Anda di halaman 1dari 25

ENTMAN, Robert M. Framing U.S.

coverage of international news:


contrasts in narratives of the KAL and Iran Air incidents. Journal of Communication,
Philadelphia,PA, v.41, n.4, p.6-26, autumn 1991. Trad. de M.T.G.F. de Albuquerque
e de F.F. L. de Albuquerque. Rev.técn. de A. de Albuquerque.

O ENQUADRAMENTO NA COBERTURA NORTE-AMERICANA DAS NOTÍCIAS


INTERNACIONAIS: CONTRASTES NAS NARRATIVAS DOS INCIDENTES DA KAL E DA IRAN
AIR.

Pela desenfatização dos agentes e das vítimas e pela manipulação na escolha de gráficos e adjetivos, a derrubada de
um avião iraniano pelos Estados Unidos foi qualificada nos noticiários como um problema técnico, enquanto que a
derrubada de um jato coreano pelos soviéticos foi descrita como um ultraje moral.

Em 1º de setembro de 1983 um caça soviético abateu o avião da Korean Air Lines (KAL),
voo 007, matando a tripulação e seus 269 passageiros. Em 3 de julho de 1988, um cruzador
norte-americano, o Vincennes, abateu o avião da Iran Air, voo 655, matando a tripulação e seus
290 passageiros. Nos dois casos os militares identificaram um avião de passageiros como um
possível alvo hostil; em ambos os casos, os oficiais dos países responsáveis declararam que,
dadas as circunstâncias, o ataque era justificável. Este artigo examina os quadros de análise
conflitantes empregados por diversos canais importantes de comunicação norte-americanos na
cobertura dessas duas aplicações tragicamente erradas da força militar. No primeiro caso, o
quadro enfatizou a bancarrota moral e culpa do país responsável pelo ato; no segundo caso, ele
desqualificou a culpa e focalizou principalmente os complexos problemas envolvidos no manejo
de alta tecnologia militar.
A comparação das narrativas feitas sobre os dois eventos pelos media, que deveriam ser
reportados de modo similar, ajuda a mostrar as escolhas textuais críticas que na verdade
enquadraram as reportagens mas que tenderam a ficar ocultas num texto indiferenciado: a
menos que se comparem as narrativas, fica difícil detectar plena e confiavelmente os quadros
utilizados, porque muitos dos mecanismos de enquadramento podem parecer "naturais",
inocentes escolhas de palavras ou imagens. A comparação revela que tais escolhas não são
nem inevitáveis nem pouco problemáticas mas, ao contrário, são fundamentais para a maneira
como o enquadramento das notícias ajuda a estabelecer uma interpretação literalmente de
"senso comum" (ou seja, muito difundida) dos eventos.
Demonstrando que, nas duas histórias, foram consistentemente escolhidas palavras e
imagens diferentes para retratar fenômenos semelhantes, o presente artigo indica quais são
exatamente as categorias da cobertura sobre os casos da KAL e do Iran Air que encerravam a
informação constitutiva do quadro escolhido para a notícia. O artigo pretende, assim, esclarecer
com algum detalhe, a natureza dos quadros de análise dos textos de notícias internacionais. Ele
2
especula também sobre as interações entre os quadros do texto e o pensamento dos jornalistas,
do público e das elites políticas.
Os enquadramentos das notícias (ver 19, p.6-7, 20, 34; 20, p.7, 192-195) funcionam em
dois níveis: como princípios armazenados mentalmente para o processamento da informação e
como características do texto noticioso. Exemplos de quadros tomados como princípios
orientadores interiorizados são: o quadro da guerra fria, impingido aos assuntos internacionais, e
o quadro de corrida de cavalos, imposto às campanhas eleitorais; os quadros são, nesse
sentido, esquemas de processamento da informação (ver 1; 10, cap. 4; 15; 16; 22).
Mas os quadros descrevem também os atributos da própria noticia, e esse é o enfoque
do presente artigo. Os quadros residem naquelas propriedades específicas da narrativa noticiosa
que estimulam as pessoas, que dela tomam conhecimento e raciocinam sobre os eventos
descritos, a desenvolver uma determinada compreensão sobre eles. O enquadramento das
notícias é construído e incorporado a partir de palavras-chave, metáforas, conceitos, símbolos e
imagens visuais enfatizadas numa narrativa noticiosa. Já que a narrativa nada mais é, afinal, do
que palavras e imagens, os quadros podem ser detectadas pelo levantamento de determinadas
palavras e imagens visuais que aparecem recorrentemente numa narrativa e veiculam
significados tematicamente consonantes através dos media e do tempo. Pelo fato de prover,
repetir - e portanto reforçar - palavras e imagens visuais que fazem referência a algumas idéias e
não a outras, os quadros colaboram para que, no texto, algumas idéias recebam mais realce,
outras menos - e algumas outras fiquem inteiramente invisíveis. Os quadros não eliminam todas
as informações inconsistentes; é inevitável que os textos contenham alguns dados
incongruentes. Mas pelo uso da repetição, da colocação e das associações de reforço mútuo, as
palavras e imagens constitutivas do quadro transmitem uma interpretação básica mais
prontamente discernível, compreensível e memorizável do que outras.
As imagens mentais que resultam do contacto com um quadro noticioso podem ser
concebidas como um "esquema específico de evento" - um entendimento do acontecimento
reportado que orienta as interpretações individuais a respeito da informação inicial e que passa a
orientar o processamento de todas as informações subsequentes relativas ao evento (para uma
conceptualização relacionada do esquema de evento, ver 37, p.95-111). Existe uma relação
recíproca entre os quadros no texto e esses esquemas ou quadros no pensamento do público
(ver 23). As organizações noticiosas moldam seus relatos com o objetivo de obter reações
favoráveis dos leitores e espectadores, e as reações esperadas do público influenciam também a
retórica e as ações das elites políticas, que são os principais "patrocinadores" (17) dos quadros
de notícias.
3
Todavia, para os eventos inteiramente novos que surgem nas notícias, são as interações
iniciais das fontes de informações com os jornalistas que põem em movimento o processo de
enquadramento. Essa concepção indica, por exemplo, que baseados nas descrições iniciais do
Governo norte-americano sobre a derrubada do avião da KAL, e nas expectativas culturais pre-
existentes (interpretações prototípicas esquemáticas [37, p.96]) sobre a União Soviética e sobre
as questões internacionais, os jornalistas rapidamente desenvolveram um novo esquema
específico para o evento, "o ataque ao KAL". O esquema os estimulou a compreender, processar
e relatar todas as informações ulteriores sobre o evento de modo a apoiar a interpretação básica
implicitamente codificada no esquema. É certo que nem todos os jornalistas possuíam esquemas
idênticos do evento, e na medida em que a história se desenvolvia, muitos deles procuraram
informações que contestavam certos aspectos da linha dominante na reportagem. Mas de modo
geral, na elaboração dos textos sobre o caso KAL, era de se esperar que os hábitos e limitações
cognitivas dos jornalistas (e também de suas respectivas organizações), combinados com uma
forte dependência de fontes de alto escalão, os levaria a enfatizar os dados de confirmação do
quadro nos textos noticiosos - e a desenfatizar os dados contraditórios (ver 19, p.49-52).1
Dessa maneira, o enquadramento da notícia faz com que informações contraditórias
sejam mais dificilmente discerníveis pelos leigos, e portanto, mais dificilmente utilizáveis numa
interpretação independente. Isso não significa que todos os norte-americanos interpretaram os
dois incidentes de maneira idêntica, mas sugere a hipótese de que, quando há predomínio
exclusivo de uma único quadro, expressivas maiorias políticas chegarão a conclusões
conincidentes. Essa hipótese é apoiada pelos resultados das pesquisas de opinião citadas
abaixo. A condição necessária para que haja influência dos media sobre a estratégia ou sobre a
política não é que uma notícia seja interpretada do mesmo modo por todos; basta apenas que
maiorias significativas sejam tidas como assim o fazendo (ver 10, cap. 4). Embora seja inevitável
que dados contraditórios surjam no quadro e apareçam no texto e no pensamento de muitos
norte-americanos, parece que o quadro predominante tem maior chance de afetar os resultados
políticos.
O quadro de análise deve incluir apenas aqueles elementos da mensagem que sejam
cruciais para os impactos presumidos no processamento de informação; não fora assim, não
haveria distinção entre quadro e texto. Nosso objetivo analítico deverá ser o de determinar quais
são as palavras e as imagens da narrativa que são ou não são componentes do quadro - e

1
A existência de um esquema único dominante sobre o evento depende muito do grau de consenso entre as fontes
de alto escalão das notícias (ver3,11). Nos casos em que uma facção importante da elite contesta a estrutura
noticiosa dominante, o texto poderia promover esquemas conflitantes do evento, e o processamento da informação
pelo público sofrerá mudanças. Nos casos do presente estudo, porém, houve pouca contestação entre as elites.
4
necessitaremos de uma base teórica para fazer tal distinção. Para os objetivos do presente
trabalho, a análise de quadros deverá enfatizar o que é politicamente importante nos textos
noticiosos, dadas as agendas e disputas estratégicas do momento. O quadro de análise político
(2
) abrange aquelas dimensões da mensagem que têm maior probabilidade de promover uma
resposta comum, majoritária, ao evento noticioso conforme apurada em pesquisas de opinião
pública. Essa concepção orientou a análise de quadros a seguir.

