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O objetivo principal desta obra é permitir a

compreensão da ciôncia e da pesquisa. As


noções fundamentais da pesquisa cientifica são
apresentadas de modo significativo e não-
técnico, sem prejuizo da profundidade e da
exatidão. O autor mostra, com bastante clareza,
como são feitas as pesquisas em várias áreas de
estudo, como a Psicologia, a Educação e a
Sociologia, embora sua preocupação seja a de
aproximar os princípios de todas as ciências.
São discutidos desde tópicos de caráter geral,
como a natureza da ciência e da pesquisa cien­
tifica, conceitos e definições de variáveis,
problemas, hipóteses, probabilidade e estatís­
tica, até tópicos mais especificos, como inves­
tigações sociológicas, computação, análise
fatorial etc. .
Os conceitos básicos de metodologia da pes­
quisa são ilustrados com a descrição de pes­
quisas reais, acompanhadas da teoria em que se
baseiam. A obra é complementada por um
Apêndice, onde são tratados outros tipos de
pesquisa não abordados no corpo do livro, bem
como métodos de observação e coleta de dados
e testes de significância estatística.

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ISBN 978-85-12-60340-7
Metodologia da
Pesquisa em
Ciências Sociais
Um tratamento conceituai
Tradução do original em inglês:
Behavioral Research — a conceptual approach
Copyright © 1979 by Holt, Rinehart and Winston

Tradução:
Helena Mendes Rotundo

Revisão técnica:
José Roberto Malufe
Professor-Assistente de Metodologia da Pesquisa em Educação, na PUC/SP

11- reimpressão, 2009

ISBN 978-85-12-60340-7

© E.P.U. - Editora Pedagógica e Universitária Ltda., São Paulo, 1980. Todos os direitos reservados.
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Rua Joaquim Floriano, 72 - 6“ andar - conjunto 65/68 - 04534-000 São Paulo - SP
Impresso no Brasil Printed in Brazil
Fred N . Kerlinger
Universidade de Amsterdã

Metodologia da
Pesquisa em
Ciências Sociais
Um tratamento
conceituai

Oi l O íDIITOM K M G Ó G O
€ liWtSllfMIffl ILTDd.
Para
William Clark Trow
Theodore M. Newcomb
Sumário

Prefácio ......................................................: ........................................ XV


K )A natureza da ciência e da pesquisa científica....................... 1
2.) Conceitos comportamentais científicos e definições......... 22
3 .j Problemas, hipóteses e variáveis...... ......................................... 33
4 ^ Relações e explicações .............................................................. 51
Probabilidade e estatística .......................................................... 74
6. O delineamento da pesquisa experimental: delineamentos de
uma só variável...... ................................................................... •. 94
7. Delineamento da pesquisa experimental: delineamentos fatoriais 105
8. Pesquisa experimental e não-experimental ............................... 120
9. Observação e mensuração de variáveis ................................... 144
10. Investigação sociológica, levantamentos e análise de freqüências 162
11. A abordagem multivariada: regressão múltipla e partição da
variância ................................ 179
12. A abordagem multivariada: análise fatorial ........................... 202
13. A abordagem multivariada: correlação canônica, análise dis­
criminante e análise de estruturas de covariância.................... 235
14. O com putador..................................................................... 271
15. Concepções errôneas e controvérsias: questõesmetodológicas 296
16. Concepções errôneas e controvérsias: pesquisa e prática . . . 317
Apêndice — Tipos de pesquisa, métodos de observação e testes de
significância estatística ........................................................................ 347
Bibliografia ............................ 363
índice onomástico .............................. 369
Índice analítico ................................ 372

VII
Sobre o autor

Fred N. Kerlinger, nascido em 1910, é professor convidado do


Laboratório de Psicologia da Universidade de Amsterdã, Holanda, desde
1975. Doutorou-se em 1953, pela Universidade de Michigan, Estados
Unidos, em psicologia educacional. Foi professor de psicologia educa­
cional na Universidade de Nova Iorque de 1960 a 1975, e dirigiu a
Divisão de Ciências Comportamentais dessa universidade de 1968 a
1971. Kerlinger é autor do já clássico Foundations of Behavioral Re­
search (2.a ed.) e co-autor, juntamente com E.J. Pedhazur, de Multiple
Regression in Behavioral Research. O presente volume, seu mais recente
trabalho, figura entre os melhores livros já escritos no gênero.

J.R.M.
Uma terceira finalidade do livro é definir e explicar algumas das
principais questões controvertidas associadas à pesquisa sócio-científica.
As controvérsias surgem e multiplicam-se devido a conflitos e diferenças
de valores. Às vezes, entretanto, nascem de concepções errôneas a respeito
dos problemas que estão subjacentes a elas. Para que serve a pesquisa?
Por que fazer pesquisas? O que é objetividade? Por que a objetividade é
considerada tão importante pelos cientistas? O que são pesquisa básica e
pesquisa aplicada? Pode-se medir a inteligência humana? Como os valo­
res afetam a ciência e a pesquisa? Mal-entendidos sobre tais problemas
dificultam a compreensão da ciência e da pesquisa. O presente livro,
portanto, tenta analisar e colocar esses problemas em perspectiva, embora
não pretenda resolvê-los.
Há dois públicos que são especialmente visados por este texto.
O primeiro é formado por aqueles que desejam conhecer algo da natureza
e dos problemas da ciência e da pesquisa em psicologia, sociologia,
educação e outras disciplinas comportamentais. O que significa, por
exemplo, estudar cientificamente a inteligência e o preconceito? Como
são abordados problemas assim tão complexos e difíceis de apreender?
O segundo tipo de público é o formado por estudantes universitários
que estão terminando seus cursos de graduação, ou iniciando a pós-
graduação, em praticamente qualquer disciplina, inclusive disciplinas
não-científicas, e que necessitam compreender a ciência e a pesquisa
comportamentais. Os estudantes de ciências comportamentais acharão o
livro particularmente pertinente e útil. Entretanto, eu o concebi como
um texto geral e um guia para estudantes de várias disciplinas, ainda
que sua ênfase seja psicológica, sociológica e educacional.
O livro tem três partes principais. Na primeira parte, que abrange
os capítulos 1, 2 e 3, é discutida a natureza da ciência e da pesquisa
científica. Os termos necessários são definidos, as idéias fundamentais
são explicadas e ilustradas, e são introduzidos um ou dois pontos contro­
vertidos — por exemplo, a questão da objetividade. Os capítulos 1 e 3
são, provavelmente, os capítulos mais importantes do livro, porque
discutem qual é a meta da ciência e por que, e revelam a essência e o
propósito dos problemas e hipóteses da pesquisa científica. Esta parte,
portanto, poderia ser chamada de fundamentos conceituais do tema.
A segunda parte — capítulos de 4 a 13 — trata dos aspectos
técnicos da pesquisa comportamental que são, em minha opinião, os
mais importantes. Ninguém pode compreender realmente a ciência e a
pesquisa comportamental sem compreender pelo menos as mais funda­
mentais das idéias técnicas. Por exemplo, a idéia de aleatoriedade é
fundamental. Não se pode compreender experimentos ou ter qualquer
tipo de idéia clara do que seja estatística e delineamento de pesquisa sem
compreender funções e processos aleatórios e o seu uso na pesquisa

XII
Prefácio

O propósito deste livro é auxiliar as pessoas a compreenderem a


ciência e a pesquisa científica. Embora focalize a ciência comportamental
e a pesquisa psicológica, sociológica e educacional, sua preocupação
central é a abordagem e os princípios básicos de todas as ciências. As
disciplinas científicas diferem em conteúdo e substância, mas sua abor­
dagem ampla à investigação é, no geral, a mesma. E é neste núcleo de
semelhança que se concentra este livro.
Uma das grandes necessidades do momento é a de que as pessoas
compreendam a ciência. Existe, naturalmente, muita popularização da
ciência e das realizações científicas, nos meios de comunicação. Há tam­
bém livros tentando explicar a ciência. Entretanto, a maioria dos espe­
cialistas, provavelmente, concordaria que é preciso fazer ainda muito
mais para tomar a ciência compreensível para um maior número de
pessoas, e os próprios cientistas devem assumir uma parte da responsa­
bilidade por tais esforços.
O objetivo específico de Metodologia da Pesquisa em Ciências So­
ciais: Um Tratamento Conceituai é explicar as complexidades abstratas
da pesquisa científica de modo significativo e não-técnico, sem sacrificar a
profundidade e a exatidão. O livro tenta conseguir isto concentrando-se
nas bases conceituais da ciência e da pesquisa, e limitando as discussões
técnicas e metodológicas a umas poucas áreas e temas básicos. Tenta
também explicar o que a ciência é, e o que não é; quais os seus propósi­
tos e como funciona.
Outro objetivo do livro é preencher o hiato de compreensão entre
o cientista comportamental e o não-cientista. A natureza abstrata da
ciência e as tecnicidades da pesquisa podem ser obstáculos à compre­
ensão. Além disso, podem obscurecer sua simplicidade essencial e econo­
mia de propósitos. É uma séria deficiência educacional o fato de que
muitas pessoas, talvez a maioria, sabem pouco a respeito do que é um
experimento, para que serve, a respeito de mensuração, sua natureza e
propósitos, ou a respeito da função e lugar da estatística na pesquisa.
A pessoa que tiver lido atentamente este livro deverá ter uma sólida
compreensão conceituai da ciência comportamental e da pesquisa com­
portamental — do ponto de vista do pesquisador.

XI
regressão múltipla e análise discriminante de modo preciso e não-técnico?
Essa é uma boa pergunta, e para a qual não existe uma resposta pronta
e fácil. O problema é que, se não forem discutidas as abordagens multi-
variadas à pesquisa e à análise de dados, deixa-se uma grande lacuna no
conhecimento e na compreensão que terá o leitor sobre a pesquisa com-
portamental. A pesquisa comportamental passa, atualmente, por uma
verdadeira revolução, a meu ver, precisamente por causa, em grande parte,
da abordagem multivariada e do ultra-rápido computador moderno.
Problemas de pesquisa, que antes não poderiam ser contemplados por
uma incapacidade de se fazer as complexas análises envolvidas, são hoje
abordados quase rotineiramente. Assim, decidiu-se incluir o assunto, a
um nível conceptual e semitécnico. Há a conseqüente supersimplifica-
ção, ignorando-se diversos problemas importantes. Os riscos, entretanto,
talvez sejam compensados por uma imagem melhor e mais completa que
o leitor poderá adquirir. Pelo menos, estes capítulos poderão aumentar o
interesse e difundir uma abordagem fascinante, com muitas probabili­
dades para a teoria e a pesquisa significativas e criativas.
A terceira parte do livro, capítulos 14, 15 e 16, discute e explora
diversos problemas controvertidos e mal compreendidos, que trazem
considerável preocupação à ciência e aos cientistas. Um deles — feliz­
mente, relativamente fácil de manejar — é a natureza e a finalidade do
computador. Não há dúvida de que o computador foi e é uma das
influências mais fortes na pesquisa comportamental contemporânea.
Esta influência é examinada no capítulo 14. Os notáveis poderes do com­
putador são descritos e analisados com o propósito de se compreender o
que o computador pode fazer e, o que é praticamente tão importante
quanto isso, o que o computador não pode fazer. Depois de estabelecida
essa base, procurou-se também esclarecer um ou outro mal-entendido
sobre o computador e o seu lugar na pesquisa e na ordem das coisas.
Os dois últimos capítulos do livro, capítulo 15 e 16, exploram basica­
mente um certo número de problemas mal compreendidos e contro­
vertidos, que intrigam e desorientam os pesquisadores e os indivíduos
que observam a ciência e a pesquisa. Por exemplo, a questão de para
que serve a ciência é atacada diretamente, e são tiradas conclusões que
poderão desconcertar alguns leitores. Qualquer atividade humana com­
plexa é controvertida. A ciência não é exceção. Decidi, portanto, que
alguns dos mal-entendidos mais perturbadores e importantes sobre. a
ciência e a pesquisa teriam que ser abordados. Naturalmente, ao se fazer
isso, há um risco considerável. Poderá parecer que se está tomando
partido em um debate. Na realidade, o que se está assumindo é menos
um partido em um debate do que uma posição baseada no que se
considera ser a natureza da ciência. Novamente, isto se toma um
obstáculo à compreensão. Por exemplo, muitas pessoas acreditam que o

XIV
contemporânea. A cobertura desta parte é ampla e diversificada. Inclui
relações, probabilidade, delineamento de pesquisa, mensuração e análise
multivariada. É o núcleo técnico do livro, mas na sua maior parte
expresso em linguagem não-técnica.
O capítulo 4 estabelece a base: examina relações e explicações e
tenta mostrar como estão subjacentes a todo o empreendimento científico.
O capítulo 5 apresenta uma abordagem intuitiva à probabilidade e à
estatística. A importância da idéia de aleatoriedade, mencionada acima,
é fortemente enfatizada. Os capítulos 6, 7 e 8 formam uma unidade
sobre experimentação e delineamento de pesquisa. Os delineamentos de
pesquisa têm o propósito essencial de fornecer quadros de referência que
tomem possível responder diferentes questões de pesquisa. Os capítulos 6
e 7 esboçam os princípios de tais quadros de referência. O capítulo 8
mostra as semelhanças e diferenças entre a pesquisa experimental e a
não-experimental. Raramente essa distinção tão importante é discutida
na bibliografia. Considero-a suficientemente importante para justificar
um capítulo inteiramente dedicado a ela. A distinção e as suas con-
seqüências, tais como apresentadas no capítulo 8 e em outros trechos do
livro, podem ser questionadas. Todavia, por mais corretas ou incorretas
que sejam julgadas a definição, as distinções e as conseqüências, não há
dúvida de que o tema requer divulgação e compreensão.
Mensuração é a principal preocupação do capítulo 9. Assim como a
estatística, a mensuração psicológica é uma das maiores conquistas de
nossos tempos. Embora tenha ainda um longo caminho pela frente, boa
parte deste já é conhecido, e uma parcela do núcleo desse conhecimento
está condensada no capítulo 9. A despeito de ser uma grande realização,
a mensuração tem sido também o calcanhar de Aquiles de grande parte
da pesquisa comportamental. O capítulo ajuda a esclarecer suas forças e
fraquezas.
O capítulo 10 procura descrever um volumoso e importante tipo de
pesquisa — em termos gerais denominado “investigação sociológica” —
cujas principais características são sua natureza não-experimental, sua
mensuração e seus modos de análise. Temos este tipo de pesquisa quando,
por exemplo, os pesquisadores estudam principalmente o que pode ser
chamado de “variáveis sociológicas” — classe social, status ocupacional,
sexo, preferências religiosas e políticas, e assim por diante — e quando
o método predominante de observação é a contagem, geralmente a conta­
gem de características “sociológicas” de indivíduos. O capítulo ocupa-se
de suas características e de seu uso na pesquisa comportamental.
A inclusão dos capítulos 11, 12 e 13, sobre a abordagem multiva­
riada, é essencial em um livro sobre a pesquisa comportamental contem­
porânea. Algumas pessoas poderão achar que o assunto é muito complexo
para um livro deste tipo. Como se poderia explicar análise fatorial,

XIII
propósito da pesquisa científica é aumentar o bem-estar humano. Quando
isso é categoricamente negado, e se afirma que o propósito da pesquisa
científica é a teoria, ou a compreensão e explicação, não é de se admirar
que surjam dificuldades. Pretende-se, entretanto, explicar de tal maneira
as coisas, que as razões para as afirmações feitas possam ser compreendi­
das e, pelo menos, consideradas. Assim, os últimos dois capítulos do
livro exploram controvérsias e mal-entendidos. Tentam colocar em
perspectiva três ou quatro das maiores questões, em parte filosóficas, da
ciência e da pesquisa.
Embora possa ser considerado metodológico, num sentido amplo,
este não é um livro de métodos. Não se tenta ensinar como fazer pesquisa.
Toda a ênfase é posta em compreender pesquisa. Na verdade, é provavel­
mente impossível compreender qualquer assunto complexo sem trabalhar
ativamente com ele. Para compreender realmente a estatística, a maioria
das pessoas precisaria trabalhar com problemas estatísticos, por exemplo.
Todavia, um nível substancial de compreensão pode ser alcançado por
uma forma vicária de trabalhar com os problemas. Muitos de tais
“trabalhos vicários” são dados no livro. Por exemplo, uma característica
importante do livro é a descrição de pesquisas reais, geralmente acom­
panhada da teoria em que se baseiam os estudos, bem como as questões
colocadas pelos pesquisadores. Assim, o livro descreve a maneira pela
qual as pesquisas têm sido feitas e é, portanto, numa certa medida,
metodológico. Mas deixa quase que completamente de lado os métodos
reais de fazer observações, medir variáveis, analisar dados e assim por
diante. A necessidade de informações sobre esses tópicos é atendida, numa
certa medida, pelo Apêndice, no qual são discutidos tipos de pesquisa
diferentes dos tratados no texto, bem como alguns métodos de observação.
Embora saiba o quanto me ajudou, não creio que minha mulher
compreenda realmente até que ponto ela é uma parte importante deste
livro. Em todo caso, por suportar minhas rabugices e frustrações,
deixando de lado o que ela considerava obstáculos menores, dando-me
apoio e ânimo, eu lhe agradeço.

