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CAMINHOS E DESCAMINHOS NO USO DE FONTES INQUISITORIAIS

Pedro Marcelo Pasche de Campos1

O que os juizes da Inquisição tentavam extorquir às suas vítimas


Não é, afinal, tão diferente daquilo que nós procuramos diferentes
Eram sim os meios que usavam e os fins que tinham em vista
Carlo Ginzburg, O Inquisidor como Antropólogo

I.
Durante muito tempo a história religiosa foi inevitavelmente associada à história da Igreja. Esta, por sua vez, oscilava
entre a descritividade institucional e a biografia. Isto porque se estudava, quando não a história das instituições
eclesiásticas, as vidas dos papas, bispos e santos ou ainda as relações entre Igreja e poder secular. Estas eram as
grandes questões que importavam então2
Tal história estava imbuída de uma perspectiva positivista, para a qual o essencial é o
estabelecimento de fatos (segundo as regras da crítica erudita) afirmando que se trata de dados cujo sentido já e ,
precisamente, conhecido de antemão , no entender de Jacques Revel3 O que importava era o relato linear e objetivo
do desenrolar dos acontecimentos, em termos cronológicos e evolutivos.
E esta história, no que tange à Igreja, privilegiava temáticas que abrangiam desde as relações
político-diplomáticas entre a Igreja e o mundo, até o panegirismo apologético de papas e santos. Isto, inclusive,
devia-se ao fato de que os historiadores da Igreja estavam em sua maior parte institucionalmente comprometidos
com seu objeto de estudos.
Como recorda Lana Lage, ocorreu uma reviravolta na historiografia francesa a partir da década de
1930 que se efetivou graças à influência do marxismo e a aproximação com outras ciências sociais, estimulada
pelos historiadores dos Annales 4. Houve então uma maior valorização do aspecto social à qual correspondeu, no
discurso histórico, uma diminuição de forças do campo político como diretriz de pesquisas.
O avanço para o social significou um movimento de ruptura com a história tradicional a
descoberta do povo comum como sujeito e objeto histórico. Na virada das décadas de 1950-960, surgiram estudos
pioneiros de historiadores marxistas sobre camponeses e operários, o que originou a discussão sobre a história vista
de baixo . Assim, o enfoque dado aos grandes líderes e personalidades destacadas voltou-se para os agrupamentos
étnico/sociais antes excluídos da história: mulheres, homossexuais e hereges, entre outros5.

1 Versão p relim inar d o presente texto foi apresentad a com o trabalho final d e cu rso ao m estrad o em

história da UFF, para a disciplina Métodos e Técnicas de Pesquisa em História Cultural, em 1993.

2 Jean Delumeau, El Catolicismo de Lutero a Voltaire, trad. Esp., Barcelona, abor, 1978, pag.106.

3 Jacqu es Revel, H istória e Ciências Sociais: os parad igm as d os Annales in A Inv enção da Sociedade,

trad. Port., Lisboa/DIFEL; Rio de Janeiro/Bertrand Brasil, s.d., pag. 20.

4 Lana Lage d a Gam a Lim a, A Confissão Pelo Av esso, tese d e d ou toram ento ap resentad a à USP, 1991,

mimeo.

5 Lynn H u nt, Apresentação: história, cu ltu ra e texto in ______ (org.), A Nov a Hist ória Cult ural,

tradução portuguesa, São Paulo, Martins Fontes, 1992, pag. 2.


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Por outro lado, essa valorização do social foi partilhada pelo movimento dos Annales. Inclusive,
para esta corrente historiográfica, o social está no centro de uma grande virada teórico-metodológica. Quando da
fundação da revista, lembra Jacques Revel, é o social que vai se sobrepor 6 Isto porque, inclusive, o social prestava-
se às ambições polidisciplinares reivindicadas pelos Annales.
A revista foi responsável por uma viragem historiográfica profunda, a nível teórico-metodológico.
A interdisciplinaridade preconizada pelos Annales abriu, em relação à história, um amplo leque de opções relativas a
metodologias, conceitos e objetos de pesquisa, que vieram de empréstimo das outras ciências sociais.
As pesquisas espalharam-se então em direções múltiplas. No campo da história religiosa esta
mudança significou um abandono do enfoque tradicional. Passou-se a estudar a devoção, a religiosidade e as atitudes
religiosas dos fiéis comuns, entre outros objetos.
Paralelamente a esta eleição de novas temáticas de pesquisa, a história religiosa passou a fazer uso
de novos tipos de fontes. Livros de visitas episcopais, registros paroquiais, cartas pastorais e processos da Inquisição
se encontram entre elas. São fontes que, além de se prestarem ao esclarecimento sobre condições materiais, e das
idéias oriundas da Igreja, informam sobre a vida cotidiana, cultura e mentalidade dos fiéis.