O presente estudo analisa os dois números do Time e do Newsweek pulicados logo em


seguida aos incidentes da KAL e da Iran Air, juntamente com o "CBS Evening News"
durante o mesmo período de duas semanas. As revistas (3) resumem e comentam as notícias
predominantes e as ênfases editoriais dos media nacionais nos Estados Unidos; seu maior
intervalo entre publicações permite-lhes normalmente que investiguem exaustivamente as fontes
oficiais (e outros media), destilando os resultados numa narrativa que reflete os principais temas
dos noticiários (ver 18, p.4). A CBS pode ser considerada, de um modo geral, como
representativa em relação às duas outras redes comerciais (ver 10,18,21; ver 17, p. 23-24). São
citados também dados de uma análise de todos os artigos sobre esses eventos no New York
Times e no Washington Post, talvez os dois jornais mais influentes dos Estados Unidos, no
mesmo período. Seria inadequado fazer generalizações extensivas a todos os media a partir
desses veículos; mesmo dentro do grupo aqui analisado existem diferenças no conteúdo. Mas a
solidez dos resultados e as pesquisas anteriores sobre o voo da KAL por si só (7, 31, 38)
indicam que uma base maior de dados revelaria uma forma de enquadramento semelhante na
maioria da cobertura dos media de massa norte-americanos.
A comparação das duas realidades construídas não exige a suposição de que os fatos
subjacentes à KAL e à Iran Air fossem total e perfeitamente análogos. Ambos foram eventos
complicados, sujeitos a interpretações variadas, e indubitavelmente, uma parte da razão que
explica os tipos contrastantes de quadros deve-se aos elementos bem diferentes da realidade
concreta. Mas não há maneira de se estabelecer factualmente, por exemplo, que os Estados

2
Os textos de media podem conter uma variedade de quadros de análise. Outros quadros poderiam ser extraídos
das coberturas sobre a KAL e a Iran Air se houvesse interesse, digamos, no modelo subjacente de natureza humana
que os media promoveram.

3
As datas nas revistas são, 12 e 19 de setembro de 1983, e 18 e 25 de julho de 1988. As revistas foram
publicadas numa segunda-feira embora trouxessem a data de uma semana depois de modo que, por exemplo, o
número de 12 de setembro foi publicado na verdade, em 5 de setembro, quatro dias após a derrubada do avião da
KAL.
5
Unidos eram menos responsáveis moralmente pelo destino dos iranianos do que a União
Soviética pelos passageiros da KAL, e portanto, que a ênfase dos media sobre a culpa soviética
e sobre a negação de culpa norte-americana fosse de algum modo pré-justificada.
Pondere-se que o Vincennes teve apenas uns poucos minutos para decidir se deveria
derrubar o avião iraniano, que estava voando sobre uma área que tinha sido palco de recentes
combates. Esse contexto poderia justificar moralmente os tiros. No entanto poder-se-ia arguir
que, o fato de a Marinha norte-americana ter conhecimento do tráfego aéreo civil constante que
cruzava o Golfo, impunha um imperativo moral de organizar procedimentos adequados para lidar
com situações previsíveis como a do voo 655 da Iran Air - o que torna a derrubada do avião
moralmente indefensável. Por seu lado, a Força Aérea soviética teve mais de duas horas para
decidir como lidar com o avião intruso num contexto desvinculado de combate. Embora esse fato
pudesse ser interpretado como incriminativo para a URSS, o jato da KAL estava voando sobre
as, talvez, mais importantes instalações militares soviéticas, por volta da hora de um teste
previamente programado de mísseis e logo após um avião espião norte-americano ter
sobrevoado a área (26). Poder-se-ia argumentar que, pelo fato de ao menos terem protelado o
ataque por duas horas, na esperança de identificar positivamente o avião, os soviéticos
demonstraram sensibilidade moral. Ou poder-se-ia culpar os sistemas de controle de tráfego
aéreo civil e as organizações internacionais de aviação mais do que os governos dos dois
países. A discussão poderia prosseguir indefinidamente mas, para efeitos de análise, o ponto
crucial é estabelecer o potencial comparável da mensagem (10, cap.3): nada houve de
intrínseco à realidade dos fatos que exigisse uma forma de enquadramento de narrativa
totalmente diferente daquela evidenciada pelos dados.

A essência do enquadramento é o dimensionamento - ampliação ou o encolhimento de


elementos da realidade retratada de modo a torná-los mais ou menos realçados. A primeira
e a mais crítica escolha do dimensionamento envolve o realce que o evento em si mesmo
receberá no fluxo das notícias. À parte as palavras e imagens usadas para descrever o evento,
que quantidade de material sobre o evento está disponível, e quão proeminentemente deve ser
ele apresentado? Isso dá a medida da importância do evento. O quadro usado na descrição de
uma notícia, pode ser ampliado de tal modo que sua divulgação pelos media penetre na
consciência de uma massa minimamente informada sobre questões e eventos específicos. Ou o
quadro usado pode ser encolhido de tal modo que um evento é miniaturizado - reduzindo-se o
volume, o destaque e a duração de sua cobertura, e portanto do seu impacto sobre a
6
consciência da massa. Desse modo, a o quadro escolhido avalia e ajuda a determinar a
importância política de um evento.
_________________________________________________________________________________________
Tabela 1: Cobertura dos incidentes da KAL e Iran Air em três categorias de media
KAL Iran Air
_________________________________________________________________________________________
Time e Newsweek 51 páginas 20 páginas
CBSa 303 minutos 204 minutos
New York Times 286 reportagens 102 reportagens
Washington Post 169 reportagens 82 reportagens
_________________________________________________________________________________________
a
Os dados são do Vanderbilt Television News Archives Indexes

Nos dois casos aqui, o incidente da KAL foi retratado como muito mais importante do que
o caso do Iran Air 4. A Tabela 1 mostra algumas comparações. Além de conceder mais tempo ao
incidente da KAL, o telenoticiário noturno das redes de televisão deu-lhe ênfase de outras
maneiras; a reportagem dominou 27 das 43 transmissões durante as duas semanas
subsequentes ao incidente e recebeu algum tipo de cobertura em todas as demais. Com uma
única exceção (a CBS no oitavo dia), a KAL foi o lead por nove dias seguidos em todos os
telenoticiários noturnos das redes. A Iran Air teve destaque nas notícias em 14 dos 48 programas
transmitidos. Em 12 programas (25 por cento) não houve qualquer notícia sobre a Iran Air. Ela
serviu de lead nas três redes apenas durante os dois primeiros dias e em mais dois outros dias
(não consecutivos).
Embora ambos os eventos se constituíssem em tragédias, o incidente da KAL foi
configurado como uma desgraça maior e mais importante, e a concentração da atenção
reforçada pelos media criou maiores oportunidades para que o público tivesse contacto com
mensagens que reforçavam o tema central, moralizante, da narrativa noticiosa. É evidente que
os norte-americanos teriam reagido muito mais intensamente, de qualquer modo, à morte de
seus compatriotas no voo da KAL do que à morte de iranianos, mesmo que o volume de
reportagens fosse igual. Mas o julgamento de importância feito pelos media provavelmente
acarretou uma diferença política: um contínuo e alto grau de conscientização sobre o caso KAL
por parte das massas pressionou os possíveis membros da elite oposicionista à administração
Reagan para que se mantivessem calados - ou então embarcassem no "circo" do "Império do
Mal" (NT. Como Reagan chamava a URSS).