Amsterdã, Holanda
junho de 1978 Fred N. Kerlinger

XV
1 A natureza da ciência e da pesquisa científica

Como “ conhecemos” o mundo? Como conseguimos entender as


pessoas e o que elas fazem? Podemos ler a respeito do mundo e das
pessoas e aprender muita coisa. Por exemplo, o conhecimento das pes­
soas, de seus motivos e comportamento, pode ser tirado de poemas,
novelas e textos de psicologia. Para investigar mais profundamente os
sentimentos e motivação das pessoas, podemos ler Freud e Dostoievsky.
Outra maneira de nos informarmos a respeito do mundo é ouvir os
outros. Pais e professores descrevem o mundo para as crianças. Políticos,
jornalistas e professores estão constantemente nos dizendo o que eles
acham que deveríamos saber: Tal conhecimento é derivado da autori­
dade; alguma fonte que aceitamos como digna de crédito nos dá esse
conhecimento.
- Outro caminho importante para o conhecimento é a observa­
ção. Observamos o mundo e outras pessoas durante toda a nossa
vida. Usamos nossos sentidos para receber e interpretar as informa­
ções que recebemos de fora. Vejo um carro vindo em minha direção
à grande velocidade. Fujo dele. Observei o carro em velocidade, inferi
perigo e agi. A observação é então, obviamente, uma importante fonte
de conhecimento.
Infelizmente, a observação comum e a autoridade nem sempre são
guias de toda confiança. Populações inteiras de indivíduos lêem, ouvem
e acreditam no que dizem os demagogos. Há muito se sabe que a maioria
das pessoas são más observadoras até dos fenômenos mais simples. Por
exemplo, duas pessoas observam uma terceira fazer gestos; pergunte-lhes
o que o indivíduo fez. Se ambas concordarem em sua observação, será
incrível. Se concordarem na interpretação do que o indivíduo fez, mais
incrível ainda. Uma das dificuldades é que nenhum acontecimento é tão
simples assim. Outra é que os observadores interagem com e afetam o
que observam. Assim, a observação é um processo ativo que raramente
é simples.
A ciência se desenvolveu, em parte, pela necessidade de um método
de conhecimento e compreensão mais seguro e digno de confiança do
que os métodos relativamente desprovidos de controle geralmente usados.
Foi preciso inventar uma abordagem do conhecimento, apta a permitir

1
informação válida e fidedigna sobre fenômenos complexos, inclusive o
complexo fenômeno do próprio homem. Era preciso superar explicações
absolutistas, metafísicas e mitológicas de fenômenos naturais — ou pelo
menos suplementá-las — com uma abordagem até certo ponto exterior
ao homem O sucesso da ciência como abordagem do conhecimento e
compreensão de fenômenos naturais tem sido notável. Mas a compreen­
são da ciência e da abordagem usada pelos cientistas tem sido conside­
ravelmente menos notável. Pode-se dizer que a ciência é seriamente
mal compreendida.
O objetivo básico deste livro é ajudar o leitor a compreender
abordagem, o pensamento e os métodos da ciência e da pesquisa cien­
tífica. Seu foco especial se dirigirá para a pesquisa em psicologia, socio­
logia e educação. A abordagem geral é a mesma, ou pelo menos basica­
mente semelhante, em todas as ciências. Estudaremos esta abordagem
muito cuidadosamente. Entretanto, há dificuldades e problemas especiais
na ciência e pesquisa comportamentais que precisamos conhecer se qui­
sermos entender tal pesquisa. 1 Em outras palavras ,a abordagem geral do
conhecimento e compreensão da física e da psicologia é a mesma, mas os
detalhes da teoria e investigação são muito diferentes. Por exemplo, a
complexidade e a ambigüidade do comportamento humano, geralmente
considerado como mais complexo e ambíguo do que os objetos do mundo
físico, criam grandes problemas de observação e inferência válidas e
fidedignas. Medir aspectos do comportamento humano — agressividade,
preconceito, preferências políticas e realização escolar, por exemplo —
é geralmente mais difícil do que medir as propriedades dos corpos
físicos.
É grande a necessidade de compreender a ciência e a abordagem
científica. Esta necessidade é grande principalmente na psicologia, socio­
logia e educação, dada a urgência dos problemas humanos e sociais que
os pesquisadores estudam, e dada a natureza controvertida de alguns
dos problemas e métodos das ciências comportamentais. Este livro se
concentra nesta necessidade.*

' As ciências comportamentais são as que estudam e procuram entender o homem,


as instituições humanas, ações e comportamentos humanos: sociologia, psicologia,
antropologia, economia, ciência política. O termo “ ciências sociais” é também
usado, mas “ ciências comportamentais” parece um termo mais geral, mais abran­
gente. Esta definição é correta apenas no plano geral. Embora as disciplinas com­
portamentais possam ser claramente definidas, muitas vezes as distinções entre
elas são atenuadas na teoria e na pesquisa reais. Sociólogos e psicólogos, por
exemplo, freqüentemente penetram uns no campo dos outros. Além disso, outros
cientistas comportamentais, apesar da definição da pesquisa comportamental,
estudam animais, às vezes com grande impacto no conhecimento científico do
comportamento.

2
Natureza geral da ciência
A ciência é um empreendimento preocupado exclusivamente com
o conhecimento e a compreensão de fenômenos naturais. Os cientistas
desejam conhecer e compreender as coisas. Eles querem poder dizer:
se fizermos isto aqui, acontecerá aquilo ali. Se frustrarmos as crianças,
provavelmente elas agredirão outras, seus pais, seus professores e até
a si próprias. Se observarmos uma organização com regras relativamente
rígidas a restringir seus membros, digamos, os professores de uma escola,
poderemos esperar encontrar considerável insatisfação entre eles.
Os cientistas, então, querem “ conhecer” os fenômenos. Eles querem
saber, entre outras coisas, o que produz o comportamento agressivo em
crianças e adultos. Querem saber se a frustração conduz à agressão.
Querem saber os efeitos dos meios restritivos ou permissivos de admi­
nistração sobre os membros de uma organização. Em resumo, querem
“ compreender” de que maneira se relacionam os fenômenos psicoló­
gicos, sociológicos e educacionais.

Dois exemplos de pesquisa

Para termos algo específico com que trabalhar, examinemos dois


estudos. Um é um experimento, o outro não é. Por enquanto, vamos
considerar experimento um estudo no qual se fazem coisas diferentes
com grupos diferentes de sujeito — pombos, ratos, crianças, adultos —•
para ver se o que se faz com eles produz efeitos diferentes nos diferentes
grupos. Por exemplo, um pesquisador educacional pode pedir a professo­
res que escrevam notas elogiosas nos testes de um grupo de alunos e nada
nos testes de outro grupo de alunos. (Ver Page, 1958).2 Então, o pesqui­
sador vê como esta “ manipulação” , como é chamada, afeta o desempenho
dos dois grupos em testes subseqüentes.
Por outro lado, em um estudo não-experimental, não há “ manipu­
lação” , não há tentativa deliberada e controlada de produzir efeitos
diferentes através de diferentes manipulações. As relações entre fenô­
menos são estudadas sem intervenção experimental. As características
dos sujeitos, “ como eles são” , são observadas e as relações entre as
características avaliadas sem tentar mudar nada. Por exemplo, quando
os sociólogos estudam a relação entre classe social e realização escolar,
eles tomam a classe social e a realização escolar “ como eles são” . Medem
as duas “ variáveis” , como são chamadas, e então estudam as relações
entre elas. Não procuram mudar uma das variáveis para estudar o efeito

2 As referências citadas desta maneira são dadas no fim do livro.

3
da mudança sobre a outra variável. Estas idéias devem ficar claras depois
de lermos a discussão dos dois estudos que vêm a seguir.

1. Um experimento: recompensa maciça e aproveitamento na leitura

Muitas pesquisas vêm se devotando a entender como o homem e os


animais aprendem. Uma das descobertas mais bem documentadas é que
a recompensa aumenta a aprendizagem. Se as respostas forem recom­
pensadas de alguma forma, as mesmas respostas, ou respostas seme­
lhantes, serão repetidas quando ocorrerem condições semelhantes nova­
mente. Se, por exemplo, a criança é elogiada quando pronuncia uma
palavra corretamente, a pronúncia correta tenderá a ser lembrada e
usada subsequentemente. (Os resultados não são tão previsíveis quando
se usa punição.) A teoria por detrás da pesquisa, chamada teoria do
reforçamento, está sendo aplicada agora na educação, às vezes com resul­
tados gratificantes.-1
Clark e Walberg (1968) desejavam saber se a recompensa maciça
ajudaria a dar melhores resultados na leitura entre alunos potencialmente
reprovados. Criaram um experimento simples para testar esta idéia. Usa­
ram crianças negras de 10 a 13 anos e com um atraso de vida escolar de
um a quatro anos.
Dois grupos foram formados de tal maneira 34 que se poderia admi­
tir serem aproximadamente iguais em características que pudessem aTetar
o resultado. Sabe-se, por exemplo, que a inteligência afeta o trabalho
escolar, como leitura e aritmética. Os pesquisadores devem, portanto,
tentar formar grupos iguais em inteligência antes de começar o estudo.
Do contrário, o resultado pode ser devido não ao que for feito no
experimento, mas ao fato de um grupo ter em média um nível de

3 Se o leitor acha que o princípio do reforçamento positivo é óbvio, deve levar


em consideração que ele não era usado em escolas de outras épocas, exceto,
naturalmente, por professores muito compreensivos. Antes, a punição era eviden­
temente o princípio fundamental. Esperava-se que as crianças tivessem uma con­
duta correta e que estudassem, e eram punidas se não o faziam. Sem dúvida,
o castigo ou reforçamento negativo é ainda um método amplamcnte usado na
motivação escolar.
4 Reuniram as crianças em dois grupos “ao acaso” . Uma das maneiras de fazer
isso é atirando uma moeda para cada criança. Se der cara, coloque a criança
em um grupo. Se der coroa, coloque a criança em outro. O princípio é que o
acaso governa a formação dos grupos, e nada mais. Há vários outros métodos,
por exemplo, tabelas de números equiprováveis. Todos os métodos são inspirados
pelo mesmo princípio. O objetivo básico da divisão ao acaso é "igualar” os grupos
experimentais. Desde que Clark e Walberg usaram a escolha ao acaso, podiam
admitir que os grupos eram iguais antes do experimento. Discutiremos essa
questão do acaso num capítulo posterior.

4
inteligência superior ao do outro. No tipo de pesquisa em que se usam
dois grupos e um tratamento especial é aplicado a um deles, este grupo
é frequentemente chamado “ grupo experimental” . O outro, ao qual não
se faz nada em especial, chama-se “ grupo de controle” .
No início do experimento, todos os alunos foram elogiados por seu
trabalho. Isto foi usado para estabelecer médias de recompensa para
os professores das crianças. (Naturalmente os professores diferem quanto
à recompensa que usam.) Depois de seis sessões, as médias de recom­
pensa ficaram estabilizadas e o experimento propriamente dito começou.
Os professores do grupo experimental, das crianças a receberem trata­
mento especial ou experimental, foram avisados para dobrarem ou tripli­
carem a recompensa, enquanto os professores do grupo de controle
foram avisados para "manterem o trabalho em ordem” . No fim de um
período de três semanas foi feito um teste de leitura com as crianças.
A análise dos resultados dos testes mostrou que o grupo experi­
mental ou da “ recompensa maciça” fez o teste melhor do que o grupo
de controle. Esta conclusão foi inferida de um teste estatístico da dife­
rença entre a média de pontos de leitura entre os dois grupos: a média
do grupo experimental foi maior do que a média do grupo de controle.
Mais tarde explicaremos o princípio que rege tais testes estatísticos.
Por enquanto, pode-se dizer que a recompensa maciça teve resultados
aumentando a contagem de pontos do grupo experimental em compa­
ração com o número de pontos feitos pelo grupo de controle, Se se
pode dizer que recompensas maciças funcionam com crianças negras
carentes e que possam ou devam ser usadas com elas, dependerá de
outras pesquisas, destinadas a averiguar se os mesmos resultados são
obtidos repetidamente — isso se chama replicação — e testando o
reforçamento em geral com diferentes tipos de crianças. Em outras
palavras, os resultados de um estudo são sugestivos, embora não conclu­
sivos. Talvez as crianças negras carentes necessitem de reforço maciço
— mas talvez não.2

2. Um estudo não-experimental: classes sociais e tipos de criação

Vamos examinar agora um estudo não-experimental. Sabemos que


em tal estudo não há manipulação experimental; não há tratamento
diferencial de grupos de sujeitos. Tomamos pessoas e grupos "como eles
são” e estudamos as supostas influências das variáveis em outras variá­
veis, as relações entre variáveis. (“ Variável” é definida no capítulo 2.
Por ora, é o tempo usado para significar um conceito psicológico ou
sociológico no qual pessoas ou coisas diferem ou variam, por exemplo,
sexo, classe social, habilidade verbal, realização.) Uma “ relação” em
ciência sempre significa uma relação entre variáveis. Quando dizemos

5
que as variáveis A e B estão relacionadas, queremos dizer que existe
algo em comum entre as duas variáveis, alguma ligação entre elas.
Suponhamos que os dois círculos da figura 1.1 representem essências
do que sejam A e B. Isto é, A representa a essência do que seja a va­
riável A. É a substância de A. O círculo B, naturalmente, representa a
essência de B. Observe que os círculos A e B se sobrepõem e que a
superposição é indicada por traços horizontais. Isso indica que algo das
essências de A e B é compartilhado. Uma parte de A é igual a uma
parte de B e vice-versa. Esta faixa compartilhada, indicada pela área
de traços finos, representa a relação entre A e B. A pode ser inteligência
e B aproveitamento escolar. A superposição na figura 1.1 é a relação
entre as duas. O que é esta propriedade dividida? É difícil dizer sem
outras evidências. Pode ser aptidão ou habilidade verbal; pode ser o
que se denominou inteligência geral. Mas voltemos ao nosso exemplo.
Os psicólogos e sociólogos fizeram grande número de pesquisas
sobre classes sociais e descobriram sua importância para a explicação de
diferentes tipos de comportamento: recreação, eleições e criação dos
filhos, por exemplo, são fenômenos associados às classes sociais. Miller
e Swanson (1960) levantaram a hipótese, entre outras coisas, de uma
relação entre a classe social dos pais e o tempo que levavam para
desmamar os filhos. Foi perguntado a uma amostra de 103 mães da
classe média e da classe trabalhadora de uma grande cidade do
meio-oeste como estavam criando seus filhos. O resultado de uma per­
gunta sobre o tempo do desmame é apresentado na tabela 1.1. Os
números nas casas representam a quantidade de mães que eram da classe
média ou da classe trabalhadora e que haviam desmamado os filhos
mais cedo ou mais tarde.
O estudo dos números nas diferentes casas da tabela indica que as
mães da classe média parecem desmamar os filhos mais cedo do que
as mães da classe trabalhadora. Das 55 mães de classe média, 33 des­
mamavam cedo enquanto 22 desmamavam tarde; das 48 mães da classe

Figura 11

6
Tabela 1.1 Classe social e tempo de desmame, estudo de Miller e Swanson (I960).*

Classe social Desmame

Cedo Tarde

Classe média 33 22
(0,60) (0,40) 55

Classe trabalhadora 17 31
(0,35) (0,65) 48

50 53 103

* As entradas nas casas são freqüências: número de mães. As cifras entre parên­
teses são proporções, por exemplo, 33/55 = 0,60. Se as proporções forem multi­
plicadas por 100, obtêm-se as porcentagens: (33/55) (100) = (0,60) (100) = 60
por cento, ou 60 por cento das mães da classe média disseram que desmamaram
seus filhos cedo.

trabalhadora, 17 desmamavam cedo e 31 desmamavam tarde. 5 Há, apa­


rentemente, uma relação, embora não muito forte, entre a classe social
e o tempo do desmame. As mães da classe média desmamavam seus
filhos mais cedo; as mães da classe trabalhadora desmamavam mais
tarde. Se se calcularem as proporções e porcentagens, o que acabou de
ser dito torna-se um pouco mais claro: 33/55 = 0,60, 22/55 = 0,40,
17/48 = 0,35, 31/48 = 0,65 (multiplicando cada um destes por 100
obtém-se a porcentagem). Essas proporções estão na tabela, no canto
inferior direito das casas. Observe que eles exprimem mais claramente
a relação sob discussão do que as freqüências (os números originais).
Podemos dizer que há uma tendência entre as mães da classe média
a desmamar seus filhos mais cedo e entre as mães da classe trabalha­
dora, mais tarde. Sempre que pudermos fazer uma afirmação “ se-então” ,
temos uma relação. Neste caso, podemos dizer, embora cautelosamente:
se mãe classe média, então desmame mais cedo e se mãe classe traba­
lhadora, então desmame mais tarde. Naturalmente não se pode dizer
que esta tendência se apresenta entre todas as mães classe média e mães
classe trabalhadora. Esta é apenas'uma amostra e a tendência pode ou

5 Não se preocupe muito se não conseguir entender completamente como se deve


ler e enteder esta e outras tabelas. As tabelas estão sendo usadas apenas com o
objetivo de ilustrar. O entendimento maior virá mais tarde.

