura procedeu-se pouco mais ou menos da mesma maneira. [...]“ (Deputado Silva Sanches, resposta ao
discurso da coroa, DCG-CD, nº 46, de 17-03-1835, p. 597).
104
Francisco António da Silva Ferrão, Tractado sobre direitos e encargos da Sereníssima Casa de Bragança,
Lisboa, Imp. de J. J. Andrade e Silva,1852, 252-253. Silva Ferrão nasceu em Coimbra (1798), onde se doutorou em
Cânones (1820). Exila-se durante a Guerra Civil, seguindo depois a carreira Judicial (juiz da Relação de Lisboa em 1835;
membro do Supremo Conselho da Justiça, 1847). Foi Ministro da Justiça (1847, mas apenas por curtos meses). Depois da
Regeneração, foi deputado em algumas legislaturas e volta ao governo, em 1851, como Ministro dos Negócios da
Fazenda, também por muito pouco tempo. Par do Reino em 1869 e sócio da Academia (1862). Como jurista, além de um
dos primeiro dicionários do Código Civil (Diccionario elementar remissivo ao Código civil portuguez com annotações e
indicações juridicas, 1869) e de monografias sobre direitos forais e senhoriais (Repertorio commentado sobre foraes e
doações regias, 1848; Tractado sobre direitos e encargos da Sereníssima Casa de Bragança, 1852), distinguiu-se como
estudioso da questão do cadastro e crédito predial (O cadastro e a propriedade predial ou sobre a questão se a
organisação do cadastro pode ter logar de forma que não só fique sendo o tombo da propriedade predial, mas fique
servindo de seu titulo... : relatorio annotado por F. A. F. da S. Ferrão, 1849; Credito predial: codigo regulamentar
apresentado na Camara dos Dignos Pares em sessão de 12 de Julho e renovado em sessão de 10 de Fevereiro de 1860 ,
1860; Projecto de codigo regulamentar de Credito predial portuguez : memoria encomiastica, critica e juridica, 1861) e
como penalista (Codigo penal para os estados da Prussia... : acompanhado de um discurso historico e crítico por F. A. F.
da Silva Ferrão, 1855; Theoria do direito penal applicada ao codigo penal portuguez comparado com o codigo do Brazil,
leis patrias, codigos e leis criminaes dos povos antigos e modernos, 8 vols., 1856-1857).

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constituição formal (ou mesmo, apenas, com a constituição material do liberalismo quando esta,
por exemplo, consagrava a defesa da propriedade) 105.
É certo que esta opinião não se estendia tão unanimemente à liberação dos juízes no que
respeita à observância da constituição e das leis. Nas Cortes constituintes de 1837, o deputado
radical José Estêvão (Coelho de Magalhães) critica o controlo judicial das leis, como ofensivo da
separação de poderes e típico da constituição de Antigo Regime (da “desembargocracia”, como
lhe chamara Garrett): “Um nobre deputado 106 que primeiro aqui ampliou a acepção da palavra
«veto», discorrendo sobre a dotação desigual de vetos que tem o poder judicial, manifestou
desejos que na Lei fundamental lhe consignássemos o de obstar à execução das leis [...]. Este
veto, que se quer dar ao poder judiciário, tiveram-no antes da Revolução certos tribunais de
França. Então as leis não se executavam sem serem registadas por esses tribunais; e eles,
negando-lhe o registo, vedavam a execução. [...] A Revolução de 1791 acabou com este privilégio,
e ainda até agora ninguém se lembrou de o ressuscitar […]. Estranho que o ilustre deputado, que
tantos receios mostrou da desembargocracia, lhe queira meter na mão a terrível arma de anular as
leis. Com efeito, são já muitos vetos contra a vontade popular” 107.
Em suma. Passado o período vintista e estabelecida uma nova ordem constitucional, com
a Carta Constitucional de 1826, a legitimidade da criação doutrinal e jurisprudencial do direito
estava bem estabelecida, apesar da desconfiança na magistratura e na existência de vozes que
rejeitavam com firmeza qualquer subalternização da lei parlamentar.
Na verdade, pouco militava contra este crédito conferido a juristas e juízes para criarem o
direito. Sendo antes certo que havia vários argumentos favoráveis, a começar pela tradição
literária do direito comum, que nunca concedera à lei mais do que um lugar marginal no quadro
das fontes de direito, até às mais recentes disposições da Lei da Boa Razão – que, sob a capa de
um legalismo férreo (que frequentemente tem enganado os historiadores) autorizava um recurso
libérrimo à “boa razão”, depositada ou no uso moderno do direito romano ou nos códigos
estrangeiros -. lei esta que as constituições não tinham beliscado. É certo que, pelo menos uma lei
parecia impor-se à doutrina, a constituição. Mas nem isso estava absolutamente imune a uma
leitura doutrinária. Na verdade, alguns dos mais notáveis constitucionalistas da época – como
Silvestre Pinheiro Ferreira ou Basílio Alberto de Sousa Pinto, nisto seguidos por uma generalizada,
embora mais discreta, opinião comum – eram de opinião de que, por cima da constituição formal,
existia uma outra constituição, esta independente da vontade do legislador constituinte, e que se
lhe impunha com a força da natureza das coisas 108. A sua explicitação cabia, naturalmente, aos
especialistas de política, de direito constitucional e de filosofia do direito, com o concurso das
respectivas ciências e de todo aquele complexo ecléctico de saberes – entre eles, a história 109 - a
que a época chamava “ciências políticas e morais” 110. Na opinião dos juristas mais influentes, esta
constituição implícita estava consubstanciada ou
(i) no direito fundamental histórico do reino (nomeadamente, no princípio do
respeito dos direitos adquiridos), ou
(ii) nos princípios do Direito Público Universal (o mais recente do qual era a teoria
dos governos liberais), em vigor em Portugal por força da Lei da Boa Razão e
dos Estatutos da Universidade 111, ou, finalmente,
105
Mais notícias de impugnações de preceitos legais por inconstitucionalidade: ob. cit., 200 (contra um decreto
ditatorial de 9.8.1833); segundo Silva Ferrão, “julgava-se então uma necessidade fazer-se remover, como fugitiva e
antinómica, toda a legislação, ou disposições, tomadas por decretos originados por circunstâncias, que, em contradição
com o Direito Pátrio, durante o período que decorreu desde a abdicação do Sr. D. Pedro IV [...] até ao nascimento do seu
amado Neto [...], haviam tornado duvidoso e flutuante o direito de sucessão da Sereníssima Casa”, p. 205).
106
Refere-se a uma intervenção de Almeida Garrett. Este também se insurgia contra a “desmbargocracia” de
Antigo Regime. Não obstante, considerava vantajosa a função fiscalizadora das leis antes exercida pelo Chanceler Mor.
107
José Estêvão, DCGC, II, 51.
108
Sobre isto, v. António Manuel Hespanha, Guiando a mão invisível. Direitos, lei e Estado no liberalismo
monárquico português, Coimbra, Almedina, 2004, cap. 8.6.3.
109
De onde F. Guizot – na sua monumental L’histoire de France depuis les temps les plus reculés jusqu’en 1789
1870-1875 - extrai os princípios da constituição da França. O mesmo empreenderam, em Portugal, o Visconde de
Santarém, Alexandre Herculano e Oliveira Martins, embora com intenções políticas divergentes.
110
Cuja tradução institucional era a Académie des Sciences Politiques et Morales, fundada em 1795, suprimida
por Napoleão, mas restabelecida por Luís Filipe, em 1832, na qual se cultivava a filosofia, a moral, a legislação, a
economia política e a historia filosófica, e que constituiu o modelo para outras instituições congéneres por toda a Europa
ocidental e América Latina.
111
As invocações doutrinais deste direito são abundantíssimas durante todo o constitucionalismo monárquico.
Registam-se algumas afirmações de Silvestre Pinheiro Ferreira: Breves Observações sobre a Constituição Politica da

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(iii) nas ciências do direito civil ou do direito público 112, que eram tão constituição
como a Constituição votada em cortes: “Não pertence à constituição indicar os
princípios que a ciência deve ter ensinado, mas sim regular a sua aplicação, e
determinar o modo como hão-de ser protegidos”, escreve Silvestre Pinheiro
Ferreira 113. E, de facto, esta ideia de que a própria Constituição formal não é
pura e simplesmente voluntária, que obedece a leis supra-positivas e que,
portanto, pode ser sindicada quanto à sua legitimidade, é continuamente
reafirmada. Como dirá, anos mais tarde, Almeida Garrett: “[…] embora uma
Constituição se escreva num papel, e embora as maiores somas de liberdade
se ponham nesse papel, se a Constituição escrita não for acomodada na
prática aos usos e costumes dos povos, a Constituição há-de ficar no papel” 114.
Era, pois, neste amplo espaço que se acomodava com todo o à-vontade a
legitimidade da doutrina para se substituir à lei, mesmo no domínio
constitucional.