No outro caso, o menor grau de percepção das massas sobre o incidente com a Iran Air
reduziu a possibilidade de recursos políticos que, eventualmente, os inimigos da Casa Branca
poderiam ter usado para convencer outras elites a abandonar a política da administração federal
sobre o Golfo Pérsico.
4
O incidente da Iran Air aconteceu no meio de uma campanha presidencial, o que talvez explique o menor volume
de cobertura. Mas é exigir muita credulidade afirmar que esse fato justifica inteiramente a diferença na atenção dada
aos dois eventos. De qualquer modo, a principal preocupação aqui é o contraste entre dois enquadramentos de
eventos - seja qual tenha sido a razão - e a explicação pela existência de notícias rivais não se aplica a outras
dimensões do texto.
7
As circunstâncias não exigiam que os juízos sobre a importância dos eventos fossem tão
diferentes nos dois casos. Afinal, o fato central, indiscutível, é semelhante: nos dois incidentes
foi usada força militar letal contra cerca de 300 seres humanos inocentes. A flexibilidade dos
juízos sobre o grau de importância é indicada pelo fato de que os nomes do Presidente Reagan
e do Secretário de Estado George Shultz apareceram 697 vezes na cobertura do Post sobre a
KAL, mas apenas 11 vezes na reportagem sobre a Iran Air; no caso do Times, os números são,
respectivamente, 771 vezes e 150 vezes. O caso da KAL recebeu duas vezes mais cobertura,
portanto a comparação revela que as referências aos dois principais responsáveis pela política
internacional norte-americana foram três vezes mais comuns na reportagem sobre a KAL 5. Era
de se esperar que as autoridades procurassem manter o Presidente afastado da tragédia da Iran
Air; mas essa estratégia política ajudou também a dimensionar o enquadramento das notícias e
a atenuar a importância do evento em comparação com o da KAL.
Além do dimensionamento dado pelo enquadramento temos as mensagens específicas
em si mesmas. Os componentes do quadro tendem frequentemente a coincidir com um domínio
discursivo estabelecido - uma série de conjuntos de idéias associadas que formam uma maneira
de raciocinar sobre o assunto, raciocinio esse que é familiar ao público a partir de outras
experiências culturais. Certas palavras e imagens são usadas em conjunto e repetidamente e,
por isso, ficam mais realçadas nos textos; elas evocam idéias caracteristicamente associadas
com um tipo específico de discurso público. Ainda que nem todo evento noticioso requeira um tal
script discursivo, as palavras e imagens utilizadas no enquadramento, nos casos aqui citados,
colocaram o caso da KAL sob um discurso moral ao mesmo tempo que restringiram o caso da
Iran Air a uma questão técnica.
Podemos distinguir quatro aspectos principais separados (ainda que relacionados) do
texto que ajudaram a criar o quadro moral ou o quadro técnica: o uso consistente de palavras e
imagens que descreveram a responsabilidade pela ação relatada, ou seja, o agente; que
estimularam ou desencorajaram a identificação com aqueles que eram diretamente afetados
pelo ato; que promoveram uma categorização do fato; e que estimularam ou suprimiram uma
ampla generalização a partir do ato.

O agente responde à pergunta sobre quem exatamente fez isso - qual foi a força causal
que criou o ato noticiável? Por convenção, o agente é uma imputação especialmente comum

5
Não dispomos de uma contagem de palavras, de modo que não podemos comparar a extensão das
reportagens. Todavia, os 169 artigos do Post sobre a KAL, por exemplo, ocuparam 1.02 megabytes de espaço
enquanto que os 82 itens sobre a Iran Air ocuparam 536 kilobytes. Isso sugere que a extensão média de reportagem
era um pouco maior para a Iran Air, apoiando a inferência.
8
nas manchetes. Como se vê nas figuras 1 e 2, as manchetes nas revistas retrataram o agente
de modo a dar suporte aos respectivos quadros. A primeira capa do Newsweek após o incidente
da KAL (13 set., 1983) era encabeçada por "Assassinato no Ar"; o título do artigo principal era
"Uma Cruel Emboscada no Ar". A manchete da capa do Time nessa semana foi "Atirando para
Matar/ Os Soviéticos Destroem um Avião"; a reportagem principal, "Atrocidade nos Céus/ Os
Soviéticos Derrubam um Avião Civil". A concepção apresentada no enquadramento do caso KAL
era que o governo soviético agiu conscientemente no sentido de aniquilar um avião civil. O
evento foi definido como um novo exemplo da maldade soviética, um ato brutal de violência que
confirmava os juízos morais já estabelecidos sobre a URSS. A cobertura da segunda semana
continuou nesse mesmo estilo; por exemplo, a capa do Newsweek (19 de set., 1983) era
encabeçada por "Porque Moscou agiu assim/Investigação sobre o Voo 007/A Indignação
Mundial/O Impacto Diplomático/O Muro Soviético." Notemos quem cometeu o ato: não foi um
piloto da Força Aérea voando nos céus da Sibéria, mas "Moscou" ou os "Soviéticos", deixando
implícito que todo o governo da URSS causou ativamente o incidente.
Em comparação, como mostra a Figura 2, a capa do Newsweek (18 jul., 1988) prometeu
revelar, sobre o caso da Iran Air "Porque Aconteceu". A construção era passiva, o agente era
velado. O Time relegou a derrubada do avião da Iran Air a um canto da capa que dizia "O Que
Deu Errado no Golfo". Novamente aqui, nenhum agente, voz passiva, linguagem abstrata - não
quem cometeu o erro, mas o que aconteceu de errado. (Os editores do Time consideraram que
o programa espacial, a principal reportagem de capa, era matéria mais noticiável naquela
semana). Nas duas revistas, as capas dos números publicados na semana susbsequente
deixaram de mostrar o incidente com a Iran Air.
Além das capas e manchetes, os textos sobre o caso KAL atribuíram repetidamente um
conhecimento culposo aos líderes soviéticos. Nas revistas e na CBS houve diversas referências
à idéia de que o Premier Andropov "devia ter" sabido, ou que os pilotos do bombardeiro "sabiam"
ou "deviam ter sabido" que seu alvo era um avião de passageiros. Essa atitude chegou ao
máximo no Newsweek (19 set., p.30): "Por todas as leis da psicologia soviética, 269 vidas não
eram um preço muito elevado a ser pago para assegurar que os sagrados limites estavam sendo
bem protegidos". O texto deixava implícito, desse modo, que os governantes soviéticos sabiam,
não apenas que eram civis os passageiros a bordo do avião condenado, mas também
exatamente, quantos eram.
As alegações de conhecimento foram chocantemente contrárias nas reportagens sobre a
Iran Air. Por exemplo, quando a reportagem do Time (18 jul., 1988) observou que o Vincennes
não mantinha informações detalhadas sobre os horários de voos civis no Golfo Pérsico, a
9
explicação dada foi que "Ninguém tinha pensado que isso fosse necessário". A reportagem não
continha qualquer julgamento ético sobre essa omissão, nem quaisquer conclusões sobre a
natureza moral da sociedade norte-americana ou sobre a psique norte-americana baseada
nesse descuido. 6 Ao invés disso, a reportagem deu a explicação que a Marinha dos EUA "não
está habituada, simplesmente, a operar" no ambiente do Golfo. Não surgiram afirmações de que
a tripulação do Vincennes "devia saber" a identidade do voo da Iran Air; pelo contrário, foi ponto
central na narrativa da "CBS Evening News" sobre o incidente, desde as primeiras palavras, a
ausência compreensível de um conhecimento culposo. 7
A arte final da capa das revistas, e os seus gráficos nas páginas internas também
confirmaram as representações sobre o agente em cada evento. Conforme se vê na Figura 1, o
Newsweek desenhou o centro de um alvo apontando para as palavras "Korean air Lines" no
caso do 747, e as duas revistas retrataram o caça soviético como estando perto o bastante,
aparentemente, para ler essas palavras. Os desenhos validaram a afirmação da administração
Reagan - posteriormente evidenciada como sendo uma falsa representação (26,36) - de que o
governo soviético tinha ordenado conscientemente a destruição de um avião civil de
passageiros. O noticiário da CBS visualizou os incidentes de modo semelhante. Seu "cromaqui"
inicial assemelhava-se ao do Newsweek, mostrando um grande avião da KAL com um desenho
de alvo superposto. Em outros "cromaquis" mostrados repetidamente por vários dias, as
reportagens da CBS retrataram os aviões russos e o da KAL numa estreita proximidade
aparente. Essa atribuição de agente era a peça central da construção retórica da administração
Reagan sobre o problema (38) e o catalisador chave do discurso moral.
As revistas e os telenoticiários usaram logotipos equivalentes para ilustrar o começo de
cada reportagem relacionada à KAL durante a segunda semana. As reportagens separadas do
Newsweek na segunda semana eram encabeçadas por uma foice com um míssil aéreo em lugar
do martelo. O logotipo do Time na segunda semana era uma silhueta do avião da KAL dentro de
uma foice. O logotipo constante da CBS era uma grande vista lateral do avião da KAL, com o
logotipo da KAL e "Korean Air Lines" bem visíveis, superpostos por bandeiras com a foice e o
martelo. O predomínio do simbolismo da foice e do martelo sugere que, pela associação do

6
Na verdade o Vincennes possuía uma tabela do horário dos voos civis, mas só o checou na última hora, após a
descoberta inicial de um avião não identificado na tela do radar; a essa altura os membros da tripulação do
Vincennes falharam em localizar na listagem o voo 655.

