Anda di halaman 1dari 66

Q!

JINTA-FEIRA SANTA
Pela manhã de qui nta-feira, primeiro dia dos pães ázi mos,
esta ndo Jesus em Betânia ou provavelmente a caminho de
Jerusalém, os d iscípulos perg u ntaram onde celebrariam a
Páscoa . O Senhor encarregou Ped ro e João dos p repara ­
tivos: Ide à cidade, à casa de um tal, e dizei-lhe: O Mestre
manda dizer-te: Meu tempo está próximo. É em tua casa que
celebrarei ,1 Páscoa com meus discípulos ( Mt 26, 18). Ele vos
mostrará no andar superior uma grande sala mobiliada, e ali
Fazei os preparativos ( Lc 2 2 , 1 2 - 1 3 } . Os dois d iscíp u los
o b ed ecera m e a co ntece u tudo co m o Jesus h a v i a d ito ;
assim a ceia foi prepa rada na casa daquele homem bem­
aventura d o .

jESUS CHEGA A }ERUSA LÉM PA RA


CELEBRARA PÁSCOA

Chega ndo o Senhor com os outros d iscípulos a Jeru­


sa lém, fora m na casa do a m igo que o estava esperando.
Encontraram tudo preparado : o cordeiro, as ervas a ma r­
gas, os pães sem fermento e tudo que era necessário para
23
celebra r a Páscoa . O Senhor i n iciou a ceri m ôn i a na hora
indicada: sacrificaram o cordeiro e assara m -no, aspergira m
c o m sangue a soleira d a casa e a seguir o S e n h o r calçou
as sandálias, cin g i u as vestes e ficou de pé, os a póstolos
fizeram o mesmo. Depois comeram ra pidamente, como q u e
d e passagem, o cordeiro, o p ã o s e m fermento e as ervas
amargas. Os j udeus fazia m tudo isto em memória da liber­
tação e saída do Egito. Para nós, um símbolo da libertação
do pecado que h averíamos de conseguir, g raças ao sang u e
d e rra mado p o r J e s u s Cristo . N este mome n to, o S e n h o r
dava i n ício a s u a Paixão.
Concluíd a a ceri môn i a , assenta ra m-se para a ceia
habitu a l . E n q ua nto com i a m , o S e n hor com toda tern u ra
m a n ifestou o g ra nd e a m o r q u e sentia pelos a póstolos,
d i z e n d o como tin h a d esej a d o cear com e le s a ntes de
morrer: Tenho desejado ardentemente comer convosco esta
Páscoa, antes de sofrer ( Lc 22, 1 5 ) . Aconteceria u m mistério
g ra n dioso naq uela ceia, q u e somente o i nfi nito desejo do
Filho de Deus poderia rea l i za r. Contou q u e aq uela e ra a
ú ltima cei a e q u e não volta ri a a cear com eles, até q u e
estivessem j untos no Banq uete Celesti a l .

E vós tendes permanecido comigo nas minhas


pro vações, por isso esta reis j u nto d e m i m q u a n d o e u
triunfar: pois, disponho do Reino a vosso favor, assim como
meu Pai o dispôs a meu favor, para que comais e bebais à

24
minha mesa no meu Reino e vos senteis em tronos, parajulgar
as doze tribos de fsraei (Lc 22, 28-30 ) .

Consola ndo o s apóstolos porq u e fica ria m órfãos, o


Senhor prometia u m a gra nde h era n ça depois da morte .
J udas conti nuava entre eles diss i m u lando a tra ição .
Com toda misericórdia, o Senhor comia no mesmo prato,
com um homem que pensava somente no momento de en­
tregá-lo . O Senhor conhecendo o segredo, tentou abra n ­
dar-lhe o coração com um lamento : Em verdade vos digo:
um de vós me há de trair (Mt 26, 21) . Ao ouvirem isto, todos
co meçara m a fica r d esolados e se o l h a v a m a ss u stados.
Mesmo estando com a consciência limpa, cada u m perg u n ­
tava com h u mildade: Porventura sou eu? (Me 1 4 , 1 9 ) .
Estava m treze à mesa e molhavam o pão no mesmo
prato, três ou q uatro pessoas ao mesmo tem po. Os a pós­
tolos q ueria m saber quem era o traidor e assim acabar com
a suspeita e o temor entre eles. O Sen hor, porém, queria
salva r J udas e não revelou completamente o segredo, para
que o ódio dos seus com pa nheiros não o levasse à perdição
tota l . Jesus, pelo contrário, acentuou mais a am izade que
J udas desprezava com sua tra i ção: Em verdade vos digo,
aquele q u e há d e m e vend er não só está à mesa comigo,
como também pôs comigo a mão no prato (Mt 26, 23). O Filho
do Home m seg ue o cam i n h o da cruz por vontade p rópria,
por obed iência a o Pa i e assim sa lvar os homens, mas ai

25
daquele homem por quem o Filho do Homem é traído/O trai­
dor pensa que tri u nfa e que g a n h ará a m igos e d i n h e i ro,
mas na realidade ca m inha em di reção ao tormento eterno
q u e seria melhor para esse homem que jamais tivesse
nascido! ( Mt 26, 24).
Desco berto pelo s i n a l d e m o l h a r o pão n o p rato,
J udas sem nenhum em baraço perguntou : Mestre, serei eu?
( Mt 26, 2 5 ) . O Senhor com voz baixa, para q ue os ou tros
não ouvisse m, respondeu : Tu o d i sseste, q u e q u e r dizer
sim, seg u ndo o modo de falar dos h ebreus.

O SENHOR LA\0<\ OS PÉS DOS APÓSTOLOS

E ra noite de Q u i n ta - fei ra , antes d o d i a solene da


Páscoa . Jesus sabia q u e tinha chegado a h ora , e q u e ao
morrer voltaria à casa do Pai . Term i nada a ceia, com J udas
decid ido a vendê-lo, Ele, Filho ú nico de Deus, cheio de cari­
nho e de amor para com os seus, levantou-se da mesa, depôs
a sua veste e, pegando duma toalha, cingiu-se com ela. Em
seguida/ deitou água numa bacia e começou a lavar os pés
dos discípulos (Jo 1 3 , 4-5 ) .
G rande exem plo de h u m i ldade e de a m o r o Senhor
deixou . O amor nunca considera menor qualquer tra balho,
por m a i s h u m i ld e q u e seja. O S e n hor, aniquilou-se a si
mesmo, assumindo a condição de escravo (FI 2, 7), não tendo
26
repu lsa em lavar os pés dos a póstolos. Depois lavaria com
seu sa n g u e os nossos peca dos.
C omeçou com Pedro, a q u e m d e u o p ri me i ro l u g a r
como chefe d o s a póstolos. Assim deve começar a limpeza e
reforma dos costu mes, pelos que presidem. Pedro, ao ver u m
a co nteci m e nto t ã o inco m u m , negou -se com a veemência
costu meira : Senhor_ queres /avar-me ospés/ . . . (Jo 13, 6).
O Sen hor i nsisti u, pois e mbora a negativa de Pedro
nascesse por respeito, ta m b é m era devido à ignorâ nci a ;
n ã o sabia q u e o Senhor pretendia com isso, traduzir a ne­
cessidade de l i m peza interior, a ntes de receber o Corpo e
o Sangue que seria dado pouco depois. Somente o Senhor
pode lavar nossos pecados. Tudo isto queria o Mestre ensi­
nar a Ped ro, que via somente as aparências; com isso Jesus
respondeu : O que faço não compreendes agora (Jo 13, 7).
Ped ro conti n uou obstinado com a tei mosia, pensa n ­
do q u e a ú nica razão era d a r u m exemplo de h u mildade,
assim não consentiria que o Senhor se h u m i lhasse a seus
pés e res p o n d e u e n e rgica m e n te : jamais me la varás os
pés/. . . (Jo 1 3, 8 ) . Dia nte da teimosia d e Pedro, aquele q u e
lavaria tod os os pecados, respondeu c o m firmeza: Se eu
não te lavar_ não terás parte comigo (Jo 1 3 , 8 ) .
Ficou claro q u e a negativa d e Pedro n ascia i nteira­
mente do respeito e d a h u m ildade. Ao entender a i mpor­
tância da l i m peza, ofereceu-se para q u e fossem lavados
não só os pés, mas tam bém as mãos e a cabeça . O Senhor
27
respondeu: Aquele que tomou banho não tem necesstdade
de lavar-se,- está inteiramente puro (Jo 1 3, 1 0). Uma pessoa
pode esta r l i m pa de pecados mortais, entretanto sem pre
restarão pecados veniais; é n ecessário, então, que se lave
e se p u ri fique para receber o Corpo e o Sangue de Cristo
através do sacra m e nto da pen itência .
O S e n h o r t i n h a crava d o n o coração a perd ição de
J udas, com muita compaixão, pensando que J udas poderia
se a rrepender a crescentou : Vós esta is l i m pos, mas não
todos.
Depois d e ouvir o q u e o Senhor tinha respondido a
Pedro, todos deixaram lavar os pés e não houve a mínima
resistência.
O S e n h o r deixou um e n s i n a m e n to : devemos fazer
com os nossos i rmãos, a mesma coisa que Ele fez conosco.

O SENHOR INSTITUI O
SACRAMENTO DA EUCARISTIA

Tinha chegado à hora em q u e Jesus Cristo, Nosso


Senhor, S u m o e Ete rno Sacerd ote seg u n d o a ordem de
Melqu i sedeq ue, ofereceria o Corpo e o Sangue e m sacri­
fíci o . Com i sso reco n ci l i a ria a h u ma n idade com Deus. O
Corpo e Sangue q u e seriam sacrificados na cruz ficariam
perpet u a mente entre nós, sob a aparência de pão e de

28
v i n h o , a fi m d e ser n osso sacrifíci o l i m po e agradável a
Deus.
Jesus Cristo está realmente no Sacramento da Euca­
risti a, fornecendo a cada u m , o seu Corpo como verdadeira
comida e o seu Sangue como verdadeira bebida . Por amor,
Jesus deixou o alimento q u e fortalece a nossa esperança,
d esperta a nossa memória, aco m p a n h a a nossa sol idão,
socorre as nossas n ecess i d ades. A E ucaristia é testemu­
n h o d e sa lvação e rea lização das pro messas contidas na
Nova Aliança. Preocupado com o futuro da Ig reja e às por­
tas da paixão e morte, n ã o fazia outra coisa senão rezar
e ord e n a r tudo de modo q u e n u nca fa ltasse o A l i m e nto
eucarístico até o fi nal dos tempos.
Os a póstolos estava m todos atentos, para ver o que
aconteceria na nova cerimôn i a . O Senhor vestiu a túnica
que tinha tirado, sentou-se outra vez à mesa e, como se
fos s e co m e ç a r u m a n o v a c e i a , m a n d o u os a p ósto l o s
reclinarem com Ele.

Vistes o que Eu fiz convosco. Chamais-me Mestre e


Senhor, e dizeis bem, porque o sou; se Eu, pois, sendo Mestre
e Senhor, vos lavei os pés, vós ficais obr/gados a fazer o mes­
mo, com caridade e humildade, pordindlque vos pareça e ainda
que vos desprezem. Porque Eu dei- vos o exemplo, para que,
como Eu vos fiz, assim façais vós também; porque o servo
não é mais que seu senhor, nem o enviado é maior do que

29
aquele que o enviou. Se compreenderdes bem estas coisas,
sereis felizes se as praticardes ( Jo 13, 1 2 - 1 7 ) .

O S e n h o r n ã o perdia n e n h u m a oca s i ã o p a ra d e­
monstrar a Judas a tristeza que causava a traição, q ueria
mostrar que não partiria enganado para a morte, mas por­
que queria: Disse- vos que sereis felizes, mas não digo de
todo� porque conheço bem os que escolht: De qualquer forma
há de cumprir-se a Escritura: o que come à minha mesa há
de me trair. Digo isto agora e com tempo, antes que aconteça,
para que, quando o virdes cumprido, acrediteis no que vos
disse que sou (Jo 1 3, 1 8- 1 9 ) .
Todos olhavam su rpreendidos, nota ndo n o seu rosto
e na sua atitude que faria algo g rande e fora do com u m . O
Senhor tomou o pão ázimo, daqueles q ue tin ham sobrado
da primeira ceia , leva ntou os olhos ao céu para seu Pai,
para que vissem q ue d 'Eie vinha o poder d e realizar u m a
obra t ã o grande. D e u graças p o r todos o s benefícios que
tinha recebido e, especi a l m e nte, por a q u i l o q u e n a q u ele
momento realizava por todos. Sagrou o pão com palavras
novas, a fi m d e prepara r os a pósto los para a gra nd iosa
n ov id a d e . Pa rtiu o pão de modo q u e todos p u d essem
comê-lo e consagrou-o com as suas palavras. O Pão conver­
teu -se no seu Corpo, contin uava com a p a rênci a e sabor
de pão, mas agora era o seu próprio Corpo que estava pre­
sente. As p a l a v ra s com que consag ro u o pão d a v a m a

