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O “Legal”1 do Pirata: Um Olhar Sobre as Práticas

de Consumo de Produtos Falsificados2


Autoria: Rômulo Rusley Coimbra Costa, Sérgio Robert Sant'Anna

Resumo

Apesar de ser considerado crime previsto em lei, a aquisição de produtos falsificados ou


piratas cresce a cada ano e já se tornou um assunto fortemente debatido pelo governo, que
com essa prática deixa de arrecadar um valor expressivo em impostos, e pelas empresas,
que alegam uma concorrência desleal. Apesar da amplitude das conseqüências oriundas do
mercado da pirataria, ainda se pesquisou muito pouco sobre esse novo “segmento”. O
presente estudo tem por objetivo buscar compreender, a partir de observação direta e do
discurso proferido por consumidores de produtos falsificados ou piratas, como esses
produtos afetam seu estilo de vida e de consumo, e analisar quais os principais fatores que
influenciam o consumo dessas mercadorias. Para perceber as representações, estilos,
valores e práticas associadas ao universo de consumo vivido pelo grupo, optou-se por
recorrer à uma pesquisa qualitativa com inspiração etnográfica. Além de identificar
elementos recorrentes ao comportamento desses consumidores, o estudo possibilitou
perceber que para o grupo estudado a aquisição de produtos falsificados ou piratas
configura-se como uma prática aceitável e moralmente válida, e não como um crime que
deve ser combatido e reprimido.

1. INTRODUÇÃO

A Lei Nº. 8.078 define consumidor como toda pessoa física ou jurídica que adquire ou
utiliza produto ou serviço como destinatário final (Brasil, 1990). Tomando essa definição
como base, chega-se à conclusão de que o ato de consumir é uma atividade presente em
qualquer época ou sociedade humana. Qual seria então o motivo de rotularem a sociedade
atual como a sociedade de consumo?
Entre as possíveis explicações encontramos a multiplicação dos objetos, bens materiais e
serviços disponíveis, as formas de aquisição de mercadorias como meio condutor de ações
e relações sociais, o forte papel da publicidade como agente influenciador de um consumo
desenfreado, o comportamento do consumidor moderno numa busca constante por novas
necessidades, prazeres e desejos, o consumo de moda, etc. Enfim, todas essas perspectivas
sinalizam para o fato de que na sociedade atual o consumo preenche uma função maior, que
perpassa a satisfação das necessidades materiais e de reprodução social. Nesse sentido, o
consumo comunica, individualiza, cria relações sociais e identidades, define e classifica
grupos e indivíduos, configurando-se numa atividade pela qual podemos “discutir questões
acerca da natureza da realidade” (BARBOSA, 2004, p.14).

Diante dessa importância assumida pelo consumo na sociedade contemporânea, analisar


essa prática é investigar também a construção de relações sociais e, portanto, trata-se de um
assunto que carece de análises e estudos que nos possibilitem compreender suas relações e
motivações. Uma categoria de consumo que ainda necessita de muita interpretação e estudo
é o consumo de produtos falsificados ou “piratas”. A definição de pirataria, segundo o
Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (IPEA), é a "atividade de copiar, reproduzir
ou utilizar indevidamente, isto é, sem a expressa autorização dos respectivos titulares, uma
obra intelectual [ou uma marca] legalmente protegida" (Costa, 2005). No Novo Dicionário
Aurélio (1986), a palavra pirataria pode ser encontrada em associação com roubo, furto.

Apesar de ser considerado crime previsto em lei, a aquisição de produtos piratas cresce a
cada ano e já se tornou um assunto fortemente debatido pelo governo brasileiro na tentativa
de implantar medidas de contenção a essa prática, uma vez que com o crescimento desse
mercado informal o governo deixa de arrecadar um valor muito grande em impostos. Além
de diminuir a arrecadação de tributos, a prática da pirataria é comumente citada como
prejudicial às empresas, no intuito de que promove uma concorrência desleal e
consequentemente aos cidadãos, uma vez que compromete a geração de empregos formais.

Nesse contexto, muitas medidas vêm sendo tomadas para combater a pirataria. Na esfera
pública podemos citar além da intensificação da fiscalização, a criação do Conselho
Nacional de Combate à Pirataria e Delitos Contra a Propriedade Intelectual (Brasil, 2004).
Já na esfera empresarial, muitas empresas estão adotando a atitude de alterar características
de suas mercadorias, rever suas linhas de produtos, criar novos nichos de mercado e até
mesmo rever o campo de atuação de seus negócios. Contudo, apesar da amplitude de
conseqüências oriundas do mercado da pirataria, poucos são os estudos que visam
investigar quais são os fatores que orientam, influenciam e compõem os significados do
consumo desses produtos falsificados ou piratas.

O presente estudo tem por objetivo buscar compreender, a partir de observação direta e do
discurso proferido por consumidores de produtos falsificados ou piratas, como esses
produtos afetam seu estilo de vida e de consumo, e analisar quais os principais fatores que
influenciam o consumo dessas mercadorias. Ao estudar o assunto e apresentar os exemplos
reais, estaremos chamando a atenção para um grupo de consumidores que cresce cada vez
mais e que dissemina hábitos de consumo que promovem sérios impactos e demandam
mudanças na organização e atuação dos mercados e organizações.

O presente trabalho está estruturado na seguinte ordem: Inicialmente será apresentado um


levantamento bibliográfico de diversas publicações e teorias sobre a atividade de consumir.
Em seguida são descritos os procedimentos utilizados para a coleta de dados. Após a
descrição da metodologia apresentaremos os resultados de uma pesquisa qualitativa de
“estilo etnográfico” realizada na cidade de Vitória (ES) confrontando sua relação com o
aporte teórico revisado. Por fim, traçaremos a considerações finais, apresentando as
contribuições gerais do estudo, suas limitações e indicações para pesquisas futuras.

2. CONSUMO

O consumo, como nos mostra Everardo Rocha (2005, p.124), “é algo central na vida
cotidiana”, uma vez que se configura tanto como uma prática social que realizamos
rotineiramente, quanto como uma ideologia que permeia o nosso imaginário. Para o
referido autor, o consumo é um fenômeno cultural e como tal constitui-se como um
fenômeno imprescindível a ser desvendado caso queiramos compreender e analisar a
sociedade contemporânea.

Contudo, segundo Rocha (2005), devemos chamar a atenção para as “representações do


consumo”, que seriam visões do senso comum e da cultura de massa que tendem a
classificar o consumo, a partir de um viés moralista, sobretudo como uma atividade

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hedonista e responsável pelas diversas mazelas sociais, o que teria inclusive resultado na
pouca atenção dedicada a essa área de estudo no âmbito das ciências sociais.

