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Arlindo Carlos Pimenta

A ética do desejo e a política da falta


Arlindo Carlos Pimenta

Resumo
O autor apresenta um estudo da questão da política e sua relação com a psicanálise. Em primeiro
lugar, dá ênfase ao aparecimento da psicanálise como política da falta-a-ser, na relação psicana-
lista-psicanalisante (psicanálise em intensão). Em extensão a psicanálise se apresenta em duas
faces, a saber, na relação entre os analistas e a causa analítica e em sua presença na pólis. Tece
ainda breves considerações sobre questões próprias ao Brasil.

Palavras-chave
Poder, Estratégia política, Transferência, Sujeito suposto saber, Causa analítica, Formação do
analista, Discurso do capitalista.

Freud refere-se a três profissões impossí- Como nosso tema diz respeito à psica-
veis: governar, educar e curar, e assinala nálise e à política, privilegiaremos o gover-
no prefácio do livro de Aichhorn que, nar e curar, deixando o poder do pedagógi-
por estar inteiramente ocupado com o co para ser aprofundado em outra ocasião.
curar, não teve tempo suficiente para se Vamos desenvolver a temática da
ocupar com a aplicação da psicanálise política da psicanálise em intensão, ou
ao educar, o que não significa para ele seja, no processo analítico, e a política da
desprezo ao alto valor social do trabalho psicanálise em extensão será desenvolvida
realizado por aqueles que se ocupam na perspectiva do governar, abordando
deste mister. questões próprias a nossa cultura e nosso
Como assinala Coutinho Jorge (2004), país.
Freud retoma esta mesma argumentação
naquele que seria um dos seus últimos Política na intensão
escritos, Análise Terminável e Interminável, Freud, em seus escritos técnicos e em
de 1937, ponderando que, quanto às três outros textos, menciona como fator
profissões – e aí Freud não fala mais em fundamental para o desenvolvimento
curar, porém em psicanalisar –, podemos, da transferência e eficácia do processo a
de antemão, estar seguros que chegaremos autoridade do médico. Em suas recomen-
a resultados insatisfatórios. dações adverte várias vezes de um certo
Em vários de seus escritos, mormente distanciamento afetivo e da atenção que
no Mal-Estar (FREUD, 1929) e quando se deveria dar ao furor curandi para se
responde a Einstein (FREUD, 1932), preservar a referida posição de autoridade.
Freud mostra quanto se interessava pelas É, no entanto, Lacan (1998a), em seu
questões políticas. texto de 1958, A direção do tratamento e os
O impossível envolvido nas três pro- princípios de seu poder, que vai aprofundar
fissões sem dúvida tem a ver com o real esta questão do poder na relação analíti-
do poder e o seu manejo, ou seja, seu uso ca. Para tal se vale do livro de Karl Von
e abuso. Clauswicz (Da guerra).
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A ética do desejo e a política da falta