7
A transmissão foi aberta pelo Almirante William Crowe, Diretor do Join Chiefs of Staff, dizendo: "Pensamos que o
cruzador USS Vincennes, enquanto ativamente engajado em ameaçar unidades iranianas de superfície e em se
proteger do que concluiu ser uma aeronave hostil, derrubou um avião iraniano de passageiros sobre o Estreito de
Ormuz."
10
evento com o símbolo central e extremamente familiar do comunismo, o incidente podia ser
ligado ao próprio sistema soviético. E pela exibição do logotipo da KAL, a reportagem da CBS
confirmava sutilmente que os soviéticos sabiam que o avião era civil.
Na capa do Time que tratava do caso da Iran Air, a ilustração do canto - tão pequena que
chega a ser difícil distingui-la na reprodução (Figura 2) - mostrava um homem sentado em frente
a inúmeros painéis de controle, segurando a cabeça num estado de aparente exaspero e
confusão. A ilustração apoiava a atribuição de autoria contida no tipo de enquadramento
baseada em técnica - dando a entender que o incidente era relacionado, não a falhas morais,
mas a inadequações entre a tecnologia e a capacidade humana de com ela lidar. Explicitamente,
a capa do Newsweek nem afirmava nem negava o quadro; ela mostrava o Vincenne após ter
lançado um míssil durante manobras. Mas, pelo fato de não ter usado, na capa, o desenho de
um avião de passageiros explodindo (como tinha feito para o incidente KAL). O Newsweek
deixou implícito que o problema noticiável fundamental girava em torno dos oficiais e da
tecnologia no Vincennes, e não nos passageiros da Iran Air. A capa implicitou, entretanto, autoria
por parte do Vincennes.
A reportagem da CBS, por outro lado, transferiu a responsabilidade para os iranianos
através de seus gráficos da Iran Air. A animação da rota de voo mostrada em três dos primeiros
cinco dias retratava o avião parecendo mergulhar em direção ao Vincennes. No quadro
inicialmente utilizado predominava a afirmação do Pentágono de que os instrumentos do navio
mostravam o jato da Iran Air dirigindo-se diretamente contra os norte-americanos. Tais
circunstâncias explicavam e justificam a derrubada e confirmavam sua neutralidade moral.
Apesar de, por volta do quarto dia após o ataque, a CBS ter levantado dúvidas sobre a
afirmação inicial de que o avião da Iran Air estivesse descendo em direção ao navio (dúvidas
levantadas pela própria Marinha numa informação ao Congresso), essas dúvidas eram
contestadas pelos gráficos e pelo quadro inicial - cuja eficácia é sugerida pelas pesquisas de
opinião pública abaixo discutidas.
O logotipo do Time para o incidente da Iran Air era a silhueta de um pequeno avião
vermelho dentro de um círculo preto. O logotipo da Newsweek refletia também o enquadramento
em que evento era tratado como uma tragédia da tecnologia: mostrava uma tela estilizada de
radar com um pequeno e irregular borrão em forma de estrela, supostamente indicando a
explosão do avião da Iran Air, com as palavras "Tragédia no Golfo". Na CBS, o logotipo
constante mostrava uma vista frontal, bem de cabeça, do avião, que obscurecia as marcas de
Iran Air, sobrepondo-se a um mapa da região do Golfo Pérsico. Em todos os três media,
diferentemente das ilustrações do caso da KAL, o perpetrador (os Estados Unidos) não foi
11
simbolizado de modo algum, e a identidade civil do avião também não ficou clara, obscurecendo
mais uma vez o agente ao mesmo tempo que justificando a dificuldade do Vincennes em
identificar o avião.

Os modos contrastantes como as vítimas foram identificadas codificam e exemplificam a


diferença nos domínios discursivos. As vítimas do avião da KAL foram humanizadas nas
mensagens verbais e visuais de modo a promover a identificação com elas (ver 25, cap.2). As
vítimas do avião da Iran Air foram muito menos visíveis; a informação menos concentrada na
humanidade que elas compartilhavam com as pessoas da audiência e desse modo, houve
menor probabilidade de evocar empatia. A desenfatização das vítimas ajudou a fazer da
reportagem sobre a Iran Air uma reportagem técnica.
Os gráficos ajudaram a criar uma distribuição diferenciada de empatia moral. Assim, por
exemplo, por duas semanas consecutivas, as revistas mostraram desenhos detalhados da rota
de vôo, da perseguição e da destruição do avião da KAL. Elas também se empenharam numa
espécie de litania verbal, descrevendo e re-descrevendo a derrubada, do princípio ao fim da
cobertura. A Figura 3 mostra os gráficos, dos números publicados na segunda semana, que
ocuparam a página inteira do Time e três-quartos de página no Newsweek. Como mostra a
Figura 4, esses detalhes mal eram apenas visíveis na cobertura da Iran Air, e ainda assim por
apenas uma semana.
Nas duas revistas, houve 239 polegadas quadradas de gráficos mostrando um avião da
KAL explodindo (incluindo o material nas Figuras 1 e 3). Johnson (27, p.36) afirma que o avião
provavelmente não explodiu nem se incendiou quando atingido pelo míssil; nenhum dos
destroços recuperados mostrou destruição por fogo e, a 32 000 pés, o ar é muito rarefeito, diz
ele, para que houvesse combustão. Além disso, o radar mostrou que o avião estava ainda inteiro
quando caiu ao solo. Já o avião da Iran Air estava numa altitude relativamente baixa na qual
podia explodir e incendiar-se. No entanto, nenhum gráfico mostrou o impacto do míssil contra o
avião da Iran Air. Houve 18 polegadas quadradas retratando o avião da Iran Air de qualquer
forma, a maioria das quais constava de uma foto do nariz e de outros destroços do jato. Todos
os desenhos do avião iraniano eram de cerca de uma polegada quadrada ou menos.
A reportagem do Newsweek retratava o impacto real do míssil norte-americano sobre o
avião iraniano como uma figura estrelada irregular. Como se vê na Figura 4, a ilustração indicava
implicitamente uma explosão, mas o sofrimento dos passageiros tinha destaque reduzido, já que
o desenho nem mesmo representava um avião. O Time não mostrou o desenho do avião da Iran
12
Air, apenas pequenas linhas que se terminavam em pontos, traçando a interseção da rota do
avião e da rota do míssil lançado pelo navio - nenhuma representação de explosão, muito menos
de um avião de passageiros.
A impressionante diferença entre um desenho de página inteira de um avião da KAL
explodindo e o desenho de um pequeno ponto representando o avião iraniano oferece uma
poderosa demonstração de quão totalmente o enquadramento permeou a dimensão visual e
estimulou um julgamento moral num caso mas não no outro. Essa averiguação confirma também
a concepção de que a essência do enquadramento é o dimensionamento - tornando os
elementos individuais da idéia mais ou menos realçados - que no caso presente foi literal,
fazendo com que o destino das vítimas do avião da KAL, mas não das vítimas da Iran Air,
avultasse visualmente nos gráficos.8
Os modos contrastantes de visualização foram refletidos na cobertura da CBS que, para
a rota do voo da KAL, mostrou animações, repetidas diariamente, durante uma semana, da rota
do voo da KAL mas que, para a rota do voo da Iran Air concedeu muito menos tempo de
transmissão. Os gráficos da CBS representaram o momento do contacto entre o míssil e o avião
da KAL por um desenho irregular, vermelho, estrelado que representava uma explosão; o
símbolo análogo para o incidente da Iran Air foi um desenho irregular, verde. O uso de uma cor
simbolizando fogo e sangue para o incidente da KAL e de uma cor mais neutra para o caso da
Iran Air acentua o contraste.
Finalmente, as revistas e a CBS mostraram retratos das vítimas identificadas do voo da
KAL e dos enlutados parentes que puderam ser localizados. Essas corporificações visuais das
vítimas enquanto seres humanos identificáveis estiveram ausentes da cobertura sobre a Iran Air.
No conteúdo verbal das revistas, a ênfase sobre os fatos físicos ajudou a humanizar as
vítimas da KAL e a distanciar as vítimas da Iran Air. Uma razão foi que os relatos sobre a KAL
forneceram copiosas descrições das condições meteorológicas, do mar frio e de outros
elementos físicos. Os relatos descreveram detalhes imaginários do que teria acontecido no voo,
reforçando a identificação com os passageiros; por exemplo: "Após ter atingido a altitude de
voo... muitos passageiros tiraram os sapatos, arrumaram os travesseiros e se esticaram para
dormir" (Time, 12 set. p.12). E as reportagens descreveram os aterrorizados passageiros
enquanto o avião danificado se precipitava em cambalhotas para o solo durante alguns minutos.