Todavia, conforme mostrou Miller (2002), muitas de nossas práticas de consumo não
representam uma busca imediata pelo prazer, como as compras realizadas nos
supermercados rotineiramente, que segundo o autor raramente são excitantes e, portanto,
são rapidamente esquecidas. A partir de uma etnografia realizada entre 1994 e 1995 em 76
lares de uma rua da região norte de Londres, Miller retratou que os atos de amor estão
presentes na maioria das compras realizadas. Para ilustrar esse exemplo ele cita as donas de
casa, que estão constantemente monitorando e pesquisando os desejos e preferências dos
familiares. Isso inclui tanto as mercadorias básicas, que se espera que estejam sempre
presentes e disponíveis, como os desejos passageiros, que necessitam de mudança e
inovação nos hábitos de compra. O estudo permitiu constatar que as donas de casa desejam
influenciar e mudar maridos e filhos de diversas maneiras. Estão sempre preocupadas em
fazer com que eles comam alimentos mais saudáveis, vistam roupas mais formais e de
melhor qualidade do que eles prefeririam. Em suma, para elas, essas compras, que fazem
parte do trabalho doméstico, representam antes de qualquer coisa um ato de amor e carinho
na vida prática. Isso equivale a dizer que comprar não reflete apenas o amor, como também
é um modo maior de ele se manifestar e reproduzir.

A etnografia realizada por Miller (2002) possibilitou observar um fato que ocorre
frequentemente nas compras e que pode confirmar a regra do comprar como um ato de
amor. Muitos dos consumidores observados tinham o hábito de se dar um presentinho uma
vez ou outra. Esse presente atua como uma recompensa por alguma atividade realizada ou
como uma fuga de um momento difícil que o comprador vive. Ele aparece também em
casos de resposta a uma depressão ou aliviando uma situação em que o comprador se sente
abandonado. Geralmente o presentinho é algo calórico, ou caro e que o comprador deseja
muito.

Embora o dar-se um presente possa compreender coisas muito diversas, na maior parte dos
casos ele é um elemento das compras dirigido a um determinado indivíduo, e, por isso, tem
o caráter de exceção em relação ao restante das compras, compreendidas como em
benefício do lar como um todo. Além disso, o dar-se um presente costuma ser visto como
uma extravagância que transcende os limites da necessidade, do poupar ou da moderação
que acompanha a maior parte do abastecimento rotineiro. Mesmo quando entendido como
uma recompensa pelo trabalho, o presente é considerado um ato hedonista, materialista. O
presente por esta razão define o restante das compras como algo que não é um presente. Se
todas as compras fossem consideradas um presente, o comprador não teria necessidade de
ter um presente pra si.

Para Miller (2002), porém, a atividade mais importante na experiência de comprar é de


longe, além de levar para casa o que compra, a economia. Esta é um fator altamente
debatido e sempre posto em primeiro plano nas atitudes de compra. É importante ressaltar
que a noção de economia varia muito de um consumidor para outro. Para um, economia
pode significar apenas preço baixo. Já outro consumidor pode pensar que comprando um
produto mais caro, mas de melhor qualidade ele estará economizando. Assim, os
compradores não necessitam ter nenhum conhecimento tomado de fora da experiência do
comprar. Não precisam se recordar de nenhuma informação sobre preços para entender que
estão poupando. Nesse sentido, o próprio fato de comprar um produto o qual não esteja
precisando, mas que se encontra na liquidação ou na promoção a um preço interessante

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pode se caracterizar como economia. Economiza-se gastando. Tudo o que precisam é fazer
a escolha na hora de selecionar e justificar essa escolha para si próprios como economia.

Com uma outra perspectiva, Baudrillard (1991) afirma que é ingenuidade pensar o discurso
do consumo como busca de uma felicidade proporcionada simplesmente pelos objetos
materiais. Para ele, o processo de consumo pode ser analisado por dois aspectos
fundamentais: 1) Como processo de significação e de comunicação (o consumo funciona
aqui como um sistema de permuta e equivalente de uma linguagem); 2) Como processo de
classificação e diferenciação social.

Seguindo esse pensamento o objeto nunca é consumido com base em seu valor de uso. Os
objetos atuam como signos que distinguem os indivíduos. Assim a máquina de lavar roupa
serve como utensílio e funciona como elemento de conforto, de prestígio. No seu interior
todas as espécies de outros objetos podem substituir a máquina de lavar como elemento
significativo. Nessa lógica, os objetos deixam de estar ligados a uma função ou necessidade
específica, definida. Nessa lógica, o consumo é utilizado como uma linguagem, uma
comunicação. Não se trata de dizer que os objetos não têm utilidade funcional, mas sim de
dizer que no conceito da sociedade contemporânea o objetivo do consumo não consiste
nela. Nesse sentido, a circulação, a compra, a venda, a apropriação de bens e de
objetos/signos diferenciados constitui hoje a nossa linguagem e o nosso código, por cujo
intermédio a sociedade se comunica e se fala.

Para Baudrillard (1991) essa significação seria facilitada pela publicidade e pela
comunicação, que não transmitem imagens, mas sim modos de relação e de percepção que
impõem mudanças nas estruturas tradicionais da família e do grupo. Segundo ele, a
publicidade transforma o objeto em acontecimento, construindo-o como tal por meio da
eliminação de suas características objetivas. Faz-se do objeto um pseudo-acontecimento
que irá tornar-se o acontecimento real da vida cotidiana através da adesão do consumidor
ao seu discurso.

Ainda sobre as formas de comunicação, Rocha (1995) afirma que para entender a cultura
contemporânea é preciso desvendar os conteúdos transmitidos pelos meios de comunicação.
De acordo com o autor, o mundo dentro da indústria cultural é fascinante. São milhares de
mensagens que contemplam e falam com as pessoas, uma formidável máquina de criação
do imaginário da sociedade. Para Rocha (1995), esse mundo interior da comunicação
consegue unir coisas distintas, que não seriam possíveis na vida real, consegue criar uma
magia que une coisas tão distantes como sucesso e cigarro, ecologia e conjunto
habitacional, namoro e pasta de dente. Dessa forma, o consumo desses produtos é associado
a um prazer altamente compensador, a uma classificação entre grupos, castas, tribos e assim
a uma diferenciação entre esses diversos grupos de consumidores.

Em suas teorias sobre a cultura do consumidor, Featherstone (1995) reconhece que a


expansão capitalista deu origem a uma vasta acumulação de cultura material na forma de
bens e locais de compra e de consumo, o que fez com que fosse necessário criar novos
mercados e educar novos públicos para serem consumidores, sendo necessário para tanto
utilizar mecanismos de sedução e manipulação ideológica através da propaganda e do
Marketing. Contudo, para o autor, jamais outra sociedade utilizou tanto os bens para
demarcar relações sociais. Existiria assim, uma economia de prestígio e status, na qual
mercadorias escassas, que requerem investimentos maior em tempo e dinheiro, são usadas
de forma que o indivíduo que as pertence transfira para si suas características e

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propriedades, formando hábitos e identidades. As preferências e estilo de vida identificam o
julgamento de gosto do indivíduo, o torna passível de classificar e ser classificado. Por essa
razão, as classes sociais mais baixas procuram obter os produtos comprados pelas classes
mais altas, que sempre buscam novas mercadorias, objetos de desejo e de moda, a fim de
restabelecer a distância social original, produzindo uma perseguição infinita.