7
não estar presente entre todas as mães. Ê necessário mais pesquisa para
reforçar a afirmação e a certeza que se pode ter quanto à sua "verdade” .
Estes dois estudos têm um bom número de aspectos que são caracte­
rísticos da pesquisa comportamental. Primeiro, um é um estudo experi­
mental, o outro não-experimental. Segundo, eles ilustram a objetividade,
uma característica da pesquisa científica que logo examinaremos. Ter­
ceiro, seu uso de análise quantitativa elementar irá nos ajudar a apro­
fundar mais na análise e estatística. Por exemplo, no estudo de Clark
e Walberg, foram calculadas e comparadas as médias e no estudo de
Miller e Swanson, foram tabuladas e comparadas as freqüências. Estes
são dois dos modos mais comuns de se fazer análise quantitativa. Quarto,
os problemas, relações e metodologia de ambos os estudos são simples
e claros; serão úteis para ilustrar colocações a serem feitas em discussões
subseqüentes.
Mais pertinentes ao tema principal deste capítulo é o que os estudos
tentaram fazer, quais foram seus objetivos. Um dos objetivos do estudo
de Clark e Walberg foi compreender e explicar o aproveitamento, ou
antes, um certo aspecto do aproveitamento, o chamado subaproveita-
mento. Um dos objetivos do estudo de Miller e Swanson foi explicar o
desmame, que é, naturalmente, um aspecto do trabalho de cuidar de uma
criança. As palavras “ compreender” e “ explicar” devem ser interpretadas
num sentido amplo. Quando dizemos que “ compreendemos” um fenô­
meno, queremos dizer que conhecemos suas características — pelo
menos algumas — o que o produz e quais as suas relações com outros
fenômenos. Queremos dizer que tentamos “ explicar” o fenômeno. Po­
demos dizer o que provavelmente o tenha causado, o que o influencia
agora, o que o influenciará e no que ele influencia. É importante obser­
var aqui que nossa compreensão de um fenômeno é sempre incompleta,
parcial e probabilística. Sem dúvida, muito do nosso conhecimento do
mundo, especialmente do fenômeno social e humano, é parcial e
até falho.
A realização é um fenômeno importante no mundo ocidental.
Quando dizemos que procuramos “ compreendê-lo” , em parte queremos
dizer que desejamos saber por que certas pessoas conseguem grandes
coisas, enquanto outras conseguem muito pouco. Ou, mais ambiciosa­
mente, queremos saber por que certos grupos conseguem tanto e outros
tão pouco. Por exemplo, McClelland (1961), num livro estimulante,
The Achieving Society, relatou uma pesquisa voltada para uma questão
geral: Como e por que as pessoas de diferentes países diferem em sua
motivação para a realização? É possível se estender muito discutindo
um conceito tão rico quanto o de realização. O núcleo da idéia de com­
preensão e explicação, entretanto, é que explicamos um fenômeno espe­
cificando o que está relacionado a ele.

8
Clark e Walberg se interessaram por explicar um aspecto relativa­
mente limitado da realização. Eles desejavam explicar e compreender a
realização em leitura, de crianças negras que eram geralmente defi­
cientes, na realização escolar. Queriam saber se o reforçamento maciço
da realização iria afetá-la positivamente. Estudaram, então, a relação
entre o reforçamento e a realização em leitura. Conseguiram mostrar
que o reforçamento maciço afetava positivamente a realização das
crianças em leitura. Eles, até certo ponto, “ explicaram” a realização por­
que mostraram uma coisa que a afetou. 6
O fenômeno “ explicado” por Miller e Swanson foi o desmame, ou,
talvez mais exatamente, a técnica de cuidar de crianças, que inclui entre
outras coisas métodos disciplinares, tipos de recompensas usadas e mé­
todos para induzir à obediência. Eles mostraram, por exemplo, que mães
da classe média e da classe operária diferem nas suas práticas de des­
mame. Assim estabeleceram uma relação, por um lado, entre classes
sociais e por outro, no método de desmame. Mostraram que algumas
diferenças observadas no desmame eram devidas à classe social, em
outras palavras. Assim, até certo ponto, eles “ explicaram” as diferenças
nas práticas de desmame.
Vamos interromper nossa discussão a respeito das metas e propó­
sitos científicos para discutirmos duas características importantíssimas
da ciência. A primeira, objetividade, é uma característica metodológica
controvertida e difícil de entender. A segunda é a natureza empírica da
ciência. Após discutirmos estas características, estaremos em melhor
posição para continuar a discussão principal. Pode ser dito clara e
categoricamente que sem o “ método” ou “ critério” de objetividade, ou
sem a abordagem e a atitude empírica, a ciência como é conhecida no
mundo moderno não seria possível. O que significa esta afirmativa? E o
que ela tem a ver com a natureza da pesquisa científica?

Objetividade e pesquisa científica

Embora fácil de definir, a objetividade não é fácil de ser com­


preendida por causa de sua sutileza e de suas implicações complexas.
É um aspecto metodológico muito importante da ciência, especialmente
da psicologia, porque sua implementação possibilita aos cientistas testa­
rem suas idéias fora de si próprios. Eles montam seus experimentos
“ lá fora” . Os experimentos acontecem, por assim dizer, fora deles, de

6 Eles esclareceram um pouco mais outro fenômeno importante, o reforçamento.


Parece que mostraram que, com algumas crianças, quantidades comuns de elogio
e encorajamento não são suficientes; tais crianças evidentemente exigem grandes
quantidades de ambos — pelo menos no que diz respeito à realização em leitura.

9
sua influência e predileções. Em vez de estarem em suas cabeças, as
idéias testadas são objetivadas, feitas objetos “ do lado de fora” , objetos
que têm uma existência, por assim dizer, separada de seus inventores.
Qualquer um pode observar um experimento e como ele é feito; e coisa
pública.
Todo conhecimento do mundo é afetado, e até distorcido de certa
forma, pelas predisposições dos observadores. Quanto mais complexas
as observações, mais se afastam da realidade física, e quanto maiores
as inferências feitas, maiores as probabilidades de distorção. Quando o
cientista físico lida com pesos, por exemplo, há uma baixa probabilidade
de distorção: existem pequenas oportunidades para pontos de vista
pessoais, inclinações e prenoções entrarem no processo. Mas considerem
se as possibilidades de distorção no estudo e mensuração de autoritaris­
mo, dogmatismo, inteligência, nível de aspiração, realização, classe social,
ansiedade e criatividade.
Tomemos apenas uma destas variáveis, a criatividade. Embora .
concordemos que vamos estudar e medir a criatividade, podemos ter
idéias muito diferentes do que seja a criatividade. Essas idéias diferentes,
estas percepções diferentes, podem influenciar nossas observações de,
digamos, criatividade em crianças. Um ato comportamental que para
um indica criatividade pode não indicar criatividade para outro e essas
diferenças em percepção podem afetar nossa mensuração. Em outras
palavras, as verdadeiras observações do comportamento criativo podem
ser muito diferentes, dependendo de quem observa, a não ser que se
concorde em adotar um método de observação — e se ater rigidamente
a ele.
Objetividade é um acordo entre juízes “ especialistas” relativo ao
que é observado, ou o que deve ser ou o que foi feito em pesquisa.
Suponhamos que um cientista observe alguma coisa e anote essa obser­
vação, digamos, em forma numérica. Outro, de igual competência,
observa a mesma coisa, independentemente, e registra sua observação.
Se o processo puder ser repetido com resultado idêntico ou parecido
— isto é, se há acordo entre as observações dos cientistas — consegue-se
objetividade. Em algumas áreas da ciência, como na química e física,
por exemplo, a objetividade não é problema sério, graças aos instru­
mentos de alta precisão, como os microscópios eletrônicos. Tais instru­
mentos aumentam a probabilidade de acordo entre os juízes, porque, ao
usá-los, juízes diferentes provavelmente obterão e anotarão os mesmos
resultados. Além disso, a máquina tem menos possibilidade de influen­
ciar observações e de ser influenciada pela natureza do que estiver
sendo observado.
A definição de objetividade como acordo entre juízes não deve
ser interpretada com estreiteza: é bastante ampla. O que significa isto?

10
A condição principal para satisfazer o critério de objetividade é, ideal­
mente, que quaisquer observadores com um mínimo de competência
concordem em seus resultados. Em psicologia e educação, por exemplo,
usam-se testes e escalas objetivas. São chamados “ objetivos” porque'
qualquer pessoa, devidamente orientada, pode avaliá-los e obter os mes­
mos resultados (com pequena margem de erro). A expressão “ testes
objetivos” não significa que os testes sejam em si mesmos “ objetivos” .
Eles o são porque a contagem de pontos é a mesma, não impor­
tando quem os avalie. Por outro lado, a correção de respostas em
redações depende muito mais do julgamento pessoal do juiz, enquanto
tais julgamentos são virtualmente excluídos em testes objetivos. (Deve
ser notado, entretanto, que a avaliação de redações pode ser feita de
maneira muito mais objetiva do que geralmente se faz.)
Mudemos um pouco a perspectiva. No estudo Clark e Walberg a
mensuração do aproveitamento em leitura foi mais objetiva do que a
mensuração de tempo de desmame no estudo de Miller e Swanson por­
que o primeiro foi medido com um teste de tipo objetivo, enquanto o
segundo foi medido através de entrevistas. Qualquer um que avaliasse o
teste de leitura obteria os mesmos resultados. Mas dois entrevistadores
poderiam mostrar diferenças na mensuração de tempo de desmame, no
caso por dois motivos. O primeiro acaba de ser dado: juízes diferentes
podem interpretar as respostas do entrevistado diferentemente. Uma mãe
pode dizer que desmamou seu filho quando a criança tinha entre 7 e 9
meses. Um entrevistador pode se satisfazer com esta resposta e anotá-la,
mas outro pode querer se aprofundar mais e acabar descobrindo que
a mãe desmamou o filho aos seis meses. O segundo motivo se deve à
falta de memória da mãe: ela pode simplesmente não se lembrar quando
desmamou o filho e dizer que foi aos dez meses, quando de fato foi
aos oito. Não existe tal ambigüidade com mensuração de tipo objetivo
(embora não esteja isenta de outros tipos de dificuldades). Um teste de
leitura de tipo objetivo, por exemplo, tem regras explícitas para a ava­
liação das respostas. A resposta a qualquer pergunta só pode ser ou cor­
reta ou incorreta: há pouca margem para a iniciativa ou o julgamento
do avaliador.
A importância da objetividade exige mais explicação ainda. Embora
seja aplicada geralmente a observações e mensuração científicas, a idéia
é mais ampla. Quando os psicólogos fazem experimentos, lutam por
objetividade. Isso significa que fazem sua pesquisa controlando de tal
modo a situação experimental e descrevendo de tal modo o que fazem
que outros psicólogos poderão repetir o experimento e obter resultados
iguais ou semelhantes. Em outras palavras, a objetividade ajuda o pes­
quisador a “ sair” de si mesmo, ajuda-o a conseguir condições publica­
mente replicáveis e, conseqüentemente, descobertas publicamente averi-

11
guáveis. A ciência é um empreendimento social e público, como tantos
outros empreendimentos humanos, mas uma regra importantíssima do
empreendimento científico é que todos os procedimentos sejam objetivos
— feitos de tal forma que haja ou possa haver acordo entre juízes
especialistas. Esta regra dá à ciência uma natureza distinta, quase remota,
porque quanto maior a objetividade mais o procedimento se afasta das
características humanas — e de suas limitações. Por exemplo, a obje­
tividade quase glacial de partes das ciências naturais, cujos experimentos
são feitos em laboratórios e em circunstâncias altamente controladas,
cujas observações são feitas quase inteiramente por máquinas de alta
precisão e fidedignidade, parece coisa muitíssimo distante de gente e de
suas preocupações sociais e pessoais. (Isto não significa que os cientistas
que pesquisam e controlam as máquinas sejam imunes a erros.)
Comparem-se agora os procedimentos em psicologia e educação. O
cientista físico pode “ sair de si mesmo” mais facilmente do que o cien­
tista comportamental, porque é mais fácil para ele preparar uma pesquisa
e testar hipóteses “ fora” e longe de suas próprias predileções e inclina­
ções e de outros. Isto acontece porque os procedimentos são mais fáceis
de ser “ objetivados” . Uma vez que o funcionamento de um processo
físico fique compreendido, pode ser repetido e medido pela maioria de
técnicos e cientistas competentes. Em outras palavras, há uma replica-
bilidade relativamente alta.
Em pesquisa sociológica, psicológica e educacional, entretanto, isto
é verdadeiro em grau muito menor. A manipulação de variáveis psicoló­
gicas, como a coesão de grupo, a atmosfera em sala de aula, estilos de
liderança e ansiedade, é muito mais difícil de ser feita objetivamente
por causa da maior complexidade, amplitude de variação e acessibili­
dade a influências outras que as do pesquisador. Igualmente, a mensu-
ração de variáveis comportamentais, tais como inteligência, realização,
atitudes, classe social e motivação é mais sujeita a influências sistemá­
ticas e casuais, tornando mais difícil — embora não impossível, como
pretendem alguns críticos — vários observadores concordarem em suas
observações e mensurações. Isto não significa, entretanto, que os proce­
dimentos do psicólogo não sejam objetivos. Na verdade, eles freqiiente-
mente podem possuir um nível de objetividade relativamente alto. Eles
são simplesmente menos objetivos do que os do cientista físico.
Não há qualquer diferença de princípio, por outro lado, entre o
uso do critério de objetividade pelo cientista físico e pelo cientista com­
portamental. A única diferença está no grau de objetividade. Já foi dito
que as ciências comportamentais não podem ser verdadeiramente cientí­
ficas porque não podem usar os métodos das ciências físicas. Isto não
é assim, a não ser num sentido puramente literal. Em todas as ciências
são usados a mesma abordagem e os mesmos métodos gerais. Assim está

12
longe de ser impossível chegar-se à objetividade nas ciências comporta-
mentais; isto já foi conseguido com sucesso, muitas vezes. É apenas
mais difícil.

Objetividade e explicação

À medida que avançarmos veremos que a objetividade, tanto ex­


pressa quanto implicitamente, estará presente em toda a nossa discussão
e estudo. É preciso que assim seja. Sem objetividade a ciência e a
pesquisa científica perdem seu caráter único e especial. Sem dúvida,
não haveria ciência sem objetividade, como já ficou dito. Deve-se acres­
centar, entretanto, que objetividade em e por si própria tem pouca
importância. Isto é, o objetivo básico da ciência é a explicação de fenô­
menos naturais; não é simplesmente ser objetiva. Objetividade é im­
portante porque pode auxiliar a fornecer explicações mais exatas dos
fenômenos naturais. Ser apenas objetivo não significa ser científico. Um
procedimento pode ser altamente objetivo e conter observações engano­
sas e conclusões falsas. Um pesquisador pode, por exemplo, fazer um
estudo que seja um modelo de objetividade mas cujos resultados sejam
enganosos. Pode haver testado o que julgou ser a influência de A sobre B
e obtido resultados que parecem mostrar que A, sem dúvida, influenciou
B. Ele não percebe outra influência: K foi a “ verdadeira” causa da
mudança em B. Sua manipulação de A ativou K, que produziu a mu­
dança observada em B. Isto é mostrado na figura 1.2. A seta interrom­
pida mostra a influência de A sobre B, que o pesquisador estava estu­
dando; ele pensou que A tivesse influenciado B. A seta contínua indica
a verdadeira influência: A ativou K, que influenciou B.
Objetividade, além disso, não significa importância. Uma pessoa
pode ser muitíssimo objetiva com problemas mais triviais do que com
problemas mais importantes. Podemos, por exemplo, estudar a relação
entre o número de carteiras nas classes e o aproveitamento verbal das
crianças. Tanto o número de carteiras quanto o aproveitamento verbal
podem ser medidos com um alto grau de objetividade. Mas e daí? A

Figura 1.2

13
objetividade, entretanto, é uma característica indispensável e inseparável
da ciência e da pesquisa científica.

