AULA
Saber popular e saber erudito
objetivos
Introdução Prosseguindo a viagem, da janela de nosso trem avistamos uma nova paisagem.
Vamos continuar discutindo as questões relativas ao saber. Existe um saber
popular e um saber erudito? Como podemos caracterizar estes saberes?
George Snyders
Precisamos inicialmente perguntar se as camadas populares
(1916)
Educador francês produzem um saber, pois geralmente conceitua-se o conhecimento comum
contemporâneo que como algo pleno de ambigüidades, contradições, erros e que não apresenta
propõe uma escola
não autoritária, sistematização tal como os conhecimentos científico e filosófico.
partindo de uma
visão marxista.
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Mas, os homens são seres sociais que travam relações sociais dinâ-
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micas e contraditórias e vivem experiências que precisam ser explicadas.
Essas explicações, muitas vezes, apresentam uma sistematização e uma lógica
distintas do saber erudito, ou seja, existe um modo diferente de entender,
ver e valorar o mundo.
As diferentes classes sociais, de acordo com a sua posição, bus-
carão as explicações de suas experiências vividas de forma diferente.
Segundo Lefebvre, “antes de elevar-se ao nível teórico, todo conhecimento
começa pela experiência, pela prática” (Lefebvre, 1975, p. 49).
Partimos da idéia de que o saber é construído, por isso “os homens
pensam tendo como base aquilo que fazem e o modo como se relacionam
nesse fazer; e agem conforme seu modo de pensar e suas relações sociais”
(Cardoso, 1979, p. 25). Há uma relação entre prática e saber; por isso
nas camadas populares o saber aparecerá de forma diferenciada porque
dependerá do tipo de experiência que é vivida no seu grupo social e com
os outros grupos dentro de um determinado contexto social e histórico.
Sendo assim, podemos entender e explicar a riqueza e complexidade do
saber popular quando conhecemos “o que aqueles homens fazem, em
qual contexto cultural e como se relacionam nesse fazer” (Muñoz,
1983, p. 17).
Precisamos entender que existem visões de mundo diferentes que
nasceram num contexto cultural diferente do que vivemos e por isso
devem ser conhecidas e merecem ser divulgadas e respeitadas. Pare e faça
uma reflexão sobre a letra da música O morro não tem vez :
O morro não tem vez
Vinicius de Moraes e Tom Jobim
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Nessa fala constatamos que, no seio das camadas populares fru-
Roseli Salete
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tifica um saber consciente que analisa, com lógica própria, a situação de
Caldart
seu grupo social num determinado contexto social e histórico. Esse saber
Escreveu o livro
foi gerado a partir das experiências e lutas da vida diária, da observação Pedagogia do
Movimento Sem
das contradições vividas no dia-a-dia e de discussões promovidas por Terra, narrando a
construção de um
grupos de educadores que se propõem a fazer um trabalho de educação
novo saber pedagó-
popular. gico no interior do
Movimento dos Sem
Os grupos das camadas populares, que têm consciência da sua Terra que criou as
situação de exploração, constroem o seu saber a partir da relação bases de um novo
tipo de educação e
prática/reflexão. Esse saber “se constitui no interior de lutas muito con- de escola.
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Canção do lenço
Severino Pelado
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Podemos constatar que o saber popular, comumente, traz
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ambigüidades. Nele está contido o saber do dominante e o saber do
dominado, porque este nasce no interior de relações contraditórias.
É necessário aprender a ouvir e entender a visão das camadas
populares, abrindo espaços de reflexão sobre as contradições vividas
no cotidiano. Geralmente, no interior de um movimento social há um
ambiente que propicia uma maior reflexão sobre as contradições que um
determinado grupo social vive e por isso, na trajetória dessa luta, um
grupo social pode vislumbrar melhor a sua situação de classe, reconhe-
cendo a exploração a que está submetido. Nas lutas sociais as camadas
populares definem seus interesses, construindo a sua autonomia no dizer
e no fazer.
Podemos afirmar que a construção de um novo saber necessita de
um espaço de reflexão que possibilite construir um distanciamento crítico
que possa revelar “os mecanismos que instituem dominantes e dominados
e os confirmam mutuamente nestas posições” (Brandão, 1987, p. 95).
Ter espaço para refletir significa a possibilidade de fortalecimento para
decidir e realizar mudanças significativas no cotidiano.
Mas qual seria o papel do saber erudito na construção desse espaço
de reflexão? Os conhecimentos científico e filosófico que representam o
saber erudito podem auxiliar na construção do saber popular? Ou eles
!
são incompatíveis? Releia a Aula 8.
O saber erudito
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A possibilidade de encontro entre o saber popular e o erudito
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Sabemos que a forma de produção dos saberes popular e erudito
são distintas, porque o saber popular nasce da experiência cotidiana
acumulada e da reflexão sobre essa experiência, principalmente no
interior dos movimentos sociais, enquanto o saber erudito nasce
nas academias por meio da educação formal, ou seja, a erudição é
imprescindível na construção desse saber. Por isso, ele exige métodos
de investigação rigorosos e uma linguagem, não raras vezes, sofisticada
e precisa, mas tanto o saber popular quanto o saber erudito buscam
conhecer efetivamente a realidade das diferentes formações sociais e a
natureza, embora com linguagens, métodos e lógicas diferentes.
O maior problema que surge no encontro desses saberes é
que freqüentemente a academia e a escola não reconhecem como
válido e consistente o conhecimento que nasce com a experiência
cotidiana, porque desconhecem a lógica que rege o saber popular.
A academia desconsidera que no embate das diferentes experiências de
vida pode-se coletivamente construir uma nova visão de mundo, uma
nova linguagem e uma nova racionalidade.
Tomemos como exemplo os versos do compositor popular Percival
Percival, na Canção do Carreiro: Compositor popular
de viola e líder de
trabalhadores rurais
Na canga do boi de carro em Goiás. Os versos
aqui citados estão na
Tem gente amarrada lá,
página 126 do livro
Gente não é boi de carro A questão política
da educação popu-
Pra carro de boi puxar. lar, organizado por
Gente tem mente que gira Carlos Rodrigues
Brandão.
Mente que pode girar,
Gira a mente do carreiro
A canga pode quebrar
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Na verdade, o saber erudito e o saber popular são imprescindíveis.
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Precisamos respeitar as diferenças entre esses saberes e fazê-los dialogar.
Porque acreditamos que as teorias presentes no saber erudito são
fundamentais para a análise dos diferentes contextos sociais e históricos,
assim como as experiências de vida são necessárias para alimentar nossas
análises e até possibilitar questionamentos às teorias. Por isso, o encontro
entre o saber erudito e o saber popular possibilitará uma compreensão
mais profunda e fidedigna da realidade social.
Finalizamos, solicitando uma reflexão sobre os versos da música
Velha cicatriz:
Velha cicatriz
Ivor Lancellotti e Délcio Carvalho
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R E S UMO
EXERCÍCIOS
3. Analise criticamente a frase de George Snyders que está na abertura desta aula:
“A cultura operária carece da escola não para se renegar, mas para se realizar”.
AUTO–AVALIAÇÃO
Pense sobre o saber popular produzido na sua região e veja se o que é dito na
parte inicial desta aula tem alguma pertinência. Reflita sobre o que é dissertado
sobre o saber popular e o saber erudito. Você compreendeu quais as principais
características dessas duas formas de saber? Percebeu como o saber popular e o
saber erudito podem fazer um intercâmbio? Então você pode seguir adiante para
discutir outros aspectos da produção do saber.
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