A direção do tratamento é equiparada da falta-a-ser que domina a estratégia e a


à direção a se dar a uma guerra. E isto tem tática.
suas razões. Lacan (1998b, p.325) tenta A tática, isto é, a interpretação, é
dar uma resposta ao texto Variantes da sempre correlata aos ditos do analisante.
cura tipo ou Variantes do tratamento-padrão, Quanto à manobra da transferência,
onde se faz uma apologia à análise das re- esta deve ser feita no sentido de, por
sistências cujo adepto maior era Wilhelm exemplo, ir contra as idealizações, contra
Reich. Este considerava que as análises as demandas do sujeito, não respondendo
deveriam ser verdadeiros combates com os a elas e não cedendo às bajulações do pa-
analisantes e que o analista deveria atacar ciente. Responder não à demanda é fazer
as resistências. vigorar o desejo, portanto a falta.
Lacan retoma de Clauswicz o termo “A dimensão da demanda ao analista
direção. Para Clauswicz, a guerra é uma na transferência abre o registro do poder em
sucessão de combates que devem ser análise em seu duplo sentido: como potência,
preparados e direcionados. Os combates ou seja, o poder exercido por alguém, e como
são encontros isolados que devem ser potencialidade, possibilidade de responder a
combinados para atingir o objetivo. A um apelo” (QUINET, 2009, p.43).
preparação de cada combate é a tática e Na demanda de amor, com seu as-
a combinação de todos os encontros, a pecto incondicional, o sujeito se encontra
estratégia. assujeitado ao grande Outro. Este Outro,
Em termos de uma análise, a tática em seu poder, sua onipotência tem como
corresponderia a cada encontro, a cada responder, tem para dar. Portanto, este
sessão, enquanto a manobra da trans- Outro não é marcado pela falta. É a este
ferência corresponderia à sucessão dos Outro não barrado que o sujeito se aliena
encontros, ou seja, à estratégia. através da identificação, para se ver como
digno de amor. É o sujeito que delega ao
A política Outro a onipotência ao situá-lo como ideal
A finalidade da tática e da estratégia é do eu, I(A). A Onipotência do Outro,
a obtenção de um fim político, ou seja, sustentada pela fantasia, se não manejada
obter a vitória. adequadamente e dirigida pela política da
Lacan postula aqui a política da fal- falta-a-ser, reduz o processo a uma psico-
ta-a-ser e vai retomar este tema e insistir terapia e se afasta do processo analítico.
nele durante todo seu ensino. O sujeito suposto saber decorre de
Lacan aponta que, ao contrário, não é uma atribuição ao Outro de algo que vem
com seu ego, mas com a falta que o analista escamotear sua falta estrutural, ou seja,
trabalha. Essa falta pode ser declinada de algo relativo ao saber.
várias formas: falta de significante que A falta do Outro é suprida pelo saber
complete o Outro, falta de relação de suposto ao analista pelo analisante. Este
complementaridade, falta de ilusão de uma Outro aparece como poderoso, em função
felicidade total etc. A partir desta política, da projeção dos traços constitutivos do
Lacan vai definir a ética da psicanálise. ideal do eu.
Uma vez que o amor é sempre re-
É a falta que norteia cíproco, o amor de transferência é uma
a política na direção do tratamento demanda de amor dirigida ao analista,
O analista é bastante livre com relação que é chamado não só a encarnar o su-
à tática, ou seja, a interpretação; menos jeito suposto saber, mas também o sujeito
livre, porém, com relação ao manejo da suposto poder. O suposto saber é efeito
transferência (estratégia), mas é a política da associação livre desencadeado pela
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Arlindo Carlos Pimenta

articulação de um significante qualquer, O discurso analítico


tal como fica explicitado no matema da no espaço sociocultural
transferência. Ao responder à carta de Einstein que colo-
O sujeito suposto poder é produto cava a questão de como articular poder e
do amor que o senso comum denomina lei, Freud (1932), de início, discordava do
“dependência do analista”. Na poltrona do uso da palavra poder e em seu lugar propõe
analista se situa, portanto, o lugar do saber que se use a palavra violência.
e do poder supostos. Devido à natureza Ele faz uma retomada do mito da horda
e amplitude de nossa proposta, não nos primeva, exposto em Totem e Tabu (1913),
aprofundaremos mais nesta importante embora não o mencione como tal.
temática. De início, há predominância da força
bruta, do pai primevo que subjuga os mais
A política fracos e goza de todas as mulheres.
no espaço institucional A única forma de se contrapor a
Não podemos pensar na política da psica- esta dominação só se torna possível pela
nálise sem levarmos em conta as institui- reunião dos mais fracos, que matam e
ções que sustentam sua transmissão. devoram o pai.
A instituição é onde a psicanálise A ambivalência afetiva, saciado o
em intensão (prática analítica) está em ódio, faz com a nostalgia do pai e no vazio
continuidade moebiana com a psicanálise do pai morto erigir uma lei – a proibição do
em extensão (transmissão da psicanálise). incesto – e a primeira organização social –
Apenas vamos mencionar com Qui- o totemismo. Podemos então deduzir que
net que a Escola é o coletivo institucio- o primeiro ato político, que propiciou a
nalizado em que a política se presentifica emergência da lei, foi o assassinato do pai
pela interseção da relação de cada um com pela fratria.
a causa analítica e a sustentação coletiva A violência do Um torna-se agora a
do discurso analítico. violência da comunidade em forma de lei.
O discurso analítico não pode, se- Em termos da civilização ocidental,
gundo Lacan, ser sustentado por um só. a política surgiu na Grécia antiga e se
No ato de fundação da Escola francesa referia, mais especificamente, à vida na
de psicanálise, em 1964, Lacan assinala: pólis, às instâncias de poder estabeleci-
“Fundo – tão sozinho quanto sempre estive das cuja função era governar a vida na
em minha relação com a causa analítica” cidade.
(LACAN, 2003a, p.235). Isto pode pare- Embora tenha havido algumas varia-
cer um paradoxo. ções ao longo dos séculos, ainda hoje a
Mas, se a relação com a causa analí- política tem este forte significado, na filo-
tica é solitária e particular, a sustentação sofia e no meio social mais amplo: é tudo
do discurso analítico precisa do coletivo, aquilo que se relaciona não exatamente
e é consequência da transferência de à cidade, mas ao Estado e suas diferentes
trabalho. formas de governá-lo.
Lacan critica os analistas devido ao A política não pode ser pensada senão
enquistamento do pensamento. A psi- em articulação com a noção de poder (ou
canálise deve se fazer valer da produção violência, segundo Freud).
de psicanalistas que possam não ceder às O governo simplifica uma sistemati-
exigências da civilização, aos apelos da zação e hierarquização do poder no qual
sociedade capitalista, colocando então alguns comandam e outros obedecem,
esta finalidade Institucional – produzir havendo sempre uma instância máxima
psicanalistas com um objetivo político. de poder onde Um (mesmo como repre-
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A ética do desejo e a política da falta