O que se pretende, no presente texto, é fazer um balanço das fontes inquisitoriais que, a partir
da década de 1960, mostraram-se privilegiadas para a escrita de uma história das mentalidades, crenças e atitudes
religiosas. Procurarei, aqui, traçar um painel onde sejam contempladas as vantagens e os problemas do trabalho com
este tipo de fontes, tão ricas e tão perigosas. Também será dada especial atenção à grande diversificação das
aplicações de tais fontes, mostrando assim a abrangência e a importância dos arquivos inquisitoriais para os
pesquisadores em geral.

UM BREVE HISTÓRICO

Em instigante estudo, o historiador italiano Carlo Ginzburg atenta para o fato de que a
descoberta dos arquivos da Inquisição como importante documentação histórica é (...) um fenômeno tardio7. A
preocupação dos primeiros pesquisadores era, então, com o funcionamento da máquina inquisitorial, bem como com
a história cronologicamente linear do Tribunal. E tal tipo de estudos, em sua maioria, tinha por objetivo deplorar a
barbárie que representada por tão obscuro tribunal. Tal é o caso, por exemplo, de dois clássicos que são pedras
basilares do estudo da Inquisição portuguesa, as obras de Alexandre Herculano e José Lourenço D. de
Mendonça/Antonio Joaquim Moreira8.

6 Revel, op.cit., pag.23.

7 Carlo Ginzbu rg, O inquisidor como antropólogo: uma analogia e as suas implicações in A Micro-História,

tradução portuguesa, Lisboa/DIFEL; Rio de Janeiro/Bertrand Brasil, s.d., pag. 203.

8 Alexandre H erculano, Hist ória da origem e est abeleciment o da Inquisição em Port ugal (1852),

Lisboa, Eu ropa/ Am érica, s.d ., 3 vols. José Lou renço D. d e Mend onça e Antonio Joaqu im Moreira,

Hist ória dos Principais Act os e Procediment os da Inquisição em Port ugal (1860?), Lisboa,

Im prensa N acional/ Casa d a Moed a, 1980. H á aind a u m cu rioso caso d e um tard io livro-d enú ncia

sobre a Inqu isição: Fréd éric Max, Prisioneiros da Inquisição, Porto Alegre, L&PM, 1991 (cop yright

