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EDITORA UFR) Diretor Editora Executiva tle Producto Aonso Carlor Marques dos Santos Wonne Maggie Maria Teresa Kopschite de Barros Ana Carteito Cecilia YWonne Maggie (presidente), Afonso Carlos Marques dos Santos, Ana Cristina Zahar, Carlos Lessa, Hermano Vianna, Fer ‘obo Cameio, Pe ¢ A EXPERIENCIA ETNOGRAFICA: antropologia e literatura no século XX James CLIFFORD organizagao e revisio técnica de Jost REGINALDO Santos GoNcatves t ‘SBD-FFLCH-USP MN 271932 1 reimpressto { Editora UFR) 2002 SOBRE A AUTOMODELAGEM ETNOGRAFICA: CONRAD E MALINOWSKI a). 6poca em que estamos acampados, como Viajantes perplexos num hotel vistoso e agitado. ' Joseph Conrad, Vita, Toda a minha ética esté baseada no instinto fundamental de uma personalidade unificada. Bronislaw Malinowski, Disrio de campo de Trobriand, Dizer que o individuo é culturalmente constitufdo tornou- se um truismo. Estamos acostumados a ouvir que a pessoa em Bali ou entre os hopi ou na sociedade medieval é diferente —com experigncias diferentes de tempo, espago, parentesco ¢ identidade corporal ~ do individuo na Europa burguesa ou na América modema, Assumimos, quase sem questionamento, que um “eu” pertence a um mundo cultural especifico, tanto quanto fala uma {ingua nativa: um “eu”, uma cultura, uma Iingua. No quero contestar a dose consideravel de verdade contida mesmo numa férmula to esquemitica; a idéia de que a individualidade esti articulada no interior de mundos de significago que sio coletivos ¢ limitados no esta em questio. Quero, contudo, historicizar a afirmagiio de que 0 “eu” & culturalmente constituido, examinando ‘um momento por volta de 1900, quando esta idéia comegou a assumir o sentido que tem hoje. Em meados do século XIX, dizer que o individuo estava envolvido pela cultura significava algo bem diferente do que significa hoje. A “cultura” se referia auum tinico processo evolucio- SOBRE 4 AUTOMODELAGEN ETNOGRAFICA nério. O ideal da Europa burguesa de uma individualidade aut6noma era amplamente considerado como o resultado natural de um longo desenvolvimento, um processo que, embora ameagado por varias disrupgdes, era visto como 0 movimento basico & progressivo da humanidade. Na virada do século, porém, a confianga evolucionista comegou a ratear, ¢ uma nova concepeao etnogréfica de cultura tomou-se possfvel. A palavra comecou a ser usada no plural, sugerindo um mundo com modos de vida separados, distintos e igualmente significativos. O ideal de um sujeito auténomo e cultivado podia aparecer como um projeto local, nao como um telos para toda a humanidade,? As causas subjacentes desses desenvolvimentos ideolégicos esto além dos objetivos deste texto.” Quero apenas chamar a atengdo para o desenvolvimento, no inicio do século XX, de uma nova “subjetividade etnogréfica”. A antropologia moderma —uma ciéncia do homem intimamente relacionada a descrigo cultural pressupunha uma atitude irGnica de observacdo participante. Ao profissionalizar o trabalho de campo, a antropologia transformou uma situagdo amplamente difundida num método cientifico. O conhecimento etnografico nao podia ser propriedade de qualquer discurso ou disciplina; a condigao de descentramento num mundo de distintos sistemas de significado, uma situagao de estar na cultura a0 mesmo tempo olhar a cultura, permeia a arte e a escrita do século XX. Nietzsche anunciou claramente anova atitude em seu famoso fragmento “on truth and lie in an extra-moral sense”,* a0 perguntar: “O que é a verdade, portanto? Um batalhao mével de metéforas, metonimias, antropomorfismos, enfim, uma soma de relagdes humanas que foram enfatizadas potticae retoricamente, transpostas, enfeitadas, e que, apés longo uso, parecer aum povo sGlidas, can6nicas e obtigat6rias...” (Edigio brasileira, 1974: 56). Nietzsche, talvez mais do que Tylor, foi o prinicipal inventor da {dia relativista de cultura: o presente texto bem poderia se chamar “A verdade e a mentira em um sentido cultural” 101 AA exrenitnein erwoaeAricn Ao invés disso, retirei o titulo deste ensaio do livro de Stephen Greenblatt, Renaissance self-fashioning, um estudo que focaliza um sentido