O caso da África Subsaariana é emblemático. Dos anos 1980 aos anos 1990, a
participação da África no mercado mundial se encolheu sensivelmente. E, desta forma,
um continente praticamente inteiro foi excluído pelos efeitos perversos da globalização.
Muitas são as razões que relegaram à África os piores indicadores socioeconômicos que
se corporificaram em sua exclusão social do Capitalismo Mundial Integrado (CMI), na
pobreza extrema de parcelas significativas de sua população, na imensa desigualdade e
polarização de boa parte de seus países. Uma das mais marcantes foi a sua incapacidade
de se modernizar durante a transição para a nova etapa do capitalismo. Ainda na década
de 90, a África não dispunha de uma rede elétrica confiável, nem linhas telefônicas em
abundância ou qualquer tipo de infraestrutura e capital humano para se informatizar e,
dessa forma, conectar-se à sociedade em rede1.
Sendo Estados endividados, que não têm como pagar estas dívidas, seus
representantes fazem acordos e conchavos políticos com as potências desenvolvidas
para se manter no poder, beneficiando os interesses neocoloniais destas últimas e
espoliando as riquezas nacionais para seus próprios bolsos e contas bancárias. As elites
locais passam a controlar todo o comércio e a conceder monopólios a determinadas
empresas do país em questão. Este controle se constitui como mais uma fonte de lucros
para os envolvidos, enquanto se ignoram as consequências reais para o
desenvolvimento, pois se perdem os incentivos, dessa maneira, para os investimentos
estrangeiros. Sem infraestrutura e capital humano, de um lado, e a presença de
instituições governamentais poucos confiáveis de outro, caracterizadas pelas práticas
clientelistas e de patronagem, que dão vida a Estados Predatórios, a integração da África
Subsaariana ao capitalismo internacional é parcial e seletiva.
Podemos dizer que o Estado predatório surge no contexto dos conflitos entre
facções políticas em busca do poder e da riqueza e das crises econômicas geradas pelos
fiascos de sociedades e governos que não conseguiam assimilar plenamente os novos
imperativos capitalistas nem se integrar com a rapidez exigida aos moldes da dinâmica
de interdependência e integração global da economia. Antes já havia de fato desde a
1
Não havia praticamente profissionais qualificados para programar e consertar computadores. As
únicas universidades que ofereciam o curso de ciência da computação eram a do Zaire e a da Nigéria.
independência das antigas colônias relações de prebendalização, mas não propriamente
a pilhagem da maneira como que até hoje está configurada. Na urgência de repartir a
riqueza pilhada com camadas dominantes mais amplas por conta das pressões exercidas
por guerras civis, protestos e embates políticos, a estrutura do estado teve que ser
ampliada e teve de se relacionar com a economia do crime como mais uma fonte de
receita.
A África subsaariana é em certa medida um caso único por conta de sua extrema
marginalidade nas relações comerciais em plano internacional e a miséria, desigualdade
e exclusão daí resultantes, que permitem a Castells referir-se a ela como o Quarto
Mundo em alusão a todo esse processo de desumanização da África. Mas está longe de
ser a única atingida pela perversão do sistema econômico. Na verdade, as relações de
trabalho tendem a se precarizar pela ação da ideologia reinante de flexibilização e
desregulamentação do mercado de trabalho. Como diz Castells: não se trata do fim do
emprego em razão de máquinas que substituem o trabalho humano, mas de condições
de trabalho mais precárias, que inclusive desvalorizam e remuneram mal atividades
produtivas que não exigem grande qualificação e domínio das tecnologias mais
avançadas de informação. Hoje o emprego está submetido à incerteza e instabilidade.
Em especial, das categorias profissionais menos qualificados. O mundo industrializado
e desenvolvido agora mingua em oportunidades de emprego em setores que permitem a
contratação de pessoas de baixa escolaridade para sua execução. Estas atividades são
deixadas a cargo dos países em desenvolvimento2, cuja mão de obra como um todo é
menos escolarizada e mais barata. Então certas etapas intermediárias do processo
produtivo como forma de diminuir custos com a produção são terceirizadas. Esses
custos podem envolver a própria mão de obra. Tanto a contratação de mulheres como de
crianças representam a possibilidade de pagar salários mais baixos do que seriam pagos
a um homem adulto pela mesma função.
2
“Em desenvolvimento” é uma classificação utilizada por Castells, que eu apenas reproduzo para ser fiel
ao texto.
relações intricadas entre todos esses elementos, que levam segmentos inteiros à ruína e à
degradação, em suma a segregação social e simbólica das suas existências. Tal exclusão
às vezes toma a forma do encarceramento maciço de jovens negros na cadeia ou mesmo
de uma sobre-representação da população negra nas favelas do Rio. Mas também
quando direitos sociais básicos como acesso à saúde e à educação são negados
reiteradamente a estas frações populacionais.
A América Latina ainda sofre bastante com as restrições impostas pela lógica
desumana, que condenam minorias à pauperização, ao desemprego, à exclusão social,
com a desintegração familiar de muitas famílias pobres que perdem seus filhos, maridos
etc. para a prisão ou para as estatísticas de homicídio, com a perda de referências
institucionais positivas, com Estados até mesmo predatórios em alguns dos seus países.
Além disso, sob o ponto de vista do desenvolvimento nacional, sabemos que apesar de
estar consideravelmente integrada à sociedade em rede ainda não possui a infraestrutura
e tecnologias adequadas e o capital humano requerido para a produção de alta
tecnologia (embora os tenha bem mais que a África). E mesmo quando dispõe da
tecnologia para pôr algum produto novo para exportação muitas vezes encontra
dificuldades para competir no mercado desleal, que implicitamente define uma divisão
internacional do trabalho, além de todas as barreiras alfandegárias e medidas
protecionistas. Dessa forma, ao América Latina ser destinada implicitamente a fornecer
matérias-primas para as grandes potências, permanece em sua situação de
“dependência” econômica, uma vez que as commodities facilmente se desvalorizam,
além de terem um valor agregado bem inferior ao da exportação de tecnologias.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
CASTELLS, Manuel. A Era da Informação: economia, sociedade e
cultura. Vol. I e III. São Paulo: Paz e Terra, 1999