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Introdução ticas do fazer ciência, em particular, a ima-


Felipe Damasio
gem empírico-indutivista da ciência. Para
Instituto Federal de Educação, Ciência

C
halmers [1] afirma que a explicação isso, usa-se como aporte teórico a filosofia
e Tecnologia de Santa Catarina,
indutivista ingênua da ciência se da ciência relativista1 do epistemólogo
Araranguá, SC, Brasil
aproxima de sua imagem popular: austríaco Paul K. Feyerabend para consi-
E-mail: felipedamasio@ifsc.edu.br
objetiva, confiável, derivada da experiência derações epistemológicas.
por observação e experimentos. Para um
Luiz O.Q. Peduzzi Uma história recontada
indutivista ingênuo, a ciência sempre co-
Departamento de Física, Universidade
meça com a experimentação (empirismo) Diversos autores contextualizam
Federal de Santa Catarina,
e, a partir de um grande número de obser- abrangentemente as origens históricas do
Florianópolis, SC, Brasil
vações, em uma ampla variedade de con- surgimento da relatividade restrita na
E-mail: luiz.peduzzi@ufsc.br
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dições, induz-se um padrão (indutivis- literatura disponível em português [3-7].
mo); tem-se, assim, uma lei ou teoria A gênese da teoria tem sido tema de
científica. O raciocínio indutivo “nos leva diferentes interpretações entre diversos
de uma lista finita de afirmações singu- cientistas, filósofos e historiadores da ciên-
lares para a justifi- cia. A amplamente
cação de uma afir- Apesar de se poder questionar difundida concepção
mação universal” [1, a sua importância para a empírico-indutivista
p. 26]. Como exem- gênese da relatividade restrita, da ciência concebe,
plo de história empí- o experimento de Michelson fundamentalmente, a
rico-indutivista, cos- pode ser colocado entre os teoria da relatividade
tumam-se citar os mais relevantes da história da restrita como uma res-
resultados negativos ciência posta objetiva e correta
de Michelson-Morley ao experimento reali-
como fundamentais para o trabalho de zado pelos físicos estadunidenses Albert A.
Einstein ao propor os princípios da teoria Michelson (1852-1931) e Edward W.
da relatividade restrita. Ao mostrar que a Morley (1838-1923) em 1887 [7].
hipótese de existência do éter era falsa e Apesar de se poder questionar a sua
que, portanto, não existia um sistema de importância para a gênese da relatividade
referência absoluto, esses dados expe- restrita, o experimento de Michelson pode
rimentais teriam sido fundamentais para ser colocado entre os mais relevantes da
a gênese da teoria da relatividade restrita história da ciência. O interferômetro foi
publicada por Einstein em 1905 [2]. “inventado quando Michelson tinha vinte
O presente artigo aborda um ponto e oito anos em resposta a um desafio de
O texto investiga a amplamente difundida ideia
de vista que defende a inconsistência da Maxwell” [8, p. 135]. Tanto antes como
empirista de que os resultados negativos dos
experimentos de Michelson-Morley, de detectar
visão empírico-indutivista no surgimento depois dos experimentos de Michelson,
o movimento da Terra em relação ao éter, fun- da teoria da relatividade restrita. Para houve outras tentativas de medir a
damentaram o trabalho de Einstein ao propor tanto, vale-se de material original de Eins- velocidade da Terra em relação ao éter.
sua teoria da relatividade restrita. Para tanto, tein, por meio de entrevistas, falas públi- Ainda, durante a realização dos experi-
usam-se entrevistas, falas públicas e a auto- cas, sua autobiografia, textos de divul- mentos de Michelson havia teorias sobre
biografia do próprio Einstein em que ele aborda gação de suas teorias e do artigo que apre- o éter muito bem estruturadas sob o pon-
explicitamente a questão. Além disso, procura- sentou a relatividade restrita de Einstein to de vista teórico, bem como sob o ponto
se fazer colocações de cunho epistemológico
em 1905. Este trabalho, essencialmente, de vista experimental [9].
explícito de pontos relevantes do episódio, pro-
curando desconstruir o modelo empírico sobre
objetiva servir de material de apoio a uma O conceito de éter permeava dois
a gênese da relatividade restrita e vislumbrar discussão explícita de história e episte- campos da física no final do Século XIX,
as possíveis implicações dessas questões na edu- mologia da ciência em sala de aula, o eletromagnetismo e a óptica - unificados
cação científica. visando afastar certas opiniões problemá- pela teoria proposta por James Clerk Max-

4 Einstein usou dados experimentais ao propor a relatividade? Física na Escola, v. 15, n. 1, 2017
well (1831-1879). Segundo as previsões em relação a ela próximo ao solo. Tal mos eventos houve uma aproximação
da teoria, o movimento da Terra através teoria explicava os resultados negativos entre Michelson e Morley. O trabalho
do éter poderia ser detectado por meio de de experimentos como o de Arago e era fruto da colaboração destes dois cientistas
experimentos ópticos ou elétricos. A detec- compatível com todos os fenômenos não é uma repetição ou variação do origi-
ção experimental do éter tornou-se impres- conhecidos [10]. nal de 1881. No experimento realizado em
cindível na física da segunda metade do Em 1851, Armand H.L. Fizeau (1819- 1887, a dificuldade no original de girar o
Século XIX. A determinação empírica foi 1896) realizou um experimento com o aparelho foi resolvida montando o instru-
alvo de muitas investigações, sempre tendo objetivo de testar a teoria de Fresnel, atra- mento sobre um flutuador anular de
resultados nulos. Nem mesmo os expe- vés da medição do efeito de arrastamento madeira sustentado por mercúrio líquido.