Feartherstone (1995) considera também que o imaginário da cultura dos consumidores é


celebrado por um mundo de sonhos, imagens e prazeres, que são objetificados e
mensurados pelos grandes centros de consumo como shopping centers, lojas de
departamentos e parques temáticos, locais estes que produzem prazeres estéticos e físicos,
onde a abundância e o luxo estão expostos. Nesse cenário, a mídia e a publicidade celebram
que a vida foi feita para ser vivida, os prazeres para serem experimentados e as boas
sensações para serem sentidas, e que tudo isso é possível através do consumo.

Entretanto, a grande contribuição de Featherstone (1995) está em relacionar a cultura do


consumidor com o pós-modernismo, que segundo o autor promoveu mudanças que podem
ser compreendidas em termos de campos artísticos, intelectuais, acadêmicos e também na
esfera cultural envolvendo modos de produção, consumo e circulação de bens e
mercadorias e mudanças nas práticas e experiências cotidianas de forma geral.

Para Di Nallo (1999), na sociedade contemporânea essas novas práticas e experiências,


somadas ao aumento das possibilidades e a paralela redução da normatização social fazem
com que o sujeito experimente uma inédita condição de autonomia. Para a autora,
anteriormente o sujeito pertencia a um grupo de referência, baseando-se na sua posição
dentro do modelo da estratificação social, fato este que influenciava seu estilo de vida e
seus comportamentos de consumo constantes e coerentes. Porém, isto não se aplica na
sociedade moderna, na qual existem variados consumidores dentro de um só homem e nem
ao sujeito contemporâneo, o sujeito da identidade mutável e contraditória, o sujeito para o
qual a descoberta do novo se torna uma necessidade. Dessa forma, um indivíduo que hoje
adota certos hábitos de consumo, relacionados a determinado estilo de vida, amanhã pode
adotar hábitos totalmente diferentes e até mesmo contraditórios. Atualmente, as pessoas
querem se mostrar diferentes, querem se mostrar únicas. O novo é possível, é desejado e,
acima de tudo, é valorizado.

Diante desse novo contexto, o consumo já não é mais de pátina, em que se dá importância
ao ciclo de vida e ao poder da tradição dos objetos ao longo das gerações familiares, e passa
a ser de “moda”. De acordo com Lipovetsky (1989) a “moda” é um aparelho de gerar juízo
estético e social que tem ligação com o prazer de ver e de ser visto. É ainda um sistema de
regulação e de pressão social: suas mudanças apresentam um caráter constrangedor, são
acompanhadas do dever de mudança, de adoção. Impõe-se a um meio social determinado,
sujeito a sanções (riso, reprovação, etc.) em caso de não adoção. Além disso, a “moda” se
propaga ainda em razão do desejo das pessoas de se assemelharem àqueles que são
considerados superiores e, acima de tudo, com ela, o indivíduo conquista o direito de exibir
um gosto pessoal, de inovar, de ser original, despertando o desejo por novas necessidades,
novas mercadorias e serviços, reordenando a produção e o consumo de massa. O culto à
“moda” despadroniza os produtos, amplia a oportunidade de escolhas, promove uma
renovação acelerada nas mercadorias, uma vez que o que hoje “está na moda”,
provavelmente não estará mais daqui a seis meses.

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Outro autor que também destaca mudanças culturais para elucidar o comportamento do
consumidor moderno é Campbell (2000). O referido autor nos apresenta a idéia de que teria
ocorrido uma revolução no comportamento dos consumidores anteriormente à Revolução
Industrial. Ao contrário da impressão comum, Campbell (2000) nos mostra que as
indústrias associadas ao início da Revolução Industrial eram as que produziam mais bens
de consumo do que de capital e que predominava a produção de bens para o consumo de
luxo, isto é, artigos que não eram de primeira necessidade. Para o autor, na verdade, foi o
surto da procura do consumidor que iniciou o crescimento econômico e tal ação se justifica
na adoção de novos valores culturais, que possibilitaram o aumento do consumo.
Segundo Campbell (2000) as mudanças nos hábitos e processos de consumo basearam-se
em novos valores e atitudes morais e éticos que por sua vez estimularam uma substituição
do ascetismo pelo hedonismo, provocando novos sentimentos como o gosto pela leitura,
pelo romance, pelo lazer. Embora no início tenha havido uma oposição moral, estes novos
valores justificavam os benefícios do luxo e do consumo. As pessoas passam a ver neste
uma maneira de expressar sua essência individual e estimular o amor para com os entes
familiares.

O comportamento do consumidor moderno, na visão de Campbell (2000) é fortemente


influenciado pelas emoções que se localizam dentro do indivíduo. Isto é, os indivíduos
empregam seus poderes imaginativos e criativos para construir imagens mentais que eles
consomem pelo intrínseco prazer que elas proporcionam, uma prática que o autor descreve
como devanear ou fantasiar. Nesse hedonismo moderno e auto-ilusivo, o indivíduo é um
artista da imaginação, alguém que tira imagens da memória e se apropria destas de formas
altamente agradáveis. Essas sensações agradáveis alteram radicalmente a concepção do
lugar do prazer e do consumo na vida real do indivíduo.

Neste sentido, um produto novo, desconhecido por parte dos consumidores, pode gerar
diferentes imaginações, tornando-se uma ocasião para criar fantasias. A atividade central do
consumo torna-se, portanto, não a seleção e compra do produto, mas sim a procura do
prazer imaginativo que a mercadoria empresta. Esse seria o motivo pelo qual muitos
consumidores ficam em frente às vitrines imaginando-se com determinada peça de roupa,
ou imaginando como um móvel cairia bem na decoração da casa. Assim sendo, cada novo
produto disponível representa a possibilidade da concretização de um sonho que o
consumidor teve em sua imaginação, porém, como na realidade os prazeres não são tão
reais como os idealizados, cada compra leva à desilusão e a uma incessante busca de um
outro produto que possa satisfazer seus desejos. Para Campbell (2000), somente dessa
maneira seria possível entender a insaciabilidade do consumidor moderno.

Enfim, de uma forma geral os autores apresentam a atividade de consumir como uma
prática permeada por variados e distintos significados, diferentes no espaço e no tempo, que
são criados e recriados pelos indivíduos de acordo com as categorias culturais nas quais
estão inseridos. Assim sendo, torna-se necessário pensarmos o consumo como uma
atividade regida não apenas por variáveis de natureza econômica, mas também simbólicas.
De acordo com Rocha e Barros (2006, p. 37) “o consumo apenas se reduz a um fato
econômico, algo capaz de igualar a todos pela via da posse do dinheiro, até a fronteira do
preço de entrada, pois a partir daí são diferenças de uma ordem mais complexa que passam
a governar”. Vale ressaltar que até mesmo o preço de entrada pode não representar mais
uma barreira para os consumidores em alguns casos. Com a aquisição de produtos similares
e “produtos piratas”, por exemplo, tornou-se viável para boa parte dos consumidores adotar
novas práticas e hábitos de consumo que anteriormente não eram possíveis.