7. Discussões dogmáticas e lutas simbólicas.


7.1. Juristas e políticos.
Há, porém, várias abordagens possíveis a esta temática. Uma delas é esta, quase interna
ao próprio discurso do direito, como se a questão se esgotasse numa perspectiva dogmática.
Outra é uma análise política desta questão “técnica”; análise que se prende com as lutas
simbólicas que se desenrolavam em torno da produção do direito, entre juristas e políticos e, como
se verá, mesmo no interior do campo dos juristas.
A questão da criação do direito (ou da legitimação de normas de comportamento como
normas jurídicas) tinha ganho, no séc. XIX, uma nova centralidade, em virtude do destaque dado a
princípios como o de “primado do direito” ou de “Estado de direito” (Rechtsstaat). Estas princípios
traduziam uma mudança estrutural no campo da normação social. Afastadas as normas da
religião, pela secularização do poder em curso desde os meados do sec. XVIII; as normas da ética
social, pela superação dos jusracionalismo; as normas da graça, pela queda das monarquias
providencialistas; restava o direito como regulador do espaço social. Neste momento de
“simplificação” do sistema do direito 115, a questão de saber quem tem legitimidade para dizer o que
é direito ou para integrar nele normas sociais das mais diversas proveniências constitui uma luta
simbólica muito mais aguda do que anteriormente, em que diversos grupos especializados podiam
hegemonizar os também diversos campos de produção normativa.
Uma vez que o Estado, agora, era “de direito”, e que a política tinha que obedecer aos
processos jurídicos, os campos político e jurídico 116 aparecem largamente sobrepostos, como

Monarchia portugueza elaborada pelas Cortes Geraes, Extraordinárias e Constituintes Reunidas em Lisboa no anno de
1821, Paris, Rey e Gravier, 1837: “Esperar que, sem uma publicidade verdadeira, e independente da vontade dos
funcionários públicos, se possam descobrir, e castigar os seus [da Constituição] erros e abusos, é deplorável cegueira.
Comparem pois os nossos leitores cada artigo da constituição de 1822, da carta de 1826, ou da projectada reforma com a
simples e concisa fórmula que acabamos de oferecer (“uma formula muito clara e mui singela que em dois simples
preceitos encerra, a nosso ver, toda a sciencia da política constitucional, a saber: Independencia e eleiciio nacional, para
todos os poderes. — Responsabilidade e pub/icidade de todos os actos” [p. viii]), e se lhe não satisfizer a todas, e a cada
urna das mencionadas condições do governo representativo, não hesitem em declarar que é inconstitucional; e
persuadam-se que um só desses artigos erróneos, que se deixe subsistir na lei da reforma, bastará para a tornar viciosa, e
para a expor a experimentar antes de muito tempo a desgraçada sorte das precedentes tentativas”, x.; “É inconstitucional,
porque o juramento pressupõe uma religião, e por direito constitucional [não formal, na Constituição de 1822] é proibido às
autoridades intrometer—se na consciência do cidadão, e averiguar o que cada um crê, ou deixa de crer em matéria de
religião. Veja Observação ao art. 78, 4”, ibid., 4; “ art. 25 [sobre a religião da Nação]. Esta disposição é, não só
incompatível com o principio da tolerância, principio essencial em um sistema verdadeiramente constitucional […]”, ibid.,
8/9.
112
Sobre este ideal cientista do direito, no período do jusnaturalismo tardio e do utilitarismo, v. António Manuel
Hespanha, Cultura jurídica europeia [...], cit., 227 ss.; e António Pedro Barbas Homem, Judex perfectus […], cit., 393 ss.
(com referencias muito interessantes à ligação entre ciência do direito e ciência económica, no pensamento do primeiro
liberalismo).
113
O que cabia à constituição formal era especificar a tal constituição material. Daí que o mesmo autor continue:
“Um dos princípios que a ciência ensina é que ao cidadão compete o direito de petição; mas o que a constituição devia
fazer, e não fez, era determinar o modo como este direito devia ser exercido utilmente” Silvestre Pinheiro Ferreira, Breves
Observações sobre a Constituição [... de 1822], cit., 5.
114
Almeida Garrett, DCGC. 1837-1838, II, 13. Sobre a impossibilidade de seguir rígidos modelos matemáticos na
reflexão política, v., do mesmo autor, DCGC. 1837-1838, I, 66.
115
Ou de mais uma diferenciação (Ausdifferenzierung, N. Luhmann) no sistema de controlo social

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lugar em que se desenrolam as lutas simbólicas pela apropriação da competência de constituir
direito.
A primeira frente de luta opõe os juristas aos políticos titulares de poderes representativos.
Os cenários dogmáticos desta luta são questões que já abordámos, como o despique entre lei e
doutrina, a oposição entre constituição formal e constituição material, a existência ou não de um
direito natural, ou de uma qualquer forma de direito contra-maioritário, a definição do direito como
uma razão ou como uma vontade (das maiorias parlamentares, do rei, legislando ou exercendo o
direito de veto).
Nesta frente, os juristas vão argumentar que o direito é uma razão; que esta corresponde
ao saber de um corpo de especialistas; que, por isso, a doutrina é autónoma do direito de origem
parlamentar, bem como do direito proveniente do arbítrio régio 117; vão defender a existência de
princípios constitucionais materiais, condicionantes do próprio poder constituinte; vão acolher a
doutrina (de resto tradicional) de que, mais importante do que a vontade de quem ordena (dando
coactividade ao direito, promulgando códigos de “leis que mandam”, na expressão de Augusto
Teixeira de Freitas) é o conselho de quem dispõe da autoridade do saber (podendo elaborar
códigos de “leis que ensinam”); e, com esta doutrina, vão pôr em cheque tanto a suprema
autoridade das maiorias parlamentares como a suprema autoridade do rei, a qual apenas
reconhecerão como fonte de direito, se mediada pelo conselho de especialistas em direito (o
Professorenrecht, que há-de triunfar na era bismarckiana, mas que a Escola Histórica Alemã já
propugnara).

7.2. Juristas “académicos” e juristas “pragmáticos”.


Completamente interna ao campo do direito era a frente em que se oponham os juristas
académicos que cultivavam a doutrina dos princípios e do sistema àqueles que se dedicavam a
um saber de intenções mais pragmáticas, colhendo das várias fontes disponíveis construções
dogmáticas “locais”. Os primeiros reclamavam para si o primado na definição do que fosse direito,
entendendo que, sem princípios e sem sistema, não se podia construir nenhum daqueles
monumentos que consubstanciavam o direito perene e liberto das contingências.
Exemplos de juristas com este grau de exigência são, em Portugal, por exemplo, Basílio
Alberto de Sousa Pinto, o empedernido doutrinário conservador, cultor do direito constitucional e
do direito criminal, e Vicente Ferrer Neto Paiva, um liberal, professor de filosofia do direito. Ambos
achavam que o domínio epistemológico do direito pressupunha o cultivo da filosofia jurídica, sem o
que não se obteria mais do que soluções dogmáticas desgarradas e oportunistas, insusceptíveis
de serem reduzidas a um corpo harmónico.
No Brasil, a figura emblemática é a de Augusto Teixeira de Freitas, para quem a
manutenção da doutrina tradicional de que era necessária a tradição da coisa para que se desse a
transmissão do domínio pressupôs a adopção de todo um sistema de compreensão do direito
subsumido à oposição, para ele cardinal, entre direitos pessoais e direitos reais. Daí que,
convidado pelo Imperador para redigir uma “consolidação das leis civis” que servisse de guia à
aplicação prática do direito do Império, não pôde deixar de anteceder este guia prático de uma
monumental “Introdução”, em que se construía o sistema de direito capaz de expulsar a
transmissão consensual, que o Code civil tinha adoptado e que ameaçava contaminar outras
codificações. É provável que, por detrás da guerra contra a transmissão independente da tradição,
estivesse uma questão bem prática – a da viabilização do crédito agrícola, que sofreria com a
incerteza da titularidade do domínio, sobretudo em países em que não houvesse cadastro e
registo de transmissões; mas o interessante é que não é esta argumentação pragmática que
Freitas traz para a ribalta, mas antes a questão altamente teórica do “sistema do direito”. E é
precisamente com esta questão que empreende a feroz demolição do projecto de Código Civil
português de António Luís de Seabra, que optara por uma outra sistematização e, ainda por cima,
adoptara uma forma mitigada de transmissão consensual 118. O curioso é que também Seabra