rimentos pioneiros de Michelson em 1881, da luz em um meio transparente. O resul- Também alteraram o caminho seguido
tampouco o que foi aperfeiçoado por ele e tado trouxe uma relevante corroboração pelos feixes, dos 120 cm originais para
Morley em 1887, deram indício de qual- da teoria de Fresnel [11]. Logo, o éter pa- 1100 cm ao submeterem-nos a várias
quer ‘vento do éter’ [7]. recia existir e se com- reflexões em espelhos
Maxwell foi fortemente influenciado portar de acordo com O éter parecia existir e se situados nos braços do
pelo trabalho de Michael Faraday (1791- as teorias bem estabe- comportar de acordo com as aparelho (Fig. 2). Des-
1867), que em meados do Século XIX lecidas. Fizeau procu- teorias bem estabelecidas sa forma, a magni-
defendeu que as forças eletromagnéticas rou encontrar outros tude do padrão de
são transmitidas por linhas de força que experimentos para medir os efeitos da interferência no experimento de 1887 era
têm realidade física. Ao contrário de Fara- velocidade da Terra em relação ao éter. Em dez vezes maior que no original, mas
day, que se concentrou nas linhas de força, 1859, afirmou ter constatado resultados novamente os resultados não foram os
Maxwell voltou-se à ideia da substância positivos. Seguiu-se uma série de deli- previstos. Apesar disso, a certeza de Mi-
que preenchia o espaço, o éter [4]. Como cados experimentos que davam boas indi- chelson da existência do éter nunca foi
ressalta Peduzzi [7], grande parte dos cações para acreditar na teoria do éter de abalada [7].
cientistas acreditava que a luz era uma Fresnel nas primeiras décadas da segunda A importância do trabalho de Mi-
onda que se propagava no éter. Após metade do Século XIX. Se existissem chelson, para alguns autores, não se limita
Maxwell identificar a luz como um fenô- “experimentos cruciais”, a teoria de Fres- à questão envolvendo o movimento da
meno eletromagnético era crível admitir nel teria sido “provada” pelo experimento Terra em meio ao éter - afirmam que teve
que as ondas eletromagnéticas deveriam de Fizeau. Esse era o contexto quando papel fundamental para o desenvolvimen-
envolver a vibração desse meio. Michelson iniciou seus estudos acerca do to da relatividade restrita de Einstein.
A versão popularizada que afirma éter [10]. Filósofos da ciência como Hans Reichen-
que os físicos acreditavam na teoria do Peduzzi [7] faz uma descrição deta- bach e Gaston Bachelard alinham-se à
éter por pura especulação é completa- lhada do experimento de Michelson. visão empirista para a gênese da teoria da
mente equivocada. Havia argumentos teó- Resumidamente, a versão do interferôme- relatividade restrita. Reichenbach foi um
ricos fortes que indicavam a possibilidade tro de Michelson (Fig. 1) possui dois bra- dos mais persistentes analistas filosóficos
de medir a velocidade da Terra por meio ços horizontais de mesmo comprimento das implicações epistemológicas da
de experimentos ópticos. O histórico das por onde feixes de luz vindos de uma relatividade. Para o autor, não resta dúvida
tentativas de medir a velocidade da Terra mesma fonte se movimentam pela mesma de que Einstein construiu sua teoria fun-
em relação ao éter é muito mais rico do distância de forma perpendicular, sendo damentado em uma confiança extraordi-
que quando se o associa apenas aos expe- refletidos e voltando ao mesmo ponto. nária em dados experimentais [14]. Os
rimentos de Michel- Para detectar o ‘vento únicos experimentos citados na análise são
son e Michelson- Nem mesmo os experimentos do éter’ seria neces- os de Michelson. Gaston Bachelard é ainda
Morley [10]. O desen- pioneiros de Michelson em sário medir a diferença mais efusivo em relação à origem empírica
volvimento do inter- 1881, tampouco o que foi de tempo entre o per- da relatividade: “Como sabemos, como
ferômetro de Michel- aperfeiçoado por ele e Morley curso dos dois feixes tem sido repetido mil vezes, a relatividade
son, por exemplo, foi em 1887, deram indício de por meio das franjas nasceu de um choque epistemológico;
muito influenciado qualquer ‘vento do éter’ de interferência. No nasceu do ‘fracasso’ da experiência de
pelo instrumento experimento de 1881 Michelson” [15, p. 566].
criado por J. Jamin [7]. os braços do interferômetro tinham 120 Muitos livros didáticos reforçam a
Dentre os experimentos precedentes cm e Michelson sempre se mostrava relevância do trabalho de Michelson para
aos de Michelson está o de François Jean frustrado por não ter conseguido detectar a gênese da teoria da relatividade restrita
Dominique Arago, de 1809. O seu resul- as franjas esperadas teoricamente. - inclusive, livros aprovados no PNLDEM
tado negativo levou Augustin-Jean Fres- Em 1884, ao proferir palestras nos 2012. Por exemplo, em [16, p. 313] lê-se
nel (1788-1827) a escrever um artigo, a Estados Unidos, Lord Kelvin incitou
pedido do próprio Arago, que culminou Michelson a realizar novos experimentos
no desenvolvimento de uma teoria deta- com o interferômetro. Durante os mes-
lhada da relação entre os corpos trans-
parentes e o éter luminífero - sobre a qual
repousam as bases de uma óptica dos
corpos em movimento. Em 1845, George
Gabriel Stokes (1819-1903) propôs uma
nova teoria do éter. Nela o éter seria um
material viscoso que aderia à superfície
dos corpos, sendo quase que totalmente
arrastado pela Terra, ficando em repouso Figura 1: Interferômetro de 1881 [12]. Figura 2: Experimento de 1887 [13].

