Disciplina: Antropologia II
Período: 2° segundo 2018/2
Professora: Dra. Fabiana Jordão Martinez
Aluno: Antonio Domingos Dias
Sociologia e Antropologia
MAUSS, Marcel
Catalão
Setembro - 2018
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Os Elementos da Magia
1. O Mágico
Chamamos mágico o agente dos ritos mágicos, quer ele seja ou não um
profissional. Com efeito, constatamos que há ritos mágicos que podem ser
efetuados por não especialistas. Entre esses ritos estão as receitas das caseiras,
na medicina mágica, e todas as práticas camponesas, as que é oportuno
executar com frequência no curso da vida agrícola; assim também, os ritos de
caça ou de pesca parecem, em geral, ao alcance de qualquer um. Mas
chamamos a atenção de que esses ritos são muito menos numerosos do que
parecem. Além disso, permanecem sempre rudimentares e respondem apenas
a necessidades que, embora comuns, são muito limitadas. (p. 67).
coisas do que os outros podem sequer sonhar. Suas palavras, seus gestos, seu
piscar de olhos, seus pensamentos mesmos são forças. Toda a sua pessoa
transmite eflúvios, influências, aos quais curvam- se a natureza, os homens, os
espíritos e os deuses.
Além desse poder geral sobre as coisas, o mágico possui poderes sobre
si próprio que constituem o principal de sua força. Sua vontade faz que efetue
movimentos dos quais os outros são incapazes. Acredita-se que ele escape às
leis da gravidade, que possa elevar-se nos ares e transportar-se aonde quiser,
num instante. (p. 70).
2. Os Atos
Os atos do mágico são ritos, e iremos mostrar, descrevendo-os, que eles
respondem perfeitamente a tudo o que a noção de rito contém. Cumpre notar
que, nas coletâneas de folclore, eles nos são apresentados geralmente sob uma
forma muito pouco complicada e muito banal; se os próprios autores dessas
coletâneas não nos dissessem, ao menos implicitamente, que se trata de ritos,
seríamos tentados a ver neles apenas gestos muito vulgares e sem caráter
especial. Mas julgamos que, em geral, esses não são atos simples e desprovidos
de qualquer solenidade. Sua simplicidade aparente decorre de serem mal
descritos, ou mal observados, ou de terem perdido seu prestígio. (p. 81).
Os mais simples dos ritos mágicos possuem uma forma, tanto quanto os
que são o objeto do maior número de determinações. Até aqui falamos da magia
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como se ela consistisse apenas em atos positivos. Mas ela comporta também
ritos negativos, que são precisamente os ritos muito simples de que falamos. Já
os encontramos na enumeração dos preparativos da cerimônia mágica, quando
mencionamos as abstinências a que se prestavam o mágico e o interessado.
(p. 95).
Será que se trata realmente aqui de uma noção geral da magia, e não de
uma noção especial a um ramo da magia grega? Tudo leva a crer que os
alquimistas não a inventaram. Reencontramo-la entre os filósofos e vemo-la
aplicada na medicina. Ela parece também ter funcionado na medicina hindu. Em
todo caso, supondo que a idéia não tenha sido expressa noutra parte sob essa
forma consciente, isso pouco nos importaria. (p. 110).
O fato de a magia dar um lugar aos deuses mostra que ela soube tirar
partido das crenças obrigatórias da sociedade. Como eles eram objeto de
crenças para a sociedade, ela os fez servir a seus propósitos. Mas os demônios
também são, como os deuses e as almas dos mortos, o objeto, de
representações coletivas, geralmente obrigatórias, geralmente sancionadas ao
menos por ritos, e é por serem assim que eles são forças mágicas. Na verdade,
cada magia teria podido montar deles catálogos limitativos, se não quanto ao
número, ao menos quanto aos tipos. Essa limitação hipotética e teórica seria um
primeiro sinal do caráter coletivo da representação dos demônios. (p. 121).
crenças distintas. Eles são, todos ao mesmo tempo, o objeto de uma mesma
afirmação (p. 126).
Não se figura jamais por demônios senão uma parte das forças implicadas
num ato mágico, mesmo demoníaco. A idéia de pessoas espirituais representa
mal essas forças anônimas gerais, que são o poder dos mágicos, a virtude das
palavras, a eficácia dos gestos, o poder do olhar, da intenção, do fascínio, da
morte etc. (p. 139).
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A idéia de mana é uma dessas idéias turvas das quais acreditamos ter-
nos livrado, e que por isso temos dificuldade de conceber. Ela é obscura e vaga,
no entanto de um emprego estranhamente determinado. É abstrata e geral, no
entanto cheia de concretude. Sua natureza primitiva, isto é, complexa e confusa,
nos impede de fazer dela uma análise lógica, devemos nos contentar em
descrevê-la. Para Codrington, ela se estende ao conjunto dos ritos mágicos e
religiosos, ao conjunto dos espíritos mágicos e religiosos, à totalidade das
pessoas e das coisas que intervém na totalidade dos ritos. O mana é
propriamente o que produz o valor das coisas e das pessoas, valor mágico, valor
religioso e mesmo valor social. (p. 143).
Podemos mesmo ampliar ainda mais o sentido dessa palavra e dizer que
o mana é a força por excelência, a eficácia verdadeira das coisas, que corrobora,
sem aniquilar, a ação mecânica delas. É ele que faz que a rede pegue, que a
casa seja sólida, que a canoa se mantenha firme no mar. No campo, ele é a
fertilidade; nos medicamentos, é a virtude salutar ou mortal. Na flecha, é o que
mata, sendo aqui representado pelo osso de morto de que a flecha é munida.
(p. 145).
Seres e coisas que são, por excelência, mágicos, são as almas dos
mortos e tudo o que diz respeito à morte: testemunha-o o caráter eminentemente
mágico da prática universal da evocação dos mortos, testemunha- o a virtude
em toda parte atribuída à mão do morto, cujo contato torna invisível como o
próprio morto, e muitos outros fatos. Esses mesmos mortos são igualmente o
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objeto dos ritos funerários, às vezes dos cultos de ancestrais nos quais se marca
o quanto sua condição é diferente da dos vivos. Poderíamos nos deter aqui e
dizer que a magia é um fenômeno social, já que reencontramos, por trás de todas
as suas manifestações, uma noção coletiva. Mas, tal como se mostra agora,
essa noção de mana nos parece ainda muito separada do mecanismo da vida
social; é ainda algo demasiado intelectual; não vemos de onde ela vem, sobre
qual fundo se formou. Vamos, portanto, tentar remontar mais acima até as
forças, forças coletivas, das quais diremos que a magia é o produto, e a idéia de
mana, a expressão.