30
entender cla ra m e n te q u a l era a co m i d a q u e l h e s dava :
Tomai e comei, isto que vos dou é meu Corpo, o mesmo que
há de ser entregue na cruzpor vós e pela salvação do mundo.
Deu a cada um o pão consagrado e todos o tomaram e co­
mera m . Sabiam o que rea l mente estava acontecendo, por­
que o Salvador d isse com palavras bem cla ras.
Havia sobre a mesa u m cálice de vinho misturado com
um pouco de água . Tomou o Senhor o cálice em suas mãos,
deu graças ao Pai , santificou com uma nova benção, consa­
g rou-o com suas palavras e a q u ele v i n ho converteu-se no
seu S a n g u e . Aq uele mesmo sangue q u e corria pelas suas
veias, estava rea l mente presente ta mbém naquela taça . As
palavras com que tinha consag rado o vinho fora m tão claras
que os a póstolos entenderam bem o que lhes dava a beber:
Bebei todos deste cálice, porque este é o meu Sangue com o que
confirmo a Nova Aliança_- o mesmo Sangue que derramareipor
vós na cruzpara que vos sejam perdoados ospecados.
O S e n h o r p rete n d i a q u e o Sacrifício perd u rasse n a
Ig reja até o fi nal dos tempos, por isso também d e u o poder
de consagrar o Vinho e o Pão aos a pósto los, e que esse po­
der fosse transmitido até sua volta, quando julgará o m u ndo.
O rdenou expressa mente que q u a ntas vezes se celebrasse
o sacrifício, o fizessem em sua memória. Deixava entre os ho­
mens u m legado valiosíssi m o : o seu Corpo e o seu Sangue,
e todos os teso uros d a g raça que mereceu com a Paixão.
Deste modo, perpetuava s u a presen ça e ntre nós.
31
O Pão e u ca rístico está d esti n a d o a o sustento dos
homens que vão como pereg ri nos pelo mundo. É tão g ran­
de e forte o fogo do seu amor, q ue faz os homens santos.
As palavras divinas devem ser recebidas com fé e com todo
o agradecimento, porque foi o próprio Senhor quem d isse :
Tomai e comei, isto é o meu corpo. Bebei todos deste cálice
que é o meu sangue.
Como poderemos retribuir o g rande benefício? Com
todo afeto do coração, di zendo: Veja Senhor, este é o meu
corpo; ofereço na dor, na doença, no cansaço, na fadiga e
n a penitê n ci a ; este é o m e u s a n g u e , ofe reço para s u a
g lória ; esta é m i n h a a lma q u e q uer obed ecer e m t u d o a
sua vonta d e .

JESUS REVELA A JOÃO Ql)EM É O TRAIDOR

Depois de tudo isso, o Sen hor ao ver q u e a morte


se aproximava e que Judas persistia na obstinação, entris­
teceu-se ainda mais e cheio de angústia, repetiu : Em ver­
dade/ em verdade vos digo: um de vós me há de trair! (Jo 13,
2 1 ) . Judas conti n uou com seu perverso propósito. Não foi
suficie nte que Jesus C ri sto o fizesse ver q u e con h ecia a
tra i ção e n e m os repetidos apelos. Ele não se comoveu
d i a n t e do M e stre aj o e l h a d o aos s e us pés, co n t i n u o u
conversando e comendo . J udas recebeu até o Sacramento
32
do Corpo e S a n g u e do Senhor. Por isso, Jesus tão perto
daquele homem ingrato e obsti nado, repetiu oprimido pela
tristeza : Em verdade, em verdade vos digo que um de vós
me há de entregar. Como não d izia o nome, todos se assus­
tavam e continuavam olhando uns para os outros para ver
a quem se referia . A consciência não os acusava, mas acre­
d itavam mais no Senhor do que na p rópria retidão, reco­
n heciam que como homens podiam facilmente mudar e cair.
Com a costu meira i m petuosidade, Ped ro estava an­
sioso para descobrir o i n imigo, para d espedaçá-lo se pu­
desse com as próprias mãos. Não se atrevia a perguntar
diretamente ao Senhor, por outro lado não podia suportar
mais tempo aquela d úvida. Sabia do cari nho especial que
o Senhor mostrava por João . Como era fácil para João per­
g u ntar sem cha mar a atenção, fez um sinal do seu lugar
para q ue perg u ntasse a q u em se referia. João estava recli­
nado s o b re o peito d e Jesus e pergu ntou q ue m e ra . O
Senhor respondeu em voz baixa, somente João ouv i u : É
aquele a quem Eu der o pão embebido (Jo 1 3, 26) . Tomou o
pedaço de pão, m olhou-o e deu a Judas. Aquele gesto foi
para João a resposta, mas para Judas outra prova de afei­
ç ã o . Jesus q u e ri a a b ra n d a r o coração e tentar m u d a r a
perversa i ntenção do traidor.
Porém, aquele q u e estava fora da graça, por culpa pró­
pria, piorava sempre com os auxílios que o Senhor fornecia.
J u d a s co m e u o p e d a ço de pão e , d e p o i s d i s s o , Sata n á s
33
entrou na sua alma. O Demónio tin ha-o ind uzido a que entre­
gasse o Mestre, mas a g ora se a possa n d o dele com mais
fo rça , i n sti g o u -o p a ra q u e executasse i m e d i a ta m e n te o
plano maligno. O Senhor, ao vê-lo cego e fora de si, d isse
calmamente : O que queres fazer; faze-o depressa (Jo 13, 27).
Ni nguém, exceto João, entendeu o verdadeiro sentido das
palavras. Imaginaram, uma vez que Judas tinha a seu cargo
a bolsa e os gastos comuns, q ue o Senhor o mandava com ­
prar alguma coisa ou dar algo aos pobres como de costume.
O Senhor não o aconsel hava para que fizesse uma maldade
tão grande, pelo contrário, mostrava que conhecia sua inten­
ção. O desejo de padecer por amor era infi nita mente maior
que o ódio e o desejo que Judas tinha de entregá-lo, por isso
não o imped i u . Logo que Judas comeu o bocado e ouviu o que
o Senhor dizia, movido por Satanás, saiu imediatamente da
sala e daquela casa onde estava Jesus, para nu nca mais vol­
ta r para j u nto d'Eie. Era no ite quando J udas saiu.

JESUS DESPEDE-SE DE SUA MÃE

A Virgem Maria con h ecia a razão pela qual o Filho de


Deus se tin ha feito homem nas suas entranhas. Sabia que
era para redimir os homens e q ue, por isso, sofreria um
tormento cruel e derramaria o sangue na cruz. Sabia pelo
que tinha lido e meditado na Sagrada Escritura, ainda antes
34
do Fil ho en ca rna r . Sabia ta mbém pela profecia do velho
Simeão, quando ela e José apresentara m Jesus no Templo
e, além d isso, soube graças às freq uentes conversas q u e
t i n h a tido com seu Filho. Naquelas longas conversas a sós
com ela, Jesus explicava a Escritura e mostrava a necessi­
dade de padecer a ntes de entrar na sua g lória .
O Senhor avisou várias vezes os discípu los e, com
muito mais razão, avisou sua Mãe, porque nela com certeza
e ncontraria consolação e descanso . Os discípu los não en­
tendiam o mistério e o Senhor não encontrava neles conso­
lação. Na pri meira vez que anu nciou, q uiseram convencê­
lo de que não devia padecer; assim agiu Pedro .
Quando voltou a a n u n ciar sua morte, já próxima, os
apóstolos viram q u e Senhor estava disposto a padecer e
não havia mais esperança de o im ped irem, ficaram tristes
e assustados. Depois, enqua nto rezava no Horto das Oli­
veiras e eles estavam prevenidos e repetidamente avisa­
dos, ao vê-lo naq uela agonia e q ue procurava consola r­
se com eles, encontrou-os ad ormecidos pela tristeza . O
Senhor não podia encontrar neles desca nso; u mas vezes
t i n h a de re preender o zelo i m pru de nte, ou tras a n i m a r a
d e b i l i d a d e com u m a co nsolação; outra s vezes t i n h a d e
exortá-los com sua doutrina e fortalecê-los contra a ten­
tação. Se, a pesar disso, o Senhor Insistia em confi a r-lhes
a sua dor e b u scar a l í v i o o n d e e n c o n trava tão p o u ca
resposta , como não o fa ria ta m bé m com sua Mãe? Com
35
Maria podia revelar suas preocu pações e tristezas, porq ue
nela encontra consolaçã o. Contaria as calúnias e as i nve­
jas, o ódio e a perseg uição q u e v i n h a sofrendo; revelaria
como tudo termi naria no meio daquela tem pestade e tor­
menta e q u e no fim morreria afogado entre as ondas (cf.
SI 68, 3). Mu itas vezes fa laria com sua Mãe destas coisas,
procurando a lívio. Ela e ntendia profundamente o m istério
e a c e i t a v a p l e n a m e n te c o n fo r m a d a , s e n t i a c o m to d a
ternura e oferecia a sua dor cheia de fé, porq ue o seu cora­
ção é semelhante e m u ito unido com o coração do Filho.
Sem pre q u e a Virgem M a ria pensava n a Paixão de
Jesus, sentia pela experiência, o que S i m eão tinha profe­
tizado : E uma espada transpassará a tua alma ( Lc 2, 35) .
Todas as vezes que encontrava seu Filho, vinham à mente
os tormentos que sofreria em cad a um dos seus mem bros;
i ma g i nava a ca beça coroa d a de espin hos, o rosto esbo­
feteado, as costas sangra ndo pelos a çoites, os pés e as
mãos cravados, o seu peito ferido pela lança . . . Ao abraçá­
lo, a braçava, j u ntos no seu coração, o seu corpo e aquelas
torturas, e d izia : Meu bem amado é para mim um saquitel
de mirra/ que repousa entre meus seios ( Ct 1 , 13) .
Despertava n a V i rgem u m g ra nde e cada v e z mais
a rd ente a mor. Pela luz do Espírito Santo con hecia bem a
Majestade de Deus, a ma ldade dos homens e a a m a rg u ra
da d o r q u e padeceria por eles . Conserva va todas estas
coisas no seu coração e d ava-se conta da grandeza do a mo r
36
de Deus e dos i m ensos ben efíc ios q u e fa zia a tod os os
homens. A este conheci mento correspondia na sua hum il­
dade, com profundo agradecimento a Deus, com u m a rden­
te amor pelos h o m ens a q uem Deus havia amado tanto,
que entregava o próprio Filho. Ela tam bém, esti mulada pela
gen erosidade d i v i n a , d esej a va e ntregar-se i ntei ra m en te
à sa lvação dos pecadores .
Nossa Mãe n u nca se ca nsará de i nterceder por nós,
n i sto está a nossa espera n ça, pois para nosso bem, q u is
q u e se rea l izasse a m i ssão para q u a l seu Filho veio a o
mundo: derramar o seu Sangue, preço da nossa redenção.
Estava a V i rgem Maria p revenida, tinha med itado
conti nuamente na Paixão do seu Filho, por isso veio a Jeru ­
salém sabendo q u e naquela noite seu Filho seria entregue
à morte. Entrou com as outras m u lheres que normalmente
acompa n havam J esus, na m esma casa onde seu Filho cele­
braria a Páscoa . Embora em outro compartimento, i nteira­
va-se do que o Senhor fazia, dizia e ordenava. Preparou a
ceia como tantas outras vezes tinha feito. Que espécie de
trabalho seria duro para ela, se o seu próprio Filho lavava
os pés dos seus a póstolos? Soube co mo seu Filho dava a
comer seu Corpo e a beber seu Sangue, e que transmitia
a eles o poder de repetir este Sacramento, para que duras­
se até o fim dos tempos. Mais do que nenhuma outra pes­
soa, com preendeu a profu n didade deste mistério; avaliou
e a g radece u a g ra n d eza deste benefíc i o .
37
O S e n h o r l e va n t o u - s e c o m fi r m e res o l u ç ã o ; o s
apóstolos fizeram o mesmo; juntos deram graças a Deus
e cantaram como de costume no fim da ceia. A isso pa rece
referir-se o Eva ngelho : Depois do canto dos Salmos (Mt 2�
30} saíra m . Este hino constava de sete salmos comp letos
e começava com o salmo 1 1 2 : Louva1� ó servos do Senhor. . .

e terminava com o salmo 1 1 8: Felizes aqueles cuja vida é


pura . . . Nesta longa noite de ansiedade, ca ntando o Senhor
d e u g ra ç a s a seu Eterno Pai. V e rd a d e i ro e x e m p l o d e
a g ra d e c i m e n to , fi d e l i d a de e o b e d i ê n c i a a o q u e a l e i
ordenava : Comerás à saciedade, e bendirás o Senhor, teu
Deus, pela boa terra que te deu ( Dt 8, 1 0 ).
A Virgem Maria, ao ver o seu Filho de pé, reti rou-se
para esperar a sós o último abraço, a ú ltima d espedida que
tanto esforço custava . Viu-o aparecer com a tranqui lidade
de sempre, o rosto estava ca loroso pela conversa depois
da ceia e pela comoção i nterior que senti a .
Dia nte dela, com amor que sentia este Filho p o r esta
Mãe, disse: Mãe, não venho dizernada quejá não saiba, venho
despedir-me para o que já sabe. Consolei-me mwtas vezes
falando disto com a senhora. Dá graças a Deus, Mãe, porque
recebeu a felicidade de ter um Filho que vaimorrerpelajustiça
de Deus, e fazê-los seus filhos. Anime-se que o fruto é grande,
tudo passará depressa; depois voltaremos a nos encon­
trar, imortal e cheio de glória. Ao fazer isto, cumpro a vontade
do Pai. Se a senhora ficar um pouco mais consolada, partirei
38
mais aliviado. Tenho pressa/ Mãe/ desejo sua benção e um
abraço.
As lágri m as corriam pela face da Virgem . O coração
se partia de dor pelo esforço constante, por obedecer e
amar o que Deus dispu n h a . Era g rande o seu amor, pois
pode oferecer o Filho que tanto amava, pela g lória de Deus
e pela salvação dos homens.
A Virgem Mari a provavelmente respondeu : Meu Filho/
que seja o Pai do céu quem dê a benção. Eu sou a escrava do
Senhor, que se cumpra em mim a sua vontade.
O Senhor comoveu -se e chorou ao ver as lágrimas
d e sua M ã e . A m b os calados, d e i x a n d o fa lar some nte o
coração, se abraçara m e, em silêncio, se separa ra m . Ela
seg u iu-o com o olhar até perdê-lo de vista . E ficou sozinha . 1

O SENHOR CAMINHA PARA O


HORTO DAS OLIVEIRAS

O S e n h o r se reu n i u c o m o s d i s c í p u l o s q u e o
esperavam, e aco m pa n hado por eles, s a i u de casa . E ra
noite . Deixou pa ra trás a i n g rata cidade q u e não o ti nha
reconhecido e subiu em direção ao Monte das Oliveiras, do
outro lado da torrente do Cedron, onde costu mava rezar

1. A despedida d e Jesus e Maria não é narrada nos Evangelhos, todavia


é bem verossímil que tenha acontecido.