Física na Escola, v. 15, n. 1, 2017 Einstein usou dados experimentais ao propor a relatividade? 5
que: “É preciso acrescentar que, para ela- Com a palavra, Einstein
borar a teoria da relatividade, Einstein
contou não só com a sua grande geniali- O artigo de 1905
dade, mas com trabalhos de outros físicos,
como os norte-americanos Albert A. Mi- No início do Século XX, haviam sido
chelson (1852-1931) e E.W. Morley malsucedidas todas as tentativas de ex-
(1839-1923), e o holandês H.A. Lorentz plicar os campos eletromagnéticos em
(1853-1928)”. termos mecânicos. Físicos como Max
Apesar de negar por várias vezes que Abraham procuravam uma visão eletro-
os resultados dos experimentos de Michel- magnética de mundo em detrimento da
son-Morley tenham visão mecânica. Eins-
pautado o desenvolvi- Para Feyerabend, aquilo que tein, no entanto, esta-
mento da relatividade parece a voz da razão va convencido de que
restrita, Einstein reco- (argumentos e contra- nem a mecânica nem
nhecia sua importân- argumentos) não passa de o eletromagnetismo
cia em outra instân- efeito casual subsequente deste poderiam sobreviver
cia. É bem provável, processo de persuasão intactos; ambos te- Figura 3: Artigo original, em alemão, de
como o próprio cien- riam que ser modifi- Einstein.
tista alemão admitiu, que sem o trabalho cados ao levar em conta os novos avan-
de Michelson os físicos não teriam acei- ços da Física [18]. grandes cientistas no final do Século XIX
tado a relatividade restrita e considerariam O trabalho em que Einstein apresenta e início do Século XX. Em particular, a
abandoná-la. Percebe-se então a impor- sua teoria da relatividade restrita foi publi- questão de quais mudanças nas manifes-
tância do experimento no convencimento cado em 1905 no periódico Annalen der tações eletromagnéticas ou ópticas po-
da comunidade, na aceitação dos pares, Physik. O artigo com o título Zur Elektro- deriam ser medidas em sistemas inerciais
que é uma das mais importantes etapas dynamik bewegter Körper (Fig. 3) (Sobre a que se movem uns em relação aos outros
do estabelecimento de uma teoria cien- eletrodinâmica dos corpos em movimento) fez era uma questão que ocupava Einstein.
tífica. parte do que ficou conhecido como annus Já havia teorias que eram convincentes
Para Feyerabend, há circunstâncias mirabilis de Einstein, pois nesse ano Eins- nesse sentido antes do trabalho de
em que a argumentação perde importân- tein publicou outros artigos de relevância. Einstein. Durante a década de 1880, por
cia, inclusive durante o desenvolvimento O objetivo do trabalho foi, a partir da ele- exemplo, Lorentz já havia desenvolvido
científico. Os argumentos, para o episte- trodinâmica de Maxwell para corpos em sua teoria. Apesar de Einstein conhecer
mólogo, só têm utilidade depois de algum repouso, fornecer uma eletrodinâmica muito bem o trabalho de Lorentz quando
convencimento prévio das pessoas que são para corpos em movimento, como fica desenvolveu sua relatividade restrita,
argumentadas e que argumentam. Assim, claro desde a primeira frase: “Sabe-se que publicada em 1905, ela não o satisfazia,
as velhas formas de argumentação mos- a eletrodinâmica de Maxwell, como geral- talvez por sua complexidade [19].
tram-se demasiadamente fracas antes des- mente entendida no tempo presente, É preciso ressaltar que, apesar de gran-
te convencimento dos envolvidos. Nestes quando aplicada a corpos em movimen- de parte da relatividade restrita ter sido
casos, outras formas de persuasão são to, leva a assimetrias que não parecem ser desenvolvida antes de Einstein, há três novi-
necessárias, como a propaganda e a coer- inerentes aos fenômenos”. dades fundamentais em seu trabalho publi-
ção. Para Feyerabend, aquilo que parece a A relatividade do movimento levava cado em 1905: (i) a estruturação da teoria
voz da razão (argumentos e contra-argu- a assimetrias que Einstein conhecia de seus de maneira muito mais simples do que
mentos) não passa de efeito casual subse- estudos sobre a teoria de Maxwell [3]. De Lorentz e Poincaré ao deduzir a cinemática
quente desse processo de persuasão em acordo com o ‘princípio da relatividade’ relativística a partir de dois postulados; (ii)
que “interesses, forças, propaganda e formulado por Poincaré, os fenômenos propor a equação E = m.c² como uma
técnicas de lavagem cerebral desem- físicos devem ser os mesmos para obser- relação geral da teoria ao sugerir que fosse
penham, no desenvolvimento de nosso vadores fixos ou transportados em movi- aplicável em todos os casos e (iii) tornar
conhecimento e no desenvolvimento da mento uniforme. Vários pesquisadores supérflua a introdução do éter [4].
ciência, um papel muito maior que geral- tentaram conciliar a teoria eletromagné- Einstein não apontou desde o início
mente se acredita” [17, p. 40]. tica com o princípio da relatividade, já que de seu artigo de 1905 nenhum desconten-
As ideias de Feyerabend parecem ga- o eletromagnetismo de Maxwell parecia tamento entre teorias
nhar força quando se percebe, segundo a estar em desacordo e fatos estabelecidos.