sentante da lei) tem o poder e a respon- supereu manifestando-se em cada sujeito


sabilidade da decisão final. como sentimento de culpa, uma das ma-
A história da política, em nossa civi- nifestações da pulsão de morte.
lização, nos mostra que há, no mínimo, Com a progressiva valorização do
uma tendência do homem a estabelecer campo do gozo, Lacan (1992) desenvolve
relações de domínio e servidão não apenas os discursos como formas de laço social
pela criação de um poder isolado, mas e no Seminário XVII desponta a grande
também pelas microrrelações de poder tese de que a psicanálise é o avesso da
estabelecidas entre os próprios homens civilização.
(FOUCAULT, 1998). É ainda Coutinho Jorge (2006) quem
Comandar, ter poder, bem como obe- afirma que a teoria dos quatro discursos de
decer e se submeter, são posições presentes Lacan comparece em seu ensino para tra-
em todas as relações humanas. tar de uma forma original do liame social.
Além do mais, a instância do supereu, E continua: A originalidade desta
resultado para Freud da subjetivação da teoria e o contexto sociopolítico no qual
autoridade paterna, explica a natureza surge não impedem que ela seja um ver-
da obediência, um dos fundamentos da dadeiro corolário de fundamentais desen-
política. volvimentos anteriores, ou seja, a lógica
Muito antes de elaborar a segunda tó- do significante tanto ordena as relações
pica e com ela tratar da origem do supereu, humanas quanto estrutura o inconsciente
desde os primórdios da psicanálise, Freud individual.
se voltou para este fenômeno do poder que
um homem pode exercer sobre o outro. Lacan (1992) demonstra a tese freu-
Seus escritos pré-psicanalíticos tratam diana sobre a fundação da civilização
essencialmente deste assunto pela via da através do discurso do mestre
sugestão e da hipnose.
Foi exatamente por recusar a se man- S1 S2
ter na posição da sugestão (poder do Um) S a
que Freud descobriu o funcionamento do
Inconsciente. O senhor delega ao saber do escravo a
Em seguida, Freud se depara com o fe- produção do objeto. No lugar da produção
nômeno da transferência e com o fio tênue aparece o objeto a.
que o separa da sugestão. Esse fio se refere “A articulação da civilização S1 ĺ S2
à relação que existe entre a transferência implica um resto produzido (objeto a), re-
e o amor (como já vimos) e entre o amor presentação do supereu como olhar, que vigia
e o estado hipnótico. e pune, e como voz, que critica e condena.”
O amor, portanto, é o ponto de arti- “A Psicanálise é o único laço social que
culação entre a transferência e a sugestão. se ocupa diretamente do objeto a como agente
do discurso.”
A política da psicanálise
na contemporaneidade O discurso do capitalismo
A fim de adentrarmos esta importante e Colette Soler (2011), em seu artigo sobre
espinhosa temática, devemos nos remeter o discurso do capitalista, chama a aten-
a Freud (1929), no Mal-Estar da Cultura, ção para o fato de como este tema nos
onde ele afirma que a civilização repousa permite compreender que a psicanálise,
na renúncia pulsional. Mas, se é a renúncia como Lacan a orientou e esclareceu, não
pulsional que permite que haja civilização, se limita, como normalmente se acredita, a
o que é renunciado retorna sob a forma de ocupar-se dos indivíduos um a um, apenas.
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Arlindo Carlos Pimenta