39
de noite. E n q u a nto ca m i n h ava, olh a ndo a todos, disse :
Todos vós vos escandalizareis de mim esta notte, e fugireis,
e me deixareis sozinho quando virdes o que me vai acontecer.
O Senhor fa lava sobre o q u e fazia sofrer o seu coração ;
mostrava anteci pada mente, como verdadeiro Deus, o q u e
havia de acontecer. Para a n imá-los dizia q u e morreria por
sua própria vontade e voltaria para perdoá -los, pois sabia
o q u e iria acon tec� q u e não fica ria surpreendido por se
escandalizarem e fugirem. Há muito tempo o Profeta Zaca­
rias profetizou : Ferirei o pastor e as ovelhas do rebanho serão
dispersas. Jesus contava q u e se tornariam fugitivos, porém
duas coisas iriam consolar: Eu ressusCitarei ao terceiro dia,
e depois de ressusCitado, esperarei por vós na Galiléia, e ali
me vereis, e ao ver-me, vos enchereis de alegria.
O Sen hor tin ha repreendido duas vezes Pedro pela
excessiva impetuosidade. Confiava em si m esmo mais do
que devia e alardeava dia nte de todos que n u nca a ba ndo­
naria o Mestre, mesmo se fosse necessário ser preso e mor­
rer. E agora voltava com a mesma suficiência, a rmado com
uma espada para, se necessário, defender o Senhor. Pedro
não tinha considerado que Jesus se referia a todos quando
disse : Todos vos escandalizareis de mim. Pensava que ele
era uma exceção ; não reparou que J esus sempre dizia a
verdade, nem que ele era fraco. Por isso protestou e disse :
Ainda que todos se escandalizem de ti, eu, porém, nunca! (Me
1 4 , 29). P e d ro d iz i a o q u e senti a . A ele d i reta m e n te o
1-0
Senhor profetizou: Em Verdade te digo: hoje, nesta mesma
noite, antes que o galo cante duas vezes, três vezes me terás
negado ( M e 14, 3 0 ) . Ped ro não podia acreditar, parecia que
o s i m ples fato de não m a n ifesta r a sua d eterm inação d e
segu i-lo até o fi m já era uma traição. Por isso insistiu : Mes­
mo que seja necessário morrer contigo, jamais te negarefl ( Mt
26, 3 5 ) . Os outros apóstolos diziam o mesmo, com seme­
l hante vang lóri a .
Conversa ndo chegara m a o vale profundo e som brio,
chamado Vale do Cedron ( cf. 2Rs 23, 4). Na parte mais pro­
funda passava um riacho seco, por Isso era chamado tam bém
de Torrente do Ced ro n ( cf . J r 3 1, 40 ) . D o o u tro l a d o da
torrente, à esq uerda, no declive do Monte das Oliveiras, fica­
va o H o rto d o G etsê m a n i . P o r s e r u m l u g a r s o l i t á r i o e
afa stado, o Senhor tinha escolhido m u i tas vezes para orar.
Ao passar pelo vale e pela torrente, os discípulos esforçavam
em parecerem coraj osos, mas é d e su por que estivessem
a n g u stiados e co m medo . O vale e ra escuro e a to rren te
profu nda e as á rvo res fro n d osas, a longavam-se som b ras
n e g ra s p e l o s p e n h a scos e co n ca v i d a d e s do m o n te ; a
solidão e o silêncio era m g randes; a noite estava fechada e
era muito tard e . H á m ulto tempo J u da s t i n ha parti d o .
Ti n h a m fa lado de tra ições, d e desonra, de tortu ras
e de morte . O efeito que tudo i sto pode produzir, no meio
daquela escura solidão, no ânimo de uns homens fracos e
i n defesos e ra notóri o .
41
Chegando à en tra d a d o h o rto, Jesus -ordenou q u e
ficassem a l i . Enca rrego u-os de velar e que não adorme­
cesse m, porq u e i ria fazer suas o ra ções, e pa ra q u e não
ca (ÍÍem em tentação, que fizessem o mesmo.

O SENHOR BUSCA A C ONS OLA Ç"'Ã O


EM SEUS DISCÍPUL OS

Adentrou no horto com Pedro, João e Tiago, mas tam­


bém se afastou deles à distância de um tiro de pedra ( Lc 22,
4 1 ) . O Senhor começou a sentir uma ang ústia profu nda e
d isse aos três d iscípulos m a i s q ueridos : Minha alma está
triste até a morte ( Mt 26, 38). A tristeza é u m senti mento
que nasce do pavor ou medo, a nte a dor q ue se está para
sofrer. Ambas as coisas, a tristeza e o medo, como se fos­
sem duas pesadas pedras, opri m i ra m o coração do Sen hor
até causar ang ústi a . Começou a terpavor e angustiar-se ( Me
14, 33) .
O Senhor tinha motivos para estar angustiado e tris­
te. Dura nte toda a sua vida, sofreu por amor aos homens;
mas naq uele momento a sua dor era a i n da mais forte . É
verdade que Jesus Cristo contemplava a Deus com infin ita
cla ridade e quem vê Deus desta maneira não sofre nenhu­
m a afl i ção e goza de u m a felicidade sem li mites . M a s foi
desejo de Deus que Jesus Cristo sofresse para que pudés-

42
semos ser redi mid os; sofreu a dor no seu corpo e sofreu
tristeza e a ngústia na sua a l m a . Demo nstrou que era u m
verdadeiro h o m e m ao sofrer, ao sentir e ao comove_r-se.
Não foi menos Redentor ao padecer fome, sede, cansaço
e fadiga no seu corpo, como também não foi menos Reden­
tor ao padecer tristeza, m e d o e a n g ústia na sua a l m a .
Quando u m homem sofre u m a terrível dor física e tem a o
seu alcance u m remédio eficaz e não o uti liza , dizemos que
este homem sofre porque q uer. Do mesmo modo, o Senhor
podia suprimir imediatamente a dor do seu corpo e d a sua
alma, mas não usou de seu poder divino, portanto, é certo
que sofreu porq ue desejou. E esse foi , talvez, o desamparo
de que se q ueixou na cru z : Meu Deus, meu Deus, por que
me abandonaste? (Mt 27, 46).
Uma das razões pela q ua l Jesus Cristo q u is sofrer a
dor no seu corpo e na sua a l m a foi para demonstra r q u e
era u m verdadeiro homem, com a nossa mesma natureza ,
q ue sentia como n ós a tortura e os i nsultos, que não era
"de bronze e de ped ra" (d. Jó 6, 1 2 ) .
Q u a n d o sentimos a força das ten tações n ã o deve­
mos desa n i m a r e pensar q ue perdemos a graça de Deus.
Estes senti m en tos não são pecados, mas man ifestações
da debilidade natural do homem. O Senhor q u is sentir esta
fraq ueza, fa zendo-se igual a nós - exceto no pecado -,
para q ue nós nos fi zéssemos iguais a Ele, na fortaleza e
n a o b e d i ê n c i a à v o n t a d e d e D e u s . C o m o d i z S a n to
43
Ambrósio: Não devem ser considerados valentes, os que mais
fendas recebem, mas os que mais sofrem por elas. Quis o
Senhor pa rticipa r como nós das dores do corpo e tam bém
das tristezas da alma, porque qua nto mais partici passe dos
nossos males, mais participantes nos fa ria dos seus bens.
Tomou a minha tristeza - diz Santo Ambrósio - para me
dar a sua alegria_- com meuspassos desceu à morte, para que
com os seus passos eu subisse à vida.
Tomou o Senhor a s n ossas enfermidades para q u e
fossemos curados, castigou a si mesmo pelos nossos peca­
dos, para q ue recebêssemos o perdão. Curou a nossa so­
berba com as suas h u m i l h ações; a nossa gula, bebendo
fel ; a nossa sensualidade, com a sua dor e a sua tristeza .
Por outros motivos que u ltrapassam o con hecimento
h u ma no, nosso Senhor m i sericordioso e amoroso, q u is ser
a çoitado, esbofeteado, coroado de espinhos, ter os pés e
mãos perfu rados, como ta mbém perm itiu que os enviados
das trevas o a tormentassem e a tristeza se a poderasse
do seu coração .

A TRISTEZA DE JESUS CfHSTO

O Senhor teve muitos motivos para ficar triste, e como


não q u is que fossem ate nuados, sofreu u m a a n g ústia de
morte no coração.
44
Aq uele d i a fora exa u stivo p a ra Jesus. Havia ca m i ­
n h a d o de Betâ n i a a Jerusa l é m , celebrado a ceia pasca l ,
lavado os pés d o s a póstolos e institu fdo o Sacra mento d a
Eucaristi a . Ti n h a conv ersa do d u ra nte mu ito tempo, pro­
curando a n i má -los e confortá-lo. Di sse que eles eram os
seus a m igos, os escolh idos, os com panheiros de suas pe­
nas; que deveriam estar mais unidos a Ele que o sarmento
à videira ; q u e a dor seria breve e a a legria grande; que
enviaria o Espírito Santo, p a ra defendê-los e ensiná-los.
Fa lou ta m bém que Ele partiria na frente recebendo no seu
corpo as feridas, e eles a lcançariam a vitória depois. Disse
por último que os deixaria, porque estava volta ndo para o
Pa i ; q u e d e v e r i a m fi ca r a l e g re s , p o r q u e e m b r e v e
retornari a .
Sofreu m u ito p o r Judas, demonstrou isto várias ve­
zes naquela noite, até o ponto de não poder d isfa rçar mais
a tristeza . Lutando contra a d u reza do seu coração, usou
leves insinuações, palavras claras e diretas, e mesmo com
provas de particu lar am izade e carinho não consegu i u con­
vencê-lo. Teve tanta dor e desgosto ao ver um a m i go se
converter em t raidor.
Na despedida de sua Mãe, a dor de Maria despeda ­
çou-lhe o co ração .
Em todas as ocasiões t i n h a p rocu rado dominar-se,
most ra r confia nça e esconder o que se passava n o seu
í n t i m o , p a ra confort a r os s e u s e c u m prir com o dever
45
daquela ú l tima cei a . M a s a tristeza contida tro u xe a i nda
mais dor q uando o Senhor se viu só no horto, longe dos
oito d i scíp u los q u e h a v i a m ficado à ent ra d a ; com eçou a
chora r, mostra ndo toda a sua a m a rgura, desejava a l iviar
o coração, co nsolar-se co m o a mor e a lealdade dos três
d iscípulos mais q ueridos. E foi a eles que d isse : Minha alma
está triste até a morte ( Mt 26, 38) .
Sentia grande aflição ao ver a perversidade dos seus
i n i mi gos . Do ódio nascia o desejo d e o matarem, d e in­
ventar i nj ú rias, de o torturarem, de zomba rem de sua amar­
g u ra . E ra como se o i n i m i go tri u nfa sse e Deus o tivesse
a bandonado. A sensação de ser oprimido pelos i n i migos,
fazia que cla masse ao Pai em seu a uxílio : Olhal� Senhor_
para minha miséria/ porque o inimigo se ensoberbece
(Lm 1 , 9).
Q u a n d o escuta rm o s o b ra m i do d e u m t o u ro ou o
rugido de um leão, mesmo protegido, ficamos a pavorados
em i m a g i n a r o q u e p o d e ri a acontecer se as feras esti­
vessem soltas; do mesmo modo, podemos pensar na an­
gústia que sentia Jesus, rodeado de tantas pessoas furio­
sas e com o poder de fa zer com ele o que q u isessem . O
povo esco l h ido voltou-se ferozmente contra C risto, assim
o profeta indicava : Meu povo foi para mim qual leão na flo­
resta/ a rugir contra mim (Jr 1 2 , 8 ) .
Em outra profecia , encontramos o ód io dos príncipes
dos sacerdotes e do povo : Cercam-me touros numerosos/
46
rodeiam-me touros de Basã; contra mim eles abrem suas
fauces_ como leão que ruge e arrebata (SI 2 1 , 1 3- 1 4 ) .
O S e n h o r já co n hecia os pla nos d e seus a l gozes .
Muito tem po antes o profeta a ntecipava toda dor e sofri­
mento : Instruído pelo Senhor_ eu o desvendei. Vós me fizes­
tes conhecer seus intentos. E eu, qual manso cordeiro con­
dUZido à matança, ignorava as maquinações tramadas contra
mim (Jr 1 1 , 1 8- 1 9 ) .
S a b i a ta m bé m q u e n e n h u m a m i g o o d efe n d e ri a
q uando estivesse rod eado pelos i n i m i gos e q u e sofre ria
todo tipo d e calú n i a .