com tal princípio. O É bem provável, como o
própria análise de Einstein, que o conven- Ele até se refere a al-
resultado dessas pes- próprio Einstein admitiu, que
cimento dos pares da ciência sobre a perti- gumas observações,
quisas é o que cha- sem o trabalho de Michelson os
nência da teoria não se deveu apenas a mas todas longamen-
mamos hoje de teoria físicos não teriam aceitado a
aspectos próprios dela, como sua coerên- te conhecidas e com-
da relatividade res- relatividade restrita e
cia e consistência interna. Para a comuni- preendidas. Como
trita. Sua construção, considerariam abandoná-la
dade não ter abandonado a teoria, outros Holton [8] chama a
fatores, como os dados experimentais de em grande parte, atenção, o mesmo
Michelson-Morley, que não eram oriun- ocorreu antes do artigo original de Eins- comportamento foi adotado por Copér-
dos da sua construção teórica, foram tein de 1905 [6]. nico, Galileu (no Diálogo) e Newton -
úteis. Normalmente, apenas argumentos A criação de uma teoria onde todos nenhum deles se fundamentou em fatos
oriundos da própria teoria não são sufi- os processos físicos fossem equivalentes experimentais recentemente disponíveis,
cientes para uma teoria “pegar”, como em quaisquer referenciais em movimento mas mesmo assim suas propostas expli-
ocorreu com a relatividade restrita. relativo era um problema que ocupava cavam dados empíricos que as teorias

6 Einstein usou dados experimentais ao propor a relatividade? Física na Escola, v. 15, n. 1, 2017
anteriores não conseguiam. Em nenhum tivessem tido influência na gênese de sua rando uma estética que os cientistas não
momento, durante o texto, Einstein dá a proposta [8]. tinham ainda levado a termos empíricos.
entender que sua proposta é feita para Vários outros pontos do artigo de Parece claro que Einstein tinha uma
tentar salvar algum fenômeno. Em Einstein indicam uma despreocupação inquietação causada por paixão a uma
nenhum local do artigo pode-se perceber com resultados empíricos para a constru- simetria. A partir desse seu anseio, ele
algum indicativo que tenha considerado ção da teoria da relatividade restrita. Por desenvolveu sua teoria que, ao final de
a experiência de Mi- exemplo, quando todo o processo, pode parecer racional-
chelson como crucial Algumas frases de Einstein no Einstein descreve os mente construída. Isso não é uma exceção,
ou mesmo essencial artigo de 1905 mostram uma dois postulados que segundo Feyerabend, mas algo recorrente
para sua proposta - falta de preocupação com são a base do trabalho na história da ciência: as teorias só pare-
nem mesmo se ele sa- detalhes complicados da física ele não se refere a cem razoáveis, claras e aceitáveis quando
bia de sua existência. experimental, ou mesmo falta qualquer conjunto de partes internas incoerentes foram usadas
Por mais de uma de interesse dados experimentais por um tempo. “Esse prelúdio desarrazoa-
vez durante o artigo, ou mesmo alguma do, insensato e sem método revela-se,
Einstein teve oportunidade de citar o ex- experiência bem conhecida. Em alguns assim, ser uma condição inevitável de cla-
perimento de Michelson, caso ele tivesse casos, o autor descreve que suas propostas reza e de êxito empírico” [17, p. 41].
tido alguma influência. A primeira foi logo estão de acordo com experiências estabe-
após descrever detalhes do caso do ex- lecidas. Apesar disso, quando as equações Notas autobiográficas
perimento de corrente induzida com con- que podem explicar experimentos clás- As Notas Autobiográficas [21] foram
dutores e ímãs: “tentativas frustradas de sicos, como a de Fizeau, da teoria do ar- escritas em 1946 e publicadas original-
descobrir qualquer movimento da terra rasto do éter, são desenvolvidas, elas não mente em 1949 (Fig. 4). No livro há fortes
relativamente à ‘forma de luz’, sugerem são explicitamente vinculadas a esses ex- indícios que o jovem estudante Albert
que os fenômenos da eletrodinâmica, bem perimentos. Einstein tinha convicções empiristas, o
como da mecânica, não possuem proprie- Einstein aceitava que não poderia ser
dade correspondente à ideia de repouso como premissa para a Quase todos os resultados do diferente em um cená-
absoluto”. Nem o experimento de Michel- reformulação da ele- artigo de 1905 obtidos por rio de uma ciência que
son, tampouco qualquer outro experimen- trodinâmica as refor- Einstein já haviam sido se desenvolve à luz do
to do suposto movimento da Terra no éter, mas nos conceitos de alcançados antes, no entanto, empirismo lógico. No
é citado pelo nome. Mesmo tendo sido feita espaço e tempo. Ele irá havia uma importante entanto, o cientista
referência a eles, não parecem desempenhar deixar claro, em sua diferença; Einstein negou a escreve que pouco
papel crucial na argumentação. autobiografia, que hipótese do éter depois de 1900, após
Como analisa Martins [20], quase não entendia como conhecer o trabalho de
todos os resultados do artigo de 1905 obti- dever de uma teoria ser construída a partir Planck, teve o convencimento de que nem
dos por Einstein já haviam sido alcançados de fatos empíricos, apenas, segundo o a mecânica, tampouco a eletrodinâmica,
antes por Lorentz e Poincaré. No entanto, cientista, não pode entrar em conflitos poderiam alegar validade exata.