Objetividade como característica e como procedimento

Antes de deixarmos o assunto objetividade, tentaremos esclarecer


e corrigir uma importante concepção errônea. Muitas pessoas, mesmo
alguns cientistas comportamentais, pensam que objetividade refere-se a
uma qualidade ou característica de pessoas. Embora provavelmente seja
verdade que os indivíduos diferem em grau de objetividade — consi­
derando objetividade como um traço que o indivíduo possua — isto
tem pouco ou nada a ver com objetividade em ciência. Objetividade em
ciência é um procedimento, um método, uma maneira de dirigir um
assunto científico. Não quer dizer que pessoalmente os cientistas sejam
mais objetivos que outras pessoas, embora muitos deles possam sê-lo.
Esta concepção errônea infelizmente cria confusão. Certos críticos
da ciência dirigem sua crítica principal à objetividade, dizendo, por
exemplo, que a distância e a frieza da ciência destroem valores humanos
e assim a ciência é fundamentalmente prejudicial. Esta distância e frieza,
dizem, levam à desumanização do cientista e das pessoas afetadas pela
ciência — todos nós. Os cientistas são até descritos como monstros,
ainda mais perigosos porque aparecem envoltos em um manto de virtude.
O argumento é totalmente sem sentido. É verdade — não à ma­
neira romântica dos críticos, porém — que a ciência é distante e talvez
fria. Isto deriva de sua meta de abstração e de seu critério de objetivi­
dade. Leis gerais, enunciados gerais de relações são necessariamente
abstratos porque têm que se aplicar a muitos casos específicos. A lei
científica ideal é uma equação matemática, não porque os cientistas
amem símbolos misteriosos e esotéricos e a matemática (alguns, sim,
claro), mas porque a equação matemática é altamente abstrata e geral.
Se válida empiricamente, ela pode explicar muitas manifestações dife­
rentes da lei ou enunciado de relação. “ A frustração leva à agressão”
é um amplo enunciado geral de relação. Tem valor porque abrange
muitas, senão todas as manifestações de frustração e agressão. 7 É tam­
bém distante e talvez mesmo um pouco frio comparado à descrição de
um menino ou menina agressivos feita por um professor ou um
terapeuta.

7 Tais enunciados não podem ser gerais demais porque, se forem, não podem ser
refutados. Como veremos mais tarde, os enunciados científicos têm que ser pas­
síveis de serem submetidos a teste e acessíveis a serem mostrados como falsos
se realmente o forem.

14
A abstração, parte do poder da ciência, está sempre distante das
preocupações comuns e do calor do relacionamento humano. Isto por
definição; é parte da natureza da ciência. Sem tal abstração, não há
ciência. O mesmo quanto a objetividade, que também tende a fazer a
ciência parecer fria e distante. Parece distante e fria porque os testes
das proposições científicas são feitos “ lá fora’’, o mais longe possível
das pessoas e suas emoções, desejos, valores e atitudes, incluindo os do
próprio cientista. Mas é isto precisamente o que deve ser feito. Deve-se
obedecer ao cânone da objetividade — ou abandonar a ciência.

O caráter empírico da ciência

O caráter empírico da ciência é muito mais fácil de compreender


do que a objetividade, talvez porque esteja associado ao que se tornou
quase um estereótipo do cientista: um esmiuçador de fatos vestido de
branco. É verdade que a maioria dos cientistas vive preocupada com
“ fatos” , mas devemos substituir idéias estereotipadas pela compreensão
das razões da preocupação com a evidência fatual. Por esta altura o
leitor já terá percebido que o ponto de vista deste livro é fortemente
influenciado pelo cuidado e preocupação com a teoria e explicação. Os
não-cientistas podem dizer que também eles estão muito preocupados
com teorias e explicações. E assim é. O filósofo, por exemplo, procura
explicar como sabemos das coisas. O historiador deseja explicar a ori­
gem de movimentos e fatos históricos, por exemplo, as causas e conse-
qüências da Guerra Civil ou da Revolução Russa. O teórico político
procura explicação para movimentos políticos, como a influência do
pensamento conservador sobre os atos de partidos ou figuras políticas.
A explicação, como explicação, nãão é, pois, prerrogativa única da
ciência. Nem a ênfase científica sobre a evidência uma obsessão
exclusiva. Historiadores e teóricos políticos, entre outros, invocam a
evidência para apoiar suas explicações de fenômenos históricos e polí­
ticos. Então, qual é a diferença? Por que a ciência é peculiar? Grande
parte deste livro é dedicada a responder a estas perguntas. Mas podemos
agora pelo menos começar a explicação.
A maior parte da ciência comportamental moderna é caracterizada
por uma forte atitude e abordagem empíricas. Infelizmente a palavra
“ empírico” foi usada de duas formas com significados muito diferentes.
Em uma, “ empírico” significa guiado pela experiência prática e obser­
vação e não pela ciência e pela teoria. Este é um ponto de vista pragmá­
tico que afirma que “ se funciona, está certo” . Os motivos não importam;
o que importa é que funcione. Este não é o significado de “ empírico”
usado pelos cientistas (embora eles não deixem de ser pragmáticos).
Para o cientista, “ empírico” significa guiado pela evidência obtida em

15
pesquisa científica sistemática e-controlada. Aqui está um exemplo que
nos ajudará a compreender o que “ empírico” significa para a ciência.
Uma pesquisa científica foi feita para determinar se é possível
animais e seres humanos aprenderem a controlar reações do sistema
nervoso autônomo. Podem, por exemplo, diminuir as batidas cardíacas
ou aumentar a secreção da urina à vontade? (Miller, 1971, caps. 55, 56).
Tanto velhas quanto novas crenças dizem que isso não é possível. Então,
a generalização é: as pessoas não conseguem controlar reações gover­
nadas pelo sistema nervoso autônomo. Acontece que a afirmação talvez
não seja verdadeira: descobriu-se que animais (e talvez pessoas) podem
ser treinados para fazerem coisas tais como aumentar e diminuir as
batidas cardíacas, aumentar e diminuir sua secreção urinária e até alterar
sua pressão sanguínea (Miller, 1971, Parte XI). Um enunciado empiri­
camente orientado seria: os animais podem, dentro de certos limites,
controlar reações do sistema nervoso autônomo, recebendo “ instrução”
apropriada. Os animais podem ser ensinados a, por exemplo, aumentar
ou diminuir as batidas cardíacas e aumentar ou diminuir sua secreção
urinária. Não é fácil, mas já foi feito. São afirmativas empíricas, já que
estão baseadas em evidência científica.
Por ser empírica, não significa necessariamente que uma afirma­
tiva seja verdadeira. Se baseada em pesquisa científica e evidência, é
mais provavelmente verdadeira do que uma afirmativa baseada intei-
ramente em crenças. Entretanto, pode ainda não ser verdadeira. A
afirmativa acima, de que é possível aprender a controlar o sistema ner­
voso autônomo até certo ponto, embora apoiada pela evidência da pes­
quisa científica, pode acabar sendo refutada a longo prazo. Pode não
ser possível obter os mesmos resultados no próximo ou no ano seguinte,
ou na Austrália assim como na América. Ê possível que as descobertas
de pesquisa apoiando o enunciado fossem o resultado de alguma causa
temporária e não reconhecida, característica apenas da situação parti­
cular em que foi feita a pesquisa. Não obstante, a probabilidade de uma
afirmativa baseada em evidência empírica ser verdadeira é maior do
que a probabilidade de uma afirmativa não-empírica ser verdadeira. Evi­
dência empírica cuidadosamente obtida, como veremos, é um corretivo
saudável e necessário para as crendices do homem e um meio salutar
de diminuir sua ignorância. Evidência não-empírica, por outro lado,
pode e às vezes ajuda a perpetuar a ignorância, como fazem os velhos
provérbios. E, em resumo, a evidência empírica freqüentemente controla
nossa mania desenfreada de fazer afirmações sobre as coisas, afirmações
que podem ou não ser verdadeiras.
A palavra “ empírica” então é importante porque mostra uma ma­
neira de olhar o mundo e as pessoas profundamente diferente da
maneira tradicional, que procura explicações apelando para a autoridade,

16
senso comum, ou para a razão. O homem é basicamente egoísta? Po­
demos citar a Bíblia, Freud ou Shakespeare; podemos dizer que é
auto-evidente ou óbvio que o homem é basicamente egoísta ou não-
egoísta; ou podemos raciocinar cuidadosamente na base da autoridade
e da observação e concluir que o homem é basicamente egoísta ou
não-egoísta. Esta é mais ou menos a maneira tradicional.
Os cientistas, entretanto, não estão satisfeitos com essa maneira.
Se acham que a questão é cientificamente respondível — muitas questões
não podem ser respondidas cientificamente — então eles abordam o
problema diferentemente. Embora possam apresentar uma explanação
teórica, sempre fica em suas cabeças uma pergunta a importunar: O
que dirá a evidência científica? Decidindo primeiro como definir e
medir o egoísmo, o cientista preparará um estudo ou uma série de
estudos para tentar determinar até onde o egoísmo motiva o comporta­
mento humano e como isto é feito. Fará, então o estudo sob condições
controladas e, depois de analisar os resultados obtidos, chegará a con­
clusões que parecerão saltar da evidência. A evidência, então, é o centro
de todo o processo. Sem ela as conclusões geralmente não têm valor
científico.
Alguns leitores podem ficar em dúvida quanto à importância desta
distinção entre abordagens empíricas e não-empíricas. Podem dizer que
é óbvio, até auto-evidente, que procuramos evidências para as afirma­
tivas que fazemos. Pessoas racionais sempre farão isto. Mas a questão
é justamente esta: às vezes fazem, mas muitas vezes não. Nossos siste­
mas de crenças — religiosas, políticas, econômicas, educacionais — são
sem dúvida poderosos e freqiientemente guiam nosso comportamento,
não a evidência. Parece que é muito difícil usar a evidência empírica
como hábito. Se não o fosse, muitos dos problemas sociais que enfren­
tamos poderiam ser resolvidos, admitindo-se a existência de boa vontade
e motivação adequada. Para compreender a ciência e a pesquisa cientí­
ficas, portanto, é necessário um esforço contínuo e consciente, nada fácil,
porque a necessária atitude empírica exige no mínimo uma suspensão
temporária de poderosos sistemas de crenças. Em outras palavras, a
primeira e última corte de apelação da ciência é a evidência empírica.

O objetivo da ciência: teoria e explicação

O objetivo da ciência já foi determinado. Precisamos agora rea­


firmar este objetivo formalmente e tentar dissipar certas noções equi­
vocadas sobre suas metas. O propósito da ciência é a teoria. Examine­
mos esta afirmativa simples e um bocado controvertida. Uma teoria
é uma exposição sistemática das relações entre um conjunto de variá­
veis. É uma explicação geralmente de um fenômeno particular, ainda

17
Figura 1.3

que amplo. Um psicólogo poderá propor uma teoria da liderança em


grupos e organizações ou, como Freud, uma teoria da motivação hu­
mana, ou, como o influente sociólogo europeu, Weber, uma teoria para
esclarecer o capitalismo moderno ou, como o psicólogo suíço, Piaget,
uma teoria do conhecer humano. Tais teorias são tentativas sistemáticas
de “ explicar” ’ os vários fenômenos, postulando as relações entre os fe­
nômenos a serem explicados e um certo número de “ variáveis explica­
tivas” que também estão relacionadas entre si de modo sistemático. O
propósito básico da ciência é chegar à teoria, inventar e descobrir expli­
cações válidas de fenômenos naturais.
Para tirar um pouco do mistério da palavra, vamos examinar um
exemplo fictício de uma “ pequena teoria” , cujo propósito é explicar a
realização escolar. Vamos relacionar quatro variáveis — inteligência,
situação econômica familiar, classe social e motivação para a realização
— com realização escolar de tal forma a “ explicá-la” satisfatoriamente.
Para isso, vamos usar a idéia de influências diretas e indiretas. Os
estudantes universitários diferem muito quanto ao sucesso na faculdade
e queremos explicar essas diferenças. Por que alguns estudantes se saem
bem e outros nem tanto? Suponhamos que podemos medir todas as
variáveis satisfatoriamente. A “ pequena teoria” é dada em forma de
diagrama na figura 1.3. 8

8 Este exemplo é parcialmente realista, parcialmente fictício. O leitor não deverá


tomá-lo como “ teoria estabelecida” . Embora se saiba muito a respeito de reali­
zação, em cursos superiores e em outros contextos, muita coisa ainda não ficou
compreendida. As teorias na ciência comportamental podem ser consideradas tenta­
tivas de desbastar nossa ignorância. Neste sentido o exemplo não é artificial.

18
Na teoria, duas variáveis, inteligência e motivação para a realiza­
ção, são influências diretas; acredita-se que ambas influenciem a reali­
zação escolar sem passarem pelas outras variáveis. Estas influências
diretas são mostradas pela figura 1.3: as setas de inteligência e motiva­
ção para a realização vão para realização na universidade. Acredita-se
que as outras duas variáveis, situação econômica familiar e classe social,
tenham influência indireta na realização escolar; elas “ atravessam” a
motivação para a realização. Acredita-se, por exemplo, que em geral,
quanto mais afluente a família, maior a motivação para a realização.
Igualmente a classe social influencia a motivação para a realização: ra­
pazes e moças da classe média têm maiores motivos para desejarem
progredir que os jovens das classes trabalhadoras. A inteligência, além
de sua influência direta na realização escolar — quanto maior a inteli­
gência, maior a realização — tem influência indireta na realização esco­
lar através da motivação para a realização: quanto maior a inteligência,
maior a motivação para a realização.
Temos então uma teoria da realização escolar, que pode ser boa
ou má, dependendo de quão bem explique a realização escolar. É bas­
tante testável. Todas as variáveis são suscetíveis de mensuração satisfa­
tória (embora uma teoria não tenha necessariamente que ter apenas
variáveis mensuráveis) e há técnicas analíticas que podem permitir testes
bastante claros das relações especificadas na teoria.
Outras finalidades da ciência, além da teoria e explicação, foram
propostas. Não precisamos elaborar as mais técnicas destas, pois geral­
mente já são dedutíveis da teoria como propósito. Há um alegado pro­
pósito da ciência, entretanto, que dá muitos problemas e que confundiu
um bocado a compreensão clara da finalidade da ciência. Essa alegada
finalidade está contida em afirmações como as que se seguem, todas
elas estreitamente relacionadas: “ A finalidade da ciência é melhorar o
destino do homem” ; “ A finalidade da psicologia e sociologia é ajudar
a melhorar a sociedade humana” ; “ A finalidade da pesquisa educacional
é melhorar a prática e o pensamento educacional” . Sem dúvida, os
sentimentos por detrás de tais afirmativas são fortes — e não é de se
admirar. Parece óbvio que a finalidade da ciência é melhorar o destino
do homem; parece tão auto-evidente!
A confusão, sem dúvida, surgiu porque os efeitos dos progressos
científicos muitas vezes aumentaram o bem-estar do homem — mas
também feriram o bem-estar humano — principalmente através de aper­
feiçoamentos tecnológicos possibilitados por pesquisas e descobertas
científicas desinteressadas. Mas isto não significa que o propósito da
ciênica seja melhorar o bem-estar humano, assim como seu propósito
não é ajudar a promover guerras. Uma interpretação mais exata é que a
melhoria da vida pode ser subproduto da ciência, um produto afortu­
nado, embora não necessário das descobertas e do trabalho científico.