8
Esse aspecto ilustra também a importância da pesquisa comparativa para a análise de quadros; sem a
comparação, o tamanho da ilustração do avião, como um importante dispositivo de enquadramento, poderia ter
escapado à observaçao.
13
Essa riqueza de detalhe deve ser comparada à linguagem enxuta e simples que
descreveu o destino do avião da Iran Air. A ação concreta do disparo e o que se seguiu foram
descritos na sua totalidade pelo Newsweek (18 jul., p.21) do modo como se segue: "Rogers deu
a ordem para atirar. Dois mísseis dirigiram-se para seu alvo; um pelo menos o atingiu. O símbolo
ameaçador sumiu das telas do CIC, e o sistema Aegis avisou que o alvo tinha sido destruído."
As razões para esses contrastes são diversos. Os media norte-americanos, em geral,
costumam encorajar mais empatia com as vítimas norte-americanas de desastres ou violências
do que com as vítimas de outros paises, reagindo e reforçando, desse modo, o notório
etnocentrismo dos norte-americanos (ver 14). Além disso, as próprias restrições de produção
reforçam essa tendência: os jornalistas norte-americanos tinham mais facilidade para obter
retratos das vítimas da KAL, junto a seus parentes nos E.U.A. do que retratos das vítimas da
Iran Air.
Esse viés etnocêntrico inerente ao discurso moral humanizante do quadro da KAL se
reflete também na escolha de palavras específicas para descrever as vítimas. Na cobertura das
revistas sobre a KAL havia 38 referências às vítimas, usando-se dois tipos de linguagem. As
revistas usaram 17 vezes palavras humanizantes que implicavam ou diziam explicitamente que
as vítimas eram seres humanos; entre as frases usadas estavam "seres humanos inocentes",
"269 histórias de emoção pessoal", "os seres amados", e "269 pessoas". Elas usaram
terminologia neutra - termos como "viajantes", "civis", "passageiros", "vítimas", "os que foram
mortos", e "269 vidas" - 21 vezes. Como mostra a Tabela 2, os sinônimos empregados para os
passageiros da Iran Air diferiram significativamente. Na CBS e nas revistas, cerca de metade das
palavras lembrava ao público que as vítimas da KAL eram seres humanos, mas apenas um
quinto das palavras dizia a mesma coisa em relação às vítimas da Iran Air. A cobertura nos
jornais foi menos desigual, embora tivesse mostrado uma tendência na mesma direção.
____________________________________________________________________________________
Tabela 2: Uso de termos humanizantes e neutros na cobertura da KAL e da Iran Air
KAL Iran Air
humanizante neutro humanizante neutro
n n n n
____________________________________________________________________________________
Time e Newsweek 17 21 4 16
CBS 27 25 10 36
New York Times 149 159 44 68
Washington Post 105 116 53 76
____________________________________________________________________________________

________________________________________________________________________________________
Tabela 3: Uso das palavras "ataque" e "tragédia" na cobertura da KAL e da Iran Air
KAL Iran Air
"ataque" "tragédia" "ataque" "tragédia"
n n n n
_________________________________________________________________________________________
14
Time e Newsweek 38 21 0 23
CBS 10 9 12a 15
New York Times 99 48 30b 32
Washington Post 66 43 24c 40
_________________________________________________________________________________________
a
Duas transcrevendo ou citando respostas iranianas
b
Sete transcrevendo ou citando respostas iranianas, soviéticas ou líbias
c
Dez transcrevendo ou citando respostas iranianas

O domínio discursivo esteve inerente também na escolha dos rótulos para os incidentes, o
que tendeu a situá-los em categorias que convencionalmente ora invocam, ora omitem o
julgamento moral. Os descritores do caso da KAL, na medida em que o situaram numa
categoria de mal criminoso, estimularam o julgamento moral - como uma afronta mesmo -
relativamente ao incidente e a seus responsáveis; a cobertura do caso da Iran Air usou um
vocabulário mais abstrato e técnico, situando o evento na categoria de um acidente.
Na rotulação dos atos em si mesmos, os sinônimos mais comuns eram "tragédia" e
"ataque". A tabela 3 mostra os diferentes usos dos termos em duas narrativas. Os media
impressos descreveram com mais frequência o incidente da KAL como um ataque, e o incidente
da Iran Air como uma tragédia. Embora o disparo sobre o avião da Iran Air fosse igualmente um
"ataque", os media impressos omitiram essa palavra que carrega a conotação de atividade e
responsabilidade. As reportagens do noticiário da CBS usaram, na verdade, "ataque" e
"tragédia" em proporção mais ou menos igual para a KAL e para a Iran Air - o que sugere que a
televisão talvez goze de maior autonomia em relação ao enquadramento proposto pelo governo
9
e que foi refletido nos media impressos estudados.
Os soviéticos foram também condenados através do uso de descritores que atribuíam
intencionalidade ao evento (ver Tabela 4). À parte o uso de "ataque" pelas revistas, seus rótulos
implicitaram 39 vezes que os soviéticos agiram com deliberada crueldade e apenas duas vezes
que eles cometeram um erro (as palavras mais frequentes foram "atrocidade", "crime",
"matança", "massacre" e "assassinato"). As reportagens das revistas por duas vezes deixaram
implícito que os Estados Unidos tinham agido deliberadamente (em ambos os casos citando
fontes estrangeiras hostis) e por 13 vezes que tinham agido erroneamente. As reportagens do
Washington Post e do New York Times enfatizaram também a culpa soviética e a inocência
10
norte-americana. Embora a cobertura da CBS também presumisse a culpabilidade soviética,
9
Esse ponto está tendo seu estudo prosseguido numa pesquisa subsequente a ser relatada na Projections of
power: media and American Foreign Policy since Vietnam (ver 11).

10
As análises do Post e do Times contam apenas as palavras "atrocidade", "crime", "matança", "massacre", e
"assassinato" como atribuições de culpa, e as palavras "acidente", "gafe" e "erro" como atenuantes.
15
as acusações eram comparativamente menores do que as dos media impressos, e a cobertura
sobre a Iran Air foi mais imparcial. Aqui também a televisão pareceu mais independente em
11
relação à quadro noticioso predominante.

___________________________________________________________________________
_________
Tabela 4: Uso de pronunciamentos descrevendo a ação soviética no incidente da Kal e
a ação dos Estados Unidos no incidente da Iran Air como deliberada ou como um erro
KAL Iran Air
Deliberada Erro Deliberada Erro
n n n n
____________________________________________________________________________________
Time e Newsweek 39 2 2a 13
CBS 6 0 7a 6
New York Times 79 6 15 a 50
Washington Post 51 16b 13c 40
____________________________________________________________________________________
a
Todos citando ou transcrevendo iranianos ou outras fontes estrangeiras hostis
b
Cinco citando ou transcrevendo soviéticos
c
Doze citando ou transcrevendo fontes estrangeiras hostis

Nas revistas Time e Newsweek, a derrubada do avião coreano foi descrito por 44
adjetivos ou advérbios. Entre esses, os mais comuns foram "cruel(mente)". "brutal(mente)" e
"barbárico/bárbaro" (cada um repetido 5 vezes). Todos, exceto 3 dos 44, implicitavam a culpa
soviética. A descrição contrastou com o relato sobre a Iran Air, onde as únicas retóricas
emocionais foram usadas em citações de fontes ilegítimas. Um total de 22 adjetivos ou
advérbios descreveram a cessação do voo da Iran Air. Entre esses, os mais comuns foram
"horrível", "trágico", "fatal(mente)", e "compreensível". Seis dos descritores tornava implícita a
culpa dos Estados Unidos, mas todos provinham de fontes ilegítimas (Irã e União Soviética)
Esse contraste foi equivalente no Washington Post e no New York Times. Nos artigos do
Post, os qualificadores mais comuns nos 169 artigos que mencionavam o incidente da KAL
12
durante o mesmo período de amostragem foram "barbáricos/bárbaros" (14 vezes),
"deliberada(mente" (10 vezes), e "assassino", "brutal(mente)", e "cruel(mente)" (8 vezes cada); no
Times, "brutal(mente)" (18 vezes), "horrível/horripilante(mente)" (14 vezes), e "deliberada(mente)"
e "cruel(mente)" (11 vezes cada) lideraram a lista. Nos artigos do Post e do Times mencionando

11
Esse tipo de comparação poderia razoavelmente requerer números percentuais ao invés de números absolutos
já que houve mais do dobro de texto sobre a KAL. Todavia, o número absoluto de palavras é mais pertinente, do meu
ponto de vista, porque uma importante característica da estruturação da narrativa que é revelada pela análise é
precisamente o volume de cobertura: a Iran Air gerou muito menos matéria do que a KAL. De qualquer modo, as
pessoas que afirmavam a culpa dos EUA eram, mais frequentemente, fontes estrangeiras com pequena credibilidade
nos Estados Unidos.

12
As bases de dados sobre o texto completo da cobertura do Post e do Times durante os mesmos períodos de
amostragem foram tirados do NEXIS pela seleção de todas as reportagens contendo sob qualquer forma as palavras
"Corea" ou "Iran" dentro de 50 palavras ou de qualquer palavra começando com "aéreo" {"air"}.
16
o caso da Iran Air, "assassino", "cruel" e "brutal" não apareceram, embora tivessem aparecido
umas outras poucas palavras denotadoras de culpa, quase todas elas citações de iranianos,
líbios ou de soviéticos. Os descritores mais comuns para o incidente da Iran Air no Post foram
"errada(mente)" (usada 28 vezes), "trágica" (15 vezes) e "justificada" (9 vezes). No Times, os
termos mais comuns foram "tragica(mente)" (20 vezes), "errada(mente)" (15 vezes) e
"compreensível" (4 vezes).
Na cobertura da CBS, 23 adjetivos ou advérbios foram usados, dos quais todos, com
exceção de 3, sugeriam a culpabilidade soviética. Dezesseis descritores apareceram nas
narrativas sobre o Iran Air: 8 escusatórios advindos de fontes legítimas, e 8 implicando culpa,
advindo dos iranianos. As reportagens por televisão forneceram uma proporção maior de juízos
negativos sobre os Estados Unidos do que as coberturas feitas pelas revistas ou jornais. Embora
as incriminações tivessem sido emitidas por fontes ilegítimas, o maior volume de acusação moral
sugere, mais uma vez, a maior independência gozada pela TV.