1989).
3

Voltemos a Carlo ginzburg, que recorda o fato de haverem sido protestantes os historiadores
pioneiros na pesquisa de fontes inquisitoriais. Estes desbravadores iam às fontes com o objetivo de enaltecer a
atitude heróica dos seus antepassados face à perseguição católica . Ginzburg ressalta ainda o fato de os historiadores
católicos demonstrarem uma relutância em pesquisar as fontes inquisitoriais que seria a tradução de uma
tendência a procurar minimizar o impacto da Reforma religiosa9.
Foi graças às mudanças historiográficas de meados deste século que as fontes inquisitoriais foram,
por assim dizer, descobertas . Com a valorização das classes inferiores, dos grupos sociais e do homem comum
como objeto de pesquisa histórica, cada vez mais historiadores passaram a utilizar as fontes inquisitoriais. Assim, as
fontes inquisitoriais fornecem janelas pelas quais os historiadores podem travar contato com as visões de mundo,
rituais e crenças que, não fosse tal repressão, estariam para sempre perdidos.
No que tange aos estudos utilizando fontes inquisitoriais em Portugal e Brasil, nota-se uma
predominância do tema judaico nos debates. O delito mais perseguido pela Inquisição portuguesa foi também o que
mais estudos gerou. A historiadora Anita Novinsky, em pioneiro e clássico estudo sobre os cristãos-novos e a
Inquisição no Brasil, deixa marcado o fato de que em terras brasílicas, após os estudos pioneiros de desbravadores
como Rodolfo Garcia e Capistrano de Abreu, publicados no início do século XX que foram os primeiros a
utilizar as fontes manuscritas a historiografia sobre a Inquisição caiu na repetitividade10. A autora se queixa de
uma lacuna, no que tange ao estudo dos cristãos-novos que, creio, pode ser estendida a temáticas outras como a
feitiçaria, e mesmo à própria instituição inquisitorial.
Foi desta forma que permaneceu o estado das investigações em fontes inquisitoriais, dentro da
historiografia brasileira, até a década de 1970. Neste momento, foram publicados estudos importantes como o da
própria Novinsky, e o de Sonia Aparecida Siqueira o qual traz abundantes informações sobre a organização,
funcionamento e estrutura do Tribunal no Brasil11.
Por fim, é durnte a década de 1980 que a influência da N ouvelle Histoire, filha direta do movimento
dos Annales, traduz-se em pesquisas que utilizam fontes inquisitoriais. Os trabalhos seminais de Lana Lage, Laura de
Mello e Souza, Luiz Mott e Ronaldo Vainfas, por exemplo, trazem em si a renovação metodológica no trato com as
fontes inquisitoriais12 A começar pelos temas de pesquisas e pelo tratmento qualitativo da documentação do Santo
Ofício, estes trabalhos de ponta vêm influenciando, atualmente, diversas pesquisas que fazem uso da documentação
deixada pela Inquisição13. Existe um vínculo que estreita, inclusive, os laços entre estas duas gerações de
pesquisadore, visto que as atuais investigações são fruto direto da orientação dos historiadores citados.

9 Ginzburg, op.cit., pp 203-204.

10 Anita Waingorth Novinsky, Cristãos-Novos na Bahia, São Paulo, Perspectiva, 1972, pag. 14.

11 Sonia Aparecida Siqueira, A Inquisição Portuguesa e a Sociedade Colonial, São Paulo, Ática, 1978.

12 Lana Lage d a Gam a Lim a, op. Cit. Laura d e Mello e Sou za, O Diabo e a Terra de Sant a Cruz , São

Pau lo, Com panhia d as Letras,1987. Ronald o Vainfas, Trópico dos Pecados, Rio d e Janeiro, Cam pu s,

1990. O antropólogo Lu iz Mott possu i vasta obra em artigos e livros u tilizand o fartam ente as

fontes inquisitoriais. Marcante exem plo é seu m ais recente livro, Rosa Egipcíaca, Rio d e Janeiro,

Bertrand Brasil, 1993.

13 Com o é o caso d e trabalhos recém -conclu íd os ou em d esenvolvim ento, que a nível d e teses d e

d ou toram ento ou , em su a m aioria, d issertações d e m estrad o, d entre as qu ais inclu o m eu estu d o

sobre Magia e Sociedade no pará do século XVIII, através da visita inquisitorial.


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OS DIVERSOS USOS DA FONTE INQUISITORIAL: VANTAGENS

Em precioso artigo, Bartolomé Bennassar renomado estudioso da Inquisição espanhola