Lacan tentou introduzir a ideia de que a Lacan diz então que a mais-valia
partir do discurso do analista, poder-se-ia torna-se, desde aquela época em que foi
compreender alguma coisa relacionada às formulada, extraída não do capitalismo,
coletividades. como afirmara Marx, mas da causa do
Como sabemos, cada discurso é uma desejo, da qual toda economia faz seu
modalidade de laço social. Estes laços princípio.
entre os humanos, com seus corpos e Causa do desejo para todos, capita-
suas falas, são ordenados pela linguagem listas e proletários. Uns para se apropriar,
e só existem por serem ordenados pela outros para recuperar.
linguagem. Outro ponto importante assinalado
Ainda segundo Soler, a expressão “dis- por Lacan consiste em dizer que quando a
curso capitalista” é de Lacan e data do con- mais-valia é causa de desejo de toda uma
texto de pós-68 ou exatamente de 1970. economia, isto engendra o que ele chama
O paradoxo é que, com o discurso ca- produção extensiva, logo insaciável da
pitalista, Lacan descreve um discurso que falta a gozar.
desfaz o laço social ao invés de enlaçá-lo. Produzir e consumir são os dois gran-
Na época em que tal discurso foi ela- des imperativos da economia capitalista.
borado, as questões a ele ligadas não eram Produzir e consumir geram a falta a gozar.
tão legíveis como o são hoje em dia. Lacan atribui a falta a gozar a todos os
Em 1970, o mundo ainda era binário, atores da economia capitalista, pois a falta
prevalecia a guerra fria com todas as suas a gozar é o seu motor.
consequências e acusações recíprocas. Lacan escreveu o discurso do capi-
O que hoje é bastante explícito talismo com os mesmos elementos dos
quanto à ideologia capitalista, quanto, outros discursos, porém colocando-os de
por exemplo, a inventar formas fáceis de forma diferente:
lucro, em 1970 não era totalmente claro.
Poderíamos perguntar: o que Lacan S S2
percebeu, naquele momento, ao formular S1 a
o discurso do capitalismo?
Lacan tinha Marx em grande conceito Entre os elementos e de forma cruza-
e retém da leitura da teoria marxista o da, Lacan desenha uma flecha contínua,
conceito de mais-valia. sem ruptura.
Sem nos determos e aprofundarmos Enquanto nos outros discursos existe
nesta questão, podemos dizer que a mais- uma ruptura, uma descontinuidade, que
valia é a parte do trabalho que não é paga é uma barreira para designar que entre
e que é apropriada pelo capitalista, dono o gozo que um discurso torna possível e
dos meios de produção. A mais-valia é a verdade daquilo que é esperado como
subtraída do trabalho proletariado para gozo existe sempre um hiato. Na escrita
engordar o capital. do discurso do capitalismo não há um
Ainda com Soler (2011) poderíamos hiato.
dizer que a mais-valia é o que incita o ob- Temos um circuito fechado, contínuo,
jeto causa de desejo do capitalismo. sem ruptura, onde se pode afirmar que o
A consciência da classe proletária – sujeito é comandado pelo objeto – produ-
aquela que só tem sua força de trabalho tos, gadgets.
para vender – é uma consciência na qual Constatamos, então, que quanto mais
a mais-valia se constitui como objeto per- o tempo passa, mais somos instrumentali-
dido, cotidianamente perdido, mais que zados por todos os produtos, os quais nós
objeto oculto ou roubado. não podemos dispensar.
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A ética do desejo e a política da falta