Olho para direita e vejo: não há ninguém que cuide de


mim. Não existe para mim refúgio, ninguém que se interesse
pela minha vida (SI 1 4 1 , 5 ) . O desam pa ro dos a migos o
angustiava : Derramo-me como água, todos os meus ossos
se desconjuntam; meu coração tornou-se como cera, e
derrete-se nas minhas entranhas (SI 2 1 , 1 5 ) .

Com a proxi midade da morte, estava em sua mente


toda a dor e tormento que sofreria na cru z . Pensava na
i nj ustiça, nos insu ltos, nas ca lú n ias, nos escá rnios e nas
agressões q ue sofreria . O sim ples fato de imaginar assus­
tava mais que a própria morte . Os condenados tem os olhos
vendados para atenuar este senti mento, mas o Senhor não
teve nenhum alívio. Salvai-me, ó Deus, porque as águas me
vão submergir (SI 68, 2 ) .
47
I m a g i n a va ta m b é m Pi l atos, por m e d o e res p e ito
h u m a n o , enviad o-o a H e rodes, que o trataria como u m
louco n a frente d o s cortesões ; depois sendo devolvido a
Pilatos, que mandaria açoitá -lo; os soldados colocando em
sua cabeça u m a coroa d e espi n h os para zombar d e sua
realeza ; a sentença de morte na cruz. A dor e h u m i lhação
em seu coração eram maio�es quando imagi nava sua Mãe,
presenciando tudo j u nto às m u l heres que o seg u i a m .
E ra i m possível afastar d e s e u pensa mento a q u e l e
l u g a r terrível : o Calvário . Anteviu a cru cificaçã o : comple­
tamente despido, rebaixado como um marginal no meio de
dois ladrões, suspenso por mais de três horas, i n su ltado
pelos I n i migos e desa m p a rado pelos a m igos.
O Senhor não foi pou pado de nenhum destes senti­
mentos. Foi tanta dor que começou a ter pavor e angustiar­
se (Me 14, 3 ) .
Pa ra d esca nsar um pouco, ped i u a o s três a m i gos :
Minha alma está triste até a morte. Ficai aqui e vigiai comigo
( M t 26, 38).

O VA l.OR INFI N I TO DE SUA DOAÇÃ O

Apesa r da gra n d e d o r e tristeza , n a d a i m pediria o


Senhor em obedecer ao Pai no ofereci mento de sua vida
para salvar a h u m a n i d a d e . M a s, com t a m a n h o peso e m
48
seus om bros, Ele entrou em agom�7 e ora va alnda com mals
lnstâncla, e seu suor tornou-se como gotas de sangue a
escorrerpela terra ( Lc 2, 44 ) .
Jesus Cristo participava da essência d e Deus, e vivia
como que arrebatado na ânsia de servi-lo com toda a força
do seu amor. Conhecia todos os pecados cometidos e que
seri a m cometidos contra Deus. N.ão nos su rpreende que
Jesus te nha sofrido tanto; talvez muitos homens tenham
esta d o e m s i t u a ções mais d ra m á ti c a s , mas d e v e m o s
lembra r:

Não chames valente a quem recebe mals ferldas, mas


ao que mals sofre por elas, e as suporta.
Nlnguém como Cr/sto teve uma alma tão grande: a sua
dor foi' à medlda de seu amor; não compreendemos
lntelramente o seu amor, por lsso não compreendemos sua
dor.2

A dor, proveniente do a rrependi mento dos pecados,


levou a l g u ns homens a morrer. Se esta fag ulha do a m or
de Deus fez morrer estes santos, assi m podemos imaginar
o sofri mento de morte do Senhor, cujo amor a Deus e aos
homens não tem med ida , é fogo eterno !
S e o a póstolo São Pau lo, em s u a seg u nda epístola
aos ro ma nos, confidenciava q u e a preocupação com as

2. São João de Ávila. Audi Filia.

49
igrejas era mais importa nte que seu cansaço e as perse­
gu ições que sofria, podemos i maginar como seria o sofri ­
mento do Senhor, q u e t i n h a u m a caridade infin itamente
maior q ue o a póstolo e desejava sa lva r a todos, mesmo
que fosse com a própria vida; que a mava tanto aos homens
e sabia a grande desgraça que é perder a a m izade de Deus
e fica r privado para sem p re de sua presença e a mor. Só
Ele podia entristecer-se no fu ndo da alma pelas ofensas a
Deus, q u e ocasionariam a condenação etern a .
N osso Senhor ti n h a tomado como s e fossem seus
todos os pecados e estava disposto a pagar pessoalmente
todas as d ívidas pera n te o Pa i ofendido.

Todos nós andávamos desgarrados como o velhas,


seguíamos cada qual nosso caminho; o Senhor razia recair
sobre ele o castigo das faltas de todos nós ( ls 53, 6 ) .

O Senhor p o r a m o r aceitou a rigorosa sentença d a


j u stiça divina, e carreg o u todos o s pecados co metidos e
q u e se cometeri a m até o fi m dos te m pos. É i m possível
calcular a maldade cometida pela h u ma n idade, mais ainda
a dor de Cristo.
Quando uma pessoa paga a dívida de outra, não fica
com vergonha, pelo contrá rio, o rg u l ha -se por pagar u m a
conta que n ã o era obrigado. Mas Cristo pagou nossas d ívi­
das com o se fossem suas, por isso não pagou somente '
com o seu sangue, mas com a vergonha desses pecados.
50
Continuamente estou envergonhado; a confusão cobre­
me a face ( S I 43, 1 6 ) . Pois foipor vós que eu sofri afrontas.
Bem vedes minha vergonha (SI 68, 8 . 20) .

O Senhor ta mbém ped i u perdão pelos pecados, como


se fossem seus . Quando alg uém comete um delito, mu itos
amigos, para não perder a honra, afi rmam não o conhecer,
e se um a m i g o aj uda, deixa claro q u e não tem n e n h u m
vínculo c o m o ocorrido. Jesus, de maneira i n versa, apre­
senta-se sempre para socorrer a todos d iante do tribunal
d i v i n o , mesmo que sej a m o s d e l i n q u entes e peca d o res,
c h a m a n d o - n os em a lta voz de a m igos, i rmãos, fi l hos e
mem bros de seu corpo. Defende nossa a bso lvição e paga
as nossas penas. Embora tivesse rogado três vezes para
que se fosse possível afastar o cálice de sua morte, sabia
que não seria atendido, pois carregava o peso de nossos
pecados como se fossem seu s . E permaneceis longe de
minhas súplicas e de meus gemidos? (SI 2 1 , 2 ) .

Como seria sua tristeza que o fez suar sangue. Que


vergonha passaria quando diante de Deus, escutaria o peso
de nossos pecados, como se fossem seus. Aí de nós, porque
nós os fizemos! 3

Parece q u e a tristeza d e Jesus Cristo não poderia


ser maior, mas au mentou mais ainda pela nossa ingratidão.

3. S ã o J o ã o d e Á v i l a . Tra tado 1 0 d o Santíssimo Sacramen to, 7 .

51
Viu que m u itos não reco nheciam, outros não a preciavam
e que vários não agradeciam seu esforço em nosso favor;
e q u e, m e s m o d e p o i s de d e rra m a r o seu sa n g u e p a ra
limpar nossa i m u ndice, m u itos terminariam na condenação
eterna. Seu coração foi ferido de tal maneira que é i m pos­
sível descrever com palavra s . Sentia o novo pecado dos
homens : o desprezo pelo seu amor. A ingratidão d ilacera
m u ito mais quando provêm dos cristãos, pois estes rece­
beram as maiores provas de amor.
Jesus sentiu uma m istu ra de dor e consolação, quan­
d o seus discípu los l utava m contra as tentações. V i u sua
mortificação e pen itência ; as perseguições, i njúrias e humi­
l h a ções que sofreri a ; o tra b a l h o , o cansaço e a d o r, e
m u itas vezes o m a rtíri o . Pre v i u o padeci mento de seus
s e g u i d o res, que seri a m p e rseg u i d os por causa d e seu
nome e de sua doutri n a . O Senhor tom o u tudo para si e
isto dilacerava seu coração.
Quando Saulo perseguia os cristãos, disse : Por que
me persegue? De forma a náloga, viu as pedras que mata­
ram o diácono Estevão, o fogo que queimou Lourenço. As
t r i b u lações dos sa ntos fo ra m a s s u m i d a s p o r C ri sto . O
sofrimento de Corpo M ístico, q u e é a Igreja, são os sofri­
me ntos do seu p ró p rio corpo . Ele q u e conhecia t u do e
compreendia melhor que ni nguém a dor, em suas orações
ofereceu tudo ao Pa i .

52
A ORAÇÃ O NO J-IORTO

O Senhor forneceu u m exce lente exem p l o do q u e


devemos fazer quando estamos tristes : recorrer à oraçã o .
A natureza humana de Cristo rejeitava a cruz, mas pros­
trou-se e rezou, procurando a fortaleza de Deus. Sabia que
tudo é ordenado pela Prov idência D iv i n a , q u e nem u m a
folha cai sem permissão. Quando orares/ entra no teu quarto/
fecha a porta e ora ao teu Pai em segredo/ e teu Pai, que vê
num lugar oculto/ recompensar-te-à ( Mt 6, 6 ) . Como tinha
ensinado, afastou deles à distância de um tiro de pedra (Lc
22, 4 1 ) , prostrou-se com a facepor terra e orava (Me 14, 3 5 ) :
Pai , meu Pai . . . Começou a consola r-se com o Pai , o mesmo
que o enviava para a morte. Obedecia como Filho, mas ao
contrário de Isaac, seus olhos estavam abertos . Ensinou­
nos a chamar Deus de Pai , mesmo quando parece que nos
castiga .
Meu Pai, se é possívei ( M t 26, 39 ), se é do teu agrado
afasta de mim este cálice/ ( Lc 22, 4 2 ) . Suplicava para não
beber do cálice a m a rgo : Eu não quero nada que Tu não
queiras/ porém/ se Tu quere� se épossível, faz que não beba
este cálice. Sentir aversão perante a dor e q uerer evitá-la
não d i m i n u i o mérito, pelo contrário, aumenta quando se
co nforma com a vontade de Deus. Jesus mostrou u m a
aversão natural ante a d o r - Afasta de mim/ este cálice ­
mas acrescento u : Se é possível, se Tu queres. Assim Cristo
53
submete-se e abraça a vontade do Pai : Todavia não se faça
o que quero, mas sim o que tu queres ( Mt 26, 39).
Quem pede é o Filho U nigênito de Deus, no qual seu
Pai ti nha posto todas as complacências. Aq uele que tudo
pode, com seren idade e respeito, pede apenas que o livre
de uma morte cruel que não merece, mas que aceita com­
pleta mente a vontade do Pa i .
O Senhor ensina como orar a o Pa i : Que não se faça
como eu quero, mas como Tu queres.
Jesus leva ntou e se aproximou dos d iscípulos. Esta­
vam todos adormecidos pelo cansaço, acordou-os para que
estivessem vigi lantes pera nte o encontro que se a g u a r­
dava . Sabia que Judas estava bem acordado e rea lizando
sua tra ição naquele m o m ento. Entristeceu -se a o ver os
a póstolos entorpecidos pela preg u iça, principal mente com
Pedro, que tinha prometi do seg u i -lo até a morte .
A ele dirigiu estas palavras : Pedro, t u ta mbém dor­
mes? Não pudeste vigiar uma hora! ( M e 1 4, 37). Dizia que
me seguiria na pn"são e morreria por Mim. E agora que preCiso
de sua companhia, não consegue ficar acordado comigo nem
por um breve momento? Não percebe que Eu precisava des­
cansar um pouco, enquanto você devia ficar acordado para me
defender? Ped ro ficou emudecido.
O Sen hor volto u -se aos outros, que ti nham i m itado
a Pedro, tanto na p resu n ção como na preguiça, e disse­
lhes : Vigiai e orai, por mim e por vós, para que não entret"s
54
em tentação. N ã o se desc u idem e não confiem nas boas
i ntenções; fiquem firmes em oração, mesmo com o espírito
pronto para padecer a carne é fraca .
I med iatamente o Senhor colocou em prática aquilo
q ue acabara de ensi nar. Voltou a afastar-se dos discípulos
para renovar sua oração: Meu Pai, se não é possível que este
cálice passe sem que eu o beba, faça-se a tua vontade ( M t
26, 42).
Novamente voltou, preocupado com a fraqueza dos
apóstolos, e o u tra vez os e n controu adormecidos. Como
era m preg uiçosos em rezar, demonstrava m como seriam
fracos na ação. Desta vez o Senhor não d isse nada, talvez
para não os afligir mais a i n d a ; ti n ha-os repreendido u m a
vez, n ã o q ueria embaraçá-los novamente . A vergonha era
ta m a n h a q u e n ã o sabiam o q u e d i zer. Ta m bém nós n ã o
sabemos o que responder ao Senhor pela pouca com panhia
que fazemos na sua Paixão. Ficamos com os olhos pesados,
com sono, de tanto olhar para o que nos afasta de Deus .
Nova mente o s deixou e pela terceira vez foi orar; pro­
n u nciou as mesmas palavra s . Q u a n d o esta mos tristes e
opri m idos não são necessárias palavras novas para d i rigir
preces a Deus; bastam as mesmas, repetidas vezes, para
q u e o Sen hor escute.
Persevera na oração, bate a porta que ela se abrirá.