116
Para o enquadramento teórico da terminologia adoptada, remeto para a obra de Pierre Bourdieu, Pierre, "La
force du droit, éléments pour une sociologie du champ juridique", in Actes de la recherche en sciences sociales, nº 64
(1986), pp. 1-24 ; e fontes aí referidas, nomeadamente do mesmo autor)
117
Não é por acaso que o conceito de Estado de direito, uma criação de juristas, se apresenta como a via média
(e racional) entre dois voluntarismos – o voluntarismo democrático e o voluntarismo régio.
118
Com efeitos meramente inter partes, não sendo oponível a terceiros senão depois do registo da transmissão..
Não era essa a solução do direito tradicional, repelida tacitamente por Melo Freire, o que lhe é censurado por Lobão: Melo,
Institutiones [...], onde parece concordar com a transmissão da propriedade por “ [...] simples palavras [... ou] outro por
qualquer acto externo em que se declare a vontade, Grócio, De jure belli ac pace, liv. II, cap. VI, 3, e cap. VI, § 25;

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partilhava da mania sistemática; e, perante a crítica a alguma disposição concreta que pusesse
em cheque o sistema adoptado, se recusava em absoluta a aceitá-la, argumentando que o plano
do Código já tinha sido aprovado pela 1ª Comissão revisora (em 1850) e que, se se tratasse de o
mudar, que não seria ele quem o faria. Foi, em suma, o que respondeu a Vicente Ferrer que, como
filósofo do direito entitré, propunha um outro sistema e, logo, um outro plano, para o Código.
Nesta frente de luta, os cenários dogmáticos são vários.
A necessidade de definições nos códigos é um deles, defendido, naturalmente, pelos
doutrinários, que assim blindavam o seu sistema teórico com a força coactiva da lei ao mesmo
tempo que diminuíam o espaço de interpretação aos aplicadores dos códigos. Isto, supondo que o
sistema dogmático do código era o “seu”; caso contrário, eram eles que se sentiam constrangido
pelo abuso de “uma lei que manda” querer também ensinar. Ao que os juristas pragmáticos
respondiam com o célebre dito de Javolenus – omnis definitio periculosa est, D., 50, 16, 1 - ou
com um passo do Discours préliminaire, de Portalis, no sentido de que as definições devem ser
estranhas aos códigos, pois estes não seriam manuais de direito.
Outro cenário dogmático é, em Portugal, a legitimidade doutrinal 119 da importação
atomística da legislação estrangeira, sem curar de verificar se isso conduzia ou não a um sistema
coerente. Por razões substanciais, mas tendo subjacente a mesma ideia de coerência intra-
sistemática, a importação de códigos estrangeiros era também contestada por aqueles que
preferiam continuar o trabalho da pandectística, integrando o direito tradicional com o trabalho que
sobre ele tinha sido feito pelo racionalismo. Como já foi notado 120, verifica-se, de facto, uma
ulterior fractura entre os (civilistas) 121 que seguem a tradição da pandectística, trabalhando o
direito tradicional do reino com os contributos doutrinais e metodológicos do usus modernus e do
jusracionalismo 122 123 e os que importam directamente os conteúdos dos códigos das nações
cultas, seguindo uma outra das vias abertas pela Reforma Pombalina dos estudos jurídicos 124. Os
primeiros, na verdade, estão mais próximos de um iluminismo doutrinal, ele mesmo subsidiário de

Pufendorf, liv. IV, cap. IX,. Porém, no direito romano, era absolutamente necessária a tradição, lei 20 do tit. De pactis do
Código; no nosso direito, também parece ser necessária, segundo a Ord., liv. 4, tit. 7, 7, no princípio, sendo este o
fundamento da diferença entre as acções reais e as pessoais [...] nas coisa móveis, de mão em mão; nas coisas imóveis
dá-se a introdução na posse; e nas coisas incorporais ou servidões considera-se tradição o uso de um e o consentimento
de outro “, III, 3, 10. Nas Notas a Melo [...], Lobão não deixa de o criticar: “Pelo sistema de Grocio, e Puffendorl, que aqui
segue, Melo, basta a nua vontade para se transferir o domínio, sem outra tradição real, ou ficta, que foi invento do Direito
Civil: o mesmo sistema segue Heineccio, e outros; [...] porém esse sistema é nervosa, e fundamentalmente confutado por
Samuel de Cocceius [...] Quidquid sit; temos Lei, (Ord., L. 4. T. 7.) que, seguindo o Direito Romano, não dá por transferido o
domínio só pelas mútuas vontades sem tradição real, ou ficta, bem que em Direito Civil há 53 casos, em que o domínio se
transfere, e adquire sem real tradição [...]”, Lobão, Notas [...] , ad 3,3,10, p. 154.
119
Pois a legitimidade legal provinha da Lei da Boa Razão, de 18.8.1769, tal como fora aplicada pela Reforma
pombalina dos Estudos Jurídicos de 1772 (Est. Univ. 1772, liv. 2, tit. 5, § 16); v. Francisco de Sousa Sampaio, Prelecções
de direito patrio, Coimbra, 1793, Parte I, t. I, cap. 8, § 20.
120
Estevan Lo Rè Pousada, “Preservação da tradição jurídica luso-brasileira: Teixeira de Freitas e a Introdução à
Consolidação as leis civis”, Tese de Mestrado na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, em
http://www.teses.usp.br/download.php/teses/disponiveis/2/2131/tde-31102006-172941/publico/preservacao.pdf .
121
Esta cesura não se verifica, por razões óbvias entre os constitucionalistas, os administrativistas e os
penalistas, para os quais o legado do Antigo Regime era quase inutilizável.
122
Em Portugal, Manuel de Almeida e Sousa (Lobão), um tradicionalista confessado, J. J. Correia Teles e
Joaquim Pais da Silva (nomeadamente, na sua crítica ao Código de Seabra), estes mais eclécticos. No Brasil, v.g., Teixeira
de Freitas.
123
Veja-se, por exemplo, a posição de Manuel Borges Carneiro, um vintista radical que, no entanto, adoptava
uma versão absolutamente “continuista” daquilo que devia ser o objecto da doutrina jurídica: “Na falta de Lei Portuguesa
alego as Romanas, visto estarem regularmente recebidas em Portugal; e por evitar a multiplicidade de citações, cito a Hei -
neccio ou outros Autores que referem as ditas Leis, bem como na citação de um ou outro Autor incluo a de muitos por ele
alegados. O que especialmente sucede com o Repertório das Ordenações, o qual, posto que contém extractos delas mui
infiéis, e a ordem alfabética mal executada; tem com tudo excelentes notas e copiosas alegações de textos e autoridades,
e por isso foi justamente recomendado no Regim. 13 Out. 1751. t. 1. §. 7. // Entre os Autores prefiro os do nosso Reino, es-
pecialmente nas matérias que se regem mais pelas particulares disposições e costumes dele, que pelo Direito Romano:
bem como exponho somente o Jus constitutum, omitindo geralmente as opiniões novas que podem pertencer ao Jus
constituendurn. // Não cito os lugares em que se podem ver os diversos artigos de Legislação, por estarem declarados no
Indice Chrono!ogico, e nos seus Mappa Citronologico e Resumo de Leis, e seus Additamentos [da autoria dos mesmo
Manuel Borges Carneiro], e em outras obras”, Manuel Borges Carneiro, Direito civil de Portugal contendo três ivros. I. Das
pessoas. II. Das cousas. III. Das acções, 4 tomos (ed. cons. Lisboa, Typ. Antonio José da Rocha, R. Da Vinha, nº 38, 1851 .
“Oferecido a D. Pedro IV, por alv. de autorização da Infanta Regente, de 7.11.1826”, pp. vi-vii. Manuel Borges Carneiro
nasceu em Resende, em Trás-os-Montes, nos finais do séc. XVIII e morreu em 1833, ainda preso por mandado ds
miguelistas, em Cascais, depois de ter passado cinco anos nas masmorras da Torre de S. Julião da Barra. A obra Direito
civil de Portugal ficou incompleta, terminando no livro II, deixado por finalizar, por morte do autor (cf. nota introdução do ed.
ao 4º vol.).
124
Em Portugal, v.g., Manuel A. Coelho da Rocha e António Luís de Seabra.