O quadro moralizante, presente nos relatos sobre a KAL mas ausente na cobertura sobre a
Iran Air, foi reforçada também pelo grau de generalização: dos ataques para a natureza dos
dois sistemas políticos. O noticiário sobre a KAL frequentemente atribuiu o ato, não apenas a
um piloto soviético ou aos militares soviéticos, mas à União Soviética ou ao seu governo (tidos
como imorais) como um todo (sobre inimigos, ver 9). E mais: a narrativa empregou a ação como
um símbolo metonímico (ver 7) de verdades maiores sobre a natureza e cultura soviéticas. Uma
generalização sobre os Estados Unidos esteve quase totalmente ausente da cobertura sobre o
ato contra o jato da Iran Air.
No caso da KAL, as revistas emitiram 53 generalizações valorativas sobre os soviéticos,
13
51 delas negativas. Os exemplos seguintes nos dão uma prova: os soviéticos sofrem de
"paranóia nacional" e de um "evangelho nacional do segredo e da suspeita" (Newsweek, 19 set.,
p.23, 24); "a União Soviética... é essencialmente má" e "eles dão prioridade absoluta, não às
vidas humanas, mas à proteção contra a penetração em seu espaço aéreo"" (Time, 12 set., p.11,
18). No caso da Iran Air, houve apenas três julgamentos de valor sobre os Estados Unidos, um
dos quais era positivo e dois (de iranianos) negativos. Se as reportagens da revista tivessem
tirado conclusões sobre uma alegada paranóia e prioridades desumanas dos norte-americanos,
a partir do infortúnio da Iran Air - que ocorreu longe de qualquer espaço aéreo dos Estados

13
As duas generalizações que podem ser interpretadas de modo positivo apareceram numa coluna de Meg
Greenfield na qual ela citava defensores hipotéticos da União Soviética; mas depois ela disse que era irrelevante
{saber} se a União Soviética é má.
17
Unidos - os juízos poderiam ter sido igualmente severos e igualmente problemáticos. Mas elas
não tiraram qualquer conclusão. O noticiário da CBS forneceu 16 generalizações sobre a União
Soviética, todas desfavoráveis, e nenhuma generalização sobre os Estados Unidos.
As reportagens fizeram também generalizações nas suas identificaçoes sobre o agente
da derrubada do avião. No caso da KAL, as revistas continham 62 referências ao agente, 33
implicitando que o governo soviético ou que a nação como um todo era responsável, e 24
envolvendo apenas o piloto individualmente ou os aviões de caça. (Os militares soviéticos como
um todo foram citados 4 vezes, e o Premier Andropov foi descrito como tendo ele mesmo
derrubado o avião, uma vez). No relato sobre a Iran Air, houve apenas 11 usos de algum termo
denotando o agente, somente 2 atribuindo o ato ao governo norte-americano ou à nação como
um todo, as duas em citações de um general iraniano. As outro 9 referências era ao "USS
Vincennes", à Marinha norte-americana", ou ao "Capitão Rogers do Vincennes", atribuições,
todas elas, mais precisas.

Embora o enquadramento não elimine todas as contradições e dificuldades, a utilidade


desse tipo de informação contrária pode ser demolida pela forma de apresentação.
Somente as pessoas com experiência em relações internacionais e na burocracia política (ou
que possuissem esquemas pessoais de oposição previamente interiorizados) teriam
probabilidade de desenvolver um esquema alternativo de evento para o caso KAL ou para o
caso Iran Air que permitisse a identificação das contradições. Nos casos em estudo, pelo menos,
embora o enquadramento não tenha eliminado as contradições presentes na linha predominante
da história, ele demoliu sua possível influência ao reduzir-lhe a ênfase.
Um exemplo expressivo de contradição demolida envolveu um desafio às descrições
sobre responsabilidade moral que permearam a narrativa sobre a KAL. Na segunda reportagem
do segundo número do Newsweek (19 set., p.24) os leitores foram informados que os aviões
interceptadores soviéticos poderiam não ter se aproximado o bastante para poder identificar
visualmente o avião da KAL. O texto mencionou também que Andropov e outras altas
autoridades, não só não deveriam ter conhecimento prévio como até teriam fortes razões para
impedir um tal desastre; a reportagem atribuiu o incidente em grande parte à "confusão militar e
rigidez burocrática" (p.22). Mas a reportagem da Newsweek não citou isso como representando
uma contradição aos seus gráficos da capa e às afirmações da semana anterior - que tinham
afirmado que os soviéticos cometeram "assassinato no ar" (12 de setembro). E nem relacionou
essa interpretação "burocrática" à sua reportagem principal (lead) exatamente no mesmo número
(o segundo) que incluía as familiares acusações de que os soviéticos tinham cometido um
18
assassinato deliberado e que não se preocupavam com a vida humana. A manchete na capa
desse segundo número dizia "Porque Moscou agiu assim" - apesar das informações publicadas
internamente na revista que mostravam que "Moscou" não sabia.
A explicação "burocrática" não contestava o quadro das notícias, mas, ao contrário,
reforçava um conjunto de estereótipos sobre "o evangelho nacional do segredo e da suspeita"
soviético e a sua ineficiência burocrática. Esse exemplo ilustra diversas propriedades da
contradição demolida e revela como o esquema dominante do evento pode obnubilar as
informações contrárias. A nova informação sobre o caso KAL vinha nas últimas páginas, muito
embora tais dados pudessem ser considerados como os mais espantosos e noticiáveis
exatamente porque contradiziam a interpretação dominante; esses dados apareceram em
reportagens já distanciadas no tempo do próprio evento, após já se terem estabelecidos o
quadro e o esquema do relato; e, longe de propor uma impugnação aberta, o novo material nem
mesmo foi apresentado como um sério questionamento do quadro utilizado.
Para tomar um exemplo do caso da Iran Air: tanto o Time como o Newsweek
apresentaram separadamente artigos assinados sobre o incidente que eram simpáticos às
vítimas iranianas. Mas a cobertura nem atribuiu responsabilidade moral aos Estados Unidos nem
criticou a negligência dos líderes americanos em se desculpar pelo incidente. 14 Ao invés disso,
os artigos separaram o ato da nação que o cometeu; ao mesmo tempo em que implicitamente
contestavam o quadro básico, da falha técnica, pelo fato de olhar o evento em termos morais,
esses artigos acabaram por reforçá-la, em última análise.
O artigo no Time intitulava-se "Quando Coisas Ruins São Causadas Por Boas Nações".
Nesse texto opinativo, colocado ao final de todos os textos noticiosos, o autor dizia, "Vozes
pesarosas foram angustiantemente poucas, e quase não houve demonstrações de um
obrigatório sentimento de vergonha (18 jul., p.20). Esse artigo sofisticado argumentava que a
reduzida expressão de culpa manifestada pelos norte-americanos se devia provavelmente à
dissonância cognitiva e ao "conflito com a auto-imagem do país." Mesmo assim, o autor, naquilo
que parecia ser um movimento redutor de dissonância, repetidamente apresentava a idéia de
que as intenções dos EUA eram boas; por exemplo: "Algumas vezes - num mundo
desorganizado - as intenções grandiosas produzem resultados grotescos." Sua descrição das
intenções inerentes à presença dos EUA no Golfo como "grandiosas" racionalizava uma política
cujos objetivos eram altamente controversos, mesmo entre as elites norte-americanas.

14
A omissão dos soviéticos em se desculparem após o queda do avião da KAL foi um tema importante de
cobertura.
19
A principal intenção dos dois trabalhos opinativos era culpar o público em geral pela
insensibilidade moral. A ironia estava em que a própria cobertura da revista contribuiu para a
ausência de empatia, de diversos modos já discutidos. Nas duas revistas os ensaios eram
complexos, e sob certos aspectos, contestavam o enquadramento dominante, mas seus
questionamentos morais eram colocados à parte da narrativa noticiosa, não como seu centro -
lugar que foi ocupado pelo discurso moral nas reportagens sobre a KAL. E a culpa era atribuída
à ausência de sentimentos de empatia e de arrependimento após um acidente, e não por
cometer um ato malévolo.
Os especialistas e os jornalistas interpretam frequentemente tais exemplos de
"polissemia" nos textos do noticiário como prova de que o público tem uma oportunidade
adequada de tomar conhecimento de todos os aspectos de uma questão e de resistir a uma
única forma dominante de codificação. A perspectiva da amálise de quadros indica que tais
inferências são problemáticas. Os exemplos citados indicam que, para aquelas reportagens nas
quais um quadro exclusivo pervade todo o texto, as opiniões contrárias soltas pinçáveis pelos
leitores mais experientes através de análises cuidadosas, provalmente possuirão um destaque
tão pequeno que praticamente serão de pouca utilidade para a maioria do público (ver 4, 6, 19,
23).