55
GOTAS DF SA NGUE

S ã o Lucas c o n ta q u e e ra g ra n d e a " a g o n i a " d o


Senhor nesta terceira volta . Ago n i a s i g n ifica : esta d o de
transição que precede a morte, espaço de tempo que dura
este estado, luta, sofri mento, a ma rgura . Cristo lutava den­
tro de si ; por um l a d o esta v a a n a t u reza h u m a n a q u e
rejeitava esta morte, do outro a natureza divina que dese­
java obedecer ao m a ndato de seu Pa i . O Espírito lutava
contra a carne e a n imava-o a aceitar o martírio. Nesta ba­
talha o Senhor rezou com mais fervor e a oração foi longa.
Angustiado, violentou-se a si mesmo com tanta força , que
algumas vei as se romperam , fazendo ca ir gotas de sangue
pelo chão. Não suou sangue por medo, mas pelo esforço
i m e n s o em obedecer p l e n a m e nte a v o n t a d e de D e u s .
Quanto mais a umentava o seu sofri mento, mais s u a oração
se i n tensifi cava ; cla m a ndo para que o cál ice fosse afas­
tado, porém, mais ainda, que fosse feita a vontade do Pai .
Todos o s a njos contemplavam a cena, e m q u e o Filho de
Deus agonizava e suplicava três vezes para se evitar esta
morte tão cruel e vergonhosa. Ag uardavam o resultado da­
quela súplica ; como Abraão guardou sua espada perante
seu fi lho Isaac; igualmente, talvez Jesus fosse poupado.
D e u s m o s t r o u a o s a nj o s q u e s u a v o n ta d e e ra
sobera n a e que aceitava a oração de seu Fi lho, e assi m ,
s e cum priria toda justiça e misericórdia, toda d ívida pelos
56
pecados ficaria paga e seria a b e rta a sa lvação aos h o ­
mens. Todos os a njos ad orara m a Deus pela s u a infi n ita
sabedoria e incompreensível bondade.
Uma oração h u milde e perseverante, nunca fica sem
resposta . A decisão tomada a ntes da criação do m u n d o
n ã o seria m udada . Deus enviou-lhe u m anjo para confortá­
lo. Evidente que um anjo não poderia trazer uma paz maior
que a q u ela que Jesus t i n h a passado aos apóstolos . Mas
naq uele momento de solidão, o Senhor se sentiu q uerido
e foi confortado. Assi m, ensina o Mestre, q ue humi ldemente
devemos aceita r e procurar consolo, mesmo que seja em
pessoas aparen temente s i m p les.
Term inada a o ração, o Senhor leva ntou -se e nova­
mente encontrou os apóstolos dormindo. Despertou-os com
uma aparente i ronia : Dormi agora e repousai/ (Mt 26, 4 5 ) .
C o m isto q ueria d izer: ótimo l u g a r e ocasião para dormir,
o i n i migo está perto para me prender; solicitei que rezas­
sem e vigiassem comigo, mas agora é tarde. Como não se
leva n tavam, g ritou : Basta! Veio a hora! o Filho do homem
vai ser entregue nas mãos dos pecadores (Me 14, 4 1 ) .
Ultrajado era o senti mento do Senhor, por aq ueles
q ue o prendiam, e mais ainda por Judas, pois era u m após­
tolo e o vendia por pouco va lor. Judas não barganhou, con­
formou -se com o valor pag o : Que quereis dar-me e vo-/o
entregarei ( M t 26, 1 5 ) . Agora, o Senhor não ocultaria mais
o desgosto pelo traidor: Levantai- vos e vamos! Aproxima-
57
se o que me há de entregar ( M e 14, 42 ) ; ele não perdeu
tempo e nem está dormindo.
Enco ntra mos n este episód i o dois g ra n des ensina­
mentos : a o ração sem p re é efi caz, embora a consolação
fosse pequena, a forta leza para vencer foi enorme; e dian­
te de Deus precisa mos abrir i nteiramente nosso coração
como fez Davi : Ponho diante dele a minha inquietação, eu lhe
exponho toda minha angústia (SI 1 4 1 , 3 ) . Perante a d ifi­
culdade é preciso mostrar va lentia e enfrentar os que nos
perseg u e m .

jESUS É PR ESO

Após sair, J udas que não acreditava mais em Jesus,


pois o considerava um enganad or, começou a organizar
como o entregar. Foi à casa dos príncipes dos sacerdotes
para ind icar q ue aquela era a ocasião o portuna para q u e
s e cum prisse o combinad o . Assi m d e u as coordenadas para
a captura. Conseg uiu uma comitiva de soldados da guard a .
Parecendo pouco, m a n d a ram criados e alguns dos prín ­
ci pes dos sacerdotes, co m isso davam uma autoridade ao
fato, pois estes foram s u mos sacerdotes em a n os ante­
riores . Todos estavam bem a rmados e e q u ipados, co m
espadas e paus, la nternas e tochas. J ud a s a rm o u t u d o
para que nada saísse errado. Na cidade todo este alvoroço
58
não passou despercebido. J u ntou-se todo tipo de gente :
j udeus, gentios, servos, comerciantes, vagabundos, pros­
tituta s ; todos nesta n o i te p re n d e r i a m Jesus, porq ue a
g raça da redenção seria para todos .
J udas tomou o comando d a operação. São Lucas d i z
que : à testa deles vinha um dos doze, que se chama va Judas
( Lc 22, 47), e que é confirmado pelos Atos dos Apóstolos :
roi o guia daqueles que prenderam Jesus (At 1, 1 6 ) . Judas, o
traidor, conhecia também aquele lugar, porque Jesus ia
Frequentemente para lá com seus dic;cípulos (Jo 18, 2), então
escolhendo a noite, q uando Jesus estaria com poucos ami­
gos e fora de cidade, evitaria tumulto e resistência de seus
segu idores, satisfazendo assim o temor dos pontífices que
tinham medo e queriam prender Jesus após a Páscoa. O
poder das trevas buscava na escuridão a Luz Eterna, seria
necessário então tochas e lanternas. Como era noite, seria
necessário um sinal para que não houvesse engano, pois
a l g u ns não conheciam Jesus. Um beijo foi o modo q u e
J u d a s e n contro u . C o m u m óscu lo n o rosto , a saudação
ha bitual en tre amigos, sina liza ria para captu rarem Jesus.
Agindo com falsidade e d u plicidade, ca racterísticas de um
traidor, entregaria Jesus com um beijo, pensa ndo que des­
te modo passa ria tra n q uilo como seu amigo, pois era um
dos a pósto los. Co m u n i cou a todos o s i n a l para p render
Jesus: Aquele que eu beijar, é ele. Prendei-o! (Mt 26, 48 ) .
Vemos q u e n e m se m pre aqueles q u e seg uem Jesus são
59
b o n s , m u itas vezes se torn a m c o m o J u d a s , os p i o res
tra i dores.
J udas e seu séquito saíram da cidade em direção ao
Monte das Oliveiras. As a rmas brilhavam à luz dos a rchotes.
O traidor ca m i nhava na frente, como se fosse pacifica r a
cidade, prendendo u m chefe de q u a d r i l h a . Chegara m ao
Horto de Getsêmani, no momento que Jesus a i nda fa lava
com os discípulos.
O Senhor demonstrou a sua divindade, entregando­
se livremente. Mesmo com o beijo, nada aconteceu como
J u d a s t i n h a pla nej a d o ; n i n g uém recon heceu e prendeu
Jesus, e ele não passou despercebido pera nte os o utros
a póstolos. Quando Judas aproximava-se, Jesus foi ao seu
encontro. Fingindo-se amigo, saudou-o : Salve, Mestre. E
beijou o (Mt 26, 49) . O Senhorque somente querapaz aceitou
-

o ósculo (cf. Sl 1 1 9, 7 ) . Com ma nsidão aceitava aquele beijo


para mostrar q u e se entregava por vo ntade própri a .
Fazendo o b e m para quem lhe fazia mal, depois d e
ter recebido o beijo, mostrou ca rinho d e amigo, cha ma ndo­
o pelo nome, não censurando e perguntando-lhe com ter­
nura : .Judas, com um beijo trais o Filho do homem? ( Lc 22,
48), com sinais de amor e paz me entrega à morte? Amigo,
é então para isso que vens aqui? (Mt 26, 50) . M i n ha dor é
maior porque vem de u m a m igo, se o ultraje viesse de um
inimigo, eu o ter/a suportado; se a agressâó partisse de quem
me odeia, dele me esconderia (SI 54, 1 3 ) .
60
Judas ficou emocionado diante da serena reação de
am izade demonstrada pelo Senhor; perante o olhar do Mes­
tre ficou pa ra lisado. Mas, a d i s posição para o mal venceu,
então, juntou-se aos soldados. Mesmo após o sinal, nenhum
soldado p re n d e u J e s u s ; a p risão não seria como ti n h a m
planeja Fam , seria somente q u a ndo Jesus permitisse.
Judas tinha se afastado e os soldados não o pre n ­
diam. Como Jesus soubesse tudo o que havia de lhe acontecer;
adiantou-se e perguntou-lhes: A quem buscais? (Jo 18, 4 ) .
Cegados n ã o o v i a m , Judas conti nuou calado, e eles res­
pondera m : A Jesus de Nazaré. Todos os preparativos fora m
in úteis, mas Jesus d eu-se a conhecer: Sou eu. A voz ma­
jestosa e imponente sa iu como um raio, espantados recua­
ram e caíram por terra (Jo 18, 6), esta q ueda representava
a ru ína do templo.
Os a póstolos a legraram-se com a força de seu Mes­
tre; com uma resposta derrubou um exército. Perante Ele
não há nenhum poder. O que acontecerá com os ímpios,
quando Ele vier julgar?
Jesus estava i m ponente e os soldados caídos. Quan­
do se leva nta ra m , p e rg u nto u - l hes nova mente : A quem
buscais? Pera nte a g randeza de Jesus, deviam adorá-lo e
servi-lo, mas não recon hecendo sua realeza, persistiram em
n a i ntençã o : A Jesus de Nazaré. Percebendo que não e ra
p o s s í v e l fa z ê - l o s e n x e rg a r , e p re o cu p a d o c o m s e u s
discípulos respondeu-lhes : Já vos disse que sou eu. Se é, pois
61
a mim que buscais, deixai ir estes (Jo 1 8 , 8 ) . N ã o ped i u ,
o rdenou , somente assim Ped ro q u e feri u u m servo d o sumo
sacerdote poderia sa i r i leso. Todos obed eceram e assi m se
cumpriu as Escrituras: Conservei os que me deste, e nenhum
deles se perdeu, exceto o filho da perdição ( Jo 1 7, 1 2 ) . Entre
aquela m u ltidão, estava Ma lco, servo do sumo sacerdote,
que estava indignado pelo que havia escutado sobre Jesus.
Quando o Senhor se revelou, Malco o atacou violenta mente.
Os discípulos vendo que a situação era dramática, pergun­
ta ra m : Senhor, devemos atacá-los à espada? ( Lc 22, 49 ) .
Pedro n ã o esperou nenhuma autorização, desembainhou a
espada e desferiu o gol pe na cabeça de Ma lco, pega ndo de
raspão no capacete corto u - l h e a o relha d i reita .
J esus, que desejava entregar-se l iv remente, vendo
que Ped ro e os ou tros, tentavam defendê-lo, disse : Deixai_
basta! ( Lc 22, 5 1 ) . Com a habitual piedade, tentando abran­
dar a ira de M a lco, toco u - lhe a ferida e curou-o. É ass i m
que Jesus domina o ód i o d o s i n i migos, com caridade.
Após curar a ferida do i n imigo, corrigiu os discípu los,
mostrando novamente que oferecia sua vida por vontade
própria, para se cum pri r ãs profecias e o ma ndato do Pai .
Embora o s i n i m i gos atacassem, mandou : Embainha tua
espada, porque todos aqueles que usarem da espada, pela
espada morrerão ( M t 26, 52). Eu não fujo da morte, aceito­
a com amor, não são eles que me matam, mas a vontade
de meu Pai, então, não hei de beber eu o cálice que o Pai me
62
deu? (Jo 18, 1 1 ) . Crês tu que não posso in vocar meu Pai e
ele não me enviaria imediatamente mais de doze leg1ões de
anjos? Mas como se cumpririam então as Escnturas, segundo
as quais é preciso que seja assim? ( M t 26, 53-54 ) .
E m bora fosse p reso porq u e q u i s, foi u m a desonra
para Jesus, pois era u ma pessoa conhecida por suas vir­
tudes, pelos milagres e por suas pa lavras. O povo conside­
rava-o como um profeta . Mas foi preso como um ma lfeitor,
um ladrão. O Senhor que tinha deixado passar várias injú­
rias, desta vez foi incisivo : Saístes armados de espadas e
varapaus, como se viéssel.s contra um ladrão ( Lc 22, 5 2 ) .
Exprimia seu sentimento pelo q u e faziam : cegos e engana-
o
dos, tratavam"'"c omo um malfeitor; estava sempre no meio
deles, na cidade, mas o prenderam no campo; usaram de
armas para quem só pregava a paz ; buscaram u m traidor
contra aq uele q ue sem pre fora leal e fazia tudo as claras.
Por que não se atreveram a me prender antes? Fize­
ram de noite, como se prendessem a um ladrão; mas só o
fizera m , porq u e consenti . Mas esta é vossa hora ( Lc 22, 53),
e é isso q u e perm ite a m i n h a prisã o ; são as trevas com
seu poder q ue lhes movem.
Com estas palavras, os demônios e seus servidores,
encontraram -se livres para fazer com Jesus, o que bem en­
tendessem . Aga rrara m-no e golpea ram-no com violência e
insu ltos. Depois a m a rrara m as m ãos, prendendo assim, o
autor da liberdade . Talvez mu itos dos que o ataram, disses-
63
sem depois: Senhor quebrastes os meus gnlhões. Oferecer­
vos-eium sacrifício de louvor(SI 1 1 5, 7 ) . Judas andava ao lado
dos sacerdotes e mag istrados, comentando o seu êx ito .
Os a póstolos, envergonhados e assustados, esque­
cendo-se do que tinham prometido, o abandonaram e fugi­
ram (Me 1 4, 50).
Seguia-o um jovem coberto somente de um pano de
linho ( Me 14, 5 1 ) , talvez, acordado pelo g rande alvoroço e
barulho q u e faz i a m os q u e tra z i a m Jesus. Foi notado e
tentaram prendê-lo, mas larga ndo o lençol, esca pou n u .4
Assim ta mbém acontece conosco, sofremos mais por fugir
da cruz, do que de segui-la.
Os a póstolos, d ispersos pela fuga, talvez se reu n is­
sem na casa onde tinham ceado; contaria m a M aria todo
o ocorrido no horto; descreveriam a prisão de seu Filho, e
a Virgem ficaria ferida com uma dor profunda, embora con­
formada com a vontade de Deu s.