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um conceito tradicional de “Boa Razão”, tido como um património doutrinal permanente, induzido
das manifestação concretas do direito pátrio. Pascoal de Melo Freire assume claramente esta
posição, demarcando-se, ao mesmo tempo, do ius commune clássico, do iluminismo universalista
e mesmo de um usus modernus demasiado desatento aos direitos próprios;
“[...] suprimos com o Direito Natural e das Gentes e as antiguidades portuguesas,
o Direito Pátrio, neste aspecto incompleto e imperfeito em muitos pontos. E assim,
conhecido previamente aquilo que o Direito Romano tem de próprio nos contratos, aquilo
que é do Direito Natural e das Gentes, e, finalmente, o que a nossa Cidade estabeleceu
de peculiar para si, com esta ordem ensinámos tudo, para que nesta mesma obra
ficásseis a saber o uso genuíno do mesmo Direito, os costumes das Nações, e sobretudo
as leis pátrias e seus costumes antigos e actuais; da boa análise e confronto de todos
estes elementos facilmente podereis entender o que ordena nos negócios correntes da
vida a razão natural, o que preceituam as leis e costumes do povo, e, por fim, o que é
justo ou injusto em cada questão.
Semelhantemente, pensámos que de modo nenhum se devem omitir as
alegações dos Doutores, sobretudo nas matérias duvidosas ou omissas na lei. De facto,
embora bem saibamos que se deve buscar a decisão de qualquer negócio, não no
número e autoridade dos Doutores, mas apenas no peso das leis, era, todavia, necessário
que, nesta parte, se condescendesse alguma coisa com o século, que ainda agora se
compraz com semelhantes citações; e, sobretudo, para que seja conhecido de vós,
principais destinatários dos nossos estudos e trabalhos, quais os autores que contribuem
para ilustrar o nosso Direito; não para que jureis sobre as suas palavras, ou sobre as
minhas, que são de muito menor autoridade, mas para que os possais consultar, quando
for preciso, e quando a matéria carecer de maior esclarecimento; e, assim, prevenidos dos
necessários subsídios, possais refutá-los, ou segui-los, e, em suma, dar o justo valor às
suas palavras e escritos. Como era justo, utilizámos muito preferentemente escritores
portugueses, em cujo manuseio e leitura despendemos bastante tempo e trabalho . E que
a sua leitura, se bem que fastidiosa e assaz desagradável, é algumas vezes útil, para não
dizer necessária, visto não termos outros Intérpretes do nosso Direito, enquanto vós e
vossos doutíssimos Mestres, de quem a Jurisprudência Pátria muito espera, não
publicardes melhores trabalhos. No entanto, tereis de os ler cautelosamente, pois, além de
nunca inquirirem das verdadeiras razões e origens das nossas leis, e, se algumas vezes o
fazem, não as derivam das fontes genuínas, mas de charcos, isto é, do uso do foro,
muitíssimas vezes contrário às próprias leis, ou das sentenças e arestos, quiçá proferidos
contra as próprias leis e direitos constituídos; confundem quase sempre o Direito Civil
Pátrio com o Romano, e por este interpretam, sem distinguirem as leis estrangeiras das
nacionais, as razões naturais das civis, o direito recebido e dado pela Cidade daquele que
nunca foi nem podia ser recebido sem ofender as antigas leis, costumes e usos
portugueses que ainda hoje parte usamos no meio de tamanha confusão de direitos. Eis
por que, na genuína aplicação do Direito Romano, se deve, falta de lei especial e costume
legítimo, dar mais importância aos escritores do uso modemo das Pandectas, a quem não
cega uma tão ardente paixão do mesmo direito, do que aos nossos, muito embora
também aqueles devam ser lidos com cautela, visto considerarem em geral ab-rogadas
muitas coisas, especialmente recebidas nas nossas leis e costumes, de todas as quais é
lícito encontrar, nestas Instituições, muitos exemplos, que seria ocioso transcrever aqui”
(Institutiones iuris civilis, Pref. ao Livro III) 125.
Só aparentemente, porém, é que esta posição soçobra num “positivismo” conservador. Na
verdade, o que Pascoal de Melo procura reconstituir é a “razão” imanente ao direito recebido,
colhida das suas manifestações positivas mas – como “razão” - superior a elas. De facto, este
autor não deixa de criticar as leis – mesmo as “modernas” - em nome da “razão natural”. Isto
acontece, por exemplo, em relação ao Dec. de 17 de Julho de 1778 que suspendera
temporariamente a lei testamentária de 9 de Setembro de 1769, a qual condenava “com justiça e
razão” os princípios do direito romano sobre testamentos, “por supersticiosos e baseados em mera
subtileza”; concluindo que “embora essa lei esteja hoje, por assim dizer, ab-rogada [...] até à
promulgação do Novo Código, a verdade é que merece sempre grande apreço”. Tal como a lei de
18 de Agosto do mesmo ano, essa ainda em vigor, “visto [tais princípios romanistas] serem
meramente civis e contrariarem a simplicidade do direito natural e a recta razão” 126. Também
Manuel Borges Carneiro – um aberto revolucionário – cria que a continuidade da doutrina
125
Sublinhados nossos.
126
Institutiones iuris civlis [...],. III, 5, 32.

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documentava a permanência, sob as contínuas alterações legislativas, de um núcleo de princípios
permanentes, dos quais os códigos não eram senão uma particular exteriorização; “A utilidade
desta obra [o seu Direito civil de Portugal] não se malogra com as alterações que se possam fazer
na Legislação pelos novos Códigos, e em consequência da Carta Constitucional, desta Lei
sagrada, por quem o Nosso Augusto, o Nosso Tito Mandou que fosse a Pátria afortunada; pois 1.º
contém a mesma obra os princípios gerais e imutáveis da Jurisprudência; 2.° trata muitas matérias
que não pertencem aos Códigos; 3.° será sempre proveitoso ter presentes as variações da
Legislação, e poder conferir as novas disposições com as anteriores; e tais são as Conferencias
dos Jurisconsultos Bonnier e Dufour. Além disto, 4.° será fácil citar nos lugares respectivos as
alterações que sucederem” 127.
A segunda corrente – também apoiada na Lei da Boa Razão e nos Estatutos da
Universidade - estava mais próxima de um iluminismo abertamente universalista e reformista; para
o qual as leis “modernas” – mesmo as estrangeiras, ou até principalmente estas - valiam em si
mesmas, como actos de vontade iluminada e reformista. Sobretudo naqueles domínios em que o
direito nacional procurava acomodar zonas de experiência mais dinâmicas, tudo aquilo que não
era resolvido por arbitragens extra-forenses decidia-se, a bem dizer, pelo direito estrangeiro. José
da Silva Lisboa (Visconde de Cairú, 1756-1835), ilustre comercialísta luso-brasileiro dos princípios
do século XIX, ponderando que “a legislação pátria é muito limitada para decidir todas as
questões, recorre continuadamente ao direito estrangeiro” 128, o mesmo fazendo outro
comercialista, José Ferreira Borges (1786-1838), que, na falta de leis nacionais expressas, declara
preferir o Code Napoléon. Utilizada largamente desde os fins do primeiro quartel do século XIX, a
invocação dos códigos europeus é legitimada, por Coelho da Rocha em virtude de “além da
autoridade dos seus autores, tem em seu abona o assenso de uma nação civilizada” 129. Na
verdade, os comercialistas dirigiam-se a um público cosmopolita, habituado às práticas
estrangeiras e que abandonava facilmente o campo do direito estrito por soluções de
compromisso ou de arbitragem extra-judicial. Manter contactos profissionais ou prestígio junto
desta comunidade – pouco interessada nas tradições, mesmo que elas fossem as já algo
modernizadas do usus modernus - exigia uma grande mobilidade de padrões normativos, que era
justamente o que caracterizava o direito comercial 130. Em grau semelhante, isto podia acontecer
em outras zonas do direito, nomeadamente do direito público, onde mesmo a tradição doutrinais
dos finais do séc. XVIII – embora lançando ainda a sua espessa sombra sobre o novo direito 131 - já
estava desactualizada pelas novidades constitucionais e institucionais. Nestes casos, os autores
não se estavam, de facto, a dirigir a um público especializado, formado num saber estabelecido e
inveterados em hábitos de pensar embebidas na tradição; estavam antes a dirigir-se a um público
de amantes do interesse público, muitas vezes perplexos e desinformados. Não à “opinião comum
dos doutores”, mas à “opinião pública”, em si mesma, ou no seu braço legislativo. Era para este
que escrevia Silvestre Pinheiro Ferreira as suas Observações sobre a Constituição do Imperio do
Brazil e sobre a Carta Constitucional do Reino de Portugal 132, embora pedagogicamente os

127
Direito civil de Portugal, pp. vi-vii.
128
Princípios de Direito Mercantil ou Leis da Marinha, Lisboa 1808.
129
Coelho da Rocha, Instituições [...] , cit., p. 248.
130
Tal como hoje acontece com os juristas que cultivam o direito dos negócios.
131
Este é o tema principal do já citado livro de Carlos Garriga e Marta Lorente, Cádiz, 1812 [...] , cit., em que se
procura surpreender estas discretas mas poderosas amarras do novo constitucionalismo às tradições doutrinais e
institucionais vindas do Antigo Regime.
132
Paris, Rey e Gravier, 1835: “Quando, pelos fins de 1830, publicámos pela primeira vez estas Observações,
tínhamos em vista, como então mesmo declarámos, contribuir, quanto em nós estava para a reforma da constituição do
país que se dizia dever ser objecto da próxima sessão da assembleia geral daquele império [...]”. p. ii.

