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Público • Sexta-feira 8 Outubro 2010 • 39

O entusiasmo que faltou ao 5 de Outubro é o desencanto que sobra num país à beira de um ataque de nervos

Os exaltados, os indiferentes e os dependentes

E
DANIEL ROCHA
m Portugal, os regimes caem sem aviso pré-
vio. Tal como caem sem que ninguém os
defenda ou ampare. Foi assim em 1820, em
1910, em 1926, em 1974. Foi sempre assim
quando ficaram tão roídos por dentro que
a fachada já era só caliça sem miolo.
Nas cerimónias do 5 de Outubro, o Presidente da
José República lembrou isso mesmo. E fê-lo tendo a ou-
Manuel sadia de ignorar a invocação dos vencedores repu-
Fernandes blicanos para citar o desamparo do último primeiro-
ministro da monarquia liberal, Teixeira de Sousa.
Extremo “Vi que a luta era impossível”, disse o governante
ocidental deposto. “A monarquia estava cercada de republi-
canos e indiferentes”. Os republicanos nem sequer
eram muitos – alguns milhares, como reconheceu o
próprio António José de Almeida –, pelo que domi-
navam os indiferentes.
Cavaco Silva considerou que “é a conjugação per-
versa dessas duas realidades que tantas vezes abala
os alicerces de um regime: de um lado, a indiferença
do povo; do outro, a incapacidade dos agentes po-
líticos para encontrar soluções ajustadas às neces-
sidades concretas do país”. Não acrescentou que é
precisamente um momento desses que hoje vivemos
– mas isso começa a entrar pelos olhos dentro. Após
uma década de estagnação económica, e face a um
horizonte de mais austeridade, quando fracassou a
maior promessa do regime – a de aproximar o nível
de vida em Portugal do nível de vida nos países da
Europa desenvolvida –, quando até a procura de al-
ternativas políticas está neste momento manietada
por normas constitucionais, agrava-se a percepção de dam”. É o mesmo tipo de política verdadeiro partido imobilista. Medina Carreira até
que os agentes políticos são incapazes de encontrar
Chegamos a um ponto de terra queimada que marcou a já lhe chamou o “partido Estado”.
as tais “soluções ajustadas às necessidades do país”. em que já é óbvio que não I República e a levou à desgraça. Chegamos assim a um ponto em que já é óbvio que
A irritação com “os políticos” está por todo o lado Noutras épocas, estas multidões não podemos continuar a viver como dantes, mas em
e a indiferença que rodeou as comemorações do 5 podemos continuar a viver de indiferentes acabaram a aplaudir que não se percebe como será possível mudar em no-
de Outubro, desertadas pelo povo apesar dos SMS como dantes, mas em que os militares que, com um simples pi- me de uma nova esperança. Isto consome e desgasta
a convocar os militantes do PS, é apenas o sintoma parote, fizeram tombar os regimes. o regime, pois nenhum regime sobrevive a sucessivas
mais recente do divórcio. É uma irritação mansa, bem não se percebe como será Hoje, por bons motivos, nenhum curas de austeridade vendidas sempre como “inevi-
portuguesa, mas é também uma irritação corrosiva e militar descerá a avenida à espera táveis”. Isto e a percepção do beco sem saída em que
imprevisível: a qualquer momento, uma faúlha pode
possível mudar em nome de consagração. Para além de que os está a nossa economia criam um ambiente de fim de
acender um buzinão. de uma nova esperança indiferentes estão divididos: muitos regime, um ambiente perigoso sobretudo quando, à
A indiferença é também um factor de corrosão. são, ao mesmo tempo, dependen- nossa frente, vemos tanto uma mão-cheia de exalta-
A indiferença não abandona apenas à sua insigni- tes. E esse é um outro factor que torna ainda mais dos (e de instalados) que fazem lembrar os radicais
ficância os políticos de plantão: ignora também as difícil encontrar uma boa saída: no Portugal con- da I República, como um número crescente de desa-
alternativas que o regime vai gerando, mal ou bem. temporâneo, o número dos que, como funcionários fectos (e um ainda maior de indiferentes), tudo num
O problema é mais profundo e complexo do que o públicos, funcionários de empresas públicas, pensio- país de dependentes e aspirantes a dependentes.
de um eventual crescimento do voto de protesto: nistas ou subsidiados de todos os matizes, temem ter Oxalá tudo não passe, um dia destes, de um mero
o problema é a desesperança. Quando o nível do algo a perder com a menor das mudanças forma um buzinão. Jornalista (www.twitter.com/jmf1957)
debate político desce aos níveis maniqueístas do ou
eu ou o “negativismo exacerbado”, o “protesto in-
consequente”, a “agitação irresponsável e demagó- O que seria de Portugal sem (algumas) fundações?
gica, cria-se um clima onde não existem escapatórias
razoáveis. Apenas se odeia “o que está” enquanto a
pressão sobe ao mesmo tempo que se cortam, com a De todos os discursos do 5 de mais tocante de uma cerimónia Avillez publicou, num livro
método, todas as pontes que poderiam conduzir a Outubro, o que mais gostei de que, infelizmente, começou com cuidado a que deu o título África
outras saídas políticas. ouvir foi dito em inglês. Mas com um atraso inexplicável. E colocou Dentro, uma longa, exaustiva e