havia uma importante diferença; enquan- com resultados experimentais
to os antecessores de Einstein aceitavam bem estabelecidos.
a existência do éter, ele negou essa hipó- De acordo com Martins
tese. Já quase no final da introdução do [20], não se coloca em dúvida
artigo, Einstein teve outra oportunidade que Einstein sabia da existência
de citar o experimento de Michelson ao de experimentos infrutíferos
afirmar que a introdução de um éter lumi- que pretendiam detectar o
noso era supérflua, pois sua argumenta- movimento da Terra em rela-
ção não exigia um espaço absolutamente ção ao éter. No entanto, não
estacionário com propriedades especiais. há nada no artigo original de
As equações de transformação de Lorentz 1905 que deixe claro, ou
derivam dos postulados e guiam a trans- mesmo indique, que Einstein
formação das equações de Maxwell-Hertz considerou os experimentos de
para todos os fenômenos eletrodinâmicos. Michelson durante a formula-
Velhos fenômenos ópticos conhecidos ção da proposta da teoria da
devido ao movimento da Terra decorrem relatividade restrita, ou até
dessa nova abordagem, mesmo anteriores mesmo que ele conhecia seus
aos experimentos de Michelson, como o resultados durante a constru-
efeito Doppler relativista. Em nenhum ção de seu argumento. Segun-
momento Einstein indica uma reinterpre- do Arruda e Villani [3], as
tação dos resultados negativos de Michel- contribuições de Einstein em
son-Morley. Algumas frases, inclusive, 1905 devem ser vistas como
mostram uma falta de preocupação com uma tentativa de unificação da
detalhes complicados da física experimen- Física. O trabalho teve como
tal, ou mesmo falta de tempo e interesse objetivo reformular a teoria
em entrar em detalhes sobre estas expe- eletromagnética de Maxwell,
riências. Dessa forma, Einstein renuncia não teorizar resultados empí-
uma segunda vez à oportunidade de citar ricos. Ele buscava uma perfei-
os experimentos de Michelson, se eles ção teórica interna, procu- Figura 4: Capa da autobiografia de Einstein.

Física na Escola, v. 15, n. 1, 2017 Einstein usou dados experimentais ao propor a relatividade? 7
Nem sempre Einstein negou o éter, co- provou a inexistência do éter, embora o Entrevistas com R. S. Shankland,
mo quando introduziu a sua relatividade tivesse descartado no desenvolvimento da cartas e falas públicas
restrita. Quando ainda era estudante, em sua relatividade restrita publicada em
torno de 1897-98, ele inclusive planejou 1905. Em artigo publicado em 1963, R.S.
construir artefatos experimentais para Mais tarde, ao desenvolver a relati- Shankland relata entrevistas de Einstein
medir a velocidade da Terra em relação ao vidade geral, Einstein parece se rea- realizadas por ele em Princeton (Fig. 5)
meio. Em cartas a Mileva Maric e Marcel proximar da validade do conceito de éter. entre 1950-54. As conversas tratam
Grossmann é possível ter indicativos de que Em uma conferência na Holanda em principalmente do trabalho de Michelson,
ele acreditava na existência do éter até pelo 1920 [24], chega a comparar “o éter da particularmente o de Michelson-Morley
menos 1901 [22]. relatividade geral” com o éter de Lorentz, e também dos experimentos de Miller.
A crença no éter foi colocada de lado diferenciando-os por o primeiro depender No início do artigo, Shankland [25]
para o nascimento da relatividade restrita das influências da matéria e energia em deixa claro que o objetivo das entrevistas
de Einstein. Em relação à gênese da teoria, cada lugar, e para Lorentz o éter era igual era “aprender com ele o que realmente
Einstein aborda expli- em todos os pontos achava sobre os experimentos de
citamente esse assun- Einstein não provou a [6]. Michelson-Morley, e em que grau eles o
to em sua autobio- inexistência do éter, embora o Para Feyerabend tinham influenciado no desenvolvimento
grafia. “A teoria da tivesse rejeitado no [17], um cientista da teoria especial da relatividade”. A res-
relatividade especial desenvolvimento da sua tentará aperfeiçoar e posta de Einstein para a pergunta sobre
tem a sua origem nas relatividade restrita publicada não descartar con- quando havia conhecido os experimentos
equações de Maxwell em 1905 cepções aparente- de Michelson foi que eles chamaram a sua
dos campos eletro- mente vencidas. atenção por meio do trabalho de Lorentz
magnéticos” [21, p. 63]. Também Einstein Quando se analisa a relação do trabalho e só depois de 1905. Einstein ainda afirma
deixa bem claro que não foram dados de Einstein com o conceito do éter, as que se os experimentos de Michelson
empíricos que levaram à sua proposta, na asserções de Feyerabend parecem fazer tivessem relevância para ele antes de 1905,
talvez mais conhecida passagem das Notas mais sentido. Apesar de Einstein ter ele os teria citado no artigo. Ele continuou
Autobiográficas [21, p. 51-53]: deixado de lado inicialmente o conceito, dizendo que os resultados experimentais
ele o aperfeiçoou no desenvolvimento de que mais o influenciaram foram as obser-
Aos poucos me desesperava da possi- vações sobre a aberração estelar e de Fi-
sua relatividade geral, admitindo até a
bilidade de descobrir as verdadeiras leis zeau, e também as medições da velocidade
existência de ‘um éter da relatividade
por meio de esforços construtivos ba- da luz na água em movimento. “Eles eram
geral’. Segundo Martins [6], Einstein
seados em fatos conhecidos. Longa e o suficiente”, disse Einstein a Shankland.