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Esses significados do consumo, na medida em que são utilizados para criar e estabelecer
relações sociais produzem hábitos e comportamentos comuns, configurando-se em novas
culturas de consumo, que ainda precisam de muitos estudos e pesquisas, no intuito de
investigar, de analisar, e conhecer por dentro estas culturas, de interpretar as teias de
significados sociais (Geertz, 1978) que a dão sentido. Para tanto, é necessário “tentar
determinar as principais categorias que são usadas por um grupo de pessoas para classificar
o mundo a seu redor, os diferentes tipos de pessoas e relações que se estabelecem entre
elas, o mundo material em que estão inseridas e suas relações com o mundo empírico, entre
outras” (BARBOSA, 2003, p. 102).

Como vimos, são diversas as abordagens e vertentes utilizadas para tentar explicar o
consumo. Em apenas um pequeno número de obras analisadas, são diversas as explicações
e teorias objetivando possíveis explicações para comportamentos e atitudes de
consumidores. Não cabe aqui discutir quais teorias são mais corretas, se é que existe uma
mais correta que outra, mas sim absorver essas explanações e utilizá-las como suporte
teórico no intuito de tentar entender o comportamento de consumo do grupo objeto de
estudo deste trabalho. Todo o material acima é de grande valia para ajudar a perceber quais
os fenômenos típicos correntes na sociedade de consumo em que vivemos, e, a partir de
então, confrontá-os com os acontecimentos e hábitos observados no trabalho de campo a
que nos propomos realizar.

3. METODOLOGIA

Esse estudo adotou a abordagem interpretativista por adequar-se mais com uma
aproximação ao método ou “estilo etnográfico” do qual a pesquisa lançou mão. Nesta
investigação, de cunho qualitativo e caráter exploratório, através de entrevistas em
profundidade e observação participante foi realizada uma investigação sobre o universo de
consumo de produtos falsificados ou piratas.

O cenário escolhido para a realização da pesquisa foi o centro da cidade de Vitória, capital
do estado do Espírito Santo. A escolha se deu em função deste local abrigar o maior centro
de comércio de produtos falsificados ou piratas da cidade. Na observação participante
foram acompanhados situações e acontecimentos que ocorreram naturalmente no cenário
escolhido para o estudo. Ao longo de quatro meses do ano de 2006 foram realizadas 12
visitas ao “centro de vendas de produtos piratas”, a fim de conhecer e se familiarizar com o
objeto de estudo, além de proporcionar observações de comportamentos no momento das
compras, hábitos comuns, situações e fatos ocorridos com o grupo de consumidores em seu
“ambiente natural”.

Foram realizadas também entrevistas em profundidade com vendedores e consumidores de


produtos piratas. Ao fazer entrevistas com os vendedores, a intenção foi aproveitar a
experiência dos mesmos, uma vez são agentes influenciadores no universo da pesquisa e
convivem diariamente com o grupo de consumidores estudado, possuindo assim
informações valiosas. No total, cinco vendedores se dispuseram a conceder uma entrevista.
Quanto às entrevistas com consumidores, os sujeitos da pesquisa são consumidores que
foram observados comprando ou pesquisando algum tipo de produto falsificado ou pirata.
No total, foram entrevistados oito consumidores. As entrevistas foram equivalentes a uma
conversa informal, a fim de criar um clima propício a declarações mais espontâneas e

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coerentes, contudo foi utilizado um roteiro semi-estruturado, com questões a respeito do
comportamento de consumo com o intuito de manter o foco em informações relevantes.

A realização das entrevistas com os consumidores foi orientada por um roteiro em aberto,
que incluía como principais questões: 1) Se já consumiu algum tipo de produto pirata; 2)
com que freqüência consome este tipo de produtos; 3) quais os tipos de produto pirata que
mais consome; 4) A intencionalidade da compra; 5) Por que consome o pirata e não o
original; 6) Se tivesse condições financeiras compraria somente produtos originais; 7) Se
diz para as outras pessoas que está usando um produto pirata; 8) Se tem receio de que as
pessoas descubram que está usando um produto falsificado ou pirata; 9) Se sabe que o
consumo de produtos piratas é considerado crime; 10) Se pretende continuar consumindo
produtos piratas.
O tratamento e a interpretação dos dados coletados foram realizados combinando fatos e
situações, estabelecendo assim um conjunto de relações que ajudaram a descrever o grupo
analisado, e relatar similaridades e divergências de comportamentos.

De acordo com Barbosa (2003) o uso da etnografia possibilita estudar o comportamento de


um grupo por “dentro” e busca o conhecimento a partir do ponto de vista do outro. O
objetivo da utilização de uma aproximação desse método nesse estudo é a possibilidade de
criar um contato sinérgico com o grupo de consumidores de produtos piratas, interagir com
eles e buscar uma interpretação que nos auxilie, apesar de toda complexidade, a descrever
densamente seus comportamentos de consumo. Descrever densamente significa revelar os
valores que estão por trás dos atos praticados pelos indivíduos deste grupo, para então
estabelecer uma hierarquia de estruturas significantes em termos dos quais as atitudes são
produzidas, percebidas e interpretadas. (Geertz 1978)

As limitações do método utilizado se devem ao fato de que apesar de ser condição


fundamental para um descrição densa do grupo, a interpretação subjetiva ainda é um
aspecto controverso para aqueles que acreditam na idealização do rigor científico nas
disciplinas sociais. Por fim, outra limitação da etnografia versa sobre as tentativas de
generalização dos resultados da pesquisa. O específico não pode ser considerado genérico,
ainda mais quando lidamos com algo tão complexo como o consumo. Como coloca Geertz
(1978, p.35), “qualquer generalidade que consegue alcançar surge da delicadeza de suas
distinções, não da amplidão de suas generalizações”.

4. ANÁLISE DOS DADOS

O principal cenário escolhido para a realização da pesquisa foi o centro da cidade de Vitória
(ES). Ao longo das avenidas Jerônimo Monteiro, Princesa Izabel e adjacências, dezenas de
camelôs e vendedores ambulantes se aglomeram, na tentativa de vender seus mais variados
tipos de produtos. O local é propício para este tipo de comércio por ser bastante
movimentado durante todo o dia e por contar com uma diversidade muito grande de
consumidores que freqüentam as redondezas.

Com o objetivo de cumprir de maneira aproximada o método etnográfico, nas primeiras


visitas fomos ao local da pesquisa como meros observadores, com o objetivo de nos
familiarizarmos com o ambiente e transformarmos nossos pré-conceitos em algo exótico,
assim como também de transformar o desconhecido e exótico em familiar. A primeira visita
foi numa sexta-feira, no fim da tarde. O ambiente estava bastante agitado. Muita gente nas
ruas, muitos vendedores também. Faltava pouco menos duas semanas para o Dia das Mães.