chama atenção para o uso de fontes inquisitoriais pela história das mentalidades. Marca o fato de que a história das
mentalidades enfatiza as fontes judiciárias, justamente porque estas permitem atingir, ainda que indiretamente, as
classes populares os mudos da história, dando-lhes voz14. Os interrogatórios inquisitoriais trazem à luz,
efetivamente, a palavra das pessoas comuns que, no fosse o fato de terem sido interrogadas ou reprimidas, teriam
mergulhado no mais profundo esquecimento. Tais fontes, segundo Jim Sharpe, permitem que o historiador consiga
chegar tão próximo às palavras das pessoas, quanto consegue o gravador do historiador oral 15.
Isto se explica pela própria razão de ser do Tribunal, e pelo seu funcionamento. A Inquisição
passou por um processo de gestação cujas raízes mais imediatas remontam ao século XII. Com o afã de combater os
desviantes da fé e suas doutrinas, o Tribunal apoiava-se nos poderes civis para punir seus réus. Foi o concílio de
Toulouse (1299), orientado para o combate aos cátaros que infestavam o sul da França, que deu à Inquisição suas
características definitivas, tais como o uso regulamentado da tortura, o segredo das testemunhas e a condenação à
morte [para os hereges impenitentes.
Esta Inquisição papal, todavia, arrefeceu suas atividades com o passar do tempo. Foi
pesteriormente reavivada em 1542 pelo papa Paulo III, às vésperas da reunião do concílio de Trento. Desta vez, a
Inquisição tinha por meta a defesa da ortodoxia face ao luteranismo e buscava, também, respaldar o poder papal
contra possíveis acusações e dissensões que ocorressem no concílio.
Na Península Ibérica, a Inquisição moderna surgiu em primeiro lugar na Estapnha, em 1478, e
posteriormente em Portugal (1536). A particularidade do Santo Ofício ibérico era a sua relação com o poder civil, em
prol do qual agia e a quem, de certa maneira, estava subordinado visto que os inquisidores gerais eram nomeados
pelos reis.
A princípio direcionado quase exclusivamente contra as práticas de judaísmo por parte dos
conversos, a Inquisição portuguesa que nos interessa analisar com maior proximidade sofreu um
redirecionamento a partir de aproximadamente 1560. A partir deste momento, ampliou seu leque jurisdicional, que
passou a reprimir com maior rigor os cristãos-velhos. A origem desta virada está no fato de, segundo Bennassar, a
Inquisição ter se tornado um agente fundamental da contra-Reforma, o principal instrumento para impor ao povo
cristão o modelo religioso e moral (notadamente sexual) do catolicismo tridentino 16. O Santo Ofício, cumprindo est
função aculturadora, atuou fundamentalmente em dois planos: o religioso, onde combatia desvios de fé
propriamente ditos como a blasfêmia e a feitiçaria; e o moral, onde combatia desvios comportamentais e sexuais
como a bigamia, a defesa da fornicação e a sodomia17.
A Inquisição, no afã de impor e preservar a ortodoxia, possuía uma maneira própria de agir e
proceder o chamado estilo do Santo Ofício. O qual, em linhas gerais e sumárias, consistia em três etapas:
1 Conhecimento do delito: a partir do momento em que as práticas desviantes fossem confessadas ou
denunciadas, era acionado o mecanismo inquisitorial. O Tribunal procurava conhecer todos os detalhes e nuances do
desvio em questão, como gestos, palavras, rituais. Para tal, era o depoente pressionado no sentido de vasculhar sua
memória, trazendo ã tona suas lembrançs a fim de que, tendo-se uma minuciosa descrição dos delitos, estes

14 Bartolom é Bennassar, Inquisit ion Espagnole comme Source pour l Hist oire des Ment alit és, texto

inédito, mimeo, pag. 1.

15 Jim Sharpe, A História vista de baixo in Peter Bu rke (org.), A Escrit a da Hist ória, São Paulo, UNESP,

1992, PAG. 48.