aceitou inicialmente o princípio da rela-
desesperadamente eu tentei, mas che- É interessante também notar que
tividade e outras ideias de Poincaré, no
guei à convicção de que só a descoberta Einstein acreditava que não existe cami-
entanto, rejeitou o éter por este não poder
de um princípio universal formal nho racional a seguir para a construção
ser detectado e por considerá-lo pura-
poderia levar a resultados seguros. [...] de uma teoria. Segundo Feyerabend, os
mente hipotético. Martins afirma que o
Após dez anos de reflexão resultou um racionalistas têm ânsia por uma sequência
retorno ao éter de Einstein demonstra que
paradoxo sobre o qual eu já tinha linearizada que leve a uma teoria cien-
ele não tinha uma postura epistemológica
batido com a idade de dezesseis anos:
rígida, utilizava a concepção que
Se eu tentar alcançar um feixe de luz
lhe fosse mais conveniente no mo-
com a velocidade c (velocidade da luz
mento.
no vácuo), eu deveria observar tal feixe
Sendo assim, parece impro-
de luz como um campo eletromagné-
vável que algum experimento com
tico oscilatório espacialmente em re-
resultados negativos de detecção
pouso? No entanto, não parece existir
do éter possa ter papel decisivo na
tal coisa, quer com base na experiência
gênese da relatividade. O desen-
ou de acordo com as equações de Max-
volvimento da teoria não exclui a
well. [...]
existência desse ente e mesmo
Vê-se que neste paradoxo o germe da Einstein não parecia convencido da
teoria da relatividade especial já está inutilidade do conceito; apenas o
contido. considerou supérfluo no desen-
Em nenhum momento, em todo o volvimento de sua relatividade res-
seu Notas Autobiográficas, Einstein cita as trita. Além de tudo, o fato de
experiências de Michelson ao escrever so- Einstein ao desenvolver sua rela-
bre as origens da tividade geral
teoria da relatividade Apesar de Einstein ter deixado se aproximar
restrita. Martins [6] de lado inicialmente o conceito, do conceito de
ainda relata que para ele o aperfeiçoou admitido até éter dá indica-
Einstein, inclusive, a a existência de ‘um éter da tivos de que ele
sua relatividade res- relatividade geral’ não dava mui-
trita não obriga a ta importância
negar a existência do éter. Sendo possível à necessidade de provas empíricas
admitir sua existência “apenas desistindo no desenvolvimento das teorias,
de atribuir um estado definitivo de ao invocar um ente que muitos Figura 5: Princeton University durante a década
movimento” [23 apud 6]. Einstein não falharam em tentar detectar. de 1950.

8 Einstein usou dados experimentais ao propor a relatividade? Física na Escola, v. 15, n. 1, 2017
tífica. Einstein discordava, como deixou resultados eram verdade”. reafirma que, caso o experimento de
claro em entrevistas, segundo o relato de Michelson do vento do éter tivesse tido
Por meio da entrevista, parece claro
Shankland [25, p. 48]: alguma influência, ela não foi relevante:
que para Einstein, a atividade científica
“A influência do famoso experimento de
Isso o levou a comentar com parece ter alguma ordem somente no fi-
Michelson-Morley sobre os meus próprios
algum pormenor sobre a nal. Em seu percurso, o cientista segue
esforços [deliberações] foi bastante indi-
natureza dos processos men- caminhos que um racionalista iria des-
reta”.
tais, em que eles não apa- crever como não científicos. Einstein tinha
Na mesma carta, o único experimento
recem como um movimento várias convicções sobre o fazer ciência;
citado como fundamental para a gênese
de passo a passo rumo a uma como descrito por Shankland [25, p. 50]:
da teoria da relatividade restrita foi a expe-
solução, enfatizando-os co-
Quase todos os historiadores riência de pensamento, de se buscar um
mo uma rota tortuosa que
da ciência são filólogos e não feixe de luz com a velocidade c, descrita
nossas mentes tomam atra-
compreendem o que os físicos no artigo de 1905. Outros três experimen-
vés de um problema.
estavam visando, como eles tos são citados como mais importantes
Percebe-se que Einstein não está se pensaram e lutaram com os que o de Michelson-Morley para a relati-
referindo a caminhos não logicamente en- seus problemas [...] Ele luta vidade, os que foram apresentados no tra-
cadeados somente no contexto da des- com os seus problemas, sua balho de Lorentz de 1895. Tais evidências
coberta, mas também no que Reichenbach tentativa usando todos os estão em consonância com outras a partir
chamou de contexto da justificativa. meios possíveis para encon- das entrevistas de Shankland, que permi-
Feyerabend sugere superar a distinção en- trar uma solução que vem, tem acreditar que o livro de Lorentz que
tre contexto da descoberta e contexto da finalmente, muitas vezes, por Einstein provavelmente estudou e leu foi
justificativa, que para o autor não desem- meios indiretos. de 1895, além do artigo de 1892 publicado
penha nenhum papel na prática científica, na França. Neles, Einstein encontrou o
Para Feyerabend, a ciência em desen- experimento de Michelson, sem, no en-
e “tentativas de impô-lo teriam conse-
volvimento é o resul- tanto, nenhum trata-
quências desastrosas” [17, p. 207]. Para
tado de uma solução os resultados negativos dos mento para ser consi-
o epistemólogo, a prática científica não
de controvérsias. A experimentos de Michelson- derado como um
tem esses dois contextos. Ao contrário, ela
criação de uma teoria Morley não eram uma evento crucial sobre a
é uma complexa mistura de procedimen-
e a compreensão plena conclusão de uma análise qual uma nova física
tos, que não permite traçar onde começa
da ideia correta sobre empírica, Einstein acreditava deveria ser construí-
e termina o contexto da descoberta para
ela são parte de um nestes resultados por uma da. O experimento de
iniciar-se o contexto da justificativa.