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Acreditamos que por este fato, o comércio estava bastante aquecido. Por todas as partes era
possível ver gente comprando produtos piratas. No dia seguinte, voltamos bem cedo ao
local. Queríamos saber como é a chegada desses vendedores. Por volta de 07h30min da
manhã, o movimento de ambulantes ainda era fraco. Cerca de uns quinze camelôs já
estavam montados. A maioria deles abre por volta de 08:30/09:00 horas, juntamente com a
abertura das lojas. Foi interessante notar que a maioria dos vendedores ambulantes deixa
seus produtos guardados de um dia para o outro em estabelecimentos locais como bares,
lojas, bancas de revistas. Eles embalam tudo dentro de uma caixa e ao chegarem para
trabalhar precisam apenas arrumar sua barraca e começar a vender.

Os produtos falsificados e piratas mais encontrados foram CD’s e DVD’s. Parecia haver um
cartel para a fixação de preços, pois todos eles vendiam ao mesmo preço. A diferença de
preços é negociada quando o cliente quer comprar várias unidades. Vale ressaltar como se
dão as relações de compras: é possível realizar testes para verificar se os produtos são bons
e/ou funcionam. Todavia, o vendedor garante a troca do produto caso este não funcione no
equipamento do consumidor. Nos camelôs onde não é possível fazer o teste, a troca do
produto também é garantida, inclusive presenciamos a troca de um DVD, que segundo o
cliente estava com a imagem em preto e branco. Essa relação de confiança seria algo
normal caso não estivéssemos falando de um mercado informal, onde tanto a venda como a
compra de produtos pirateados é considerado crime. Esta situação chama atenção, pois
parece que o mercado de piratas, tanto aos olhos de compra como de quem vende, soa
como algo natural. Em uma das visitas realizadas, inclusive, encontramos uma dupla de
policiais militares, fardados, montados em suas bicicletas, conversando com um vendedor
de CD ‘s e DVD’s piratas. Enquanto um dos dois prestava atenção nas ruas, o outro estava
em processo de compra. Após pegar vários CD’s ele acabou levando um. Esta ocorrência
chamou nossa atenção pelo fato de teoricamente a polícia ser um agente de combate a essa
prática.

Além de estabelecer relações de confiança com seus clientes, o mercado da pirataria


proporciona a estes comprar produtos ainda não existentes no mercado formal. Nos
camelôs, por exemplo, é possível encontrar DVD’s de filmes que ainda estão no cinema e
que demorarão muito tempo até chegarem às lojas. Os outros produtos mais comumente
encontrados à venda foram óculos de sol, bolsas de couro, mochilas e relógios, capas para
celular, carteiras, jogos para vídeo-game, controles remotos, sapatos, tênis e perfumes, a
maioria imitações de marcas famosas.

Outro aspecto interessante é o fato de esses vendedores serem conhecidos na região. Muitos
compradores os chamavam pelo nome e puxavam uma conversa. Vez por outra alguém os
perguntava se tinha chegado algo de novo para ser vendido. Foi possível perceber também
que eles se encontram estabelecidos no local, com ponto de venda fixo, e possuem clientes
“fiéis”, que estão sempre realizando compras ali.

A freqüência de visitas realizadas com o intuito de observar o cenário da pesquisa


continuou, assim como a repetição das cenas de consumo. Os ambulantes trabalham
vestidos em trajes informais, como bermudas, chinelos, camisetas, e até mesmo foram
encontrados vendedores trabalhando sem camisa. A proporção entre os sexos dos
vendedores observados foi de cerca de cinco homens para uma mulher. Entre as mulheres,
os produtos mais comumente vendidos são bolsas femininas, mochilas e artigos para casa.
Outro fato que chamou a atenção foi o de que o comércio informal de rua também segue as
tendências do mercado. Nas primeiras visitas, com a proximidade do Dia das Mães, era

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visível a exposição de muito mais produtos como bolsas, pulseiras, sandálias e artigos para
decoração de casa. Já às vésperas da Copa do Mundo, são diversos os produtos
relacionados ao futebol como DVD’s, artigos com as cores do Brasil, camisas da seleção
brasileira entre outros.

O mercado informal da pirataria também atrai consumidores por sua “flexibilidade”. Foi
comum perceber nas visitas que os vendedores, que aparentemente são concorrentes, se
ajudam. Muitas vezes, quando um ambulante não tem um determinado produto solicitado
ele logo dá um jeito de pegar com outro que tenha e diz que depois acerta com ele. Além
disso, os consumidores podem também deixar encomendados produtos que não estejam
disponíveis no dia, ou que ainda chegarão. Essa flexibilidade é visível também no que se
refere às formas de pagamento. Os vendedores aceitam pagamento com Vale transporte,
Passe Escolar e Ticket Refeição. Essas “moedas” são facilmente trocadas por dinheiro em
pontos de venda e troca, embora recebam um valor um pouco menor, o que reduz seu lucro.
Porém, não é pequeno o número de consumidores que utilizam essas “moedas” para ter
acesso aos produtos desejados.

Em síntese, a impressão que ficou foi a de que o mercado da pirataria não se configura mais
apenas como uma adversidade a ser controlada. Ele caracteriza-se como um mercado
paralelo ao formal e se solidifica cada vez mais entre a população, ganhando
constantemente novos adeptos. Outra impressão foi a de que esse mercado possui suas
próprias peculiaridades e tornou-se assim uma opção a mais para consumidores de
diferentes classes sociais. O cenário estudado, apesar de ainda estar muito longe dos
grandes centros de pirataria presentes no Brasil, como o Shopping Oi, a Feira de Belo
Horizonte, e a famosa Rua 25 de Março, constitui-se um mercado em crescimento e que
será de grande valia para entendermos as relações de consumo nele presentes.

4.1 ANÁLISE DAS ENTREVISTAS COM VENDEDORES

Essa familiarização foi importante para a realização da segunda etapa da pesquisa. Após
esse contato direto com o ambiente da pesquisa, o foco passou a ser obter uma visão
diferente desse mercado, a partir de entrevistas com os vendedores ambulantes. Estes, por
terem experiência diária com compra e venda de produtos piratas, e por conviverem
diretamente com o grupo de consumidores estudado, possuem informações valiosas acerca
do objeto de estudo. Eles são, acima de tudo, agentes influenciadores no momento da
compra. Entretanto, conversar com esses vendedores não foi nada fácil. Eles se mostraram
extremamente receosos. A grande maioria não aceitou conceder uma entrevista. O que
pareceu é que por estarem praticando uma atividade ilegal, eles temem que qualquer coisa
que digam possa ser usada para prejudicá-los. A alegação que eles davam para não falar era
de que eram simplesmente vendedores trabalhando e que não poderiam falar. Outros diziam
que não tinham tempo, porque tinham atender clientes, prestar atenção no movimento e que
nós acabaríamos atrapalhando-os. Uma desculpa também muito utilizada foi a de que eles
não saberiam responder, apesar de nem terem ouvido as perguntas.