16 Bennassar, Nouvelles Orientations de la Recherche Inquisitoriale, texto inédito, mimeo, pag. 3.

17 Idem, pp. 3-4.


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pudessem ser avaliados e condenados em toda sua extensão. Ainda neste item, há que se Ter em mente que o Santo
Ofício procurava realizar um leavantamento biográfico o mais completo possível sobre seus réus incluindo-se aí a
história pregressa e familiar do indivíduo, suas relações dentro da comunidade, e a opinião que esta mantém sobre o
réu;
2 Num momento posterior, dá-se a exposição pública do delito. É quando, nos autos-de-fé, o condenado era
exibido e tinha suas culpas apregoadas para o público que assistia à cerimônia;
3 Por fim, a reintegração do culpado na comunidade cristã da qual ele havia se desviado. Tal fato acontecia por
meio das penitências, que variavam passando por termos de abjuração até a condenação à morte Assim, eram
eliminadas as heresias e salvas as almas.
Destas três etapas, a primeira é a que mais nos interessa. As pesquisas genealógicas e processos
inquisitoriais constituem-se fontes de inestimável valor para o pesquisador das mentalidades, comportamentos e
religiosidades das camadas populares. Estas, conforme anteriormente afirmado, permaneceriam desconhecidas se
não fosse a passagem pelo mecanismo inquisitorial. Foi graças a este tipo de fonte que Carlo Ginzburg pôde resgatar
do anonimato a figura e os pensamentos de um moleiro friulano condenado pela Inquisição em estudo que já é
tido como clássico, influenciador de vasta gama de pesquisadores18. A reconstituição das palavras, da vida e gestos de
Menocchio só foi possível graças ao afã inquisitorial de conhecer a fundo os "erros em que viviam seus réus.
Assim é que, graças ao detalhismo inquisitorial, o estudioso da feitiçaria colonial consegue
descrições minuciosas de rituais e práticas mágicas. As descrições de danças, preces e objetos constituem-se em
minuciosas etnografias das práticas oriundas da religiosidade popular, possibilitando ao historiador tomar
conhecimento destes atos19.
E assim voltamos à discussão abordada anteriormente: as fontes inquisitoriais são, efetivamente,
algo como o gravador do historiados oral , no entender de Jim Sharpe. Por elas falam, de viva voz, as pessoas
comuns do passado. É por elas que o historiador pode conversar com os mortos, e saber como eles viviam, amavam,
o que diziam e o que faziam. Em inspiradas linhas, escreveu Agnes Heller que os mortos ressuscitados querem
transformar-nos em contemporâneos deles, na mesma medida em que queremos torná-los nossos 20. Relação esta
que, por sua vez, é privilegiada pelas fontes inquisitoriais.

UMA FONTE DE ALTA PERICULOSIDADE

O trabalho com fontes inquisitoriais, porém, requer alguns cuidados. O pesquisdor que adentra
este universo documental deve estar sempre acautelado e prevenido, pois não são poucas as armadilhas próprias a
este tipo de fonet.
Ao traçar o panorama da nova história , que é fruto dos Annales, Peter Burke menciona o fato
de que os maiores problemas para os novos historiadores (...) são certamente aqueles das fontes e métodos . E um
dos problemas mencionados por Burke assalta a todos aqueles que trabalham com fontes inquisitoriais, que é o de
tentar reconstruir as suposições cotidianas, comuns, tendo como base os registros do que foram acontecimentos
extraordinários nas vidas do acusado (sic): interrogatórios e julgamentos 21.

18 Ginzburg, O Queijo e os Vermes, tradução portuguesa, São Paulo, Companhia das Letras, 1987.

19 Cf. as d enú ncias e confissões apresentad as no Liv ro da Visit ação do Sant o O fício da Inquisição ao

Est ado do Grão Pará (1763-1769), texto inéd ito e apresenatção d e José Roberto d o Am aral Lapa,

Petrópolis, Vozes, 1978.

20 Agnes H eller, Uma Teoria da Hist ória, trad u ção portu gu esa, Rio d e Janeiro, Civilização

Brasileira,1993, pag. 154.

21 Burke, Abertura: a Nova História, seu passado e seu futuro in Burke (org.), op. Cit, pag. 25.
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Um depoimento frente à mesa inquisitorial era fruto, muitas vezes, de uma situação de opressão e
terror utilizada conscientemente pelo Santo Ofício. A Inquisição, para se impor no seio da sociedade, utilizava
metodicamente aquilo que Bennassar chamou de pedagogia do medo . Escreve este autor que a fim de obter esta
conformidade com o modelo oficial, que é por sua vez religioso, político e social, e que não pode ser logrado
somente com a promulgação de leis, o método predileto do Santo Ofício é (...) a sutil difusão do medo entre as
camadas do corpo social 22. Não é à toa que, em 1578, quando Francisco Peña comenta o Manual dos
Inquisidores, de Nicolaus Eymerich que foi o livro mais utilizado pelas Inquisições ibéricas escreveu que

Há que recordar que a finalidade essencial do processo e da condenação à morte não é


salvar a alma do réu, e sim promover o bem público e aterrorizar o povo23.