19
Há um parodoxo aqui. Parece óbvio que o propósito da ciência é
melhorar a humanidade. Entretanto, é uma posição perigosa porque
conduz, entre outras coisas, a distorções. As distorções resultam de duas
ou três razões. Uma, a mistura de forte compromisso e a exigência de
programas sociais e políticos, por um lado, e a pesquisa científica de
problemas de tais programas, por outro, parecem induzir preconceitos
e o que foi chamado percepção seletiva. Isto significa que vemos o que
desejamos ou precisamos ver em vez do que realmente existe. Esta
tendência é tão forte que quase cheguei ao ponto de pensar que cien­
tistas comportamentais não deveriam pesquisar coisas que advogam
apaixonadamente. Ou melhor, quando pesquisarem, devem criar e usar
salvaguardas excepcionalmente elaboradas contra suas próprias incli­
nações.
Uma segunda razão para distorções é que tendemos a confundir
missões sociais e científicas e isto leva a distorcer o que vemos, a des­
gastar nossa objetividade e, mais importante, nosso compromisso com
a objetividade. O desgaste do compromisso com a objetividade é peri­
goso para um cientista, pois, como já ficou dito, a objetividade é uma
característica científica inconfundível e indispensável. Sua perda destrói
a própria ciência.
Voltando ao argumento principal, a ciência e a pesquisa científica
são absolutamente neutras. Os resultados de pesquisas científicas podem
e são usados tanto para bons propósitos quanto para maus. Fazemos uso
de bombas atômicas, instrumentos de destruição baseados na teoria
científica, pesquisa em física e campos relacionados; usamos também
descobertas atômicas para a dessalinização da água, para a criação de
energia praticamente ilimitada, e assim por diante. Bondade e maldade,
melhora e deterioração, felicidade e sofrimento humanos, são assuntos
para as pessoas que resolveram fazer certas coisas que têm boas ou más
conseqüências, que melhoram ou pioram as coisas, que promovem a
felicidade humana ou que aumentam seu sofrimento. Naturalmente os
resultados da ciência podem ser usados para ajudar a tomar tais deci­
sões, e os cientistas, como seres humanos, podem participar na tomada
de decisões, mas a ciência em si, estritamente falando, não tem nada
a ver com as decisões. Isto porque a preocupação da ciência — e é a
única atividade humana em larga escala cuja preocupação é tão desin­
teressada — diz respeito apenas à compreensão e explicação de fenô­
menos naturais.
Enfatizo fortemente a finalidade da ciência desta forma porque a
concepção errada exposta acima, levada ao extremo lógico de colocar
o bem-estar humano como finalidade fundamental da ciência, conduz
finalmente a um desgaste da própria ciência e à conseqüente diminuição
da compreensão dos fenômenos físicos e humanos. O último capítulo

20
deste livro examinará novamente este problema com mais detalhes. O
motivo por que o propósito da ciência como teoria foi enfatizado aqui
é que a tentativa de sua aceitação a esta altura muito nos ajudará a
compreender o conteúdo deste livro. Esta ênfase nos manterá ligados à
essência e à natureza da ciência e não nos permitirá sermos distraídos
por considerações estranhas. Por exemplo, se falarmos do chamado
subaproveitamento de crianças brilhantes, vamos poder focalizar a com­
preensão do aproveitamento ao invés de remédios específicos para o
problema. Ao fazer isto, naturalmente, já teremos assumido que a com­
preensão científica do problema pode aumentar as possibilidades nossas
e dos outros de encontrar soluções práticas para o problema.

21
2. Conceitos comportamentais científicos e
definições

Uma das maiores dificuldades ao abordar um assunto novo é o seu


vocabulário. Não se inventam e se usam palavras novas apenas; velhas
palavras são usadas de maneira nova e diferente. Este, naturalmente, é
o caso na ciência. Teremos que nos familiarizar com termos e expressões
que são usados constantemente na pesquisa psicológica, sociológica e
educacional. A finalidade deste curto capítulo é promover esta fami­
liaridade.
As definições raramente são interessantes para o leitor, mas são
essenciais porque é virtualmente impossível conversar inteligentemente
sobre ciência e pesquisa — ou sobre qualquer campo complexo — sem
usar termos abstratos e técnicos desconhecidos do leitor. Os cientistas
comportamentais usam termos como “ amostra casual” , "variável inde­
pendente” , “ manipulação experimental” e "significância estatística” . Ao
passo que tais expressões são familiares e fáceis para o cientista, podem
ser estranhas, perturbadoras e mesmo assustadoras para o leigo. Assim,
elas poderão ser uma forte barreira para a compreensão de um livro
como este. O truque de costume, usado para resolver o problema, é
definir os termos à medida que forem aparecendo. Na pesquisa compor-
tamental, entretanto, há termos demais, usados quase todos de uma vez.
Assim, além de definirmos os termos à medida que formos avançando,
incluímos este capítulo de definições no início do livro.

Variáveis

Ü termo “ variável” talvez seja o mais usado na linguagem da


ciência comportamental. É literalmente impossível escapar dele. Por
exemplo, pretendi escrever o capítulo 1 sem nenhum termo técnico. Não
foi possível: tive que usar “ variável” junto com uma ou outra palavra
técnica. O termo “ variável” é um conceito ou “ constructo” , como dizem
os psicólogos. Um conceito, naturalmente, é um substantivo que repre­
senta uma classe de objetos: homem, sexo, agressão, habilidade verbal,
classe social, inteligência e conformidade, são exemplos. É fácil perceber
que “ homem” significa organismo de duas pernas, que fala, escreve e

22
algumas vezes exibe inteligência. Não é fácil ver o que “ agressão” repre­
senta. Para o psicólogo, “ agressão” pode significar um estado interior
que predispõe a pessoa a certos tipos de comportamentos chamados
“ agressivos” . Para o pesquisador psicológico, entretanto, “ agressão”
significa tipos diferentes de comportamentos que têm as características
de ferir outros ou a si próprio, física e psicologicamente. Devem ser
bastante específicos; devem definir “ agressão” especificando de alguma
forma o que são comportamentos “ agressivos” . Fazem isto para poderem
medir ou manipular a “ agressão". A idéia de “ variável” deve ficar clara
depois que examinarmos tipos e exemplos de variáveis.

Variáveis categóricas, medidas e manipuladas

Quando alguma coisa pode ser ’classificada em duas ou mais cate­


gorias, pode ser uma variável. “ Sexo” é uma variável, o tipo de variável
mais simples porque existe apenas em duas categorias, masculina e femi­
nina. “ Preferência religiosa” , “ preferência política” , e “ classe social”
são variáveis com mais de duas categorias. Tais variáveis são chamadas
variáveis categóricas. Têm por característica o fato de todos os membros
de uma categoria — todos os do sexo feminino, por exemplo — serem
considerados iguais no que diz respeito àquela variável. Outros exemplos
são nacionalidade, raça, escolha ocupacional.
Se uma propriedade de objetos pode ser medida, ela pode ser uma
variável. Ser “ medida” , por ora, significa que .algarismos podem ser
atribuídos a pessoas diferentes ou objetos diferentes com base na posse
de quantidades de alguma propriedade ou característica. Altura e peso
são exemplos fáceis e óbvios. Mas podemos atribuir os algarismos
1, 2, 3, 4 e 5 a determinadas crianças com base em sua suposta ansie­
dade, 5 significando muita ansiedade, 4 uma boa quantidade de ansieda­
de e assim até 1, que significa pouca ansiedade. Se pudermos fazer
isso, temos a variável “ ansiedade” . Em termos de senso comum, variável
é algo que varia. Ou pode ser dito que uma variável é uma propriedade
que assume valores diferentes. Um psicólogo, por exemplo, pode atribuir
a diferentes crianças valores diferentes, dependendo de sua posse de
quantidades diferentes de habilidade verbal. Para isso ele pode usar
um teste de habilidade verbal e atribuir à criança números de 10 a 50,
sendo que 10 significa baixa quantidade de habilidade verbal e 50, alta
quantidade. A variável “ sexo” foi mencionada acima: pode-se atribuir
1 ou 0 aos indivíduos, dependendo de serem homens ou mulheres.
Mesmo atribuindo-lhe somente dois algarismos, 1 e 0, sexo é uma
variável.
Na discussão do estudo de Clark e Walberg no primeiro capítulo,
o reforçamento foi “ manipulado” como uma variável experimental, dando

23
a um grupo de crianças um reforçamento maciço e a um segundo grupo,
reforçamento regular. Esta manipulação, com efeito, cria uma variável.
Sempre que os pesquisadores preparam condições experimentais, eles
criam variáveis. Nós chamamos tais variáveis variáveis experimentais ou
variáveis manipuladas. Pode-se demonstrar que elas satisfazem a defini­
ção dada acima, embora não façamos isto aqui.
Há, então, três tipos gerais de variáveis na pesquisa comporta-
mental: variáveis categóricas, variáveis medidas e variáveis experimen­
tais ou manipuladas. O reforçamento, no estudo de Clark e Walberg, é,
como ficou dito, uma variável experimental. Classe social (classe média
e trabalhadora) no estudo de Miller e Swanson sobre classe social e
criação dos filhos, descrito no capítulo 1, é uma variável categórica.
Exemplos de variáveis medidas são inteligência, ansiedade, autoritarismo,
aptidão verbal e realização escolar. São chamadas variáveis medidas
porque são “ medidas” com um teste ou outro instrumento que produz
resultados que vão de altos a baixos.

Variáveis dependentes e independentes

Dois termos que são bastante usados em pesquisa comportamental


e neste livro são “ variável independente” e “ variável dependente” . Uma
variável independente é uma variável que se supõe influenciar outra
variável, chamada variável dependente. Quando dizemos: “ O reforça­
mento aumenta a aprendizagem.” ; reforçamento é a variável indepen­
dente e aprendizagem a variável dependente. Os cientistas fazem pre­
dições a partir de variáveis independentes para variáveis dependentes.
Eles dizem, por exemplo, “ Se os professores elogiarem as crianças, o
trabalho escolar das crianças melhorará” .
A variável independente numa pesquisa é o antecedente: a variável
dependente é o conseqüente. Os termos vêm da matemática. Sempre
que uma equação matemática ou estatística é escrita, a variável depen­
dente fica à esquerda da equação e a independente à direita. Por exem­
plo, uma equação muito usada pelos pesquisadores comportamentais:
y = a + bx. Aqui y é a variável dependente e x a independente. 6
como dizer, embora mais precisamente, “ Se x, então y” . Com o problema
de Clark e Walberg, diríamos “ Se reforçamento (x), então realização
(y)” . ( f l e h na equação são constantes cujos valores são determinados
pela pesquisa. Seu significado e uso serão explicados mais adiante.)
Quando são desenhados gráficos, como veremos mais adiante, a variável
independente é o eixo horizontal (das abscissas) e a variável dependente
o eixo vertical (das ordenadas).

24
Outros tipos de variáveis

Há outras classificações de variáveis, mas geralmente não são tão im­


portantes quanto as dadas no item anterior. Mas já que são usadas na bi­
bliografia e na conversação dos pesquisadores comportamentais, os leito­
res devem se familiarizar com elas. A primeira destas classificações carac­
teriza variáveis de acordo com o campo em que são usadas: variáveis
psicológicas, variáveis sociológicas, variáveis econômicas e assim por
diante. Inteligência, ansiedade e conformidade são variáveis psicológicas;
classe social, escolaridade (número de anos de freqüência à escola, por
exemplo) e profissão do pai, são variáveis sociológicas; renda, produto
nacional bruto e lucros são variáveis econômicas. Outras possibilidades
são variáveis políticas, antropológicas e fisiológicas. As variáveis na
pesquisa educacional são principalmente psicológicas, sociológicas e
sócio-psicológicas. Por exemplo, a realização, a aptidão verbal, motivação
para a realização e nível de aspiração são psicológicas; classe social,
escolaridade dos pais, nível de escolaridade e profissão do pai são socio­
lógicas.
Outra maneira de distinguir as variáveis é através de disciplinas
de um campo. Em psicologia, por exemplo, ouve-se falar de variáveis
de personalidade (introvertido-extrovertido, agressividade, autoritaris­
mo), variáveis fisiológicas (reflexo psicogalvânico, transpiração palmar,
batida cardíaca), variáveis sócio-psicológicas (conformidade, pressão
grupai, coesão) e assim por diante. Mas tais distinções não parecem
muito importantes. Sem dúvida, algumas vezes é difícil classificar as
variáveis desta forma porque elas podem pertencer simultaneamente a
duas ou três categorias.
Normalmente não é possível estudar fenômenos e relações entre
fenômenos sem definir e usar diversas variáveis. Para estudar a realiza­
ção escolar de crianças, por exemplo, os pesquisadores precisam “ criar”
a variável “ realização” . Isso significa que eles precisam definir e medir
essa variável; devem atribuir algarismos ao aproveitamento escolar de
crianças diferentes. A importância da idéia de variável e da idéia conco­
mitante de variabilidade, variação ou variância (ver abaixo) não pode
ser superenfatizada.
Uma variável, então, é um constructo, um conceito com um signi­
ficado especificado “ construído” dado por um pesquisador. Uma variá­
vel pode também ser vista como um nome ou um símbolo ao qual se
atribui valores, os valores diferentes indicando quantidades ou graus da
variável descrita pelo nomê ou símbolo. Assim, inteligência e confor­
mismo e x e y são variáveis se se atribuírem valores (algarismos) a eles
sistematicamente.

25
Relações

“ Relação” provavelmente é a palavra mais fundamental em ciência.


Ela será usada amplamente em todo este livro. Grande parte do capí­
tulo 4 será dedicada a definir o termo, explicando seu significado e
dando exemplos de seu uso. Por enquanto, usaremos uma definição mui­
tíssimo simplificada. Relação é um “ ir junto” de duas variáveis: é o
que as duas variáveis têm em comum. A idéia é comparativa: uma
relação é um elo, uma ligação entre dois fenômenos, duas variáveis.
Dizemos que há uma relação positiva entre, por exemplo, inteligência
e realização escolar ou entre classe social e renda, ou ainda entre auto­
ritarismo e preconceito. Isto significa que crianças de maior inteligência
se saem bem na escola e crianças menos inteligentes tendem a se saírem
menos bem (embora haja muitas exceções); que as classes sociais mais
altas recebem maiores rendas que as mais baixas; e que quanto maior
o autoritarismo, maior o preconceito. Há, então, uma ligação, um elo,
entre estes três pares de variáveis. Em cada par, uma porção de cada
variável é comum a ambas. Voltando à figura 1.1, podemos ver o de­
senho da idéia da parte comum de duas variáveis. A parte superposta
dos dois círculos mostra que há algo em comum nas duas variáveis.

Estudos e experimentos

Quando os cientistas fazem determinada pesquisa, diz-se que fize­


ram um “ estudo” . Estudo, então, é uma palavra geral abrangendo qual­
quer tipo de pesquisa. Diz-se, por exemplo, “ Fizeram um estudo sobre
inteligência e realização escolar na Inglaterra, França e Estados Unidos” ;
“ Ele estudou a influência da ansiedade no desempenho de crianças su­
burbanas em testes” ; “ Ela fez um estudo sobre os fatores de autorita­
rismo e dogmatismo” ; “ O estudo experimental de Clark e Walberg
sobre o efeito do reforçamento na realização em leitura entre crianças
negras foi severamente criticado” . Observe então que “ estudo” se refere
tanto a investigações experimentais quanto não-experimentais e a tipos
diferentes de pesquisa.
A maioria das pessoas pensa que sabe o que é um experimento:
é uma coisa que os pesquisadores fazem em laboratórios com equipa­
mento esotérico. A verdadeira natureza do experimento é obscurecida
por idéias vagas e estereotipadas como esta. Embora os experimentos
sejam feitos na maioria em laboratórios, podem ser feitos em outros
lugares — em escolas, lares, fábricas e até nas ruas. Mais importante,
um experimento propriamente dito tem duas características básicas. Uma
delas é uma característica que todo experimento deveria ter: designação
aleatória dos sujeitos para os diferentes grupos experimentais. Isto quer

26
dizer, simplesmente, que os sujeitos são designados para os grupos
experimentais de tal forma que qualquer um possa se tornar membro
de qualquer grupo, sem ser possível dizer de qual grupo ele participará.
É possível fazer-se um experimento sem designação aleatória, embora
não seja desejável. Vamos deixar o assunto de designação aleatória para
o capítulo 6, porque o assunto exige explicações mais completas e
detalhadas.
A segunda característica básica de um experimento foi mostrada
no capítulo 1 — manipulação. Agora podemos ser mais precisos: mani­
pulação de variáveis independentes. (Variáveis dependentes quase nunca
são manipuladas.) Repetmrio: isto significa mie o pesquisador faz coisas
diferentes com grupos diferentes de indivíduos. Suponhamos que eu
ensine quatro grupos de alunos do quarto ano com quatro métodos dife­
rentes. Isto é uma manipulação. Suponhamos que eu queira estudar os
efeitos dos tipos de tomada de decisão na produtividade do grupo. Tenho
um grupo de 90 pessoas que divido em 3 grupos de 30, denominando-os
Ai, Á2 e A3. As pessoas do grupo Ai terão o máximo de oportunidades
de participar das decisões do grupo (as quais são uma parte da manipu­
lação), as do grupo Ao uma ou outra oportunidade de participar,
e as do grupo A3 nenhuma oportunidade. Isto também é uma ma­
nipulação.
A manipulação experimental varia da mais simples à mais com­
plexa. A manipulação da variável independente de Clark e Walberg foi
simples: dois grupos, um recebendo reforçamento maciço, o outro, re­
gular. Para que o leitor não pense que toda ou mesmo a maioria das
manipulações se limitam a dois grupos, examinemos uma ligeira exten­
são da manipulação até três grupos. Aronson e Mills (1959), num inte­
ressante experimento sócio-psicológico, testaram a idéia de que quanto
mais dificuldade se encontrar para entrar em um grupo, mais os mem­
bros deste grupo darão valor a ele. Os membros de um grupo receberam
uma iniciação severa, os de outro, uma iniciação suave e aos membros
do grupo restante não se exigiu nada para se tornarem membros do
grupo (o “ grupo de controle” ). (A manipulação incluiu a leitura, por
jovens do sexo feminino, de palavras que variavam em termos de
obscenidade.) Foi predito que os membros do primeiro grupo valoriza­
riam mais a participação no grupo, os membros do segundo, um pouco
menos, e os do terceiro — o grupo de controle — valorizariam menos
ainda. (A expectativa foi c.ontirmada pelos resultados.) Isto também é
uma manipulação: foram feitas coisas diferentes sistematicamente com
os três grupos. As virtudes e outras características deste poderoso método
de obter conhecimento serão exploradas mais tarde. Veremos também
que é perfeitamente possível manipular mais do que uma variável inde­
pendente por vez.