O SENHOR É ENTREGUE A OS f'ONTiFICES

Volta n d o a Jerusa l é m , passara m novamente pela


Torrente d o Cedro n , l e v a n d o J es u s a m a rra do como se
fosse um ladrão, com pressa e gritando ; aos empurrões e

4. Segundo a Tradição, esl e seria o próprio M a rcos, autor do Evangelho.

64
com pancadas d e rrubava m-no, e d e pois levantavam-no
brutalmente.
Levaram-no a residência de Ca ifás, sumo sacerdote.
Era ta mbém presidente do conselho que se chamava Si né­
d rio, loca l onde se reuniam setenta e dois juízes. Era por vol­
ta da meia-noite, porque depois da ceia, quando Judas saiu
"era noite". Jesus t i n ha conversado durante um longo tem­
po, su bido ao horto, orado e só depois foi preso; tinha-se pas­
sado m uito tempo. Os juízes e anciãos daquele povo, esta­
vam tão obcecados que, para não perderem tempo e conde­
narem o Senhor, reu n i ram-se mesmo sendo tarde da noite.
E ntrou Jesus em Jerusa l é m , grande Sacerdote da
Nova Aliança, para oferecer a sua vida em sacrifício agra­
dável a Deus pela redenção do mundo. O processo come­
çou na casa do sumo pontífice, onde estava m reu nidos a
sua espera, os sacerdotes e doutores da lei. Antes, porém,
os soldados leva ra m -no a casa de Anás, sogro de Caifás.
Honrando ass i m , sog ro e genro, e desonrando o Senhor.
Anás enviou-o preso ao sumo sacerdote Caifás (Jo 18, 24 ) , a
quem competia conduzir o processo . Caifás foi quem deu
aos judeus o conselho: Con vém que um só homem morra
em lugar do povo (Jo 18, 14). Ele que tinha dado o conselho,
estava d isposto a executá-lo. Na sua casa a contecera m
todas as coi sas q u e se contam desta noi te .
Em bora , depois da prisão n o horto, todos o s d iscí­
p u los ten h a m fu g i do e deixado Jesus. Preocupado p a ra
65
onde levariam o seu S e n l1 o r, mesmo com medo, Pedro
seguia-o de longe ( M t 2 6 , 58 ) . Ta m bém o seg u i a ou tro
discípulo, que ti nha certa a m izade com o sumo sacerdote.
C h e g a n d o a casa de C a i fá s , e n trou J es u s e toda
aq uela comitiva que voltava do horto; p rovavelmente ou­
tros se i ncorporaram atraídos pelo alvoroço pelas ruas da
cidade.
Entrando, logo dispensariam o tribuno e os soldados
romanos com uma quan tia generosa . Fechariam as portas
para evitar curi osos, com isso ficariam somente os j u ízes
e as pessoas i m porta ntes no processo . Vig i a nd o a porta
estava uma criada, o o u tro d i scípulo, por ser conhecido,
conseg uiu entrar. Ao notar q u e Pedro tinha ficado de fora,
ju nto à porta, o d iscípulo ped i u e a porteira deixou-o en­
trar. Naquela noite, a verdade tão perseguida seria negada
por Pedro.
Levaram o Sen h o r na presença do pontífice . Pedro
e o outro d iscípu lo estavam presentes e teste m u n ha ra m
o ocorrido. O pontífice, j unto com os sacerdotes e doutores
da lei , exa m i navam o processo contra J esus. Pela manhã
pretendiam real izar outro conselho, este pleno e legítimo;
o processo noturno seria u m a p reparação para poderem
encontrar provas e condenar o Senhor à morte. Conside­
ravam-no um farsante e a g itador, p regador de mentiras
contra a Lei e a tradiçã o . O sumo sacerdote examinou pri­
meiro sobre os discíp u los; q uem e quantos era m ; depois
66
s o b re a d o u t ri n a q u e e n s i n a v a , p a ra tenta r e n co ntra r
alguma mentira ou erro.
O Sen hor nada d isse sobre os d i scípulos, todos ti­
nham fugido escandalizados e envergonhados, e Pedro que
estava presente, atemorizado, não fa laria em sua defesa.
Considerando a razão das perg u ntas, bastari a responder
sobre sua doutrina, que sendo boa e de Deus, não poderia
reu n i r discípulos para uma causa perversa . Assim respon­
deu : Faleipublicamente ao mundo. Ensinei na sinagoga e no
templo, onde se reúnem os judeus, e nada falei às ocultas
(Jo 18, 20), vocês poderi a m suspeitar, se a doutrina é noci­
va, se eu falasse escondido, mas nada d i sse em seg redo.
Nas vezes q u e fa lei a sós com meus d i scípu los, foi p a ra
explica r as pa rá bolas, nada fa lei de diferente ou pa ra se
ocultar, pelo contrário, era exatamente para que pudessem
entender e assim transmitir a todos. Sendo assi m, por que
me interroga? Pergunta àqueles que ouviram o que lhes disse.
Estes sabem o que ensinei (Jo 18, 2 1 ), nestes acreditareis
mais do q u e a m i m .
U m d o s servos não gostou d a resposta , d ita com
tanta verdade e serenidade, parecia que faltava com res­
peito e rebaixava o sumo sacerdote; esbofeteando firme­
mente Jesus, disse : É assim que respondes ao sumo sacer­
dote? (Jo 18, 22 ) .
O Senhor não perdeu a serenidade, a pesar d a violên­
cia feita por u m sim ples servo na presença de todos. Além do
67
insu lto e da agressão, dava a entender que a resposta não
era verdadeira, e nem q u e sua doutrina era divi na. Não seria
h u mildade se calar dia nte deste ultraje . Calmamente, Jesus,
mostrou ao ag ressor q u e a vio lência fe ita e a om issão do
pontífice eram i nj ustas, n ã o havia motivo a l g u m p a ra lhe
bater. Se o j u lga mento fosse justo, com petia a penas ouvir
a s teste m u n h a s e d e p o i s dar a s e n te n ç a , mas como o
julgamento nascia do ódio e da i nveja, jamais seria i m parcia l .
Jesus respondeu ao servo : Se falei ma� prova-o, mas
se falei bem, por que me bates? (Jo 1 8 , 2 3 ) . N e n h u m a
resposta podia s e r m a i s a certada, j u sta e oportuna . Por
ter agred ido Cristo, este ca nalha mereceria que a terra se
a b risse e o tragasse. Mas Deus foi paciente, em vez de
castigar, venceu pela bondade.
O Senhor estava disposto a oferecer seu próprio cor­
po para ser imolado na cruz. Por isso, não deu a outra face,
como tinha ensinado, além d isso é melhor responder com
a verdade, que oferecer a outra face por orgulho, vaidade
ou aparência. A humildade está no interior, não n u ma ati­
tude extern a .
Se o processo fosse justo, a resposta do Senhor teria
sido correta e a ceita . M a s o j u lg a m ento estava viciado na
ra iz, os j u ízes eram i m parciais e d issi mulados. A inveja e o
medo de que os romanos destruíssem o tem plo fez com que
todos estivessem com o veredicto de morte pronto. Os prín­
cipes dos sacerdotes e todo o conselho procuravam um falso
68
testemunho contra .Jesu� a fim de o levarem à morte (Mt 26,
59). Seria necessário mentir, porq ue na vida do Senhor não
encontra ri a m nenh u m pretexto p a ra condená-l o . M u i tos
esta va m d ispostos a d a r fa lsos teste m u n hos, a l g u n s por
medo, outros pa ra ficarem bem com os sacerdotes. Todos d i ­
ziam mentiras e contradições; falavam que Jesus tinha pacto
com o demônio, q u e não respeitava as festas, q ue era g lutão
e beberrão, que era a m igo dos publicanos e pecadores, q u e
incitava o n ã o pagamento do im posto, que blasfemava . Con ­
tudo disseram u m a verdade : q u e era Fi lho de Deus.
Os fa lsos testem un hos, como não estavam ensaia­
dos e se contradizi a m , não foram convincentes para con­
denar Cristo . Apresentaram-se mais duas fa lsas testemu­
nhas, que declararam : Este homem disse: Posso destruir o
templo de Deus e reedificá-lo em três dias (Mt 26, 6 1 ) . Ouvi­
mo-lo dizer: Eu destruirei este templo, feito por mãos de ho­
mens, e em três dias edificarei outro, que não será fe1to por
mãos de homens ( M e 1 4 , 5 8 ) . E ra evidentemente fa lso,
Jesus não disse que podia ou destruiria o templo, mas que,
q u ando fosse destru ído, constru iria o utro "não feito por
mãos dos homens", ele falava do templo do seu corpo (Jo 2,
2 1 ) . Isto sign ificava que quando morresse, ressuscitaria
em três dias. Mesmo d i storcendo as pa lavras, ainda não
tinham provas suficientes para o condenarem à morte.

69
O SfNNOR [ CONDENA DO

O Senhor manti nha-se ca lado perante as ca lúnias e


os falsos teste m u n hos . Ti nha percebido pera nte sua pri ­
meira resposta que os ju ízes não estavam buscando a ver­
dade, e aquela reu nião, q u e só ti nha aparência de j u lga­
mento, na verdade era um covil de lad rões.
O s u m o sacerdote, i m paciente e irado, vendo q u e
c o m fa lsas testem u n has não conseg u i a condená-lo, per­
g u ntou : Nada tens a responder ao que essa gente depõe
contra ti? (Mt 26, 62 ) . q u e espécie de arrogâ ncia é essa?
Jesus se calava e nada respondia (Me 14, 6 1 ) . Não con­
vinha que o Filho de Deus falasse por medo a um mero mor­
ta l. Quando se é inj uriado, desprezado, ofendido e calunia­
do, g ra n d e é o mérito d a v i rtude da paciência e m ficar
calado. Inclusive é perigoso fa lar nestes momentos; acon­
selhava o profeta : Velarei sobre os meus atos, para não pecar
mais com a língua. Porei um freio em meus lábios, enquanto
o ímpio estiver diante de mim. Fiquei mudo, mas sem resul­
tado, porque minha dor recrudesceu (SI 38, 2-3). Mostrou o
Senhor g rande mansidão, profetizada há m uito tempo: Foi
maltratado e resignou-se.: não abriu a boca, como um cordeiro
que se conduz ao matadouro, e uma ovelha muda nas mãos
do tosquiador (Is 53, 7 ) . O Rei Davi havia proclamado : Ami­
gos e companheiros rogem de minha chaga, e meus parentes
permanecem longe. Os que odeiam a minha vida, armam-me
70
ciladas/ os que me procuram perder_ ameaçam-me de morte/
não cessam de p/anejar traições. Eu, porém, sou como surdo:
não ouço_- sou como mudo que não abre os lábios. Fiz-me como
um homem que não ouve, e que não tem na boca réplicas a
dar (SI 37, 1 2 - 1 5 ) . Foi exatamente o que fez o Senhor.
Cansado, o sumo sacerdote decid i u perguntar-lhe d i ­
retamente o que desejava e necessitava ouvir para conde­
ná-lo a morte. Sabiam que o chamavam de Filho de Deus,
e i sto e ra para eles u m a bl asfê m i a . Usando o nome de
Deus, para que não se calasse, pergunto u : Por Deus vivo,
conjuro-te que nos digas se és o Cristo, o Filho de Deus? ( Mt
26, 6 3 ) . E esta foi a única acusação q ue fizeram perante
Pilatos: Nós temos uma lei_ e segundo essa lei ele deve morrer,
porque se declarou filho de Deus (Jo 19, 7 ) .
O Senhor foi obrigado a proclamar a verdade, honrar
o nome de seu Pai, m esmo q u e isso o levasse a morte : Eu
o sou. E vereis o Filho do homem sentado à direita do poder
de Deus, vindo sobre as nuvens do céu ( Me 14, 62) . Agora
me veem, humi lhado e preso, mas em breve me vereis como
j u iz do céu e da terra .
Ao ouvir a resposta, o sumo sacerdote furioso ras­
gou as vestes, como era costume dos j udeus q uando escu­
tavam uma blasfêmia . Caifás, para agravar a cena, exage­
rava na d ramatização, ficando com o peito desnudo. Jesus
pode ver a que ponto chegava a i nveja e a maldade. O ve­
lho sacerdote não pode o u v i r a m a i o r verdade de todas
71
as verda des que o Novo e Eterno Sacerdote proclamava,
preferiu c h a m a r a verdade de blasfêmia . Q u a n d o Pedro
confessou que Jesus era o Filho de Deus, fundou a Ig reja ;
quando Caifás negou-o e chamou de blasfemo, a sinagoga
foi enterrada para sem pre .

