COMPORT
COMPOR TAMEN TTO
O REPROD U TIV O
VO
D AS MU LH ERES RIBEIRIN H AS D O AMAN Ã
RESU MO
Este trabalho apresenta resultados de um a pesquisa sobre o com portam ento reprodutivo de m ulheres ribeirinhas m oradoras na
Reserva de Desenvolvim ento SustentávelAm anã,Região do M édio Solim ões,estado do Am azonas.A pesquisa foi realizada em
2001 com o objetivo de identificaraspectosdo com portam ento reprodutivo de m ulheresem situação de desam paro pelosserviços
públicos de saúde.Foianalisado o com portam ento reprodutivo de 83 m ulheres através do m étodo da sua história reprodutiva.
Essasm ulhereshabitam pequenaslocalidadesque m argeiam osriose lagosno interiorda floresta am azônica.O estudo perm itiu
identificarque essasm ulheresiniciaram sua reprodução com um a idade m édia de 17 anose que a idade m édia da últim a gestação
foiaos42 anos,dentre asm ulherescom m aisde 45 anosde idade.Desse totalde m ulheres36% perderam um ou m aisfilhosantes
que com pletassem cinco anos de idade.Apenas 16% faziam uso regularde contraceptivos e 12% foram esterilizadas.A pesquisa
constatou que essas m ulheres não têm acesso aos atendim entos básicos de saúde e o acom panham ento de sua gestação e parto
depende quase que exclusivam ente dasaçõesdasparteirastradicionaislocais.O estudo evidencia a im portância de program asde
saúde reprodutiva que reconheçam essas condições sociais e culturais locais.
PALAVRAS-CH AVE
Populações Ribeirinhas.Com portam ento Reprodutivo.M ortalidade Infantil.Reprodução Social.Am azônia.
ABSTRACT
Thisw ork presentsthe resultsofa study aboutthe reproductive behaviorofriverine w om en living in the Sustainable Developm ent
Reserve Am anã,in the M iddle Solim ões region,state ofAm azonas.The study w as done in 2001 w ith the objective ofidentify
aspects ofthe reproductive behavior of83 w om en,collected through reproductive history m ethodology.These w om en live in
sm alllocalities along the rivers and lakes in the m iddle ofthe Am azonian forest.The study identified thatthese w om en initialize
their reproductive period at the age of 17,in average,and the m ean age of their last pregnancy occurs at the age of 42,
considering those above 50 years old.36% ofthese 83 w om en had lostone orm ore oftheirchildren before the age offive.Only
16% use contraceptives and 12% are sterilized. They don’thave access to the basic health assistance in a regularbasis and the
localm idw ivesare extrem ely im portantin theirassistance during pregnancy and delivery.Thisstudy em phasizesthe im portance
ofreproductive health program s including those socialand culturallocalconditions.
KEY W ORD S
Riverine Populations.Reproductive Behavior.InfantM ortality.SocialReproduction.Am azônia.
1
U niversidade Federaldo Pará.Instituto de Desenvolvim ento SustentávelM am irauá.Rua dos M undurucus,4551 - Guam á.
Belém (PA).CEP 66073-000.(edim oura@ ufpa.br)
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A idade da primeira gestação (Tabela 1) ocorreu MÃES QUE PERDERAM SEUS FILHOS
com maior freqüência na faixa de 16 a 18 anos, AINDA CRIANÇAS
40% dos casos (n=32), sendo também alta a
freqüência na faixa dos 13 a 15 anos, 30% dos Do total das 83 mães entrevistadas, 30 (36%)
casos (n=24). Somando-se os dois grupos de perderam, por falecimento, um ou mais filhos antes
idade, observa-se que 70% das mulheres foram que eles completassem cinco anos de idade.
mães entre os 13 e 18 anos de idade. Comparando Distribuídos por grupos de idade das mães estes
as faixas de idade iniciantes no processo dados apresentam-se da seguinte forma (Tabela 2).
reprodutivo, 15 a 24 anos (n=25), com as faixas
Tabela 2. Proporção de óbitos de filhos de 0 a 5 anos em relação
de idade do final do período reprodutivo, com ao total de nascidos vivos, e proporção de mães que perderam
45 anos e mais (n=18), observa-se que as filhos por grupos de idades das mães. (n= 83 mães em 9
gerações mais novas (11 casos) apresentaram comunidades).