Diversas consequências políticas documentam o impacto dos quadros diferentes


dominantes nas duas reportagens. Tanto a Câmara como o Senado votaram unanimente
(416-0 e 95-0) para denunciar a derrubada do avião da KAL como um "massacre brutal", como o
resultado de um "bárbaro ataque a sangue frio" e "um dos mais infames e condenáveis atos da
História". Esse aparente consenso da elite é provavelmente relacionável, em parte, ao medo dos
políticos de não parecerem suficientemente duros em relação aos comunistas (ver 32, p.41) no
ambiente político altamente carregado que o quadro usado nas notícias engendrou. Além da
extremada instância retórica, o Congresso tomou medidas concretas, autorizando a produção do
míssil MX e do gás de nervos, assim também como de mensagens aos soviéticos. Antes da
derrubada do avião, não se esperava que nenhuma dessas decisões políticas fosse aprovada
(ver 26; 27, p.154). Foi por essa ocasião, mais ou menos, que o ímpeto do movimento em prol
do congelamento de armas nucleares caiu dramaticamente, ou mesmo desapareceu, como
também morreram aparentemente as possibilidades de passar no Senado uma resolução sobre
o congelamento das armas nucleares (27, p.153; ver 12).
20
As reportagens sobre a KAL convenceram o público. Uma pesquisa de opinião mostrou
que 52 por cento diziam que as respostas de Reagan não foram suficientemente duras, 37 por
cento diziam que elas eram suficientemente duras, e apenas 3 por cento diziam que eram duras
demais, o que sugere que quase todo mundo com opinião reconhecia a culpa moral dos
soviéticos e que quase ninguém a rejeitava (Newsweek, 19 set., p.21). Os 52 por cento que
diziam que Reagan não tinha sido suficientemente firme, na verdade fortaleceram a posição
dele; uma "crítica" desse gênero dificilmente prejudicaria sua imagem de falcão e fez com que as
repostas do governo parecessem razoáveis ao invés de super-veementes. Dallin (8, p.94) relata
que "a pesquisa Gallup mostrou que a União Soviética desceu ao ponto mais baixo na avaliação
junto à opinião norte-americana desde 1956". Uma outra pesquisa descobriu também que 61
por cento das pessoas achavam que o governo estava escondendo informações que deviam ser
conhecidas pelo público (27, p.171), mas esse ceticismo não impediu que se aceitasse a firme
atitude anti-soviética. A maioria das pessoas aparentemente achava legítimo que o governo dos
EUA mantivesse secretas algumas informações (ver 38) mas que já sabiam o suficiente para
responder à pergunta sobre firmeza recém citada.
No caso da Iran Air, a forma da cobertura das notícias ajudou a evitar a possibilidade de
que o evento pudesse desfazer o apoio à política norte-americana. O quadro de análise
desenfatizou as informações: pela redução de ênfase no texto e consequente dificultade de
discernimento no dilúvio de notícias, sugeria que o custo em vidas humanas era menor do que
os benefícios (discutíveis) da presença dos EUA no Golfo. Uma pesquisa do Washington Post-
ABC constatou que 71 por cento das pessoas acreditavam que era justo que o cruzador
derrubasse o avião; 74 por cento que o Iran era mais culpado do que os Estados Unidos; e 82
por cento queriam manter a presença militar norte-americana no Golfo. Mais expressivo talvez:
65 por cento aprovavam especificamente a política da administração Reagan no Golfo - a mais
alta proporção desde que a questão tinha sido levantada pela primeira vez em maio/junho 1987
(5). Desse modo, em vez de ser causa de deterioração no apoio à política do governo, o
incidente causou um aumento de apoio. Essas respostas sugerem que grandes maiorias
15
aceitaram a explicação técnica e rejeitaram qualquer analogia com o incidente da KAL . A
política do Golfo permaneceu a mesma sem ter sofrido qualquer desgaste ou mudança após o
incidente.
15
Na mesma pesquisa de opinião, realizada após a publicação do livro de Seymour Hersh (26) e dos relatórios
dos comitês do Congresso exonerando os soviéticos de má intenção (36), os entrevistados que lembravam do
incidente da KAL disseram que a ação soviética não era justificável por uma larga margem de 69 para 24 por cento.
Esses números sugerem que uma minoria importante do público tinha modificado seu esquema do evento KAL em
meados de 1988 - nessa época, é claro, a administração Reagan tinha se tornado bastante amistosa em relação ao
governo soviético.
21
Poder-se-ia argumentar que a socialização política tinha tornado supérfluas os
enquadramentos das notícias nessas duas instâncias. Sob essa perspectiva, a morte de norte-
americanos pela União Soviética - o então inimigo público número um - inevitavelmente
produziria um sentimento nacional maciço de ultraje; e a tragédia da Iran Air era tão ameaçadora
para a auto-imagem nacional que suas implicações inquietantes deixariam naturalmente de ser
levadas em consideração pela Imprensa e por um público bem socializado.
No entanto, o ultraje público após a derrubada do avião da KAL não foi pré-arranjado.
Antes, tanto aqui como no geral, as respostas do público foram susceptíveis a uma gama de
quadros dos media. Se o incidente da KAL tivesse ocorrido em 1988, por exemplo, a retórica
inicial da administração Reagan bem poderia ter encorajado um quadro baseado em questões
técnicas, posto que o Governo teve conhecimento, pouco após o incidente, de que os soviéticos,
prejudicados por uma tecnologia inferior de radar e por deficientes linhas de comunicação,
tinham presumido erradamente que o intruso era um avião espião (26, 36). E em vez de ter
ampliado a crise para aumentar a tensão (ver 29), o Governo poderia tê-la usado em 1988 para
valorizar seu impulso de política revisionista, que pretendia, na época, conseguir a limitação das
armas nucleares, além de outros acordos com os soviéticos.
Quanto à derrubada do avião da Iran Air, as elites oposicionistas já tinham usado no
passado uma retórica moralista para sabotar o apoio público à política norte-americana. Embora
a denegação de culpa e a racionalização do incidente em face da dissonância, pudesse vir a
representar poderosas barreira, as elites oposicionistas (inclusive o candidato democrata às
eleições presidenciais de 1988) poderiam, com uma crítica moralizante fundamentada neste
incidente, ter obtido algum sucesso relativamente à política norte-americana para o Golfo
Pérsico, não fora o obstáculo extra apresentado pelo quadro da técnica na cobertura dos media.
Os casos indicam que o própria enquadramento das notícias pode ajudar a tornar fútil e
politicamente ingênua a resistência feita pelas elites. O incidente da Iran Air reforça do melhor
modo possível esse argumento. A política do Golfo Pérsico já tinha sido criticada por muitos
membros das elites oposicionistas em Washington; no entanto, mesmo dentro desse contexto
vantajoso, o enquadramento das notícias aparentemente desanimou os oposicionistas de
explorarem o incidente para expandirem a oposição da elite e para mobilizar a pressão pública.
Desse modo, um quadro utilizado nas notícias pode se auto-reforçar.
E como prova do poder (ainda que de modo indireto) de um quadro de análise no
processamento da informação pelos media e pelo público, consideremos a explosão deliberada
do voo 103 da Pan Am, em Lockerbie, Escócia, em 21 de dezembro de 1988, no qual morreram
270 pessoas (das quais 188 norte-americanos). Ficou claro, quase que imediatamente, para as
22
autoridades norte-americnas que isso era um ato de terrorismo; e pouco depois os Estados
Unidos ficaram sabendo que tinha sido obra de um país adversário, "terrorista", provavelmente
Iran, Libia ou Síria. Mas por razões diplomáticas o Governo decidiu não transformar em questão
fundamental uma situação real de assassinato premeditado - principalmente de norte-
americanos dessa vez, e não coreanos - por forças inimigas (13). As informações informais
demonstram que o noticiário não atingiu o mesmo volume ou a mesma intensidade que teve no
caso KAL. Por exemplo, nas duas semanas posteriores ao incidente, o voo 103 foi capa do Time
ou do Newsweek apenas uma vez, e o total de páginas a ele dedicado nos quatro números em
que apareceu chegou a 17, exatamente um terço do total dedicado ao caso KAL.
As conclusões suscitam pelo menos três importantes questões para a pesquisa futura.
Primeiro, esses casos indicam a necessidade de se fazerem mais pesquisas sobre a autonomia
do público. Os membros de uma audiência de massa são teoricamente livres para tirar suas
próprias conclusões, diferentes das mensagens dos media. Mas os casos estudados indicam
que, quando as elites jornalísticas apresentam uma fraca resistência a um quadro dominante, o
texto das notícias tende a ser permeado por uma versão autorizada (ver 1, 11, 25). Esses
quadros dominantes tendem a obscurecer mais do que a esclarecer as informações
contraditórias. Com base na evidência desses dois casos, pode-se dizer que o pensamento dos
membros do contingente politicamente relevante do público tenderá a seguir o quadro dominante
(ver 30) apesar da inevitável polissemia dos textos.
O segundo foco para ulteriores pesquisas é a autonomia dos media. Embora os dois
exemplos aqui citados possam representar casos extremos em termos de predominância de um
quadro exclusivo, fortemente favorável aos governantes no poder, temos pouca base teórica
atualmente para predizer ou compreender o grau ou frequência de controle do Governo sobre os
enquadramentos das notícias. O fluxo de poder relativamente ao enquadramento das notícias é
indubitavelmente recíproco, mas os casos citados indicam que, na divulgação de notícias do
estrangeiro, as fontes oficiais na Casa Branca, Departamento de Estado, Pentágono e outras
instituições governamentais detêm a influência dominante (ver 1, 2, 24, 25). Os jornalistas
frequentemente resistem ou desafiam abertamente a linha oficial, como o fazem as elites
oposicionistas, mas nesses dois casos o enquadramento das notícias coincidiu estreitamente
com os interesses do Governo e grande parte da congruência constatada pode ser atribuível às
16
estratégias retóricas e de media empregadas pela administração Regan. As condições que