27
Há vários tipos de estudo científico. Um experimento é apenas um
deles. Todos os outros são não-experimentais. Um levantamento de
opiniões é não-experimental. Assim é toda a investigação das relações
entre variáveis quando não há manipulação. O estudo de Miller e
Swanson sobre classe social e criação de filhos é um exemplo. Não
foi um experimento porque não houve manipulação de uma variá­
vel independente. Freqüentemente a distinção é mal entendida. Estudos
que são não-experimentais são às vezes chamados experimentos. Entre­
tanto, a distinção é muito importante porque as conclusões de um expe­
rimento bem conduzido geralmente são mais fortes do que as conclusões
de um estudo bem conduzido que não seja um experimento. Voltaremos
a esta distinção no capítulo 8 .

Dados

Os cientistas usam comumente a palavra “ dados” (data) e sabem


muito bem o que ela significa. 1 O leigo poderá se confundir com a
palavra, porque nem sempre fica claro o que se quer dizer com ela.
A palavra “ dados” significa alguma coisa dada ou aceita como dada,
da qual se podem fazer inferências. Por exemplo, alguém me diz que 60
por cento do povo da Bélgica é a favor do Mercado Comum, mas que
apenas 40 por cento do povo da Inglaterra é a favor. Então tenho
dados que me permitem fazer uma inferência ou duas e até mais: o
povo da Bélgica aprova o Mercado Comum mais do que o povo da
Inglaterra (outras coisas sendo iguais, claro); o apoio ao Mercado
Comum não é muito forte na Bélgica e Inglaterra. Neste exemplo, as
percentagens definidas são dados que permitem certas inferências. Mas
dados não se limitam a resultados númericos ou estatísticos. Material
verbal, como editoriais de jornais ou redações infantis, podem ser consi­
derados dados.
Os cientistas, então, geralmente usam a palavra "dados” para se
referirem a resultados obtidos em pesquisas, embora nem sempre resul­
tados numéricos e estatísticos, dos quais tiram conclusões e inferências.
Eles podem dizer: “ Os dados indicam que, quanto mais severa a inicia­
ção, mais as pessoas valorizarão sua participação no grupo” . Querem
dizer que alguma espécie de resultados quantitativos — por exemplo,
as médias dos pontos nos três grupos do experimento de Aronson e
Mills — foram tais que permitiram fazer a afirmativa.

1 “ Data” é uma dessas palavras curiosas que é realmente plural — o singular


é “ datum” — mas às vezes é tratada como singular. O uso no plural é sempre
preferível.

28
Apesar de seu uso específico, "dados” também se refere a quase
qualquer evidência obtida em pesquisas. Pode-se até afirmar que "dados”
e “ evidência” são usados quase como sinônimos. As observações feitas
por ministérios de educação e anotadas sob determinada forma são cha­
madas “ dados” . Saídas de computador são chamadas "dados” . Pontos
obtidos em testes são chamados “ dados” .

Medidas, pontos, testes, escalas

Constaníemente os cientistas comportamentais precisam obter esti­


mativas quantitativas das magnitudes de propriedades ou características
apresentadas por grupos ou indivíduos. Eles obtêm tais estimativas,
em primeiro lugar, para poderem avaliar a magnitude de relações entre
as variáveis. Dados brutos — respostas a perguntas, descrição do compor­
tamento das pessoas através da observação, coisas deste tipo — geral­
mente precisam, de alguma forma, serem convertidos em números. Os
números, que presumivelmente mostram os dados brutos de forma redu­
zida, são, então, tratados de forma que as relações entre os números e
assim entre as características possam.ser estudadas.
Estimativas quantitativas da magnitude de uma propriedade ou ca­
racterística de grupos ou indivíduos sãõ chamadas medidas. Medidas
obtidas em testes são chamadas pontos (scores). “ Medida" é uma palavra
mais abrangente do que “ ponto” , embora pontos sejam medidas.
Um teste é um procedimento sistemático no qual os indivíduos são
colocados diante de um conjunto de estímulos construídos, chamados
itens, aos quais reagem de uma forma ou de outra. As respostas possibi­
litam ao aplicador do teste atribuir pontos individuais ou números indi­
cando o grau em que o indivíduo possui certo atributo ou propriedade
ou até que grau “ conhece” a coisa que foi testada. Falamos sobre testes
de inteligência, testes de realização, testes de aptidão e muitos outros
tipos.
Uma escala é como um teste, só que lhe falta o aspecto competitivo
do teste. A palavra “ teste” tem um sabor de sucesso ou fracasso; a pa­
lavra “ escala” , não. É um instrumento construído de modo que números
diferentes podem ser atribuídos a indivíduos diferentes para indicar
quantidades diferentes de algum atributo ou propriedade. Há escalas
para medir atitudes, valores, compulsividade, rigidez, interesses, precon­
ceito e muitas outras.

Variação e variância

Um conceito estatístico fundamental na pesquisa científica é “ va­


riância” . É fundamental porque os fenômenos só podem ser comparados

29
e relacionados através das suas variações. O que significa esta afirmação
ligeiramente estranha? Virtualmente nenhum conhecimento científico
seria possível se o fenômeno não variasse. O psicólogo não poderia
estudar a inteligência se a inteligência das pessoas não variasse. O soció­
logo não poderia estudar classes sociais e suas relações com outras
variáveis se as pessoas e grupos não diferissem em classes sociais. Diz-se
que um grupo de pessoas, por exemplo, alunos de quarta série, é alta­
mente variável em inteligência. Outra maneira de dizer isto é: a variância
de inteligência da classe é grande. Por outro lado, a variância de inteli­
gência de um grupo de candidatos ao doutorado pode ser pequena. Se
por ora o leitor puder confiar na veracidade destas afirmações sobre
variação, vamos apoiar esta confiança con razões em um capítulo
posterior.
Embora não se discuta bastante estatística neste livro, é imperativo
que conheçamos alguns termos estatísticos e seu significado geral.
“ Variância” é um termo tanto estatístico quanto geral. É geral enquanto
significa a variabilidade do fenômeno, como discutido acima. Os cien­
tistas comportamentais usam-no muito desta forma. “ Variância” é tam­
bém uma medida estatística que expressa a variabilidade de qualquer
conjunto de medidas, e, assim, indiretamente, de qualquer conjunto de
indivíduos. 2 Os cientistas comportamentais falam muito sobre a va­
riância de um fenômeno ou sobre a variância de uma variável afetada
pela variância de outra variável. O pesquisador educacional poderá' per­
guntar: “ Quanto da variância de realização é devida à variância de inte­
ligência, à variância de motivação, à variância de background familiar?”
Isto é simplesmente uma maneira resumida e semitécnica de dizer: “ As
crianças de alto grau de inteligência têm alta realização e as crianças de
inteligência inferior têm baixa realização? As crianças com alta motiva­
ção se saem bem e as crianças com baixa motivação não se saem bem?
Crianças de ambiente familiar favorável se saem bem, enquanto
crianças de ambiente familiar desfavorável não se saem bem?
Esta é uma maneira de dizer que as variáveis covariam, variam
juntas de modos sistemáticos. Assim, os pesquisadores falam freqüente-
mente em covariância, um termo técnico que significa a variância com­
partilhada por duas ou mais variáveis. Olhe novamente para a figura 1.1.
A parte sombreada representa a covariância ou a variância compartilhada
pelas duas variáveis.
Olhe os números na tabela 2.1. Os dois grupos de números em I
covariam perfeitamente. Os dois grupos de números, a e b, são os
mesmos: para um número alto em a, há um número alto em b; para

2 Uma -discussão técnica e geral do termo, das idéias por detrás dele e de como é
usado, pode ser encontrada em Kerlinger (1973, cap. 6).

30
Tabela 2.1 Três conjuntos de pares de postos* expressando covariâncias e
relações diferentes.

I II ui
a b a b a b

i 1 i 5 i 3
2 2 2 4 2 5
3 3 3 3 3 1
4 4 4 2 4 4
5 5 5 1
•rj 5 2
Alto Alto Baixo
Positivo Negativo

* “ Posto” (rank)\ lugar em uma ordenação. O posto 1 corresponde ao primeiro


colocado, o posto 2 ao segundo, e assim por diante. (N. do Revisor Técnico.)

um número baixo em a, há um número baixo em b. Há uma relação


alta e positiva entre os dois grupos de números. Os grupos de números
sob II também covariam perfeitamente — mas em direções opostas: para
um número alto em a há um número baixo em b, e para um número
baixo em a há um número alto em b. Há uma relação alta e negativa
entre a e b. Vejamos agora III. Não é possível fazer qualquer afirmativa
sistemática sobre a relação entre a e b. Elas estão, como se diz, não-
relacionadas. Ou se diz que a relação é baixa, o que significa, aliás, a
incapacidade de dizer alguma coisa sobre os. números b, conhecendo
os números a. O leitor deverá tentar traduzir estes grupos de números
para um exemplo realista. Por exemplo, fazer afirmativas sobre I, II e
III, usando inteligência e realização em vez de a e b.
A palavra “ variância” é muito usada na moderna ciência compor-
tamental e vamos ter que usá-la muito neste livro. O motivo é simples:
não é possível esclarecer e compreender modernas abordagens à pesquisa
e análise sem a idéia básica geral de variação e a idéia mais técnica
de variância.

Probabilidade

Um dos maiores bloqueios à compreensão e apreciação da pesquisa


comportamental é uma espécie de anseio geral por certeza. Viver com a
incerteza parece muito duro para nós. Infelizmente o anseio pela certeza
ajuda demagogos, pessoas autoritárias, falsos religiosos e predadores
famintos a prosperarem, porque eles oferecem certeza. Eles freqüente­
mente nos dão a oportunidade de escaparmos da insuportável sensação

31
de desassossego e ansiedade em nós induzidos pela incerteza do nosso
mundo. Eles nos oferecem um credo ou uma pessoa a seguir cegamente,
com promessas de grandes recompensas.
A ciência e a pesquisa comportamental não nos oferecem certeza.
(Nem a ciência natural!) Não oferece nem mesmo certeza relativa.
Oferece apenas conhecimento probabilístico: Se A for feito, então pro­
vavelmente B ocorrerá. A afirmativa usada antes, "A frustração leva à
agressão.” , é na verdade incorreta. Uma afirmativa mais correta é: “ A
frustração provavelmente leva à agressão” . Uma maneira de definir a
pesquisa comportamental pode ser dizer que ela é um meio de ajudar a
reduzir a incerteza. A pesquisa empiricv jamais pode nos dizer que
alguma coisa é certamente assim. Pode, entretanto, dizer: “ As probabi­
lidades de tal coisa ser assim ou a.«sado são de 7 ) para 30” .
A probabilidade e o pensamento probamiísnco são o núcleo da
moderna ciência e pesquisa comportamental. Infelizmente, é difícil defi­
nir a probabilidade satisfatoriamente. Vamos usar uma abordagem
intuitiva, como sempre, mas o leitor fica avisado de que pode desa­
gradar os especialistas. A probabilidade de um acontecimento é o número
de casos “ favoráveis” dividido pelo número total de casos (igualmente
possíveis). (“ Caso favorável” significa qualquer resultado estipulado ou
previsto.) Seja f = número de casos favoráveis. E p = número de
casos favoráveis dividido pelo número total de casos, N. Seja o caso
favorável à ocorrência de cara no lançamento de uma moeda. Então p é
a proporção de caras em N lançamentos, ou p = f/N . Já que há duas
possibilidades no lançamento de uma moeda, p = 1/ 2. O caso ou evento
favorável pode ser o 6 do dado. Então, p '= 1/6: a probabilidade de
ocorrer um 6 é 1/6. Se houver 50 homens e 50 mulheres em determinada
amostra de 100 pessoas, a probabilidade de escolher um homem (ou
mulher) é 50/100 = 1/2 (num processo de seleção imparcial).
Isto tudo é muito simples. Mas a probabilidade pode ser complexa.
Nossa preocupação aqui, entretanto, é apenas com a compreensão preli­
minar e intuitiva. Em geral, o leitor precisa compreender que todos os
enunciados científicos são probabilísticos. Sempre há incerteza. As ciên­
cias naturais oferecem maior certeza do que as comportamentais. Aliás,
todas as disciplinas científicas são mais ou menos incertas. Todas as afir­
mativas, em outras palavras, vêm acompanhadas com um valor p implícito
ou explícito. É por isso que a bibliografia da ciência comportamental
fala tanto em “ tendências” .
O leitor não deverá ficar muito preocupado se não apreendeu com­
pletamente os termos e expressões dados acima. Leva-se tempo para
acostumar-se a eles. O que precisamos a esta altura é uma familiaridade
geral. As lacunas serão preenchidas mais tarde. Em todo caso, agora
temos suficientes definições para continuarmos com a discussão principal.

32
3. Problemas, hipóteses e variáveis

Ao tentar resolver um problema, procuram-se soluções alternativas,


meios diferentes de chegar-se ao núcleo do problema. Este processo de
pensamento geralmente é incipiente, vago, confuso até. Geralmente não
se sabe para onde se virar, o que fazer. Esperam-se idéias, .principal­
mente uma boa idéia. O mesmo acontece na pesquisa.
Para entender o que é um problema na pesquisa científica com-
portamental, vamos primeiro ser negativos. Consideraremos problemas
que realmente não são problemas no sentido científico. Eles podem ser
chamados problemas de valor ou de engenharia. Eis alguns exemplos:
Como se pode conseguir melhorar a integração? Qual é o melhor
caminho para se conseguir igualdade de oportunidades educacionais?
Qual é o meio mais eficiente de se construir uma rede de rodovias em
determinado estado? Como podemos ajudar a melhorar a sorte dos
pobres da cidade? O que torna um professor bem sucedido? Como
estão relacionadas a auto-atualização e a maturidade da personalidade?
A razão principal por que nenhum destes é problema científico é que
nenhum deles, como propostos, pode ser testado empiricamente.
“ Como conseguir a integração?” é um problema de engenharia.
O interlocutor quer saber como fazer alguma coisa. A construção de
rodovias e a questão dos pobres também são questões de engenharia. A
ciência não pode resolvê-las porque sua forma e substância são tais
que não é possível testá-las: elas não afirmam nem implicam relações
entre variáveis. Elas perguntam, antes como fazer as coisas. A ciência
pode fornecer sugestões e inferências sobre possíveis respostas, mas
jamais poderá responder a essas questões diretamente. A igualdade de
oportunidades educacionais é uma mistura de questão de valor e ques­
tão de engenharia: Qual é o melhor caminho para se conseguir igualdade
de oportunidades educacionais?
Enquanto uma questão de engenharia pergunta como fazer alguma
coisa, uma questão de valor pergunta qual de duas ou mais coisas é
melhor ou pior que outra, ou se alguma coisa sob consideração é boa,
má, desejável, indesejável, ou moralmente certa ou errada. Questões de
valor contêm palavras como “ bom” , “ mau” , “ melhor” , “ desejável” ,