único processo indi- questão teórica Michelson era apenas
Feyerabend vai ainda mais longe: se os
visível - e não podem uma das várias expe-
cientistas tivessem sido obrigados a seguir
ser separadas para não interromper tal riências descritas na obra.
as regras que os metodólogos exigem no
processo. Esse curso é guiado por um vago Einstein escreveu a seu amigo Michele
contexto da justificativa, a ciência como
anseio, uma paixão, que “dá origem a um Besso para comentar a notícia que Day-
a conhecemos não teria se desenvolvido.
comportamento específico que cria as ton Miller havia anunciado resultados
A prática científica, segundo o autor, é
circunstâncias e as ideias necessárias para empíricos que anulavam o segundo
uniforme durante todo o processo de cria-
analisar e explicar o processo, para torná- postulado da relatividade restrita. Na carta
ção, desconstruindo a exigência raciona-
lo ‘racional’” [17, p. 41]. a Besso Einstein afirma que: “Eu não o
lista dos dois contextos descritos por
Durante toda a levei a sério por um minuto”. Essa res-
Reichenbach.
entrevista, Einstein posta parece indicar o quanto para Eins-
Em uma segunda A atividade científica parece ter
não esconde a admi- tein os resultados negativos dos experi-
entrevista, Shankland alguma ordem somente no
ração e respeito que ti- mentos de Michelson-Morley não eram
também questionou final. Em seu percurso, o
nha por Michelson, uma conclusão de uma análise empírica.
Einstein acerca do cientista segue caminhos que
chegando a declarar Einstein acreditava nesses resultados por
papel dos experimen- um racionalista iria descrever
que o amava. Nas uma questão teórica que não parecia
tos de Michelson na como não científicos
conversas com poder ser refutada por experimentos como
gênese da teoria da
Shankland parece cla- os de Miller.
relatividade restrita [25, p. 55]:
ro que os experimentos de Michelson só A primeira e única vez que Einstein
Eu perguntei ao Professor chamaram sua atenção depois de 1905, encontrou Michelson foi na visita do cien-
Einstein quando ele ouviu principalmente durante as discussões com tista europeu a Pasadena em 1931. Ape-
pela primeira vez sobre o Lorentz no desenvolvimento da relatividade sar de Einstein admirar o trabalho de
experimento de Michelson. geral. No entanto, os resultados dos Michelson, este não apreciava a relati-
Ele respondeu: “Isso não é tão experimentos de Michelson, e depois junto vidade e seu papel na superação das teorias
fácil, eu não tenho certeza de com Morley, eram perfeitamente com- do éter. Ele tinha certeza de que suas expe-
quando ouvi pela primeira preendidos a partir da relatividade restrita. riências tinham tido papel central na gêne-
vez sobre a experiência de O próprio Shankland publicou artigo se da relatividade restrita. Isso pode ser
Michelson. Eu não estou [26] em que transcreve carta de Einstein entendido nas entrevistas de Einstein a
consciente se ela me influen- escrita em 1952 para a Sociedade de Física Shankland quando ele declarou que
ciou diretamente durante os de Cleveland, em homenagem ao cente- Michelson havia lhe dito que não gostava
sete anos que a relatividade nário de Michelson. Nessa carta, além de das teorias que se haviam seguido ao seu
foi minha vida. Acho que eu tecer elogios a Michelson, chamando-o in- trabalho, que estava triste com o monstro
tinha como certo que seus clusive de artista da ciência, Einstein que seu trabalho havia gerado.

Física na Escola, v. 15, n. 1, 2017 Einstein usou dados experimentais ao propor a relatividade? 9
Não haveria ocasião mais adequada port. A resposta de Einstein foi a um Qualquer opinião sobre o conhecimento
para reconhecer a influência dos experi- questionamento do remetente de como as científico não pode ignorar que o empre-
mentos de Michelson para a elaboração experiências de Michelson haviam pavi- endimento científico deve olhar para ou-
da teoria da relatividade restrita que uma mentado o caminho para a teoria da relati- tras tradições e outros procedimentos que
fala de Einstein com Michelson na plateia, vidade restrita. A resposta de Einstein data não os recomendados pelos racionalistas.