Com a repetição das visitas, com uma grande insistência e às vezes se passando por
consumidores, conseguimos informações valiosas e até mesmo que alguns vendedores nos
concedessem uma entrevista. Com a dificuldade encontrada em colher informações de
vendedores atuantes no centro de Vitória, procuramos também vendedores que atuam em
outros locais da cidade, e que também comercializam produtos falsificados.

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Foram realizadas entrevistas com cinco vendedores. Todos eles relataram que vivem e se
sustentam desse emprego de vendedor. Os três primeiros vendedores, Marcelo, Juarez e
Karla, trabalham no centro de Vitória e vendem respectivamente óculos de sol, CDs/DVDs
e perfumes, todos pirateados e imitações de marcas famosas. Os outros dois vendedores,
Mineiro e Carlos, trabalham em lojas legalmente constituídas, o primeiro em um sistema de
feira itinerante ao redor do Brasil e o segundo com uma loja de games e acessórios para
vídeo-game. Embora reconheçam que trabalham com produtos falsificados, todos fizeram
questão de ressaltar a qualidade dos produtos com os quais trabalham que segundo eles têm
qualidade igual ou muito semelhante.

A realização das entrevistas visava captar principalmente a percepção desses vendedores


sobre os comportamentos dos consumidores de produtos falsificados ou piratas. A intenção
era identificar entre outras questões: 1) quem são os consumidores de produtos do mercado
de rua; 2) Por que essas pessoas consomem produtos nas ruas e não nas lojas; 3)
Intencionalidade da compra de produtos não-originais; 4) Satisfação com as compras; 5)
Percepção geral dos consumidores sobre os produtos adquiridos.

Todos os vendedores, sem exceção, disseram que o consumo de produtos falsificados ou


piratas não se restringe a uma determinada camada ou classe social. Para eles, esse tipo de
consumo é normal tanto entre jovens como adultos, pobres ou ricos. Embora não tenham
dito com essas palavras, a mensagem que passaram é que seus clientes vêm de todas as
faixas etárias e classes sociais. O relato de Marcelo é bem esclarecedor:

“Todo mundo que passa aqui. A maioria são os trabalhadores dessas lojas aí
tudo, as pessoas que passam aqui em frente. Tem gente humilde e tem gente rica.
Tem muita gente que tem dinheiro e compra aqui. Advogado, médico, esse
pessoal que trabalha nesses prédios tudo aí, que ganha bem, tudo compra.”
(MARCELO)

Quando indagados sobre qual seria, na opinião deles, a razão para a compra de produtos
piratas, os vendedores além de ressaltarem a alta qualidade desses produtos, foram
unânimes ao citar o preço mais baixo em relação ao produto original como o principal
determinante para esse comportamento, como podemos perceber na fala de Mineiro:

“Por que são produtos bons, bonitos e custam muito menos que a metade do
preço. Essa jaqueta que você está na mão eu vendo ela por R$ 65,00. Na loja ela
não sai por menos de R$ 280,00. E outra coisa: o produto é o mesmo. A
falsificação é perfeita. Pra você ter idéia, muitas lojas de shopping estão
vendendo imitações e dizendo para os clientes que é produto original. E o
comprador acaba comprando e pagando mais pelo mesma coisa. Conheço muitas
lojas de shopping que fazem isso aí. Então só compra quem acha o produto bom,
de qualidade e acha barato. Alguns usam também porque está na moda e tal e aí
acaba levando”. (MINEIRO)

Foi possível perceber que todos os vendedores abordados vêem o mercado informal da
pirataria, do qual fazem parte, como uma alternativa a mais para os consumidores. A
sensação é de que esse mercado se torna uma opção para aqueles que não podem ou não
querem gastar seus rendimentos nas grandes lojas de grife, shoppings e centros de
consumo, seja por limitação de renda ou pela própria concepção de valor. A idéia geral é de
que ao comprar produtos pirateados ou falsificados, o consumidor está na verdade obtendo
alguma vantagem, pelo fato de que esses produtos custam muito menos que os produtos
originais. Nesse sentido, caso o consumidor opte por adquirir um produto pirata ele estará
tendo um ganho, pois com a mesma quantidade de dinheiro ele pode levar muito mais

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produtos. Isso se tornou claro nas respostas concedidas quando a pergunta foi se os
consumidores realmente sabiam que estavam consumindo um produto pirata e se mesmo
assim havia a intenção da compra. Segundo Karla:

“Sabem sim. Só pelo preço dá pra saber. Além disso, eu não vendo os perfumes
na caixa, não tenho a embalagem e mesmo assim eles compram. O que importa é
poder ter aquilo que você quer. Onde você compra não importa, mas sim a
economia que faz. Comprando aqui você leva um produto igual, e não dá
dinheiro para os outros, paga só a mercadoria e não pela marca”. (KARLA)

Além de saber que estão comprando produtos piratas e de terem intenção de realizar a
compra, segundo os vendedores, os consumidores ficam satisfeitos com as compras
realizadas (pois de acordo com eles sempre retornam para consumidor novamente) e, no
geral, têm uma boa receptividade a esses produtos. A satisfação, porém, é resultado
principalmente do preço do produto e não de alguma característica específica.

“Quem compra aqui comigo fica muito satisfeito. Bom pelo menos eu acho. São
pouquíssimas pessoas que voltam aqui pra reclamar. O produto que a gente
vende é bom e a pessoa olha antes de comprar, então não tem erro. Tem muita
gente também que compra, usa e depois volta aqui e compra mais. Então, só
pode estar satisfeito”. (MINEIRO)

Na visão desses vendedores, o comércio de produtos piratas, apesar de ser considerado


ilegal, é uma prática que deveria ser vista pelo governo como aceitável, uma vez que se a
população a pratica é por que a aceita. Eles não acreditam estar fazendo nada de errado em
suas atividades, mas simplesmente trabalhando e vendendo mercadorias, assim como as
lojas do mercado formal. Para eles é um erro tentar proibir esse comércio, uma vez que se
trata de uma opção a mais para os consumidores e um meio de vida para eles.

4.2 ANÁLISE DAS ENTREVISTAS COM CONSUMIDORES

Embora a realização de uma pesquisa com os vendedores tenha nos ajudado a tecer as
primeiras considerações sobre o consumo de produtos piratas, a realização de entrevistas
com os consumidores foi de fundamental importância para investigar as suas percepções
acerca desta prática. Assim como a pesquisa com os vendedores, esta etapa também foi
realizada como se fosse um bate-papo informal, no entanto, procurou focar a
individualidade e subjetividade dos entrevistados. Todas as questões foram referentes ao
que eles faziam ou pensavam sobre o consumo de produtos falsificados ou piratas.