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zurzisse ferozmente, tentando adestrá-los no reconhecimento da superioridade doutrinal de
juristas como ele 133 134.
Um último cenário - mais formal do que dogmático - desta frente de luta interna ao campo
dos juristas, entre académicos e práticos, inovadores (de diversa têmpera, como vimos) e
conservadores, é o do estilo a adoptar nas obras doutrinais: o estilo conceitual, definitório e
compendiário, prescrito para as lições universitárias após a reforma pombalina, ou o estilo
analítico, tradicional nos juristas pré-pombalinos, mas ainda eleito pelo tradicionalista Lobão.
Abstraiamos, por agora, das questões teóricas que estavam subjacentes a cada um dos
estilos e que, como vimos logo de início, podem ser ligadas a substanciosas questões de teoria do
direito. Encaremos, agora a questão de um outro ponto de vista – o ponto de vista simplesmente
estilístico, embora com as implicações que ele necessariamente tem na selecção dos públicos, na
capitalização de prestígio por parte dos autores e nas fontes e impactos sociais desse prestígio.
No séc. XIX, o estilo analítico corresponde às anotações às constituições, a códigos e a
leis avulsas. Em alguns casos a esta forma atomística de expor não corresponda a falta de um
sistema conceitual subjacente. É o que acontece com os comentários de Silvestre Pinheiro
Ferreira à Constituição de 1822 ou à Carta Constitucional de 1826 135, ou com os de Basílio Alberto
de Sousa Pinto ou J. J. Lopes Praça a esta última. Também os comentários de José Dias Ferreira
ao Código Civil de 1867 e ao Código de Processo Civil de 1875 incluem, a propósito de muitos dos
artigos, pequenos tratados doutrinais. Do que trata é antes de procurar utilizar uma forma
tradicional e prática de exposição à divulgação de um aparelho sistemático e conceitual que,
exposto de forma sistemática, se tornaria menos atractivos aos juristas práticos e, com isto, criaria
uma barreira de incomunicação em relação a um público que, justamente, se quer atingir e
hegemonizar. Ou seja, mais do que a adesão a uma posição substancial de teoria do direito – por
exemplo, a um positivismo legalista – o que aqui se revela é a intenção de captar um público mais
avesso à teorização, utilizando uma abordagem formal que mantém um contacto mais directo com
os problemas quotidianos dos juristas práticos. Esperando que este expediente lhes produza
homeopaticamente um gosto pela verdadeira ciência do direito.
A questão punha-se, de forma semelhante, no momento de elaborar um código,
nomeadamente um desses códigos cardinais como era o Código Civil. Obra de professores,
naturalmente; porque obra de sistematização fundamental, segundo conceitos e definições
133
Não foi sem grande pasmo e profunda magoa que lemos esta lei de reformas. Por hum lado não pudemos
supor que as nossas Observações fossem desconhecidas a todos os deputados que tomaram parte naquela discussão; e
por outro lado não pudemos conceber como, tendo-as lido, não reconheceram que era não só baldada, mas inconveniente
a medida [...] É desculpável a espíritos superficiais e tímidos dizerem que em tal caso se deve proceder gradualmente, e
começar pelo que é de maior urgência. Mas tal discurso não cabe em pessoas que pela sua profissão deveriam saber que
a constituição de hum povo é necessariamente um todo pacto e sistemático, e não um composto de disposições
desligadas, de modo que o legislador possa reformar, a seu arbítrio, ora esta, ora aquela, deixando subsistir todas as
outras /i-ii/ [...] Nestas observações manifestamos com franqueza a nossa opinião sobre a incompetência da câmara dos
deputados para só por si, e independentemente dos outros dois ramos do poder legislativo, decretar definitivamente, como
se praticou neste caso, nenhuma lei do Estado. [...] Sendo a câmara dos senadores composta de homens, é indubitável
que as suas emendas poderiam conter erros; mas a outra câmara tinha nos seus membros sobejas luzes para os corrigir e
sem duvida o concurso da Câmara dos senadores, entre os quais conhecemos alguns de profundo saber, e de ilibada
probidade, teria feito desaparecer ou todos ou alguns dos graves defeitos que se notam na presente lei [..]” /iii/. Tudo isto
rematado com um floreado final de desconcertante hipocrisia: “Terminaremos esta advertência com a reflexão de que
refutar não é menosprezar. Por mais contraria à verdade que a um escritor pareça a opinião de outro, acontece a cada
passo que este reconhece a superioridade de luzes daquele cuja opinião a sua razão, boa ou má, lhe não permite adoptar.
É assim que a franqueza das nossas reflexões se compadece com a alta opinião que temos do saber, e do patriotismo que
de facto próprio conhecemos em muitos, e que supomos nos que não conhecemos pessoalmente, dentre os autores, quer
seja da constituição, quer seja da lei das reformas, que fazem objecto do presente escrito. Paris, aos 15 de Julho de 1835”
(iv).
134
Silvestre foi, na sua vida de publicista, de uma notável pertinácia na tentativa de influenciar os políticos nas
suas reformas legislativas, talvez só excedida pela de Jeremy Bentham, a quem nem sequer a Companhia das Índias, a
sua derradeira esperança, depois de se esgotarem outras mais notórias (incluindo a Espanha e Portugal), acolheu os seus
projectos tanto como isso. Infelizmente para Silvestre Pinheiro Ferreira - que tinha uma pronunciada tendência para
conceber sistemas exdrúxulos de organizar a polis - a sua sorte como éminence grise do poder foi bastante inferior à sua
reputação de escritor teórico, embora se tenha ocupado de aconselhar portugueses, brasileiros, franceses, belgas, saxões:
Sinopse do Código de Processo Civil, conforme as leis e estilos atuais do Foro Português. Paris, Firmin Didot, 1825;
Prospecto e índice alfabético dos termos da Constituição do Império do Brasil e da Carta Constitucional portuguesa. Paris,
Casimir, 1830; Constituição política do Império do Brasil e Carta Constitucional do Reino de Portugal, em duas colunas,
para servirem de texto ao Manual do Cidadão. Paris, Casimir, 1830; Observações sobre a Carta Constitucional do Reino de
Portugal e a Constituição do Império do Brasil. Paris, Casimir, 1831; Projetos de ordenações para o Reino de Portugal.
Paris, Casimir, 1831-1832, 3 volumes; Observations sur la Charte Constitutionnelle de la France. Paris, Casimir, 1833;
Observations sur la Constitution de la Belgique. Paris: Casimir, 1838; bservations sur la Constitution du Royaume de Saxe.
Paris: Casimir, 1838; Cours de Droit Public Interne et Externe, avec les Observations sur la Charte de la France, de la
Belgique et du Royaume de Saxe. Paris: Casimir, 1838, 3 volumes.
135
V. nota anterior.