É por esses motivos que deve-se Ter sempre em mente o contexto singular no qual estas fontes
foram produzidas. Havia um jogo de poder desigual, onde o inquisidor levava uma nítida vantagem sobre o réu
no qual o esforço do primeiro em extrair deste último uma verdade é quase sempre bem sucedido. Em função da
situação opressora e até mesmo em virtude de algumas passagens pelos aparelhos de tortura o réu falsearia a
verdade e entregar-se-ia, cumprindo assim o papel que, esperava-se, ele representasse. Segundo Ginzburg, neste caso
os processos inquisitoriais apresentam uma estrutura textual monódica, onde as respostas dos réus são meros ecos às
questões e à mentalidade dos inquisidores24. Segundo Ginzburg, cabe ao historiador a sensibilidade de captar, para
lá da superfície aveludada do texto, a interação sutil de ameaças e medos, de ataques e recuos. Temos, por assim
dizer, de aprender a desembaraçar o emaranhado de fatos que formam a malha textual desses diálogos 25. Há, então,
que ser feita uma crítica interna a este tipo de documentação. Isto para que, introjetando-se no contexto desigual da
produção deste tipo de fonte, o historiador possa melhor entender a estrutura textual que ela apresenta podendo,
assim compreendê-la e com ela entrar em diálogo, por sua vez.
Há, por ooutro lado, a necessidade do historiador ler nas entrelinhas deste tipo de fonte.
Aproveitando-se dos interstícios silenciosos do diálogo inquisodor X réu isto é, inferindo a linguagem do não-dito
, o historiador pode burlar este tipo de fonte, tão parcial em sua essência26.
Outro perigo que se apresenta é a tentação, por parte do pesquisador, de toamr como
representativos de um modo social as idéias de indivíduos isolados que nem sempre correspondem a uma
mentalidade vigente. Ao pesquisador cabe a habilidade e discernimento para inserir em um contexto mais abrangente
a sociedade e o tempo as idéias e atitudes recolhidas nas fontes inquisitoriais. Estas, posteriormente, deverão
ser cotejadas com outros tipos de fontes, que permitam uma maior exatidão à investigação, inserindo-se assim as
fontes inquisitoriais no contexto maior de sua época.

22 Bennassar, M odelos de la mentalidad inquisitorial: métodos de su pedagogía del miedo in Ángel Alcalá

(org.) Inquisición Española Y Ment alidad Inquisit orial, Barcelona, Ariel, 1984, pag. 175. Grifo d o

autor.

23 Apud Id, ibid.

24 Ginzburg, O inquisidor... pag. 208.

25 Idem, pag. 209.

26 Para tal tarefa enqu ad ra-se perfeitam ente o m étod o d ed u tivo preconizad o por Ginzbu rg em Sinais:

raízes de um paradigma indiciário in Mit os, Emblemas, Sinais, trad u ção portugu esa, São Pau lo,

Companhia das Letras, 1991, pp 143-180.


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CONCLUINDO

Vimos o histórico de utilização das fontes inquisitoriais. Em que elas se constituem, e quais são os
seus prós e contras para aqueles que, através delas, pretendem pesquisar a religiosidade, cultura e mentalidade das
classes populares.
A fonte inquisitorial presta-se a tudo. Da história econômica stritu sensu através da análise dos
inventários de bens confiscados aos réus, por exemplo até à história das idéias e atitudes, com os processos
inteiros (como os de Menocchio, trabalhados por Ginzburg). A prova irrefutável desta ampla gama de tratamentos
aos quais a fonte inquisitorial é passível está no recém-publicado livro contendo algumas comunicações selecionadas
do I Congresso Internacional e Luso-Brasileiro sobre a Inquisição27.
Tomados os devidos cuidados, têm-se em mãos, no trabalho com fontes inquisitoriais, um
manancial privilegiado de informações cuja pesquisa, ultimamente, começa a deslanchar abertamente. Cabe aos
pesquisadores, enfim, pôr mãos à obra.

27 Anita N ovinsky & Maria Lu iza Tu cci Carneiro (orgs.) Inquisição: ensaios sobre mentalidades, heresias e

arte, Rio de Janeiro/Expressão e Cultura;São Paulo/EDUSP, 1992.

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