33
“ precisa” , “ deve” . Elas pedem julgamento das coisas a serem avaliadas.
“ Qual é o melhor (mais eficiente, mais desejável e assim por diante)
jeito de fazer isto ou aquilo?” é uma questão de valor. Assim como “ O
método A é melhor que o método B para alcançar igual oportunidade
educacional?” As proposições ou enunciados de valor são semelhantes,
só que são sentenças afirmativas em vez de interrogativas. Exemplos:
“ A avaliação dos professores, pelos alunos, ajudará a melhorar o
ensino” ; “ É errada a discriminação contra as minorias” ; “ Não matarás” ;
“ O professor precisa compreender as necessidades do aluno” . A quali­
dade de julgamento e os imperativos morais contidos nestas afirmativas
são óbvios. Mais importante, não há modo de testar tais afirmativas
empiricamente. O enunciado “ É errada a discriminação contra as mino­
rias” , por exemplo, não afirma relação ou implicação de relação entre
variáveis que possa ser testada; apenas dá um julgamento moral sobre
uma prática social.
A ciência, como ciência, não pode então dar respostas a questões
de engenharia e valor porque não pode testar tais proposições e mostrar
sua correção ou incorreção. Quando alguém me diz que religião é uma
boa coisa, eu só posso concordar ou discordar — amar ou odiar meu
interlocutor, fazer paz com ele ou lutar. Não posso, como cientista,
sujeitar a afirmativa a um teste empírico, principalmente porque ela
contém um julgamento humano — algo é “ bom” — e a ciência é e
sempre foi estúpida em questão de julgar qualquer coisa.
Pode ser dito, por enquanto, que proposições testáveis contêm
variáveis que podem ser medidas ou manipuladas ou que implicam tais
medições e manipulações de variáveis. Aqui estão três proposições testá­
veis, uma delas já bem familiar: “ A frustração produz agressão” ;
“ Quanto maior a coesão de um grupo, maior influência tem sobre seus
membros” ; “ As condições das favelas produzem delinqüência” . Observe
que estes enunciados têm variáveis que podem ser medidas ou mani­
puladas: frustração, agressão, coesão de grupo, influência, condições de
favela, delinqüência. Quando se diz que estes enunciados são testáveis,
isso não implica que eles são “ bons” enunciados que levam à “ boa”
pesquisa científica. A única coisa que se quer dizer é que de alguma
forma são capazes de ser provados corretos ou incorretos, pela evidência.
Proposições de valor e de engenharia, então, não são cietificamente
testáveis. Há outros tipos de proposições que não são testáveis e que
são muito difíceis de ser categorizadas. Sua característica comum parece
ser a falta de clareza e uma espécie de virtude. Eis alguns exemplos:
“ A doença é uma manifestação da vontade de Deus” ; “ As práticas e as
instituições democráticas combinam peculiarmente com o ethos do povo
americano” ; “ A harmonia racial depende da compreensão mútua” ; “ A
maturidade humana depende da auto-atualização” . Para o cientista, tais

34
enunciados têm pouco ou nenhum significado. Naturalmente, têm signi­
ficado para religiosos, políticos, pais, professores e novelistas, mas se
mantêm além do alcance da ciência.
Tais questões, propostas desta forma, não são testáveis, ou porque
lhes falta a forma de questões ou proposições testáveis (que discutire­
mos mais tarde) ou porque a linguagem em que são expressas é tão
vaga que as torna cientificamente intratáveis. Eis outro exemplo da
educação. Ê um problema que, embora tenha intrigado e importunado
os pesquisadores de educação durante meio século, é virtualmente
irrespondível cientificamente, pelo menos desta forma: “ O que faz um
professor bem sucedido?” Para muitos educadores, isto pode não parecer
um problema. Eles acham que sabem a resposta; acham que sabem o
que é um professor bem-sucedido. Até agora, entretanto, o problema
não foi resolvido — num sentido científico.
Há diversas razões pelas quais ainda não foi resolvido. Para come­
çar, a questão é inútil porque não há o enunciado de uma relação entre
variáveis. Portanto, não pode ser testada ou respondida cientificamente.
(Com toda a honestidade, talvez jamais seja respondida.) Por outro lado,
o problema é extremamente complexo: tem inúmeras facetas que não
são imediatamente aparentes, tornando-se difícil lidar com elas. Por
éxemplo, o que se quer dizer com “ bem sucedido” ? Bem sucedido em
conseguir que os alunos aprendam, será? Aprender o quê? O que signi­
fica “ aprender” ? O “ sucesso” está ligado a certas características pessoais
e profissionais dos professores? Ao que os professores realmente fazem
em classe? Às suas atitudes? “ Bem sucedido” também implica “ mal
sucedido” . O que significa um professor mal sucedido? Este “ mal su­
cedido” significa o oposto de “ bem sucedido” ? Ou é diferente apenas?
Ou “ mal sucedido” é uma idéia tão complexa quanto “ bem sucedido” ?
Em resumo, temos aqui uma questão complexa cuja dificuldade
não foi percebida. É de se admirar, então, que não tenha sido resolvida?

Problemas

Em sentido geral, um problema é uma questão que mostra uma


situação necessitada de discussão, investigação, decisão ou solução. En­
quanto esta definição geral carrega um significado que a maioria de
nós consegue entender, é insatisfatória para finalidades científicas por­
que não é suficientemente definida. Não diz ou implica o que os pesqui­
sadores devem fazer para responder à questão que o problema apresenta.
Uma definição mais satisfatória é: “ Um problema é uma questão que
pergunta como as variáveis estão relacionadas” .
No estudo de Clark e Walberg delineado no capítulo 1, o problema
de pesquisa pode ser apresentado: “ O reforçamento maciço aumenta a

35
realização em leitura entre crianças negras carentes?” O problema geral
do estudo de Miller e Swanson pode ser colocado: “ Mães de diferentes
classes sociais usam tipos diferentes de criação?” Um problema mais
específico (Ver tabela 1.1) é: “ O tempo de desmame de crianças difere
nas classes média e trabalhadora?” Estes problemas são bem específicos;
e, naturalmente, podem ser apresentados de maneira mais geral.
Há muitos anos Hurlock (1925) perguntou: “ Qual é o efeito de
diferentes tipos de incentivo no desempenho dos alunos?” Este problema
é mais geral. Eis outro (Etzioni, 1964): “ O conflito aumenta ou impede
a eficiência de organizações?” Um interessante problema sócio-psicoló­
gico foi apresentado por Frederiksen, Jensen e Beaton (1968): “ Como
o clima organizacional afeta o desempenho administrativo?” Berkowitz
(1959) fez esta importante pergunta: “ Sob condições de deflagração
de hostilidade, como o anti-semitismo influi no deslocamento da agres­
são?” Ou, quando frustradas, pessoas altamente anti-semitas exibem
comportamentos mais agressivos em relação aos outros, que pessoas
menos anti-semitas?” Em seu importantíssimo estudo inter-cultural sobre
“ categorias naturais” de cognição, Rosch (1973) fez a seguinte pergunta:
“ Protótipos naturais de cor e forma facilitam a aprendizagem de cate­
gorias de cor e forma?” 1
Repetindo, um problema de pesquisa científica em primeiro lugar
é uma questão, uma sentença em forma interrogativa. Segundo, uma
questão que geralmente pergunta alguma coisa a respeito das relações
entre fenômenos ou variáveis. A resposta à questão é procurada na pes­
quisa. Clark e Walberg, baseando-se em suas descobertas, puderam afir­
mar que o reforçamento maciço melhorava á leitura de crianças negras
carentes. Miller e Swanson puderam afirmar que as mulheres da classe
média tinham tendência a desmamar seus filhos mais cedo que as mães
da classe trabalhadora.
Três critérios de bons problemas de pesquisa e proposições de pro­
blemas podem ajudar-nos a compreender problemas de pesquisa. Pri­
meiro, o problema deve expressar uma relação entre duas ou mais
variáveis. Pergunta: “ A está relacionado com B ?” “ Como A e B estão
relacionados com C ?” Embora haja exceções neste critério, são raras.
Segundo, o problema deve ser apresentado em forma interrogativa. A
interrogação tem a virtude de apresentar o problema diretamente. No
exemplo de Hurlock, dado acima, o problema é apresentado diretamente
pela pergunta sobre a relação entre incentivos e desempenho.
O terceiro critério é mais complexo. Exige que o problema seja
tal que implique possibilidades de testagem empírica. (Veja “ O Caráter

1 Estas proposições de problemas nem sempre são apresentadas nas palavras de


seus autores originais.

36
Empírico da Ciência” no capítulo 1.) Testagem empírica significa que
seja obtida evidência real sobre a relação apresentada no problema.
Obter evidência na questão incentivos-desempenho de Hurlock signi­
fica manipular (ou medir) incentivos, medir o desempenho do aluno e ava­
liar o suposto efeito do incentivo sobre o desempenho. Às vezes é difícil
dizer claramente que o problema tem implicações de testagem empírica.
Entretanto, é preciso fazer a distinção para que a pesquisa tenha possi­
bilidade de dar certo. As principais dificuldades com questões não-tes-
táveis são o fato de não serem enunciados de relações (“ O que é o
conhecimento?” “ Como se deve ensinar a ler?” ), ou seus constructos ou
variáveis serem difíceis ou impossíveis de definir de maneira a poderem
ser manipulados ou medidos. Isto geralmente funciona com questões de
valor e moral, questões que indagam sobre o certo e o errado das coisas,
suas qualidades ou defeitos ou sua desejabilidade ou indesejabilidade.
Vamos nos concentrar novamente em juízos de valor. Tomemos afirma­
tivas como: “ A democracia é o melhor de todos os sistemas de governo” :
“ Igualdade é tão importante quanto liberdade” e “ O casamento é bom” .
São juízos de valor; não são testáveis cientificamente. A não-testabilidade
de juízos de valor já foi discutida, mas a distinção entre juízos de valor
e enunciados empíricos ou testáveis é tão importante que devemos exa-
miná-la de novo um pouco mais analiticamente.
Dizer que alguma coisa é boa ou má, melhor ou pior, é dar um
julgamento humano. Só o homem pode dizer que uma coisa é boa ou
má — e não se discute. Nenhum procedimento científico pode conter
uma resposta sobre a relativa desejabilidade de uma coisa. As afirma­
tivas científicas dizem simplesmente: “ Se isto for verdade, então pro­
vavelmente acontecerá aquilo” ; “ Se se frustram as pessoas, elas prova­
velmente agredirão outras, agredirão objetos ou elas próprias” . Tais
afirmativas não têm comprometimento com virtude ou defeito, desejabi­
lidade ou indesejabilidade, valor moral ou falta de valor moral. Nem
podem fazer tal comprometimento. Na verdade, o cientista, como pessoa,
pode fazer tal julgamento — e pode ser sábio ou tolo como qualquer
um — mas ao fazer isto ele sai fora de seu papel de cientista.
É neste sentido que a ciência é neutra. Não é neutra por haver
alguma virtude especial em ser neutra. É simplesmente a natureza da
ciência, que está em testar relações empíricas entre fenômenos ou variá­
veis — e, para fazer isto, exige que o fenômeno seja de natureza a ser
observado, manipulado ou medido. Enquanto o cientista pode estudar
valores, como valores, e sua relação com outros fenômenos — por
exemplo, ele pode estudar como a posse de certos valores econômicos
influencia a maneira de as pessoas votarem (“ O capitalismo é bom” ,
“ A propriedade privada é sagrada” ) — ele não pode estudar proposi­
ções que incluam julgamentos éticos ou morais. Simplesmente não há

37
maneira de chegar aos referentes empíricos de palavras como “ deveria” ,
“ conviria” , “ bom” , “ mau” e “ precisaria” .

Hipóteses

Uma hipótese é um enunciado conjetural das relações entre duas


ou mais variáveis. Hipóteses são sentenças declarativas e relacionam de
alguma forma variáveis a variáveis. 2 São enunciados de relações, e,
como os problemas, devem implicar a testagem das relações enunciadas.
Problemas e hipóteses são semelhantes. Ambos enunciam relações, só
que os problemas são sentenças interrogativas e as hipóteses sentenças
afirmativas. Às vezes são quase idênticos em substância. Uma diferença
importante, entretanto: as hipóteses geralmente são mais específicas do
que os problemas; geralmente estão mais próximas das operações de
teste e pesquisa. Muitos exemplos esclarecerão isto pelo livro afora,
embora não seja fácil colocar regras estritas.
Eis algumas hipóteses: “ Quanto maior a coesão de um grupo, maior
sua influência sobre seus membros” (Schachter, Ellertson, McBride
& Gregory, 1951); “ Aprender coisa nova interfere com a lembrança de
coisas já aprendidas” (Lindsay & Norman, 1977, pp. 320-324); “ Pri­
vação na infância resulta em deficiência mental mais tarde” (Bennett,
Diamond, Krech & Rosenzweig, 1964). Observe que todas estas três
hipóteses são relações e que sua testagem empírica está claramente im­
plicada porque as variáveis podem ser manipuladas (interferência, coesão
de grupo e até privação na infância) ou medidas (influência, lembrança,
deficiência mental) ou ambas.
Vamos tomar a última: “ Privação na infância resulta em deficiência
mental mais tarde” . “ Privação na infância” é a variável independente.
Pode significar falta de alimento nos primeiros anos. Ou pode significar
uma falta prematura de amor ou afeição. Ou pode significar falta de
estimulação adequada — conversa, brinquedos, outras pessoas ou outros
animais, e assim por diante. Observe que pode ser uma variável mani­
pulada: os animais podem ser privados sistematicamente de alimento,
afeto ou estímulo. Pode ser também uma variável medida: determina­
mos, por exemplo, a magnitude de privação que teve uma criança ou um
adulto nos seus primeiros anos, talvez perguntando a ele e a seus pais.
Evidentemente, “ privação nos primeiros anos” é acessível empiricamente.
“ Deficiência mental” é também acessível empiricamente. Pode ser me-

2 Como já foi mencionado, há exceções ao requisito de relação. Por exemplo,


algumas pesquisas procuram descobrir as dimensões ou fatores subjacentes a muitas
variáveis. Hipóteses relacionais podem não ser usada em tais pesquisas.

38
dida com um ou mais dos muitos testes disponíveis de capacidade
mental ou de deficiência mental. Naturalmente pode surgir um problema
difícil em decidir o que é ou não é “ deficiência” . Mas o que interessa
aqui é determinar se a variável pode ser medida.
A hipótese “ Privação na infância produz deficiência mental mais
tarde” é uma hipótese porque enuncia uma relação conjetural entre
variáveis que podem ser manipuladas ou medidas. A relação é expressa
pela palavra “ produz” . Uma palavra ou expressão de relação une de
alguma forma as variáveis: “ produz” , “ está positivamente relacionada
a” , “ é uma função de” , e assim por diante. Um modo melhor de com­
preender todas estas afirmativas, entretanto, é traduzi-las todas para
enunciados “ se-então” . Embora não haja regras fixas para se escrever hi­
póteses — há várias espécies, todas legítimas e úteis — a maioria pode
ser colocada na forma se-então: “ Se p, então q” , p e q sendo contructos
ou variáveis. “ Se frustração, então agressão” ; “ Se privação na infância,
então deficiência na realização escolar mais tarde” ; “ Se reforçamento,
então aumento na aprendizagem” . Em todos estes enunciados duas va­
riáveis estão ligadas entre si como as palavras “ se” e “ então” . Colocado
muito simplesmente, uma hipótese é quase sempre um enunciado de
uma relação, a natureza da relação sendo especificada até certo ponto
pela estrutura se-então do enunciado.
Consideramos hipóteses com duas variáveis apenas. Na pesquisa
comportamental moderna, entretanto, é mais provável haver mais de
duas variáveis. As hipóteses serão então: “ Se p, então q, sob as condi­
ções r e s” . Se incentivo positivo (p), então aprendizagem aumentada
(q), dado sexo feminino (r) e classe média (s). Outra maneira de simbo­
lizar esta hipótese é: “ Se p, e p2 e p3, então q” ; “ Se incentivo positivo
(p,) e sexo feminino (P2) e classe média (P3), então aumento na apren­
dizagem (q)” . Voltaremos mais tarde aos problemas multivariáveis, ou
“ mui tivariados” . São muito importantes.
Em resumo, hipóteses são enunciados conjeturais de relações e são
estas conjeturas que são testadas na pesquisa. Vejamos agora por que
as hipóteses são importantes.