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fundamentais. Mas obra que, uma vez pensada segundo o rigor do método, devia ser apresentada
de forma acessível, sem sobrecargas teóricas, como se fosse filha do senso comum. O mesmo
passe de mágica de transmutar o saber artificioso em sensatez popular era a condição para que o
diálogo entre o sábio e o rústico se pudesse gerar. O povo entendia, o jurista prático aplicava e, na
retaguarda, o professor, chegada a sua hora, explicaria em manuais, as chaves teóricas das
soluções práticas, disciplinando superiormente os entendimentos dos práticos. Porém, a ordem
tinha que ser esta: um código sem teoria, uma teoria por detrás e acima dos códigos. De outro
modo, se o próprio código abrisse as portas à teoria, os seus leitores e exegetas práticos seriam
incitados a enveredar pela actividade especulativa. Daí a crítica endereçada pelo lente Joaqiim
José Paes da Silva, Vogal da Commissão Revisora do Projecto do que viria a ser o Código Civil
Português de 1867 136: “Primeiro que tudo, tenho que notar, que o Projecto está muito doutrinal,
tanto em definições e classificações, como em princípios gerais, em que assentam as matérias. É
bem sabida a grande questão, que sobre isto tem havido em Alemanha e Franca; sustentando
uns, que a lei só deve conter disposições preceptivas, proibitivas, ou permissivas, e não doutrinas,
que pertencem as escolas: esta opinião foi sustentada em Franca por Persil 137, que disse, que a
definição era obra do gramático e do filósofo; e principalmente se invoca ‘neste ponto o celebre
dito do Bonaparte, - que o Código não era um livro didáctico”.
É certo que o estilo analítico sobrevivia entre os práticos. Porém, estes já estavam
convencidos de que este método expositivo deixara de representar um factor de prestígio,
qualquer que continuasse a ser a sua utilidade prática. Testemunho patético disto mesmo são-no
as palavras do velho Lobão, numa obra que ele presumia poder ser a sua última publicação: “[...]
Adiciono muito de novo, com censura, que me parece justa, me oponho a algumas opiniões; e
reduzo a matéria a uma ordem natural, e sistemática mais perceptível aos principiantes.
Reconheço que não me conformarei com o gosto do século, qual é serem as obras sumárias,
compendiária, sem montes de citações de Doutores, sem transcrições, um contexto continuado
com notas separadas, etc. Porém, como velho, estou aferrado a este sistema; (1º) que os
sumistas não dão ciência aos principiantes, e só avivam a lembrança dos sábios; (2º) Penso que
nem todos têm ou podem ter uma biblioteca grande, nem ainda como a minha, e por isso lhes faço
um aparato de muitos Doutores, e transcrições de alguns mais esquisitos; outras vezes em
continuado texto, costumo inserir as formais palavras deles, como de autoridade superior A minha
[...] (4º) bem que em qualquer outra obra, que der à Luz, prometo conformar-me com o gosto do
tempo: no Tratado dos Direitos relativos a Casas me conformarei a esse gosto” 138.
Apesar de interna ao campo do direito, esta frente de luta entre doutrinários e
pragmáticos, reproduz de forma atenuada e no interior do campo, a tensão entre juristas e
políticos. Na verdade, para os doutrinários, o pragmatismo na escolha assistemático de soluções
particulares corresponde à dissolução do sistema doutrinal e, com isto, à perda de um argumento
importante contra o carácter inorgânico, oportunista, utilitarista e “político” da legislação e, em
geral, da “maneira política” de fazer o direito. Quando a esse carácter assistemático se somava a
importação de legislação estrangeira, a situação ficava ainda pior, pois não era fácil explicar
porque é que se dava crédito à legislação estrangeira e não à legislação pátria, tanto mais que o
argumento usado por Pombal – o do carácter mais polido e culto de algumas nações estrangeiras
– não se adaptava comodamente a um novo regime, saído de uma revolução liberal. Mais
perigosa ainda era, todavia, a corrente exegética, a qual constituía um cavalo de Tróia dos
“políticos” no seio do baluarte dos juristas. É que o exegeta aceitava a função de explicar a lei, de
eventualmente a criticar; mas raramente reclamava para si a legitimidade para a recusar, alterar,
ou negar-lhe a legitimidade jurídica.
Temos, assim, que a ponta de lança do confronto entre juristas e políticos eram os
académicos doutrinários, por regra professores da Faculdade de Direito da Universidade de
Coimbra 139. Separados da Lisboa política - até pela distância e cariz ruralizante da cidade
136
Observaçoes Sobre Projecto do Codigo Civil pelo Doutor Joaqiim José Paes da Silva, Vogal da Comissão
Revisora, Coimbra, Imprensa da Universidade, 1859, p. 7. Pronunciava-se, consequentemente, contra as definições e
regras gerais, “por causa dos abusos a que podem dar lugar”, 8.
137
J.-C. Persil, autor de um Traité sur les privilèges et les hypothèques, Paris 1809.
138
Manuel de Alrneida e Souse (Lobão), Tratado encyclopedico, pratico, critico sobre as execuções que
procedem por sentenças e de todos os incidentes nellas [...], Lisboa, Impressão Regia, 1828, 3-4. Sobre esta posição de
Lobão, Mário Reis Marques, Codificação e paradigmas da modernidade, Coimbra, 2003, 494 ss.
139
Sobre este emblemático centro de saber jurídico académico, Maria Eduarda Cruzeiro, “A universidade sitiada:
a Universidade de Coimbra entre os dois liberalismos (1820- 1834)”, em Análise Social, XXIX.125-126(1994), vol. II (mas,
sobretudo, a sua tese de doutoramento, na École des Hautes Études en Sciences Sociales, Action Symbolique et
Formation Scolaire. L'Université de Coimbra et sa Faculté de Droit dans la Seconde Moitié du XIXe. Siècle . 2 tomos,

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universitária – eles podiam opor ao duvidoso cosmopolitismo da capital, além da carga simbólica
da Academia - a lusa Atenas - o cosmopolitismo das suas leituras, das suas bibliotecas, da sua
tradição académica.
Até que ponto é que estes supostos méritos eram reais é coisa que interessa menos do
que a realidade da crença de que eles o eram. A Universidade de Coimbra continuava a gozar de
um enorme prestígio público, ainda reforçado pela importância que os seus bacharéis – e,
nomeadamente, os juristas –, formados no racionalismo da Reforma Pombalina, tinham tido na
formação do clima de mudança que resultara na Revolução liberal. Os seus batalhões académicos
distinguiram na guerra civil, ao lado do pai da Constituição, os seus lentes presumiam manter-se
na linha reformista do seu antecessor Pascoal de Melo, cujos compêndios continuaram a ser
utilizados até à década de 60 do sec. XIX 140 141; e a Universidade como corpo mostrou bem a sua
força política ao resistir com êxito, até 1911, aos projectos governamentais de criar uma
universidade na capital do País.
A imaginária centralidade científica de Coimbra e a sua neutralidade em relação aos jogos
políticos de Lisboa constituía também um eficaz biombo em relação aos estreitos laços que os
seus professores mantinham com a política da capital. De facto, não poucos dos professores de
Direito desempenharem lugares políticos, como conselheiros de Estado ou dos Supremos
Tribunais, como Pares, como membros de Comissões governamentais várias, como deputados e
até como chefes partidários. Mas a sua imagem era a de pessoas recolhidas na Lusa Atenas,
entre os seus estudantes e os seus livros, numa vida quase fradesca dedicada ao saber, a roçar o
bizarro, reagindo com enfado a qualquer deslocação forçosa a Lisboa, para assuntos extra-