comportamento semelhante à população idosa (8 Grupos Proporção de óbitos Proporção (%) de mães
de idades de filhos de 0 a 5 anos que perderam 1 ou mais
casos) quanto à idade da primeira gestação. Os das mães em relação ao total filhos com 0 a 5 anos
dados da Tabela 1, referem-se à 79 mães, pois de nascidos vivos por
quatro tinham mais de 50 anos e não recordaram grupos de idades
a idade da primeira gestação. Como relatado em das mães
outros estudos, há perdas de informações relativas 15-19 0 0
20-24 0,05 15
ao ciclo reprodutivo nas mulheres mais idosas 25-29 0,06 28
(BERQUÓ, 1988). 30-34 0,07 33
35-39 0,06 33
40-44 0,09 60
Tabela 1. Idade da primeira gestação por grupos de idades das 45-49 0,04 55
mães. (n= 79 mães em 9 comunidades). 50 e mais 0,15 76
Idade Idade da primeira gestação Total
atual de Mães Os dados revelam que há perdas de filhos em
13-15 16-18 19-21 22-24 28 proporções semelhantes nas faixas etárias mais
15-19 3 1 1 5 jovens e que esta proporção aumenta na medida
20-24 5 10 5 20 em que se avança nos grupos de idade, o que indica
25-29 1 3 2 1 7
uma relação direta entre aumento no número de
filhos nascidos vivos e óbitos na faixa de zero a cinco
30-34 6 5 3 1 15
anos de idade. Já na faixa etária de 20 a 24 anos,
35-39 4 4 1 9 15% das mães perderam seus filhos antes que
40-44 2 1 1 1 5 ultrapassassem cinco anos de idade. Essa proporção
45-49 3 3 3 9
de mães torna-se bastante elevada nos grupos de
idade mais avançada. Na faixa etária do final do
50 e mais 0 5 3 1 9
período reprodutivo 76% das mães do grupo de 50
Total 24 32 16 6 1 79 anos de idade e mais (n=13) perderam um ou mais
% 30 41 20 8 1 100 filhos com zero a cinco anos de idade. Os dados
indicaram que, apesar da possibilidade de
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indicação foi feita por médicos em sete casos e as gravidez de risco. Em dois dos casos as decisões
demais por indicação de amigas. Como ficam sobre a esterilização foram do companheiro e da
muito distantes dos centros de atendimento sogra sem que a mulher tivesse sido consultada.
médico, usam o contraceptivo sem regularidade e
Tabela 4. Mulheres esterilizadas por grupos de idade e número
tampouco com assistência médica. Apenas uma médio de filhos nascidos vivos. (n= 10 mulheres de 83
mulher fez referência ao uso combinado de pílula entrevistadas).
anticoncepcional e camisinha. Ocorreram três Idade da Mulheres Número médio de
referências apenas ao uso de remédios caseiros: Esterilização esterilizadas filhos nascidos vivos
uso de chá de “pau travoso”. Não foram feitas 21-24 3 4
referências a outras técnicas contraceptivas. 25-30 3 6
31-40 1 9
Há forte referência à vontade divina sobre o 41-45 3 10
número de filhos que têm, muito embora expressem Total 10 29
a vontade de ter tido menos filhos do que na
realidade têm. Outras mães manifestaram grande
receio em se submeter a uma cirurgia para CONCLUSÃO
esterilização, muito embora entendam que esse
recurso é a medida mais eficaz para elas. Na Os dados apresentados relativos ao comportamento
realidade se ressentem muito da falta de acesso reprodutivo dessas mulheres ribeirinhas mostraram
às informações sobre as práticas contraceptivas uma alta prolificidade, (parturição média de 10 filhos),
que ainda se restringem aos ambientes urbanos. que elas se iniciam muito cedo na atividade materna,
(em média aos 17 anos), reproduzindo-se por quase
Os partos (n=518) em sua grande maioria (85%) todo o seu período reprodutivo (idade média da última
foram normais e domiciliares. Uma das mulheres gestação, 42 anos). Essas gestações decorrem em
manifestou estranheza em relação ao parto no grande parte dos casos com total ausência de
hospital: “Demora e a gente não sente dor ” . acompanhamento médico, sem assistência médica
Dos que ocorreram no hospital 95% foram normais. pré-natal e puerperal, muito embora seja reconhecida
Os abortos referidos ocorreram em 12% dos casos: pela comunidade a necessidade de cuidados com a
69 abortos em 594 gestações. gestante e parturiente que passam a ter certas
Foram registrados casos de esterilização em 12% regalias na alimentação, restrições quanto ao
das mulheres, por opção pessoal ou indicação trabalho doméstico e no uso de recursos naturais da
médica. A Tabela 4 apresenta a distribuição dos comunidade. A gestação e o puerpério são envoltos
casos por grupos de idade por ocasião da de significados sociais e culturais que orientam os
esterilização e o número médio de filhos para as cuidados com as mulheres nesse período e as parteiras
mulheres esterilizadas. Em geral as que se locais assumem esses cuidados, juntamente com os
esterilizaram na faixa de 21-24 anos foi por terem curandeiros e os agentes comunitários de saúde.