Não apenas somos instrumentalizados Ele conclui que isto levaria à fora-
pelos produtos como ameaçados pelos clusão da castração. Esta conclusão é de
efeitos da produção. início paradoxal; exprime, no entanto, o
Data de pouco tempo a consciência fato de que o amor entre parceiros coloca
da ameaça que pesa sobre o planeta da em jogo a castração. Neste sentido, um
relação entre a economia capitalista e a discurso que exclui as coisas do amor,
ciência – tecnologia. exclui logicamente a castração.
O que a formulação do discurso nos É ao excluir as coisas do amor, desfa-
mostra é que o capital, S1, demanda à zendo o laço social, que o discurso do ca-
ciência tecnológica que produza objetos pitalismo tem um efeito sobre a violência e
(a) para o consumidor (S/ ). as atrocidades, pois quando os laços sociais
A consequência disto é que o discurso se desfazem, a dissidência das pulsões se
do capitalismo não descreve nenhum laço manifesta de uma forma bem diferente.
entre os parceiros humanos. Ele só descre- Freud (1921) já chamara nossa atenção
ve a relação de cada sujeito (consumidor) para este fato em Psicologia das Massas.
com certo objeto mais-valia. Há um laço Talvez aqui possamos perceber com
direto entre o sujeito e o objeto a. clareza o que é rejeitado no discurso que
Já em 1970, Lacan nos dizia que o discur- retorna de outra forma. Com a exclusão
so do capitalismo desfaz o laço social e com das coisas do amor, como laço, retornam
isso todas as solidariedades sociais, e deixa sob a forma de romance barato, filmes
cada um cara a cara com o objeto causa. eróticos e práticas na internet.
De início, observamos a precariedade O sexo clivado do amor aparece de
dos laços possíveis no trabalho. forma acentuada na clínica, mormente
Colette Soler (2011) sublinha então por parte das mulheres que buscam al-
dois pontos básicos, a saber: o clamor guém, um companheiro, frequentemente
sobre a precariedade e em segundo lugar sem encontrá-lo. O pegar, o ficar, com
um sentimento do sem sentido (non sens), muita frequência não caminha em dire-
verdadeiramente um índice de que os ção ao laço amoroso, gerando angústia e
mais-de-gozar, produtos de consumo, não decepção.
só não conseguem estancar a aspiração Outro ponto que observamos é que
humana, pois excluem o vetor do desejo, todos os discursos, sob suas formas his-
mas aumentam de forma devastadora o tóricas diversas, sempre implicaram uma
sentimento de falta a gozar. disparidade de lugares.
O resultado da fragmentação dos Mais uma vez, Soler assinala que a
laços sociais é um individualismo louco discriminação é a repartição das dispari-
e forçado. dades, a repartição dos lugares preciosos.
Soler ainda cunha o termo narcinis- Os quatros discursos estabelecem
mo, que combina este tipo particular de os lugares ordenados que definem uma
posicionamento típico do nosso tempo: ordem. Estas ordens reinaram na história,
narcisismo e cinismo. Esta lógica faz com como bem sabemos: mestre – escravo;
que os indivíduos assumam, sem nenhum homem – mulher; professor – aluno; pais
constrangimento, uma série de manobras – filhos etc.
de exploração colocadas como astúcia ou Todos estes discursos eram discursos
capacidade de competir. da violência instituída. A violência atual
Não se faz lucro sem algum abuso. não é instituída, mas produzida.
Outro ponto importante que Lacan Muitas questões relevantes e de inte-
sublinha em 1972 é a exclusão das coisas resse poderiam ser levantadas, o que esten-
do amor pelo discurso do capitalismo. deria sobremodo nosso texto e exposição.
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Arlindo Carlos Pimenta