policopiada. Paris, 1990); Fátima Moura Ferreira, “Entre saberes: A centralidade do saber jurídico na consubstanciação da
ordem liberal”, em Revista de História das Ideias, 24(2007), p. 177-211 (e, sobretudo, a sua tese de doutoramento, Maria
de Fátima da Cunha de Moura Ferreira, A institucionalização do saber jurídico na Monarquia Constitucional – a Faculdade
de Direito de Coimbra, Universidade do Minho, 2004.
140
Melo Freire tinha sido, de facto, um jurista que, embora absolutista em política, tinha apreendido bem a
herança humanista das Luzes. Isto nota-se, tanto na sua obra de penalista, como em muitos passos das suas Instituições
de direito civil, em que denuncia o direito agrário “feudal” (direitos senhoriais excessivos, vinculação de bens, escravatura).
Sobre o direito feudal: “Com efeito, posto que ninguém possa negar ainda agora a existência de não poucos vestígios
desse direito, que em seu lugar indicaremos (tit. 3, 5 XIX, Nota, deste livro), é, todavia, certo que os nossos Reis tanto
aborreceram o domínio feudal, que pareciam abster-se propositadamente do vocábulo feudo, o qual dificilmente
empregavam. [...] “. Seguem-se ilustrações desse espírito anti-feudal dos monarcas portugueses, II, 1, 14. Sobre a
escravidão em geral, bem como o caso particular dos índios e dos negros, é notável o passo seguinte, em que se dá a
escravatura como abolida ou abusiva: Instituiones iuris civilis [...], II, 1, 6 – “[...] após a nova Constituição de 16 de Janeiro
de 1773, os filhos nascidos de escrava, seja ela esposa, seja concubina, nascem livres e ingénuos, e imediatamente olham
o sol com liberdade.”; dando como “[...] reprovada a escravidão já desde o século XIII entre os cristãos (Bodin, De
republica, liv. I, cap. V; Selden, Mare Clausum, liv. I, cap. XXVI), não hesitamos em afirmar que ela entre nós nunca esteve
em uso ou então há muito deixou de estar [...]“, II, 1, § 4. Sobre a liberdade dos índios, declara que, com a lei de 20 de
Março de 1570 “[...] eles ficavam livres, salvo se fossem aprisionados em guerra justa empreendida por sua [do rei] ordem
[...] cativeiro”, pois tal lei “restituiu aos índios a total liberdade de pessoa, de comércio e de bens. D. José I em 6 de Junho
de 1755 transcreveu e confirmou de novo esta lei de D. Pedro II. [...]”, II,1,10; “Nota: Parece totalmente supérfluo, para não
dizer néscio, tantas e tamanhas leis sobre uma coisa conhecidíssima, qual é, realmente, a liberdade dos Índios. [...] Por
outro lado, as já citadas extravagantes de D. Sebastião, Filipe III e D. João IV, que devem ser totalmente entendidas
segundo o génio do século, e admitem enfim a escravidão dos índios em certos casos e condições, não podem hoje ter
lugar, uma vez que já há muito ela se acha rejeitada entre os Cristãos - advertência que actualmente também me parece
supérflua [...]”, ibid. Especificamente sobre o Brasil: “Nota: No Brasil e noutros domínios dos Descobrimentos toleram-se os
escravos negros, mas confesso que ignoro em absoluto com que direito e a que título. Bem sei que o comércio, a
agricultura, a indústria, as minas de oiro, e outras actividades lucrativas destas regiões só podem ser vantajosamente se
exercidas com o emprego desses homens rudes; mas uma coisa é utilizar o seu trabalho e serviço, e outra tê-los como
escravos e em verdadeira propriedade. Seria para desejar que, em assunto tão grave, se harmonizassem de qualquer
modo as razões de humanidade e as razões civis, como na medida do possível, tentam hoje fazê-lo alguns Políticos.
Vejam-se, entretanto, Montesquieu, Esprit des Loix, liv. XV, cap. V, Smith, tomo V das Recherches sur la nature et les
causes de la richesse des nations, cap. VII, Des Colonies; M.. de Felice, Code de I'humanité, tomo 6, art. “Esclavage des
Nègres”; Schwartz, Réflexions sur l’Esclavage des Nègres; Raynal, Histoire Philosophique et Politique, tomo V, liv. XI, § 22”,
II, 1, 12.
141
O prestígio de Melo Freire patenteia-se neste elogio, carregado de pouco subtil ironia, de um dos seus críticos
mais tradicionalistas, Manuel de Almeida e Sousa (Lobão): “Quem sou eu para me arrogar a fazer Notas do Uso prático, e
Criticas, Adições, ilustrações, e Remissões de Doutores, ainda na mais mínima parte dos escritos do grande, e nunca
assaz louvável Papiniano deste reino? Os elogios, quo dele vejo na última reimpressão das suas obras, ainda foram
limitados; os meus seriam superiores, se a tanto chegasse a minha eloquência: Que dirão de mim tantos e tantos sábios,
quo juram nas suas palavras até o ponto do as analisarem, como se fossem de texto, e como que ele fosse infalível, não
digo nas sentenças do direito, mas na pureza da latinidade? // As obras de Mello podem verdadeiramente dizer-se entre
nós, e no sujeito delas, obras primas, e últimas; primas, porque nenhum dos nossos jurisconsultos, nem ainda se tentou a
árdua empresa de reduzir a ordem, e método sistemático toda a nossa legislação antiga, média e moderna, como se
propôs, e felizmente executou o nosso Melo; últimas, porque depois destas nada mais resta a desejar”. Notas a Mello [...]
cit. I, “Prefácio”).

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universitários 142. Assim, podiam opor aos arranjos legislativos, sempre suspeitos de pouco estudo
e de manipulações partidárias, a serenidade e a neutralidade do seu saber.

8. As leituras dos lentes.


Tentámos medir o pulso a esta prosápia de saber. Tomámos como base o registo dos
livros comprados pela Biblioteca Geral da Universidade, na década imediatamente anterior à
promulgação do Código civil de 1867 143. Não é uma fonte isenta de defeitos, para o fim que nos
interessa – o de avaliar o tipo de leituras dos lentes, quanto à sua actualização e quanto à sua
proveniência: não cobre possíveis bibliotecas privadas, nem a biblioteca de uma instituição de
cultura que começa a afirmar-se por esta época – o Instituto de Coimbra. Fundado em 1858,
editando uma revista científica e literária, logo a partir do ano seguinte, O Instituto estava muito
ligado à Universidade, a ponto de ser popularmente designado como o Clube dos Lentes. A sua
biblioteca – integrada na Biblioteca Geral da Universidade em 1982 – tinha, nesta altura, c. de 15
000 volumes. Embora nos seus primevos anos, contemporâneos da década que usámos para
amostra, devesse ser muito incipiente.
Seja como for, o exercício dá-nos algumas pistas. Durante esta década, a BGUC comprou
c. de 900 livros, descontando os sucessivos números das mesmas revistas ou de obras que foram
saindo ao longo de vários anos, que aparecem com registo autónomo. O direito é a área em que
mais livros se compram, cerca de um quarto do total, As ciências – grupo em que dominam a física
e a matemática – seguem-no de perto. Mais longe, entre as disciplinas especializadas, a medicina.
De um modo geral, só se compram obras recentes, salvo na literatura, especialmente na
espanhola, em que se adquirem obras clássicas ou mais antigas. A variedade linguística é
pequena – francês, espanhol, português, italiano e inglês; mas o francês domina largamente,
como veremos mais detalhadamente na avaliação das compras de livros jurídicos. O inglês,
porém, suscita interesse, verificando-se a compra de vários dicionários deste idioma. O alemão
ainda não entrou e os livros em italiano são muito escassamente recomendados, quase só pelos
juristas, e em geral sobre uma matéria muito específica, o recém-aparecido Código de Processo
Civil da Sardenha.

142
J. Pais da Silva, membro das duas Comissões revisoras do Projecto do Código Civil declara enfaticamente
que, sendo a sua vida em Coimbra, onde tinha as suas obrigações académicas, não se deslocará a Lisboa para as
reuniões da Comissão – que inicialmente reunira em Coimbra, na Faculdade de Direito -, mandando as suas observações
pelo correio, à medida que as fosse aprontando
143
Encontrámos na Biblioteca Geral da Universidade de Coimbra livros de registo desde c. de 1854, até à
actualidade.

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No domínio específico do direito, compraram-se 213 livros, o que corresponde a uma
modesta média de c. de 20 livros por ano. Os quais ainda se têm que repartir por uma série de
sub-especialidades, conforme se vê do gráfico seguinte:

Se não contarmos as obras que dão conta da legislação – recolhas, colectâneas, códigos
–, as disciplinas que suscitam mais compras são o direito político, o direito civil e o direito
processual civil, o direito penal, a filosofia do direito e o direito administrativo, bem como uma
categoria menos homogénea, relacionada com questões sociais e de trabalho. O elenco não
surpreende, pois se trata das matérias nucleares do curso de direito. Apenas surpreende a
atenção dada à filosofia do direito; mas isto apenas confirma o predomínio do doutrinarismo antes
referido, que projectava a filosofia para o lugar de disciplina crucial da formação jurídica. Não
seria, de resto, de estranhar que muitos dos livros classificados no apartado não jurídico de
“Filosofia”, tivessem sido sugeridos por professores de direito, já que outras Faculdade onde a
matéria pudesse ser relevante seria apenas a de Teologia.
Quanto a periódicos: assinam-se 5 genéricos, 3 de legislação e 1 de direito penal, num
total de 9.
Menos abonatório do cosmopolitismo dos lentes era o idioma dos livros encomendados,
que denuncia a sua proveniência 144. Do quadro abaixo constatamos o esmagador predomínio de
livros franceses. O mesmo acontecendo quanto às revistas, que são todas francesas, menos a
Gazeta dos Tribunaes, essa portuguesa. O alemão não é lido, embora apareçam traduções
francesas de autores alemães, como Savigny - Questions et traités de droit administratif,
comprado em 1854 145 -, Jhering ou Ahrens , embora alguns deles possam ter sido adquiridos
144
A única indecisão relevante é a da proveniência dos livros em francês, que poderão provir, em parte, da
Bélgica, então um país a que as elites portuguesas estavam bastante atentas. Claro que podem existir livros brasileiros
entre os escritos em português, embora não tenha identificado nenhum. Ou sul-americanos entre os escritos em
castelhano, o que aparentemente não se verifica.
145
A Geschichte des römischen Rechts, 1834, é comprada em 1851; o Traité de la possession, só é comprado
em 1872; o Cours de droit naturel, de Ahrens, é comprado em 1860 e, de novo, em 1875; a Philosophie du Droit, volume
2.º é comprada em 1871; de Jhering, L'Esprit du droit romain dans les diverses phases de son développement. Traduit
avec l'autorisation de l'auteur par O. De Mulenaere, 3.ème ed., é comprado em 1887; as suasOeuvres choisies, numa
edição belga, são compradas em 1893; Jellinek (L'Etat moderne et son droit, traduit par G. Fardis, 1ère partie) só aparece