optado por famílias menores que suas mães. As Foi registrado um caso de mortalidade materna
que se esterilizaram com mais de 30 anos, já (óbito de gestante com tuberculose). Apesar das
tinham mais de nove filhos e a decisão decorreu ações modernas das grandes mobilizações políticas
por orientação médica pela possibilidade de para a adequada assistência à saúde da mulher no
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Brasil (BILAC; ROCHA, 1998) essas mulheres governamentais de saúde das grandes demandas
ribeirinhas, como outras em outras regiões rurais pela humanização dos atendimentos às gestantes
deste país, (FERNANDES, 2003; SCOTT, 2001) e parturientes. Enfatizamos a necessidade de
ainda não tem seus direitos constitucionais incluir nesta humanização o reconhecimento aos
assegurados. As mulheres das faixas etárias mais valores culturais locais das populações ribeirinhas
jovens têm problemas semelhantes aos de suas da Amazônia.
mães em relação aos reduzidos índices de
acompanhamento pré e pós-natal e em relação aos O comportamento reprodutivo das mulheres desse
riscos de mortalidade aos seus filhos menores de estudo ocorre sob condições de risco. A alta taxa
cinco anos de idade. A manutenção dos baixos de fecundidade indica que essas mulheres
níveis de escolaridade para essas populações e o ribeirinhas se reproduzem com gravidezes de risco
distanciamento do acesso aos modernos serviços para si e para seus filhos, conforme as
de saúde, fazem com que essas mulheres orientem considerações do Ministério da Saúde (2000) uma
a sua reprodução sob a insegurança de quantos vez que, na maioria dos casos, não atendem ao
filhos irão sobreviver. Estudo realizado por Peres et. período mínimo intergestacional de 18 meses
al. em 2001, sobre as condições de saúde dessas estabelecido pelos parâmetros da medicina
populações ribeirinhas da Reserva Amanã moderna, quase todos os partos são realizados sem
identificou que somente 14% da população a assistência pré-natal e em poucos casos o casal
examinada (n=355) estava com a imunização ou a mulher planejam a sua reprodução.
básica completa para a sua faixa etária.
Os resultados deste estudo evidenciam a grande
Serruya, Cecatti e Lago (2004) ao analisarem a demanda por investimentos de qualidade em
implantação do Programa de Humanização do Pré- programas de saúde reprodutiva para as mulheres
Natal e Nascimento, criado pelo Ministério da ribeirinhas dessa região da Amazônia.
Saúde em 2000, mostraram que esse atendimento
ainda se concentra bastante nas regiões Sul e
Sudeste, paradoxalmente onde os índices de
mortalidade materna e infantil são os menores do
AGRADECIMENTOS
AGRADECIMENT OS
Brasil. Identificaram nesse estudo que havia uma
demanda de crescimento ao atendimento pré- A autora agradece a colaboração de Pedro Leal,
natal de 105% na região Norte segundo dados do sociólogo e bolsista do IDSM, e à Dra. Elizabeth Ferreira
Sistema Ú nico de Saúde (SUS) para o ano de 2000. pela realização de algumas das entrevistas. Agradece
Ressaltam ainda nesse estudo como a predominância também à Carmem Antonieta Silva e à Dávila Suelen
do modelo medicalizante, hospitalocêntrico e Corrêa pela preparação do banco de dados.
tecnocrático distancia a população do atendimento
à sua saúde, tornando necessária a criação de um
programa, o Programa de Humanização do Pré- REFERÊNCIAS
Natal e Nascimento, para que se invistam recursos
em capital humano e social para que se assegure BERQUÓ, Elza S.; CUNHA, Estela Maria G. P. da (Orgs.).
um atendimento de qualidade a essas mulheres. Morbimortalidade feminina no Brasil (1979-1995)
(1979-1995).
Há, portanto, a constatação pelas agências Campinas: Unicamp, 2000.
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