Lança o olhar à volta e vê: reúnem-se todos e vêm a ti.


Por minha vida, diz o Senhor, de gala te revestirás, como uma
noiva te cingirás (Is 49, 1 8 ) .

A igreja é a veste do Senhor, embora perseg u ida,


está fu ndada sobre a fé em Jesus Cristo, Filho de Deus, e
as portas do inferno não prevalecerão contra ela ( Mt 16, 1 8 ) .
O s s o l d a d o s n ã o se a t re veram a ra s g a r a s vestes d o
Senh or; o sumo sacerdote rasgava a s vestes com as pró­
prias m ã o s . A s i n a g o g a perdeu seu sacerdócio e cu lto
perante a verdade da Nova e Eterna Alia nça .
Escandalizado rasgou as vestes, agora era além de
j uiz, ta m bém teste m u n h a de acusaçã o : Que necessidade
temos ainda de testemunhàs?Acabastes de ouvira blasíêmia!
Qual o vosso parecer? ( Mt 26, 65-66). Que devemos fazer
perante tal evidência? Então todos, sem exceção, julgaram
merecedor de morte ( M e 14, 64) . Assim se cumpria o que o
Senhor havia dito : o Filho do homem será entregue aosprín­
âpes dos sacerdotes e aos escnoas. Eles o condenarão à morte
( Mt 20, 1 8 ) .

72
Os servos dos sacerdotes, ao ouvirem a sentença ,
cuspiram-lhe então na face, bateram-lhe com os punhos e
deram-lhe tapas ( M t 26, 6 7 ) . Ta mbém os sacerdotes do
Si nédrio batera m e insu lta ra m Jesus.
Estavam convencidos que o castigo era merecido,
pois Cristo suportava bem. Então, se aproveitaram para
vingar as críticas feitas em público sobre seus vícios e erros.
Levanta ndo-se enfu recidos das cadeiras, em que estavam
indigna mente como j u ízes, começaram a bater-lhe.
Depois, despediram-se e com binaram uma nova reu­
nião pela manhã, onde o processo e a execução da senten­
ça seri a m validados.
O sumo sacerdote retirou -se ao seu aposento, dei­
xando Jesus em poder dos guardas e criados; estes o leva­
ram a um comparti mento menor e ficaram a noite toda com
ele. Divertindo-se escarneciam dele e davam-lhe bofetadas
( Lc 22, 63), cuspiram-lhe então na face (Mt 26, 67). Estes
homens vis emporcalhavam aquela face divina que os pró­
prios anjos desejavam contemplar ( l Pd 1 , 1 2 ) .
M a ltrata ra m , ferira m , batera m , dera m pontapés e
socos . Depois, cobriam-lhe os olhos ( Lc 22, 64) , taparam
aqueles olhos pa ra qual nenhuma criatura lhe é invisívei ( H b
4, 1 3 ) . Co ntin u a v a m a d a r bofetadas e como tinha fa ma
de p rofeta, escarneci a m - se : advinha, ó Cristo: quem te
bateu? ( Mt 26, 68) . E injuriaram-no ainda de outros modos
(Lc 22, 6 5 ) .
73
Vendaram-lhe a face para se ocultarem ao seu olhar.
Condenara m-se a n u nca mais ver Jesus com os ol hos da
fé . Não devemos estranhar a maldade destes homens . Nós
t a m b é m fa z e m o s o m e s m o : p e c a m o s e c o m n o s s a s
h i pocrisias, logo qu e remos ta par os o l h os d e Deus, para
que não veja a nossa m a ldade.
Há muito tempo uma profecia mencionava o sofrimen­
to voluntári o : Aos que me feriam, apresentei as espáduas, e
as faces àqueles que me arrancavam a barba; não desviei o
rosto dos ultrajes e dos escarros (Is 50,6) . Mesmo assim,
causa grande admiração a mansidão, a paciência e a forta­
leza com que o Senhor sofreu tudo.
Provavelmente os guardas, durante a jornada de vi­
gia daquela noite, se a lternaram nas a g ressões, enquanto
alguns d esca nsava m , o utros chegavam com novas zom­
barias. O Senhor não pode dorm i r, sofreu d u ra nte tod a à
noite . Para os cegos da sinagoga, o amanhecer n unca che­
gou, pois ficara m na escuridão para sempre .

AS NEGAÇÕES D E PEDRO

A cada momento au mentava a dor do Senhor. Agora,


Pedro, um dos apóstolos mais q uerido, j u rava não con hecê­
lo; ele que tinha sido avisado ; o negaria, não uma vez, mas
três vezes.
74
A primeira vez foi pouco depois da meia-noite . Os ser­
vos e os guardas acenderam um fogo, porque fazia frio, e se
aqueciam. Com eles estava também Pedro, de pé, aquecendo­
se (Jo 18, 1 8 ) . Ele que ti n ha entrado, porq ue João conhecia
a porteira, estava no átrio fug i ndo do frio, q ua ndo a porteira
o i nterrog ou ; Ped ro negou e saiu, o galo ca ntou pela pri­
meira vez .
A terceira negação deve ter sido por volta das quatro
da m a n h ã . Os eva ngelistas n a rram que na terceira nega­
ção, o galo canto u . São Marcos diz que era a seg u nda vez
q u e o galo ca ntava ; este seg u ndo ca nto costu ma ser por
volta deste horário.
São Lucas n a rra : Passada quase uma hora ( Lc 22,59).
Então a seg u n d a negação foi p rovavelmente às três da
manhã. O Senhor tinha alertado a Ped ro : Antes que o galo
cante duas veze� três vezes me negarás ( Mc 14, 72 ) . Referia­
se a dois m o m e n tos q ue o galo canta, um por volta d a
m e i a - n oi te, e o u tro a n tes d e a m a n h ec e r . Da p ri m e i ra
n egação à seg u nda, São Lucas diz : Pouco depois ( Lc 22,
58), para se referi r a terceira n egação, São Ma rcos d i z o
mesm o : Pouco depois (Me 14, 7 0 ) . Tudo aconteceu mu ito
rá pido para Ped ro naquela noite.
Tudo a conteceu n o átrio, q u e é o pátio das casa s ;
como n ã o há telhado, o c é u fica a berto. Por isso os soldados
e os criados tiveram q u e acender u m a fog u e i ra para se
protegerem d a fria madrugad a .
75
Não se deve estra n h a r q u e u n s na rrem q ue Ped ro
estava fora, outros q u e estava dentro : estava fora d a sala
de julgamento, mas den tro da casa . São Mateus completa :
estava sentado no pátio ( Mt 26, 69) . Também deduzimos que
a sala de j u l g a mento ficava n o a n d a r d e c i m a : Estando
Pedro embaixo, no pátio ( M e 14, 66).
Voltando-se o Senhor; olhou para Pedro ( Lc 2 2 , 6 1 ) .
Como pode olhar s e Pedro estava n o pátio e Ele e m cima?
Provavelm ente, a pós o conselho, quando já tinha aconte­
cido a terceira negação e l evava m-no para outra sala ou
Pedro foi ver como tinha acabado o julgame nto, e o Senhor
olhou para ele.
Provavelmente tenha acontecido desta m aneira : Ter­
minado o j u lgamento, os sacerdotes se recolhera m . Na casa
a pe n a s ficaram os g u a rd a s e c ri a d o s . Con d u z i ra m J es u s
p a ra o u t ra s a l a , o n d e v i g i a r i a m a té a m a n h e cer. Tod o s
estavam n o pátio, aquecendo-se n a fogu ei ra , uns sentados
e outros d e pé. Cansados d e tanto escarnecere m , com frio
e sono, revezavam-se na guarda do Senhor. Pedro afi rmava
não con hecê-lo e como estava arrefecido no amor de Jesus,
a q uecia -se j u n to ao fogo do i n i m i g o . Te n d o t ra ído D e u s ,
estava precisando u rgente d e u m a consolaçã o .
A p o rte i ra q u e t i n h a d e i x a d o e n t ra r, percebeu-o
sentadojunto ao fogo, encarou-o de perto e disse: Também
este homem estava com ele (Lc 22, 56) . Porventura não é
u m dos d iscíp u los? Antes q u e Ped ro respond esse, a cres-
76
centou : Sim, com certeza é um dos que andavam com o
Nazareno!
Pedro sentind o-se acuado n o meio d e toda a q u ela
gente, cheio de medo de uma si mples criada, negou diante
de todos ser um discípulo : Não o sou (Jo 18, 1 7 ) ; Mulher,
não o conheço ( Lc 22, 5 7 ) ; Não sei o que dizes (Mt 26, 70).
Ped ro, Pedro ! Há pouquíssimo tem po dizia : Mesmo
que sejaspara todos uma ocasião de queda, para mimjamais
o serás. Mesmo que seja necessário morrer contigo, jamais
te negarei ( M t 26, 3 3 . 3 5 ) . Não está em perigo de m o rte,
não é o procurador romano ou o sumo sacerdote que per­
g u nta , os soldados não te a m eaça m ; como não pode res­
ponder com coragem a uma simples porteira? É um homem
fraco Pedro e, sem ajuda d a graça, é vencido diante de uma
situação i n si g n ifica nte.
Levanta ra m-se todos, Pedro aproveita ndo para dis­
fa rçar, ficou de pé e aproximou-se mais da fog ueira . Estava
i ntra n q u i lo e com m u ito medo, afastou-se e sa i u do pátio
em direção a porta . O galo cantou pela primeira vez.
Aq uela noite estava tu multuada : entrava e saia gen­
te, mu itas perguntas e opiniões, o barulho era enorme. Pe­
d ro tentava ficar oculto para não ser recon hecido, ao mes­
mo tempo p rocu ra va saber como estava o seu M estre .
Depois de mentir que não era d iscípulo e nem o conhecia,
ficou perturbado, não sabia onde fi ca r ou como se compor­
tar, l eva n tava e sentava , a prox i m a va -se do g ru po p a ra
77
escutar a lgo, depois se afastava, a ndava e voltava do átrio
a portaria, estava co m p l eta mente perd i d o .
Pouco depois foi em direção da porta do pátio, outra
criada olhou-o fixamente e d isse aos outros : Este é um dos
que estavam com Jesus de Nazaré! Pedro voltou a senta r­
se ju nto ao fogo com os d e m a i s , e perg u n ta ra m -l h e : É
verdade que é um discípulo deste homem? Pedro respondeu :
Não, não sou. Um servo que o o lhava a tentamente d isse :
Tenho certeza de que é um deles. Pedro respondeu a borre­
cido: Deixe-me em pa-0 homem, já disse que não sou! E jurou
não conhecer Jesus.
Ped ro q u a n d o negou pela p ri m e i ra vez, devia ter
a b a n d o n a d o a q u e l a conversa e s a ído do lado d a q u e l a s
pessoas, que tanto lhe aborrecia m . Porém, como ficou, sua
culpa e o seu pecado foram maiores. Na primeira vez men­
tiu, mas n a seg u nd a jurou . G ra n d e exemplo para n ossa
d e b i l i dad e : d evemos fu g i r das oca siões peri gosas, para
não cairmos em pecado. Pedro ficou ju nto ao fogo e a ter­
ceira n egação seria ainda pior.
Passada quase uma hora ( Lc 22, 59). Um dos criados
insisti u : Certamente tu és daqueles, pois é galileu (Me 14, 70) .
Outros repetiram : Sim, tu és daqueles/ teu modo de falar te
dá a conhecer ( Mt 26, 73 ) . Diziam isto, porque os galileus
falam com sotaque diferente dos outros judeus. Pedro con­
tinuava negando, mas um dos criados do sumo sacerdote,
parente daquele q ue teve a orelha cortada, desmasca rou-
78
o : Não podes negar; pois eu mesmo te vi, quando estava com
ele no horto. Ped ro acuado disse : Que diz? Não te entendo/
Como não acreditavam nele, começou a jurar e praguejar:
Eu não conheço esse homem/ Imediatamente o galo cantou.
Era perto das q uatro h oras d a madrugad a .
A promessa de Ped ro não acontece u : Darei a m i n ha
vida . 5 O Senhor havia profetizado : Três vezes me negará !
Todos os evangelistas n a rra m a s três n egações.
P e d ro t i n h a e s q u e c i d o do S e n h o r , m a s J e s u s
lembrou-se dele; voltando-se o Senhor; olhou para Pedro ( Lc
2 2 , 6 1 ) p a ra q u e s e l e v a n t a s s e d e s u a q u e d a . E s t e
mo m e nto p o d e ter s i d o q u a n d o a c a bou o processo, e
d e s c i a m J e s u s p a ra o u tra s a l a . A p e s a r d o g ra n d e
sofri mento, o Senhor olhou para Pedro, conforta ndo-o. Ele
entendeu e lembro u -se daquelas p a lavras que não tinha
a c red ita d o : N esta n o i t e , a n te s q u e o g a lo c a n te d u a s
vezes, terás m e negado três vezes .
Saiu dali e chorou amargamente ( Lc 22, 62 ) . Entendeu
a g ravidade de sua culpa, contraposta a bondade do Se­
nhor. O choro a ma rgo e as lágrimas nasciam do afetuoso
amor de seu Mestre. Recordava-se que tinha reconhecido
Jesus como o Filho de Deus, e agora, mesmo avisado a nte­
cipadamente, jurava não co nhecê-lo mesmo com todos os

5. Não aconteceu naquele momento, depois d e Pentecostes revestido do


poder do Espír'to Santo, como chefe e coluna da Igrej a , morreu marti­
rizado em Rom a .