A
uma caravela portuguesa por também objectivos a um projecto reveladora reportagem sobre uma
estratégia dos donos do regime faz lem- trás. Refiro-me às palavras de muito ambicioso e que terá agora de das facetas menos conhecidas
brar a dos donos da I República. Na época, James Watson, co-descobridor da provar que, para além de conseguir do trabalho da Gulbenkian, a
construiu-se a “impossibilidade” de nascer, estrutura molecular do ADN, prémio erguer um hospital e uma sede ajuda ao desenvolvimento. Neste
no interior do novo regime, uma alternati- Nobel de Medicina e presidente do em apenas dois anos, consegue volume, podemos fazer companhia
va à ala mais jacobina dos republicanos ao conselho científico da Fundação também ser o centro de investigação à jornalista na sua viagem a
proclamar-se como “intangível” a Lei da Separação. Champalimaud. Enquadrado pelo de excelência que promete ser. Se Angola, Cabo Verde, Guiné-Bissau,
Agora o que é ou não “intangível” varia em função das Tejo, Watson assumiu algo que é concretizar essa promessa, passará Moçambique e S. Tomé e Príncipe
conveniências políticas do momento e da sentença raro em Portugal: que estava ali para a ombrear com a outra grande e, com ela, perceber como, graças à
dos intérpretes da correcção política. Já foi a lei do “colocar pressão” sobre os cientistas fundação sedeada em Portugal – sua acção nas áreas da Educação e
casamento homossexual, um proclamado sinal de mo- que irão trabalhar no novo Centro a Fundação Gulbenkian – como da Saúde, por toda a parte se diz “na
dernidade. É sempre a Constituição. É, nos intervalos para o Desconhecido da fundação exemplo do melhor que se pode Gulbenkian confia-se sempre”...
da austeridade, o “Estado social”. E é, quando chega legada ao país e ao mundo pelo fazer neste país à margem do Estado. A Gulbenkian aconteceu-nos, a
a inevitável austeridade, o Orçamento. industrial. “Dou-vos 10 anos para Fora do Estado. nova Fundação Champalimaud foi
A proclamação repetida e exaltada do que é aceitá- mudar a natureza do tratamento do Não é ambição pequena. A a última e inesperada dádiva de
vel e do que, com retóricas à Afonso Costa, se denun- cancro”, sublinhou. Dez anos até Gulbenkian continua, ao fim um capitalista mal-amado. Ambas
cia como “indiscutíveis recuos civilizacionais” reforça porque, com 82 anos, tem pressa. de 50 anos, a mostrar como mostram que o Portugal de que nos
a percepção de bloqueio institucional e engrossa uma Ele e todos os doentes de cancro. se pode trabalhar bem. Ainda habituámos a descrer não é uma
indiferença crescentemente hostil “aos que man- O seu discurso foi o momento agora, por exemplo, Maria João fatalidade.

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