16
As pesquisas anteriores sustentam a hipótese de que um cálculo político consciente orienta os na divulgação de
informações sobre os assusntos estrangeiros e que os membros do Executivo são as fontes mais importantes das
notícias internacionais (ver 21, 24). E virtualmente todas as descrições das últimas presidências assegura que as
relações públicas tornaram-se um componente ineludível de liderança e uma preocupação central da Casa Branca
23
propiciam o controle do Governo sobre o enquadramento das notícias, em oposição ao controle
jornalístico mais autônomo, merecem pesquisa, principalmente porque a autonomia jornalística é
tão importante para a teoria democrática (ver 11, 30, 32).
Finalmente, a análise dessas duas narrativas indica que os quadros são compostos de
pelo menos cinco aspectos nos textos dos media: juízos de importância, agente, identificação,
categorização e generalização. O estudo de apenas dois casos não fornece uma base
suficientemente ampla para determinar se esses dispositivos de enquadramento são comuns à
maioria dos textos dos media, se eles têm o efeito presumido por nós, ou se existem outros que
são mais importantes para a política. Deveria haver na agenda de pesquisas mais análises de
conteúdo explicitamente apoiadas pelas teorias de análise de quadros e de processamento da
informação.

(28, 35). Sobre a KAL especificamente, ver (38, p.11) que afirma: "A destruição do voo 007 da KAL foi tratado como
uma crise porque os assessores de Reagan assim a formularam. Era premissa deles que o comportamento do
governo soviético tinha seguido o modelo do `ator racional'. Este pressuposto criou uma falsa realidade que se
adequava a seus preconceitos" (ver também 26; 36; 38, cap.2). Smith também (33) documentou as palavras que
Ronald Reagan empregava com maior frequência para descrever o incidente da KAL ("massacre", "tragédia" e
"ataque") as quais o presente trabalho revela serem os componentes-chave do texto dos media. No cômputo geral
parece que podemos presumir que a administração das notícias desempenhou um papel vital, embora não exclusivo,
na forma dada às versões dos media sobre os dois incidentes.
24

Referências

1. BENNETT, W. Lance. Perception and cognition: an information processing framework for politics. In: LONG,
Samuel L.(ed.) The handbook of political behavior. New York: Plenum press, 1981.

2. __. Marginalizing the majority: conditioning public opinion to accept managerial democracy. In: MARGOLIS,
Michael & MAUSER, Gary A. (eds.) Manipulating public opinion: essays on public opinion as a dependent variable.
Pacific Grove, Cal.: Brooks/Cole, 1989.

3. __. Toward a theory of press-state relation in the United States. Journal of Communication, v.40, n.2, p.103-125,
spring 1990.

4. BUDD, Mike; ENTMAN, Robert M. & STEINMAN, Clay. The affirmative character of U.S. cultural studies. Critical
studies in mass communication, v.7, n.2, p.169-184, june 1990.

5. CANNON, Lou. Poll finds support for ship's action, U.S. policy in Gulf. Washington Post, july, p.A21.

6. CONDIT, Celeste M. The rhetorical limits of polysemy. Critical studies in Mass Communication, v.6, n.2. p.103-
122, june 1989.

7. CORCORAN, Farrell. KAL-007 and the Evil Empire: mediated disaster and forms of rationalization. Critical Studies
in Mass Communication, v. 3, n.3, p. 297-316, sept. 1986.

8. DALLIN, Alexander. Black box: KAL 007 and the superpowers. Berkeley: University of California Press, 1985.

9. EDELMAN, Murray J. Constructing the political spectacle. Chicago: University of Chicago Press, 1988.

10. ENTMAN, Robert M. Democracy without citizens: media and the decay of American politics. New York: Oxford
Univ. Press, 1989.

11. __. The mass media, the State, and political socialization; reconceptualizing hegemony. Paper presented to the
annual meeting of the American Political Science Association, San Francisco, August-September,1990.

12. __ & ROJECKI, Andrew. Limiting democracy by containing public opinion, media and elite politics from Watergate
to the Nuclear Freeze. Paper presented to the annual conference of the International Communication Association,
chicago, may 1991.

13. FORBES, Grania. Thatcher and Bush accused of a cover-up on Lockerbie. Sunday -Times (London), jan.28,
1990.

14. GALTUNG, Johan & RUDGE, Mari. Structuring and selecting news. In: COHEN, Stanley & YOUNG, Jock (eds.)
The manufacture of news: social problems, deviance and the mass media. Beverly Hill, CA: Sage, 1981.

15. GAMSON, William A. The 1987 distinguished lecture: a constructionist approach to mass media and public
opinion. Symbolic Interaction, v.11 p.161-174, Fall 1988.

16. __ & MODIGLIANI, Andre. Media discourse and public opinion on nuclear power: a constructionist approach.
American Journal of sociology, v.95, n.1, p.1-37, July 1989.

17. __. News as framing: comments on Graber. American Behavioral Scientist, v.33. n.2, p.157-161, Nov./Dec. 1989

18. GANS, Herbert J. Deciding what's news: a study of CBS Evening News, NBC Nightly News and Time. New York:
Pantheon Books, 1979.

19. GITLIN, Todd. The whole world is watching: mass media in the making and unmaking of the New Left . Berkeley:
Univ. of California Press, 1980.
20. GOFFMAN, Erving. Frame analysis: an essay on the organization of experience. Boston: Northeastern
University Press, 1986 [1974].
25
21. GRABER, Doris A. Mass media and American politics. 3rd. ed. Washington, DC.: Congressional Quarterly Press,
1988.

22. __. Processing the news: how people tame the information tide. 2nd. ed. Washington, D.C.: Congressional
Quarterly Press, 1988.

23. HALL, Stuart. Enconding and decoding in the television discourse. Stencilled Occasional Paper, Centre for
Contemporary Cultural Studies, University of Birmingham, 1973.

24. HALLIN, Daniel C.; MANOFF, Robert K. & WEDDLE, Judy. Sourcing patterns of key national security reporters.
Paper presented to the annual meeting of the American Political Science Association, San Francisco, August-
September, 1990.

25. HERMAN, Edward & CHOMSKY, Noam. Manufacturing consent: the political economy of the mass media. New
York: Pantheon books, 1989.

26. HERSCH, Seymour M. "The target is destroyed": what really happened to Flight 007 and what America knew
about it. New York: Random House, 1986.

27. JOHNSON, R.W. Shootdown: Flight 007 and the American connection. New York: Penguin, 1987.

28. KERNELL, Samuel. Goin public: new strategies of Presidential leadership. Washington, D.C.:Congressional
Quarterly Press, 1986.

29. MACKUEN, Michael B. Political drama, economic conditions and the dynamics of Presidential popularity.
American Journal of Political Science, v.27, p.165-192, 1983.

30. PAGE, Benjamin & SHAPIRO, Robert Y. Educating and manipulating the public. In: MARGOLIS, Michael &
MAUSER, Gary A. (eds.) Manipulating public opinion: essays on public opinion as a dependent variable. Pacific
Grove, Cal.: Brooks/Cole, 1989.

31. RACHLIN, Alan. News as hegemonic reality: American political culture and the framing of news accounts . New
York: Praeger, 1988.

32. RUSSETT, Bruce. Controlling the sword. Cambridge, Mass.: Harvard Univ. Press, 1990.

33. SMITH, Donald C. KAL 007: making sense of the senseless. Paper presented to the annual convention of the
Speech Communication Association, Denver, November 1985.

34. TUCHMAN, Gaye. Making news: a study in the construction of reality. New York: Free Press, 1978.

35. TULIS, Jeffrey K. The rhetorical Presidency. Princeton, N.J.: Princeton University press, 1987.

36. U.S. HOUSE OF REPRESENTATIVES. COMMITTEE ON FOREIGN AFFAIRS. U.S. HOUSE PERMANENT
SELECT COMMITTEE ON INTELLIGENCE. Declassified Intelligence assessments of 1983 KAL shootdown at
variance with previous administration statements. Washington,D.C., January 12, 1988.

37. WYER Jr., Robert S. & GORDON, Sallie E. The cognitive representation of social information. In: WYER Jr.
Robert S. & SRULL, Thomas K.(eds.) Handbook of social cognition. Hillsdale, N.J.: L.Erbaum, 1984. v.2.

38. YOUNG, Marilyn J. & LANER, Michael K. Flights of fancy, flights of doom: KAL 007 and Soviet-American rhetoric.
Lanham, Md.: University Press of America, 1988.

Anda mungkin juga menyukai