79
benefícios q ue ti nha recebido e os privilégios que tinha pe­
rante os outros com panheiros. O j u ra mento que proclamou
dia nte de todos, queimava-lhe as entranhas. Foi tanta dor
que, por mu ito tem po, toda manhã quando o galo ca nta va ,
chorava amargamente, lem brando-se deste momento . São
Marcos escreveu "começou a chora r", como se fosse a pe­
nas o começo de u m longo pranto, durante m uito tempo.
O olhar d e Jesus toco u - l h e n o fu ndo de sua a l m a .
Como n ã o pode retrata r-se publica mente de s u a covardia,
d esatou a chorar de a rrependi mento. Com a queda, ficou
mais h u m i lde e menos confia nte em s i , não colocou mais
e m risco sua d e b i l i d a d e . Experiente e n s i n o u aos outros
como evitar ocasiões de pecar, e que a forta leza vem de
Deus.
Não pedi u perdão imediata mente. Pensou em lançar­
se aos pés do Senhor, suplicando perd ã o . Mas, pareceu ­
l h e muito atrevimento consegu i r um perdão tão rápido, tal­
vez conseguisse com lágrimas e mortificações. Ficou ca lado
e não a p resentou n e n h u m a descu l p a , somente c h o ro u ,
lavando com lágrimas s u a culpa. Foi para fora do palácio,
para chorar em paz, buscando consolação na Virgem Maria,
refúgio dos pecadores. Onde mais poderia buscar conso­
lo? Contar sua tristeza e a m a rg u ra? Ela o confortou com
firme espera nça de alcançar o perdão de seu Filho.
O Senhor perm itiu que a pedra fundamental d a Ig reja
pecasse e fra q u ejasse, para e n s i n a r q u e n i ng u ém deve
80
ter a presunção de confiar em si mesmo, pois mesmo u m
apóstolo cheio de privi légio e a mor, ca i u .
Tomemos como aviso o q ue d iz São Paulo: Portanto/
quem pensa estar de pé veja que não caia ( 1Cor 10, 1 2 ) .
Devemos a prender com o q u e aconteceu a Pedro, n unca
duvidar de Deus, mesmo q u a ndo esta mos perdidos, pois
a pesa r do pecado ser e norme, g raças à s suas lágri mas e
a sua pen itência, voltou à a mizade com Cristo. Foi confir­
mado como príncipe dos apóstolos, cabeça da Igreja, Pastor
do reb a n h o de C risto e d epositário das ch aves do reino
dos céus.
Comenta Santo Agostin h o : Atrevo-me a dizer que é
proveitoso para os soberbo� cairnum pecado claro e evidente,
pelo qualse vejam como são pecadore� poisjá tinham pecado
com a sua soberba. Pedro se viu mais pecador quando chorou
a sua culpa/ do que quando presumia sua fidelidade.
Outra razão fornece São Gregório : A misericórdia que
o Senhor usou para aquele que seria Pastor da Igreja/
aprendesse por si mesmo como de via compreender as
fraquezas alheias e compadecer-se delas/ foigrande e digna
de ser sempre recordada: O Senhor olha para seu amigo que
o negou para salvá-lo/ e para dar-lhe a mão para que não se
perca. Assim o Senhorfoipiedoso com ele/ para que ele o fosse
com as ovelhas do rebanho que lhe confiaria, para que não
desamparasse ninguém por muito enfermo/ revoltado ou
perdido que possam estar.
81
CR I S TO I'A VI: CL- U POIU \ M OR A OS HOM ENS

O Senhor passou a noite toda entre os i nim igos, mas


não d esejava v i n g a nça, a penas paz e fe l i c i d a d e a eles.
E ntregava -se ao sofri mento por amor a Deus e a os ho­
mens, e ni nguém era mais poderoso que Ele. Estava triste
e ao mesmo tempo o seu amor era tão g ra nde q u e dese­
j ava sofrer, pois sua dor salva ria os homens. Esta noite
de dor, também foi de conforto e de a legria, pois com este
batismo de sangue se farte de opróbrios (Lm 3, 30).
O amor de Cristo pela h u m a nidade, desafia todo o
conhecimento ( E f 3, 19), porque a fonte em que n asce está
acima de toda a com preensão. Não se baseia na perfeição
ou nos méritos dos homens, pois estes são i m perfeitos e
pecadores. Não é possível a m a r o homem pelo o que ele
é. O a mo r tem fu n d a mento no a mor q u e o Pai tem pelo
Filho, e nos i nfi n itos benefícios co nced idos a sua h u m a ­
n idade, porq ue p o r obed iência, agra decimento e a m o r ao
Pai, Cristo amou os homens.
N o insta nte da concepção de Jesus no seio d a Virgem
Maria, Deus deu-lhe o ser divino uni ndo-o a sua divina pes­
soa . Pelo que podemos dizer, é certo que o homem Jesus,
é Deus, Filho de Deus, e tem de ser adorado no céu e na
terra . Este é um dom i nfi nito, ser Deus.
Deus concedeu a Jesus, ser rei de toda a criação. Ele
existe antes de todas as coisas, e todas as coisas subsistem
82
nele. Ele é a cabeça do corpo, da Igreja. Ele é o princípio, o pri­
mogêmto dentre os mortos e por isso tem o primeiro lugar em
todas as coisas (CI 1 , 1 7- 1 8 ) . Enquanto Deus é igual ao Pai e
ao Espírito ; enquanto homem é o primeiro entre todos e ca­
beça de todos. Todos nós recebemos da sua plemtude graça
sobre graça (Jo 1 , 1 6 ) . Não só porque a graça seja maior n'Eie,
mas porque é o sa ntificador de todos os homens. Para d a r
um exemplo, é como uma tinta q u e todos tê m de receber, a
cor da santidade. Claro que a santidade não pode ser a pe­
nas exterior, tem de ser tam bém i nterior, em sua totalidade.
Quando Jesus olhasse para si mesmo, rei de todas
as criaturas, com todos os a njos ajoelhados dia nte d 'Eie,
e sou besse que tudo l he vinha de Deus . Com que palavras,
diria o seu a mo r a Deus? Com que vontade se ofereceria
a Deus para obedecer e servir? Não existem palavras para
expri m i r ou explicar este grande mistério .
A o man ifestar ao Pai o g rande d esejo de servir e agra­
dá-lo, Deus diria que lhe confiava a salvação da human idade,
que ti nha se perdido pelo pecado de um homem . Entregava­
lhe uma m issã o : Devia a m a r os homens com um amor tão
g ra n d e , sendo ca paz de sofrer tudo para salvá-los. Jesus
amou os homens por a mor ao Pai e por obediência; como era
Deus, a mou-os desde o princípio com o amor de Deus .
De Jesu s , g ra n d e m a n a n c i a l e torre nte ca udalosa ,
flui o amor de Deus para os homens. O Pa i entregou toda
a huma nidade a Jesus. Todas as coisas me foram dadas por
83
meu Pai (Mt 1 1 , 27), ora, está é a vontade daquele que me
enviou: que eu não deixe perecer nenhum daqueles que me
deu (Jo 6, 39 ) . Porém, como tudo estava perdido ao enco­
mendar-lhe, era necessário reconqu istar tudo novamente.
Deus não enviou o Rlho ao mundo para condená-lo, mas para
que o mundo seja salvo por ele (Jo 3 , 1 7 } .
A recomendação fez com q u e s e p reocupa sse com
verdadeira solicitude, em redimir o mundo. Sabendo Jesus
que o Pai tudo lhe dera nas mãos (Jo 1 3 , 3 ) , preocupado em
cu mprir a missão, disse : Manirestei o teu nome aos homens
que do mundo me deste (Jo 17, 6 ) . E orava : Por eles é que
eu rogo. Não rogo pelo mundo, mas por aqueles que me
destes, porque são teus. Santifico-me por eles para que
também eles sejam santificados pela verdade (Jo 1 7, 9 . 1 9 ) .
Quando foi preso no horto, preocu pado c o m o ma ndato do
Pai, defendeu-os: Se é, pois_ a mim que buscais_ deixai ir
estes. Assim se cumpriu a palavra que disse: dos que me
destes não perdi nenhum (Jo 18, 8-9 ) . Não perdeu nenhum
por culpa própri a , entreta nto doeu a perdição de J udas,
pois tinha rogado ao Pa i tam bém por ele . Conservei os que
me deste, e nenhum deles se perdeu, exceto o rilho da per­
-dição, para que se cumprisse a Escritura (Jo 1 7, 1 2 ) .
Desta mesma fonte, nasceu ta m bém tudo o q u e con­
v i n h a para o bem e felicidade do hom e m . Pouco a ntes d a
Paixão, disse : O mundo, porém, deve saber que amo o Pai e
procedo como o Paime ordenou (Jo 14, 3 1 ) . E padeceu na cruz
84
pelos homens. Era grande o desejo de cumpri r a m i ssão :
Devo ser batizado num batismo/ e quanto anseio até que se
cumpra! ( Lc 1 2 , 5 0 ) . O b a t i s m o d e s a n g u e p a recia q u e
demorava uma etern idade, d e tão g ra nde q u e era o seu de­
sejo. No Domi ngo de Ramos aceitou ser recebido com flores
e ser aplaudido pelo povo, para que vissem a alegria de seu
coração, a mesma alegria que subi ria na cruz. O rei Davi expri­
miu a força do amor de Jesus ao escrever: Exulta, como um
gigante, a percorrer seu caminho. Saide um extremo do céu, e
no outro termina seu curso; nada se furta ao seu calor(SI 1 B,
6-7) . O amor d i v i n o sa i u de Deus e voltou para Deus. Não
a mou o homem pelo homem, mas por Deus. Não há ning uém
que possa esca par do seu calor, nem fug i r do seu amor, por­
que sua caridade é tão a rdente q ue força, q uase obriga os
corações. O amor de Cristo nos constrange ( 2Cor 5, 1 4 ) .
O a pósto l o Pa ulo t a n t o esti mava e s s e a m o r, q u e
menosprezando a fome, a sede, a perseguição, a v i d a e a
morte, dizi a : Eu mesmo desejaria ser reprovado, separado
de Cristo, por amor de meus irmãos ( Rm 9, 3 ) . O apóstolo
André d i a nte da cruz que morreria, louvava e d izia para
se a leg rarem com ele. Os exemplos leva m-nos a desejar
subir à cruz e encontrar o coração de Jesus. Grande parece
ser o a mor demonstrado por Pa u lo e André; maior, infini­
tamente maior, é o amor de Jesus.
Jacó deu uma g ra nde prova de amor: sete anos tra­
balhou para o seu sogro La bão, para poder casar-se com
85
Raq u e l ; era ta nto trabalho q u e de dia não d escansava e
de noite não dormia ; tinha a pele queimada pelo sol e pelo
fri o . Assim, .Jacó serviu por Raquel sete anos, que lhe
pareceram dias, tão grande era o amor que lhe tinha ( Gn 29,
2 0 ) . Pa receria pouco, também para Cri sto uma noite de
u ltrajes e três horas na cruz para obter como esposa, a
Igreja, e fazê-la toda gloriosa, sem mácula, sem ruga, sem
qualquer outro defeito semelhante, mas santa e irrepreensível
(Ef 5, 27) . Sem dúvida amou mais do que padeceu . O amor
de seu coração foi maior que o sofri mento de suas feridas
a bertas. Deus mandou padecer por todos os homens, mas
se fosse por apenas um, da mesma maneira teria padecido.
Assim , como esteve três horas na cruz, se fosse necessário
ficaria até o fim do m u ndo, pois seu amor era infi n ito .
Foi tama nha prova de amor que surpreendeu a mui­
tos, foi escândalo para os judeus e loucura para os pagãos
( l Cor 1 , 2 3 ) . A prova de amor que nos deu cega a todos
no meio de tanta luz. Quando revela este segredo e m is­
tério : ficamos deslumbrados, nos desma nchamos em lágri­
mas, q ueima mos de a mor, permanecemos felizes na tribu­
lação, fortalecidos no medo e desejamos amar tudo o q ue
Cristo desejou e a m o u .
Outro motivo d e júbilo para o Senhor foi quando na­
q uela noite, no meio das agressões e i njúrias, previa, g ra ­
ças ao seu sofrimento, a imagem de um m undo renovado .
Homens transformados da carne para o espírito. Contem-
86
piava homens q ue, a o con hecerem o seu sofri mento por
eles, faziam-se à sua i magem e semelhança, despreza ndo
o mal e desejosos de fazer o bem no m u nd o . Com esta
alegria poderia sofrer com fortaleza, dar o rosto e o corpo
sem desviar dos ataques. Via que através do que lhe faziam
a q u e l e s ca rra s c o s , Deus m o l d a v a n e l e , a i m a g e m e
exem plo dos predestinados.
Deus Pai estava satisfeito com a obediência do Filho,
pre parava u m a h o n ra ri a por toda desonra e i nsu lto q u e
sofreu naquela noite : compunha u m cântico para que fosse
exaltado para sempre no céu .

87

Anda mungkin juga menyukai