como no evento de 1931 em Pasadena. O de 9 de fevereiro de 1954 [8, p. 194]. Após A epistemologia de Feyerabend considera
texto do discurso de Einstein na ocasião fazer considerações sobre a origem de sua que a “ciência é uma das invenções mais
foi publicado em alemão em 1949 na re- relatividade restrita, tal qual exposta no maravilhosas da mente humana” [17,
vista Science (93, p. 544-545). Nele, Eins- próprio artigo de 1905, Einstein reafirma p. 23]. O que Feyerabend chama de ciência
tein declara que Michelson havia esti- que “podemos, portanto, entender por que está muito longe dos procedimentos de-
mulado as ideias de Lorentz e FitzGerald na minha luta pessoal o experimento de fendidos por alguns racionalistas e o que
a partir das quais a relatividade restrita Michelson não desempenhou nenhum estes acreditam caracterizar a natureza da
foi desenvolvida. papel ou pelo menos nenhum papel deci- ciência. Estudar episódios históricos à luz
Portanto, Einstein não traçou ligação sivo”. da epistemologia relativística de Feyera-
genética entre a sua relatividade restrita e Uma possível conclusão da análise bend pode ser um importante aporte para
os experimentos de Michelson e de Michel- dos escritos e falas do próprio Einstein é desconstruir algumas opiniões problemá-
son-Morley, nem quando teve uma oca- que os experimentos de Michelson eram ticas sobre o conhecimento científico, em
sião propícia com Michelson na plateia de muito considerados por ele, que chamou especial a opinião empírico-indutivista. As
sua fala. Mas reconheceu que o trabalho por vezes seu autor de artista da ciência. considerações epistemológicas nessa des-
de Michelson contribuiu para a constru- No entanto, seus resultados apenas refor- construção podem contribuir para uma
ção da ciência que levou à relatividade. A çaram uma convicção teórica-estética de opinião acerca do conhecimento científico
importância que a fala de Einstein atribuiu Einstein, que já assumira a validade dos mais alinhada com a moderna filosofia
aos resultados negativos de Michelson está dados dos experimentos como corretos da ciência.
na aceitação da relatividade pelos pares, antes de estudar o trabalho de Michelson.
não em sua construção. Apesar de admitir que os resultados nega- Notas
1
Outro documento relevante para ser tivos dos experimentos foram muito im- Feyerabend discute o seu entendimento
analisado é o registro das observações do portantes para a aceitação da teoria, não acerca de relativismo e racionalismo em seu
cientista em 1931 ao Physikalische Gesel- há evidências de que tenham tido alguma ensaio publicado em Adeus à Razão [28],
lschaft, em Berlim. O evento foi em me- importância em sua gênese. intitulado ‘Notas sobre o relativismo’ (p. 27-
mória de Michelson, que faleceu em 9 de 110). Em Damasio e Peduzzi [29] podem-se
maio de 1931. Mais uma vez, Einstein não Considerações finais encontrar comentários a respeito da
faz qualquer ligação genética entre os Uma discussão explícita das questões abordagem de Feyerabend sobre a questão.
2
experimentos de Michelson e a relatividade colocadas anteriormente pode ser útil pro- Na literatura é comumente chamado de
restrita, e se limita a enfatizar a impor- curando desconstruir opiniões pro- imagem e/ou visão distorcida e/ou defor-
tância dos resultados negativos para a blemáticas sobre o conhecimento cientí- mada da ciência as maneiras de considerar
aceitação dos pares. Isso fica explícito em fico. Alguns apontamentos acerca da ou de entender a ciência desalinhadas com
seu comentário: “Esse resultado negativo discussão sob o viés epistemológico de a moderna filosofia da ciência. Silva [30]
[da experiência de Michelson] grandemen- Feyerabend também parece ser relevante faz uma reflexão crítica acerca desses ter-
te avançou a crença na validade da teoria”. nesse cenário. Anteriormente levantou mos. Para o autor, deve-se usar termos
Uma década mais tarde, em 1942, algumas opiniões problemáticas acerca do compatíveis com a correção da linguagem
Einstein escreve uma carta resposta ao conhecimento científico,2 em particular a filosófica. Ele sugere o uso da expressão opi-
escritor B. Jaffe onde aborda novamente opinião de uma ciência de natureza empí- nião no lugar de imagens ou visões, pois
a questão [27]. Nela reafirma que a im- rico-indutivista. A questão que se coloca, imagem, em filosofia, requer certo cuidado
portância do trabalho de Michelson sobre então, é se existe e quais seriam as carac- ao ser usada para não gerar interpretações
sua relatividade restrita foi de reforçar a terísticas da natureza da ciência que de- dúbias. Já o termo opinião, no sentido
convicção da validade dos seus princípios, vem estar presentes para garantir o sta- filosófico, é sinônimo de intuição, assim
que foram desenvolvidos antes de ele sa- tus de científico a um trabalho. justifica-se seu uso, pois o estudante não
ber dos resultados dos trabalhos de Mi- Para Feyerabend, pode haver muitas cria uma visão ou imagem da ciência, mas
chelson. Novamente Einstein reafirma que espécies diferentes de ciência, muitas ma- sim uma crença que não possui segurança
o papel relevante dos experimentos para neiras de fazer ciência e contribuir com o de validade. Portanto, a redação mais coesa
a relatividade foi no sentido de ajudar a conhecimento científico. Toda opinião no sentido filosófico é de opinião proble-
convencer a comunidade de sua validade. sobre a natureza da ciência é uma entre mática do fazer ou do conhecimento
Uma última carta que será analisada muitas possíveis, o que reflete a hetero- científico. A terminologia sugerida por Silva
é a de Einstein ao historiador F.G. Daven- geneidade do procedimento científico. foi adotada neste trabalho.

Referências
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10 Einstein usou dados experimentais ao propor a relatividade? Física na Escola, v. 15, n. 1, 2017
[9] J. Worrall, PSA: Proceending of the Biennial Meeting of the Philosophy of Science Association 1, 334 (1994).
[10] R.A. Martins, Caderno Brasileiro de Ensino de Física 29, 52 (2012).
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[29] F. Damasio e L.O.Q. Peduzzi, Investigações em Ensino de Ciência 20, 97 (2015).
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Universidade Federal de Santa Catarina. Florianópolis, 2009.

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Física na Escola, v. 15, n. 1, 2017Einstein usou dados experimentais ao propor a relatividade? 11

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