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antes de 1854. Em todo o caso, é sabido como o acesso aos autores alemães só se tornava viável
depois da sua tradução, normalmente em francês. Seja como for: aparecem alguns dos juristas de
que na Europa se falava, como, entre os publicistas, Pellegrino-Rossi (Droit Constitutionel, em
1866; Ventura, Essai sur le pouvoir public, em 1863); entre os administrativistas, Batbie (Droit
Public et Administratif, em 1864); entre os civilistas, Marcadé (Explications theoriques et pratique
du code Napoléon, em 1855), Demolombe (Cours de Code Civil Français, em 1866), Ortolan (Les
Institutes, em 1858), Dalloz (Œuvres Complètes de Jurisprudence, em 1866, bem como os seus
famosos Récueils, a partir do mesmo ano); entre os comercialistas, Delamarre (Traité Theorique et
Pratique du Droit Commercial, em 1866); entre os filósofos, Kant (Doctrine du droit et de vertu, em
1854), Cousin, Fragments de philosophie, em 1861); entre os criminalistas, como Bertauld (Cours
du Code Pénal, et leçons de Legislation criminelle, em 1862), de novo Pellegrino-Rossi (Traité de
droit pénal, em 1855); Hélie (Traité de l'Instruction criminielle. Théorie du Code d'Instruction
Criminelle, em 1861); e outros, como Royer-Collard (Les Codes français avec la conférence des
articles, em 1861). Mas nada que esgotasse as elites jurídicas europeias de então, nem nada que
demonstrasse um cosmopolitismo, sobretudo se desligado da fortíssima influência francesa.
Nomeadamente, o desconhecimento da doutrina alemão de direito público e de direito privado
privava os lentes de Coimbra de um contrapeso em relação à escola francesa, nem sequer
temperado por leituras italianas ou, mesmo espanholas.

Língua/proveniência dos livros de direito comprados entre 1857 e 1866.


Francês 79%
Castelhano 8%
Português 7%
Latim 3%
Italiano 2%
Francês (Bélgica) 1%
Alemão 0%

O alegado saber académico constituía, em suma, um argumento eficaz na luta simbólica


contra os juristas pragmáticos, os juristas práticos ou os “políticos”. Mas não representava muito
mais do que isso já que, por estes indícios, não teria grande substância. Neste despique pela
autoridade de dizer o direito, funcionava, porém, com um êxito que se pode medir pela fama, em
geral elevada, dos juristas da academia conimbricense. Que, além do mais, não desenhavam – e
seguirão não desdenhando – a intervenção política e político-administrativa, para além de
ocuparem, na cabeça de muitos dos membros das elites políticas e sociais, o mítico lugar de
“mestres”.

8.1. O último terço do século: codificação, pandectística, cientismo positivista.


Terminamos esta análise nesta década de 60. A vida vai continuar e, com ela, também a
vida do direito. Aparentemente, de feição para os políticos, porque, sob o impulso conjunto da
opinião pública, que achava o direito incerto e os tribunais uma lotaria, e dos juristas pragmáticos,
que queriam remediar esta situação com direito certo e palpável, a onda codificadora avança. Em
1852, um Código Penal, que é, na prática, o primeiro. Em 1867, depois de mais de 15 anos de
discussões e de revisões no seio de comissões especializadas, o Código Civil, de 1867. Seguem-
se novos códigos comerciais, administrativos, códigos de processo e, até, textos constitucionais
de novo votados no Parlamento. Também os códigos o eram. Mas a sua discussão parlamentar
era tão breve e tão estéril que um dos membros da Comissão Revisora do Código Civil, que

em 1904; Windscheidt é comprado, em versão italiana e apenas em parte (Diritto delle Pandette, volume primo, parte
prima) em 1902; de Bluntschli, aparece (La politique. 2ª ed.), em 1883 e, em 1885, Le droit public général, 2.ª edição),
ambos na célebre versão francesa de Riedmatten; Laferrière (Cours de droit public et administratif mis en rapport avec les
lois nouvelles et précédé d'une introduction historique), chega em 1860 e, só em 1896, o seu Traité de la juridiction
administrative et des recours contentieux. S. Mill (Gouvernement Representatif), é comprado em 1862, e, em 1868, o seu
Auguste Comte et le positivisme. Guizot, I, 1861; Guizot, Histoire de France depuis 1789 jus qu'en 1848, 1878 Comte,
Systéme de politique positive ou traité de sociologie, 1851, 52, 53 e 54, em 1854; mais tarde, a partir dos finais da década
de 70, muitos livros seus são comprados; Laband (Le Droit de l'empire allemand), entra em 1900; Teixeira de Freitas,
Consolidação das leis civis, em 1896.Em contrapartida, não aparecem, entre muitos menos notórios, como Puchta;
Romagnosi, Krause, Bélime, etc..

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também era deputado, decide antecipar os seus argumentos para as serenas sessões da
Comissão, abstendo-se de as levar à discussão na Câmara que, de resto, durou um dia ...
Nestes termos, já se vê que a vitória dos órgãos representativos era pirrónica. Os próprios
códigos vinham armadilhados no sentido de garantir a última palavra dos juristas. Recheados de
definições ou de cláusulas gerais, remetendo para o direito natural, como fonte de integração das
lacunas. Quando não enveredava por esta via jusnaturalista, a doutrina jurídica fazia da ciência
positivistao seu cavalo de batalha contra o saber a-científico dos práticos 146. No virar do século, a
jurisprudência dos conceitos chega a Portugal, no direito civil pela mão de Guilherme Moreira 147;
no direito público, um pouco mais tarde, atrasada pelo impacto do sociologismo e do realismo,
bem como por algumas críticas sob o seu sentido político 148. Uma nova onda na sacralização da
posição dos juristas foi uma das suas consequências.
No decurso do século XX, esta luta entre juristas e representantes do povo decorreu sob
cenários variados – sociologismo e realismo vs. legalismo; valores vs. norma legal; solução
particular vs. comando geral; autoridade científica vs. decisionismo político; vontade de saber vs.
vontade de poder.
Nos anos seguintes à II Guerra Mundial, os valores democráticos clamavam muito forte a
favor de um primado dos órgãos representativos na definição do direito, sobretudo em Itália e em
França. Mas, mesmo neste contexto, havia argumentos a esgrimir do lado dos juristas. O mais
forte foi a responsabilização do primado da lei pela génese dos autoritarismos e dos totalitarismos.
Estes – com algumas poucas excepções – nunca tinham renunciado ao princípio do Estado de
Direito nem ao princípio da legalidade. Claro que a lei exprimia, nestes casos, a pura vontade de
poder, sem qualquer intervenção dos órgãos representativos. Mas, numa análise perfunctória, o
argumento passava 149.
Com o advento do Estado constitucional, a situação tornou-se pouco clara. Por um lado, o
controle da constitucionalidade parece garantir o primado da vontade do legislador constituinte
sobre toda a ordem jurídica. Porém, isto depende muito da estrutura e atribuições dos tribunais
constitucionais. Se estes são formados por uma quase-cooptação e se, por estatuto, apenas
podem apreciar a constitucionalidade de normas, então é claro que eles representam um
instrumento de controlo das maiorias parlamentares por um grupo fragilmente legitimado em
termos políticos, que apenas pode invocar a sua autoridade “técnica” e “neutral”. Para além disso,
importa saber que constituição estão eles a guardar: se aquela que foi votada pelo legislador
constituinte ou se uma outra, feita de princípios não explícitos, que apenas o juiz “hercúleo” de que
fala R. Dworkin pode conhecer. Neste último caso, a elite dos juristas terá obtido mais uma vitória
importante, uma vez mais à custa do princípio do direito democrático 150.

146
Sobre a onda positivista na Faculdade de Direito de Coimbra, Fernando Catroga, "O sociologismo jurídico na
Faculdade de Direito e o seu impacto curricular", Actas do Congresso História da Universidade, vol. I, Coimbra, 1991, pp.
399-414.
147
Guilherme Alves Moreira (1861-1922), Instituições do direito civil português, Coimbra, Imp. da Universidade,
1907-1928, 2 vols. (para verificar a evolução: Guilherme Alves Moreira, Historia e principios geraes do Direito civil
portuguez [ texto manuscrito e policopiado], Coimbra, Lith. do Borralho, 1897-1898.
148
A. M. Hespanha, Cultura jurídica europeia. Síntese de um milénio, Lisboa, Europa-América, 2003, 284 s..
149
Sobre a doutrina jurídica em Portugal neste período, António Manuel Hespanha & André Ventura, “Cultura
jurídica académica no período do Estado Novo”, a publicar em Salazarismus - Schwäche Diktatur oder scheinrechtlicher
Staat ? (ed. Max-Planck-Institut für europäische Rechtsgeschichte).
150
V., para estas problemáticas, o meu livro O caleidoscópio do direito. O direito e a justiça nos dias e no mundo
de hoje, Coimbra, Almedina, 2007.

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