O cenário em que a pesquisa foi realizada é um ambiente bastante tumultuado. Naquela


região da cidade estão localizados cartórios, agências bancárias, escritórios, consultórios,
empresas, bares, restaurantes, lojas além, é claro, dos camelôs. Para chegar a um destino
qualquer que seja no centro da cidade, um indivíduo tem que passar em frente a vários
vendedores ambulantes. As pessoas que passam por ali, geralmente andam a passos largos e
param somente quando avistam algo que lhes interessa. Nos dias de semana a agitação é
muito grande e o que parece é que as pessoas estão ali, em sua maioria, a trabalho. Já aos
sábados o local é mais tranqüilo. Com as agências bancárias e empresas fechadas, o
movimento é quase todo nas lojas e camelôs. Nas visitas realizadas foi possível perceber
que boa parte das compras não é programada. Esta percepção se deve ao fato de que várias
pessoas observadas, que estavam paradas esperando ônibus ou voltando do serviço, quando
viam perto de si algum produto que agradasse, perguntavam o preço e caso achassem o

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valor justo, acabavam comprando. Era visível que elas não foram ao local para consumir
aquele produto, mas por outros motivos acabaram adquirindo.

O início das conversas com os sujeitos da pesquisa sempre tinha como tema a atividade de
consumir. Quando questionados sobre o que significava para eles o consumo, os
informantes sempre associavam o ato de consumir como algo que de forma geral é
altamente prazeroso, o que parece corroborar com os pensamentos de Featherstone (1995) e
Rocha (1995) de que o imaginário da cultura dos consumidores é celebrado por um mundo
de sonhos, imagens e prazeres objetificados pelo consumo, como demonstra um dos
depoimentos:
“Consumir é o lado bom da vida. Significa comprar a diversão e as coisas que te
dão prazer. Claro que algumas coisas que você compra não são pra te dar prazer,
mas outras sim. Comprar um CD mesmo, é comprar um monte de música que
gosto de ouvir”. (LÚCIO)

Quando a pergunta foi se eles já haviam comprado algum tipo de produto falsificado ou
pirata, todos responderam que sim e as respostas foram dadas com a maior naturalidade
possível, como podemos perceber na afirmação de um informante:
“Já. Claro. CD, de vez em quando roupa. Quando vou dar presente pra outra
pessoa que não tenho muita afinidade, aí compro uma roupinha lá e tal,
furrequinha, um CD pirata.” (LAYON)

Além de responderem com naturalidade, os entrevistados deram a entender que o consumo


de produtos piratas não se trata de uma exceção em seu comportamento. A freqüência de
compra desses produtos é alta e cada vez mais rotineira. A impressão que esses
consumidores deixaram foi a de que o consumo de produtos piratas para eles é uma prática
freqüente. Além disso, foi possível perceber que no momento da compra, o fato de um
produto ser falsificado não interfere em sua decisão. O que importa ali é se eles gostaram
do produto que está sendo vendido. O principal motivo alegado para a compra de produtos
piratas em vez de produtos originais foi o preço, motivo citado por todos os entrevistados.
Os entrevistados afirmaram também que essa atitude lhes confere alguma vantagem,
indicando a existência da predominância do ato de economizar abordado por Miller (2002).
Foi possível perceber um sentimento de ganho por comprar um produto a um preço bem
menor do que geralmente é encontrado nas lojas, conforme abaixo:
“Eu não sou bobo né? Se eu posso comprar uma coisa mais barata, por qual
motivo vou comprar mais caro? Aqui eu consigo comprar mais. Com as coisas
cara como estão a gente não pode se dar o luxo de desperdiçar essa chance”.
(CLÁUDIO)

Embora o preço mais baixo tenha sido apontado como a principal razão para o consumo de
produtos piratas, nas entrevistas com os consumidores foi possível perceber que além do
preço, os produtos piratas atuam com força também no campo do simbólico (Rocha e
Barros, 2006), na medida em que possibilitam a muitos consumidores adquirir produtos que
não poderiam comprar no mercado formal devido à sua limitação de renda. Existe nestes
consumidores um desejo estar na moda (Lipovetsky, 1989), de comprar estilo, de comprar
um produto que está além de seus alcances financeiros, e a pirataria surge como uma
alternativa viável para vencer essa barreira. Essas observações indicam que o consumo de
produtos piratas atua, em algumas ocasiões, como uma manipulação de signos, como uma
forma de o consumidor buscar classificação e diferenciação social conforme abordou
Baudrillard (1991).

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A compra de produtos falsificados ou piratas não acontece por acaso. No grupo de
entrevistados, todos afirmaram saber que estavam comprando produtos não originais, e,
portanto, nesse grupo a compra se revelou consciente e intencional. Aliás, o grupo de
consumidores entrevistados demonstrou grande insatisfação com os altos preços cobrados
por produtos originais. Quando questionados se caso tivessem condições financeiras,
comprariam somente produtos originais, as respostas indicaram que não:
“Até que condições eu tenho, mas o negócio é o preço né bicho. A mesma coisa,
mais barato, eu prefiro o mais barato. Não vou pagar uma coisa mais cara se eu
posso ter ele mais barata. Todo mundo pensa assim.” (LUIS)

O grupo entrevistado, apesar de saber que tanto a produção como o consumo de produtos
piratas é considerado crime, disse que vai continuar a consumir, pois não acredita que vai
ser penalizado por essa atitude. De acordo com os discursos, o fato de agirem contra o que
determina a lei não se deve a questões de moral ou caráter, mas é sim reflexo da indignação
contra os preços praticados pelo mercado formal. Foi consenso entre os entrevistados, a
opinião de que os preços poderiam ser mais baixos e que se assim fosse não seria
necessário recorrer à pirataria. O alto valor dos produtos no mercado foi associado à
corrupção, lucros exorbitantes, desigualdades entre salários e preços cobrados e de uma
forma geral a ser uma característica própria do sistema capitalista.

Além de ver o consumo de produtos piratas como algo moralmente aceitável e declararem
seu consumo particular como consciente e intencional, os entrevistados afirmaram que não
têm vergonha de dizer que alguns produtos que utilizam são piratas, caso alguém os
questione. Por outro lado, caso ninguém pergunte, o produto fica como sendo o original.
Houveram casos também em que foi possível perceber que alguns entrevistados têm um
certo receio de que outras pessoas descubram que ele é consumidor de produtos piratas. Os
relatos desses consumidores tenderam a indicar que não havia sentimento de vergonha ou
coisa parecida por estarem usando um produto pirata, mas algumas contradições nas falas,
nas expressões e mesmo na forma em que mostravam os bens pareciam indicar que no caso
de produtos que eram imitações de marcas famosas, as compras eram fortemente
influenciadas pela aparência que a marca proporcionava ao usuário. Parecia existir sim,
nesse grupo, um desejo de poder usar coisas mais caras e que estavam na moda, não
importando a originalidade, mas sim o prazer que aquilo lhes proporcionava. A sensação de
que o ato de consumir faz bem e representa um poder de escolha, liberdade e
individualidade aos consumidores ficou bem clara em algumas afirmações, lembrando o
hedonismo moderno, auto-ilusivo e imaginativo abordado por Campbell (2000) que tem
como sintomas a insaciabilidade e a procura desenfreada por novas experiências de
consumo.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

O grande e crescente número de consumidores do mercado informal e ilegal da pirataria foi


o ponto de partida para a realização deste estudo. Diante da carência de estudos e pesquisas
que investiguem esse fenômeno, o presente trabalho teve por objetivo buscar compreender,
a partir do discurso proferido por um grupo de vendedores e consumidores de produtos
falsificados ou piratas, como esses produtos afetam seu estilo de vida e de consumo, e
descobrir quais os principais fatores que influenciam o consumo dessas mercadorias.