emergente, burgués, mével e cosmopolita do “eu”. A subjetividade etnogréfica que aqui me ocupa pode ser vista como uma variante recente. Personagens do século XVI, tais como More, Spenser, Marlowe, Tundale, Wyatt e Shakespeare, exemplificam, para Greenblatt, “uma intensa autoconscién relagGo a formagiio da identidade humana enquanto um processo ‘manipuldvel, artisticamente construfdo” (p. 2). Nao posso fazer |justiga as sutis e persuasivas anélises que o livro oferece, mas, quero sublinhar a prépria posigio etnogréfica de Greenblatt, a complexa atitude que ele mantém em relagdo a “eus” modelados, incluindo o seu proprio. Ele reconhece em que medida recentes questdes quanto & liberdade, & identidade ¢ & linguagem tém moldado a versio que ele constréi da cultura do século XVI. Ele importa uma perspectiva critica moderna para seu material, Ainda assim, escreve também como alguém nas malhas de uma tradigéo a0 mesmo tempo que fiel a ela. Ele expressa, num epilogo emocionante, sa teimosa adesio & possibilidade de se moldar a propria identidade, mesmo que isso se refira apenas a “um eu concebido como uma ficgo” (p. 257). Ele € levado 20 que Conrad aprovatimamente chama de “uma crenga deliberada” Greenblatt € um analista-participante, construindo ¢ se engajando numa formagio cultural que € a0 mesmo tempo distanciada no século XVI e dialeticamente contfnua em relagio ao presente. Sua “tardia”, reflexiva versio da automodelagem (self fashioning) renascentista repousa num ponto de vista etnogréfico nitidamente articulado. O eu modelado, ficcional, é sempre situado com referéncia & sua cultura e modos codificados de expresso, & sua linguagem. O estudo de Greenblatt conclui que a automo- delagem renascentista era tudo, menos a incontida emergéncia de uma nova autonomia individualista. A subjetividade que ele cencontra “no uma epifania da identidade livremente escolhida, ‘mas um artefato cultural” (p. 256), pois o eu se movimenta dentro Soske 4 AUTOMODELAGEM ETHOGRAEICA de limites ¢ possibilidades que resultam de um conjunto institucionalizado de priticas e cédigos coletivos. Greenblatt recorre & antropologia simbélico-interpretativa, particularmente ao trabalho de Geertz. (e também Boon, Douglas, Duvignaud, Rabinow e Turner); ¢ ele sabe, além disso, que os simbolos ¢ performances culturais ganham forma em situagdes de poder e dominago. Ouvem-se ecos de Foucault na adverténcia de Greenblatt: “O poder de impor uma forma sobre si mesmo é um aspecto do poder mais geral de controlar a identidade —a de outros, pelo menos tanto quanto a prépria” (p. 1). Segue-se que oi etnogréfico, incluindo a variante literdria de Greenblatt, funciona dessa dupla forma. Embora ele retrate outros eus como cultural- ‘mente constituidos, ele também modela uma identidade autorizada fa representar, a interpretar, € mesmo a acreditar ~ mas sempre com alguma ironia — nas verdades de mundos discrepantes. A subjetividade etnografica € composta pela observagio participante num mundo de “artefatos culturais” ligado (eé esta originalidade da formulacao de Nietzsche) a uma nova concepcao de linguagem — ou melhor, linguagens -, vista como distintos sistemas de signos. Juntamente com Nieztsche, os pensadores que delimitam esse men campo de exploragio sio Boas, Durkheim ¢ Malinowski (inventores e popularizadores da idéia etnogréfica de cultura) e Saussure. Eles inauguram um conjunto interconectado de teses que esto agora, no iltimo quarto do século XX, precisa mente tornando-se visiveis. Um especialista em hist6ria intelectual, no ano de 2010, se tal pessoa & imaginavel, pode mesmo olhar para os primeiros dois tergos de nosso século, ¢ observar que este foi um tempo no qual os intelectuais ocidentais estavam preo- cupados com contextos de significado e de identidade que eles chamavam de “cultura” e “linguagem” (do mesmo modo como agora olhamos para o século XIX e lé percebemos uma problematica preocupagio com a “hist6ria” e o “progresso” no sentido evolu- ciondrio). Penso que estamos vendo sinais de que 0 privilégio dado as linguagens naturais e, de forma semelhante, as culturas

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