Façamos um ponto de basta para nos Freud, em suas reflexões sobre a cultu-
perguntamos: E então, o que a psicanálise ra, aborda a verdade das origens da forma
pode dizer? E o que pode fazer? possível, a saber, pelo viés do mito.
Lacan, a partir do que foi construído Em 1973, em Televisão, Lacan (2003b)
da estrutura subjetiva, pôde interpretar o vai dizer que o Mito é uma forma épica de
discurso do capitalismo, ou seja, revelar mostrar a estrutura. O mito procura dar
seus modos de gozo. uma forma discursiva a alguma coisa da ver-
Mas, hoje em dia, o que é possível ser dade que por si mesma não poderia passar
feito? Assim como Freud, que no final do enquanto tal. A forma discursiva pode ser
século XIX e início do século XX, a partir universal ou individual. Já em Totem e Tabu,
da Histeria, criou o discurso do psicanalis- Freud (1913) vai falar da herança arcaica
ta, o que pode o psicanalista de hoje frente que aparece já na pré-história dos povos, e
ao discurso prevalente do capitalismo? que a história por assim dizer se inicia pelo
Lacan (2003b) nos afirma, em seu ato memorável e terrível do assassinato do
texto Televisão, de 1973, que o discurso pai. Porém, é em Moisés e o Monoteísmo
analítico pode promover a saída do dis- (1939) que Freud resgata o conceito de tra-
curso do capitalismo. dição como forma de transmissão, que tal
É claro que sendo realistas, não se como no mito constitui o que poderíamos
trata de uma revolução psicanalítica, mas denominar o Outro Social, composto por
como o próprio Lacan assevera, trata-se traços que formam os ideais de um povo.
antes de uma subversão. Neste sentido, como hipótese inicial
O que a psicanálise pode objetar do a ser aprofundada e mais bem embasada,
discurso capitalista é suscitar um desejo poderíamos fazer a proposta de um enten-
outro ou sustentar os desejos outros. dimento de nossa realidade atual com uma
Para Lacan, o final de análise é ca- visão a posteriori de nossa tradição.
racterizado pela emergência de um outro Evidentemente, com todo cuidado e
desejo que não diretamente pelo Outro. sabendo que esta é uma contribuição a
Sustentar um Outro desejo, que é uma um tema muito complexo e formado por
forma não de fazer barra, desde que todos inúmeras variáveis.
estamos presos ao discurso capitalista, mas Sabemos que a primeira forma de
de subtrair alguma coisa deste discurso. exercício de poder existente em nosso país
Aqui, mais uma vez, sobretudo deve foram as Capitanias Hereditárias.
vigorar a política da falta-a-ser, que possi- Sérgio Buarque de Holanda (1997)
bilita a emergência do desejo e de sua ética. em seu escrito sobre as raízes do Brasil
Para finalizar, algumas palavras sobre enfatiza a diferença entre colonização e
a realidade política de nosso país, que se exploração, ocorrida após a descoberta do
mostra mais evidente e agravado pelo Novo Mundo.
discurso da contemporaneidade. A diferença entre a colonização ocor-
Chama-nos a atenção um modo es- rida, por exemplo, nos Estados Unidos e no
pecífico de exercício do poder de nossos Canadá e a exploração Ibérica constituída
políticos, independentemente da área em no puro gozo da terra e suas riquezas.
que atuam: executivo, legislativo ou judi- As Capitanias Hereditárias consti-
ciário, ou mesmo independentemente do tuíram a política da Coroa portuguesa
partido político a que pertençam. sem recursos para investimentos na nova
Impera o regime da barganha de in- colônia. Portugal resolveu, então, adotar
teresses pessoais, a corrupção e o distan- o modelo feudal e destinar aos donatários
ciamento dos interesses comunitários em um número aproximado de quatorze faixas
contraste com os individuais e familiares. de terras.
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A ética do desejo e a política da falta

As cartas de doação tinham caráter THE ETHIC OF DESIRE


perpétuo e hereditário. O rei atribui aos AND THE POLICY OF LACK
donatários inúmeros direitos e isenções.
Cabe aos donatários distribuir ses- Abstract
marias aos colonos, que são isentos dos The author presents a study of the issue of
pagamentos de tributos sobre a venda do politics and its relationship with psycho-
pau-brasil e dos escravos. analysis. First, it emphasizes the emergence
Baseados na hipótese de uma trans- of psychoanalysis as a policy of lack-of-being,
missão e formação do Outro social, po- in the relation psychoanalyst-analysand (Psy-
demos pelo menos conjecturar sobre se choanalysis in intension). Psychoanalysis in
seria apenas coincidência a dissociação do extension comes in two faces: the relation
poder público no Brasil em todas as esferas between analysts and the analytical question,
e independente da filiação partidária. and its relation to the polis. He also presents
O poder político é exercido como se brief considerations about those questions
o mandato atribuído pelo voto apontasse specifically in Brazil.
mais para uma capitania que se apresenta
como hereditária. De pai para filho e agora Keywords
até para neto. Power, Political strategy, Transference, Sub-
O poder político é exercido quase que ject supposed to know, Analytical cause,
exclusivamente em beneficio próprio e de Analyst’s trainning, Capitalist discourse.
seus parentes e colaboradores (assessores),
e de amantes que recebem verbas e bene-
fícios como as sesmarias.
As altas taxas de arrecadação, que
neste ano já passa de trilhões de reais, não
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se revertem em beneficio da comunidade, COUTINHO JORGE, M. A. Formação do ana-
do país. lista: Freud e Ferenczi. Seminário ministrado em
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RECEBI DO EM : 01/ 08/ 2012


A P R OVA DO EM : 20/ 08/ 2012

S OB RE O AUT OR

Arlindo Carlos Pimenta


Psicanalista. Sócio do Círculo Psicanalítico
de Minas Gerais. Membro do Campo
Lacaniano – BH.

Endereço para correspondência:


Rua Paraíba 1317/201 – Bairro Funcionários
30130-141 – BELO HORIZONTE/MG
E-mail: arlindopimenta@gmail.com

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