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A pesquisa com o grupo de consumidores tendeu para a uniformidade. O grupo vê o
consumo de produtos piratas como algo moralmente aceitável, algo que não é errado, e não
como uma atividade criminosa. Para os informantes, a principal motivação desse hábito de
consumo se deve aos preços mais baixos praticados por esse novo mercado. Contudo, vale
destacar que nas observações realizadas junto ao grupo percebemos um desejo muito
grande de estar na moda e de personalizar-se. Em muitos casos, a racionalidade econômica
e a funcionalidade do produto não pareciam ser os fatores determinantes.

Para os consumidores, embora o consumo de pirataria sirva também como uma forma de
protesto contra os altos preços cobrados pelos produtos originais, ele é, acima de tudo, visto
como uma vantagem, pelo menos no curto prazo. Para eles, comprar pirataria é mais barato
e mais compensador. É possível gastar menos com a compra de um objeto semelhante, ou
comprar mais com a mesma quantia de dinheiro. Essa vantagem percebida remonta à teoria
de Miller (2002), quando fala que, de longe, a atividade mais importante na experiência de
comprar é a economia. Muitos consumidores realmente consideravam o poupar dinheiro
como essencial na sua decisão de comprar algum tipo de produto pirata. Alguns, mesmo
dizendo que tratavam-se de produtos com qualidade inferior, percebiam certa vantagem na
compra, um certo tipo de economia.

Por fim, da análise dos dados foi possível perceber que o mercado da pirataria não
representa apenas um simples comércio desestruturado e conseqüência de um modismo
efêmero. Trata-se de um mercado que ganha cada vez mais adeptos (que muitas vezes
acabam se tornando consumidores freqüentes), configurando-se como uma prática cultural
compartilhada por um número muito grande de indivíduos. Além disso, este mercado cria
uma estrutura de funcionamento que lhe permite oferecer produtos procurados e desejados
a preços mais baixos e com formas de pagamentos mais flexíveis, adaptando-se às
necessidades de seus consumidores. Essas práticas nos colocam a repensar a forma como
vem sendo debatida e reprimida a pirataria. Nossa percepção é a de que apenas conceber
estratégias para combater, reprimir e criar meios de diferenciar os produtos piratas dos
originais não bastam. É preciso primeiro reconhecer na pirataria uma prática socialmente
aceita por muitos. A partir de então torna-se necessário entender seus significados, motivos
e valores (o que nos propomos a iniciar aqui) para depois sim criar políticas públicas e
estratégias empresariais.

A pesquisa aqui proposta não teve o intuito de esgotar o assunto, mas sim de motivar outros
estudos que contribuam para um melhor entendimento desses grupos de consumidores.
Como sugestões para pesquisas futuras, propomos a realização de estudos quantitativos e
qualitativos focando e comparando esse consumo específico em diferentes classes sociais, e
testando as preferências dos consumidores por diferentes categorias de produtos. São
estudos que trariam importantes contribuições sobre um segmento de consumidores que
embora cresça cada vez mais ainda não recebeu a merecida atenção.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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BARBOSA, L. Sociedade de consumo. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2004.


______. Pensata. Marketing etnográfico: Colocando e etnografia em seu devido lugar.
Revista de administração de empresas. São Paulo, v.43, n.3, p. 100-105. Jul/Set, 2003.

15
BRASIL, Decreto nº. 5.244 de 14 de outubro de 2004. Dispõe sobre a composição e o
funcionamento do Conselho Nacional de Combate à pirataria e Delitos Contra a Propriedade
Intelectual, e dá outras providências. Diário Oficial da União de 15 de Outubro de 2004.
Disponível em <http://www.mj.gov.br/combatepirataria/serviços/legislação/
2004decreto5244.pdf> Acesso em 25/10/2007.

______. Lei nº. 8.078, de 11 de setembro de 1990. Código de Defesa do Consumidor. Diário
Oficial da União, Brasília, DF, 12 set. 1990. Suplemento

CAMPBELL, C. A ética romântica e o espírito do consumismo moderno. Rio de Janeiro:


Rocco, 2000.

COSTA, S. Brasil tem 9,5% dos CDs piratas no mundo. Folha de São Paulo, São Paulo, 11 de
novembro de 2005.

DI NALLO, E. Meeting points. São Paulo: Marcos Cobra, 1999.


FEATHERSTONE, M. Cultura de consumo e pós-modernismo. São Paulo: Studio Nobel,
1995.

GEERTZ, C. A interpretação das culturas. Rio de Janeiro: Zahar, 1978.

LIPOVETSKY, G. O império do efêmero. São Paulo: Cia. das Letras, 1989.

MILLER, D. Teoria das compras. São Paulo: Nobel, 2002.

NOVO DICIONÁRIO AURÉLIO. 2ª edição. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1986.

ROCHA, E. A sociedade do sonho: comunicação, cultura e consumo. Rio de Janeiro:


Mauad, 1995.

______. Culpa e prazer: imagens do consumo na cultura de massa. Comunicação, mídia e


consumo. São Paulo, v.2 n.3, p.123-138 MAR. 2005.

______. BARROS, C. Dimensões culturais do marketing: teoria antropológica, etnografia e


comportamento do consumidor. RAE, Rio de Janeiro: FGV, v. 46, n. 4, p. 36-47, out./dez.
2006.

SAHLINS, M. Cultura e razão prática. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1989.

Notas
1
Faz-se uso da expressão “legal” de maneira provocativa, explorando a polifonia do termo que pode ter
conotações diversas tal qual a prática da chamada “pirataria” seja ela para fins de comércio informal ou para
“consumo próprio”. Afinal, alguns vendedores e consumidores de “artigos piratas” entrevistados no decorrer da
pesquisa manifestam opinião de que tanto a comercialização como o consumo desses produtos, são práticas
moralmente aceitáveis apesar de serem crimes previstos em lei (portanto, uma atividade ilegal).
2
Por utilizar uma abordagem inspirada no método etnográfico, que contempla uma participação mais intensa dos
pesquisadores, o presente trabalho, embora não tenha se distanciado das premissas das pesquisas típicas da área
de Administração, procura fazer uso tanto de uma linguagem formal e impessoal em determinadas partes quanto
também lança mão de um tom mais pessoal na apresentação das análises das informações obtidas no campo,
bem como quando se trata de mostrar os caminhos percorridos pelos pesquisadores.

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