O valor das hipóteses

As hipóteses são muito mais importantes na pesquisa científica


do que parece, quando se considera apenas o que são e como são cons­
truídas. Elas têm o objetivo profundo e altamente significativo de tirar
o homem de si mesmo, por assim dizer. Isto é, sua formulação apro­
priada e seu uso capacitam o homem a testar aspectos da realidade com
um mínimo de distorção causada por suas predileções. Elas são uma
parte da metodologia da ciência associada ao critério de objetividade

39
discutido no capítulo 1. Isto quer dizer que as hipóteses são uma fer­
ramenta poderosa para o avanço do conhecimento porque, embora for­
muladas pelo homem, podem ser testadas e mostradas como provavel­
mente corretas ou incorretas à parte dos valores e crenças do homem.
Naturalmente, os cientistas querem que suas idéias sobre a realidade
concordem com a “ realidade” .
Um psicólogo social, por exemplo, pode acreditar que um método
por ele criado de lidar com o preconceito, chamado método K, seja mais
eficiente do que outros em diminuir, o preconceito. Ele acha que se K
fosse usado sistematicamente em escolas de segundo grau e em univer­
sidades, ajudaria a reduzir o preconceito contra as minorias onde quer
que fosse usado. Ele está dizendo que o método K é mais eficiente do
que outros métodos e mais eficiente do que não fazer nada. Se ele for
testar sua crença cientificamente, ele terá que achar um meio de ficar
de fora de sua crença, saindo para fora de si mesmo. As hipóteses aju­
dam a fazer isto. O psicólogo social pode formular uma hipótese de que
o método K, depois de uso suficiente, resultará em maior diminuição de
preconceito do que, digamos, os métodos L e M (e talvez outros mé­
todos ou nenhum método).
A hipótese agora é uma afirmativa “ lá fora” , independente do pes­
quisador. Está “ fora dele” no sentido de que, apesar de sua crença
pessoal, predileções e inclinações — sua aversão pelo preconceito, por
exemplo — pode ser testada fora de suas crenças, predileções e vieses.
Embora esteja pessoalmente a favor do método K, sua crença de que o
método K seja superior não pode afetar o teste da hipótese e o resultado.
Assim, as hipóteses são meios especialmente potentes de preencher obje­
tivamente as lacunas entre uma crença pessoal e a realidade empírica.
São ferramentas para testar a realidade e podem ser mostradas como
provavelmente corretas ou incorretas, independentemente do investigador.
As hipóteses têm outras virtudes. Uma delas é que podem ser, e
frequentemente são, deduzidas da teoria. Qualquer teoria de importância
terá um número de implicações empíricas que podem ser deduzidas
dela. Foi escrito um livro inteiro (Dollard, Doob, Miller, Mowrer & Sears,
1939) sobre as implicações da hipótese geral de que a frustração produz
agressão. Na verdade, esta hipótese geral é bastante ampla para ser o
enunciado básico de uma teoria, a teoria da agressão. Tem implicações
empíricas. Por exemplo, se frustrarmos as crianças, elas agredirão outras
crianças, adultos ou elas próprias. Dollard e seus colegas até salienta­
ram que se podem deduzir implicações marxistas da hipótese geral: “ Se
o trabalhador for explorado (recebendo salários baixos, trabalhando
horas extras e assim por diante), ele ficará frustrado. Se continuar frus­
trado por um longo período, ele acabará se revoltando e destruindo seu
frustrador, a burguesia” . A questão é que qualquer teoria, se realmente

40
for uma teoria, terá muitas implicações para serem testadas; ela gerará
(com ajuda, naturalmente) muitas hipóteses testáveis. Sem dúvida é
assim que as teorias são testadas.

Hipóteses e testabilidade

Esta linha de pensamento nos leva a outra idéia importante sobre


hipóteses. Para serem cientificamente úteis, elas precisam ser testáveis,
ou no mínimo, conter implicações para teste. Uma hipótese não-testável
não tem utilidade científica. Isto é, é preciso identificar clara e inteira­
mente as variáveis de uma hipótese — ou é preciso deduzir suas impli­
cações em forma de variáveis — e depois ter um meio operacional de
manipular ou medir as variáveis para poder estudar as relações entre
elas. A hipótese agressão-frustração é um bom exemplo: já demos duas
ou três possibilidades de teste — e há muitas mais. A teoria do reforça­
mento, muito da qual se concentra na recompensa ou reforçamento posi­
tivo, gera muitas hipóteses em campos diferentes e com tipos diferentes
de organismos. Um de tais exemplos foi dado ao discutir o estudo de
Clark e Walberg no capítulo 1. Lembre-se de que foram testados os
efeitos relativos do reforçamento maciço e do reforçamento regular na
realização em leitura. Teorias de mudança de atitude, teorias de pro­
cesso de grupo, teorias da aprendizagem e teorias de status ocupacional,
todas geraram hipóteses testáveis.
Algumas teorias e enunciados teóricos, por outro lado, são não-
testáveis — pelo menos com os meios de que dispomos hoje. Assim, elas
se colocam além da abordagem científica. Um caso clássico é o de algu­
mas teorias freudianas. Por exemplo, a teoria de Freud sobre a ansiedade
é não-testavel, pelo menos como Freud a formulou, em parte porque
inclui o constructo da repressão. Por repressão Freud quis dizer o ato
de forçar idéias inaceitáveis no inconsciente. Deduções empíricas da
teoria terão, naturalmente, que incluir o constructo de repressão, que está
ligado ao construto de inconsciente. Embora seja possível enunciar rela­
ções entre as variáveis da teoria de ansiedade, definir os constructos
de repressão (no sentido pretendido por Freud) e inconsciente, com o
fim de medi-los, é extremamente difícil, se não impossível.
Para usar um constructo no teste de uma hipótese, deve-se deduzir,
pelo menos até certo ponto, as implicações empíricas ou o significado
do constructo. Quando se faz isto, tem-se a chamada definição opera­
cional, idéia explicada em detalhe mais adiante neste capítulo. No caso
do constructo de repressão, isto é difícil de fazer por que as manifesta­
ções comportamentais de repressão são difíceis de compreender. O pró­
prio Freud dá várias. Uma famosa é o “ lapso de língua” . Mas será que
todo lapso de língua indica uma repressão? E como podemos medi-los,

41
assumindo que indiquem repressão? Embora o assunto seja muito mais
complexo, espero que um pouco da essência da dificuldade tenha sido
transmitido.
As relações da teoria, então, não podem ser testadas satisfatoria­
mente, pelo menos por enquanto, porque os constructos que entram nas
relações, os p e q dos enunciados se p, então q, não podem ser levados
ao nível de operação empírica. Isto não significa, como já se disse, que
as idéias de Freud não sejam científicas. Tal enfoque é simplificado
demais. Pode-se deduzir muitas hipóteses testáveis da teoria de Freud.
E talvez até os conceitos freudianos mais difíceis finalmente se renderão
à habilidade científica.

Exemplos de problemas e hipóteses

A discussão até aqui foi quase toda sobre problemas e hipóteses.


É aconselhável dar mais exemplos. Lembre-se, primeiro, de que proble­
mas são perguntas a respeito de relações entre variáveis. O treino em
uma função mental melhora a aprendizagem futura dessa função mental?
(Gates & Taylor, 1925). Este problema é velho e conhecido. Se você
treinar memorização, pode melhorar sua memória e sua futura memori­
zação? (A resposta parece ser desanimadora.) A obediência forçada
induz à mudança de crença? É um problema importante. Depois da
Segunda Grande Guerra, os Aliados ocuparam o Japão. Os japoneses
foram forçados — embora esta palavra fosse usada raramente — a
obedecer às ordens aliadas. Esta obediência mudou as crenças japonesas?
As autoridades, por exemplo, foram comandadas a dirigir seus negócios
políticos e econômicos de maneira democrática. Eles se tornaram mais
democráticos? (A resposta parece ser Sim.) Os soviéticos e os chineses,
entre outros, há muito usam obediência forçada para mudar estruturas
de crença. Funciona? (Novamente a resposta parece ser Sim.)
As mulheres difíceis são mais desejáveis para os homens do que
as ansiosas por uma ligação? (Walster, Walster, Piliavin & Schmidt,
1973). Este problema vem do folclore sobre as mulheres: as que são
relativamente inacessíveis são mais desejáveis. As variáveis são inaces­
sibilidade, “ difíceis” e desejabilidade. O problema é muito interessante
porque a pesquisa feita por Walster e seus colegas parece tocar um
velho mito. Walster et al. começaram testando a hipótese de que os
homens preferem mulheres difíceis. Eles até formularam uma elaborada
e engenhosa justificativa teórica para explicar a relação. Mas quatro
experimentos não conseguiram apoiar a hipótese. Numa declaração clás­
sica, os autores disseram: “ Abandonamos nossa hipótese? Céus, não!
Afinal ela foi desconfirmada só quatro vezes” (Walster et al., 1973,
p. 115). Daremos a resposta ao problema mais tarde.

42
A semelhança de crenças influi mais em aceitar os outros que a
semelhança de raça? (Rokeach & Mezei, 1966). Este problema tão
controvertido, pergunta, com efeito, se a semelhança de crença é mais
poderosa do que a semelhança (e diferença) de raça em influenciar as
pessoas a aceitarem outras. Se um branco concorda com as crenças de
um negro, ele irá aceitá-lo mais do que aceitaria um branco de cujas
crenças ele discordasse? Se for conservador, por exemplo, ele aceitará
os conservadores negros em geral mais do que aceitaria brancos liberais?
São perguntas fascinantes, difíceis de responder. Temos aqui um pro­
blema que é enunciado implicando termos quantitativos, já que vamos
usar “ mais” . (Parece que a resposta é Sim, crença é mais importante
do que raça, mas não em todas as circunstâncias.)
Já foi dito que muitos, talvez a maioria dos problemas da pesquisa
comportamental, têm mais que uma variável independente. Aqui está
um enunciado de problema com três variáveis independentes: Como a
aptidão acadêmica, a realização no ginásio e o nívfel de aspiração influen­
ciam a realização acadêmica? (Worell, 1959). Tais problemas com múl­
tiplas variáveis estão mais próximos da realidade psicológica e social;
eles refletem com mais nitidez as complexas estruturas causais dos fenô­
menos, neste caso, a realização acadêmica.
Eis uma hipótese derivada do primeiro problema dado acima. “ A
prática em uma função mental não tem efeito sobre a futura aprendiza­
gem desta função mental” (Gates & Taylor, 1925). Observe a estrutura
se p, então q da hipótese: “ Se prática numa função mental, então (não)
futura aprendizagem da função mental” . Observe também a forma nega­
tiva da hipótese: “ A prática (treino) não tem efeito” . Isto é raro. A
maioria das hipóteses especifica alguma direção do efeito. (A hipótese
foi corroborada.)
Uma hipótese mais convencional: “ Indivíduos que têm papéis
ocupacionais iguais ou semelhantes terão atitudes semelhantes em rela­
ção a coisas significativamente relacionadas ao papel ocupacional” . Isto
significa, por exemplo, que os médicos manterão crenças e atitudes
semelhantes em relação a assuntos médicos. Se a hipótese for apoiada
pela evidência, concluímos que a maioria dos médicos pensa igual no
que se refere a cuidados médicos.
Nossa hipótese final é uma hipótese que vem sendo cada vez mais
testada na pesquisa comportamental contemporânea: “ Pessoas anti-semi­
tas deslocarão agressão para outros quando sua hostilidade estiver
deflagrada” (Berkowitz, 1959). Aqui há duas variáveis — anti-semitismo
e deflagração de hostilidade — que levam ao deslocamento da agressão.
A hipótese diz que o anti-semitismo “ produzirá” agressão deslocada
apenas sob a circunstância de deflagração de hostilidade. Isto é, a estru­
tura do argumento é: Se p, então q, dado r; ou Se anti-semitismo, então

43
Figura 3.1

agressão deslocada, dado deflagração de hostilidade. O argumento é mos­


trado na figura 3.1 (A). Na figura B está p argumento mais simples da
hipótese imediatamente precedente sobre papel ocupacional e atitude.
Vemos que em (B) o papel ocupacional influi diretamente sobre a atitu­
de. Em (A), entretanto, o anti-semitismo produz agressão deslocada só
quando a hostilidade é deflagrada. Isto é chamado uma interação, que
significa que duas (ou mais) variáveis trabalham Juntas; elas interagem
para produzir um efeito. Veremos este fenômeno interessante com mais
detalhes num capítulo mais à frente.

Variáveis

Uma das palavras-chave na literatura das ciências comportamentais


é “ variável” . Já demos seu significado e muitos exemplos, mas agora é
necessário sermos mais sistemáticos e precisos em relação ao termo e
sua definição. Esperamos que a precisão tenha a virtude de nos livrar
de grande parte da ambigüidade que muitas vezes acompanha a palavra
e seu uso.

Definição geral de variável

Obviamente, variável é uma coisa que varia, que tem valores dife­
rentes. Medimos, digamos, o nível de aspiração de um grupo de crianças.
Para cada criança obtemos uma nota, algum tipo de número. Dizemos

44
que medimos a variável “ nível de aspiração” . Embora intuitivamentè
atraente, até instrutiva, esta definição não é realmente uma definição.
E também não é exata.
Uma variável é um símbolo ao qual são atribuídos algarismos.
Exemplos de tais símbolos são A, x, M ou inteligência, nível de aspira­
ção, ansiedade. A variável x pode assumir um conjunto dé valores numé­
ricos, por exemplo, pontos obtidos em um teste de inteligência ou de
leitura. A variável A pode assumir os valores a,, a> e a?„ e assim por
diante, que podem representar os valores numéricos obtidos por uma
médida de atitude feita com uma escala de sete pontos. Podemos obter
os resultados de atitude de quatro indivíduos: a, = 6, a2 = 3, as = 5,
ai, — 4. A é uma variável. Se quisermos, podemos dar-lhe o nome de
Atitude em relação às mulheres.
Esta definição de variável é simples e geral, embora um pouco
afastada do senso comum. É geral porque abrange todos os casos conce­
bíveis e tipos de variáveis. E, embora seja um tipo de definição que não
pertence ao senso comum — pode parecer estranho até — não é nada
complicada e é fácil de entender. Há símbolos que podem ser letras dc
alfabeto, palavras ou expressões curtas: X, Y, A, K, inteligência, atitudes
em relação às mulheres, ansiedade, classe social, nível de aspiração,
retenção, preferência religiosa, renda e assim por diante. Logicamente,
variáveis são propriedades que tomam valores diferentes. Algumas variá­
veis podem ter muitos valores, até um número infinito (teoricamente;
por outro lado, variável podem ter um mínimo de dois valores. 3 Inteli­
gência, retenção, atitudes em relação às mulheres, podem ter vários valo­
res. Sexo tem apenas dois valores, geralmente 1 e 0, 1 sendo designado
para um sexo e 0 para o outro. Morto-vivo, empregado-desempregado
são também variáveis de dois valores ou dicotômicas. Classe social,
geralmente, tem dois, três ou quatro valores. Preferência religiosa é um
tanto diferente. Embora seja uma variável chamada nominal ou cate­
górica (veja abaixo), os valores a ela atribuídos são invariavelmente 1 e 0,
mas por enquanto não vamos mostrar como isso é feito.
Antes de mudarmos de assunto, devemos observar que variáveis
são também conceitos e constructos. Um conceito é, naturalmente, um
termo geral que expressa a suposta idéia central por trás de objetos
particulares relacionados. Quando os cientistas falam sobre os conceitos
usados em seu trabalho, chamam-lhes freqüentemente “ constructos” .
“ Constructo” é um termo útil porque indica a natureza sintética das
variáveis psicológicas e sociológicas. Expressa a idéia de que os cientistas

3 É possível, por definição, uma variável ter só um valor. Nestes caso é chamada
constante. Lidamos quase que exclusivamente com variáveis de dois ou mais
valores.

45
freqüentemente usam termos de acordo com a necessidade e exigências
de suas teorias e pesquisas. Inteligência, aptidão, ansiedade, locus de
controle, agressão, autoritarismo, classe social, sexo e realização são
todos constructos. Se a definição de “ variável” dada acima pode ser
satisfeita — isto é, se algarismos puderem ser atribuídos a objetos de
acordo com regras — então, podemos chamar de variável um cons-
tructo. O leitor encontrará freqüentemente estes termos na bibliogra­
fia da psicologia e educação, mas eles nem sempre serão usados pre­
cisamente. Entretanto, deve ser lembrado que há diferenças entre eles.
Por exemplo, é bom saber que, embora seja teoricamente possível
transformar a maioria dos constructos em variáveis, nem sempre é pra­
ticamente possível fazê-lo. Um exemplo, a repressão de Freud, foi dado
anteriormente.

Definições operacionais

Há dois tipos de definição: constitutiva e operacional. U na defi­


nição constitutiva define palavras com outras palavras: “ peso” é a “ qua­
lidade de um objeto pesado” ; “ ansiedade” é “ apreensão ou um vago
medo” . Definições constitutivas são definições de dicionário e, natural­
mente, são usadas por todo mundo, inclusive pelos cientistas. Entretanto,
são insuficientes para propósitos científicos. Suponhamos que vamos
definir inteligência como “ acuidade mental” , “ a habilidade de pensar
abstratamente” , ou coisa parecida. Observe que estamos usando outros
conceitos ou expressões conceituais em lugar de “ inteligência” . Natural­
mente não se escapa à necessidade de usar tais definições dentro e fora
da ciência. Mas os cientistas têm que ir adiante. Precisam definir as
variáveis que usam nas hipóteses de maneira tal que as hipóteses possam
ser testadas. Fazem isto usando o que é conhecido como definição
operacional.
As definições operacionais surgiram de um novo modo de pensar:
em vez de pensar apenas constitutivamente, os cientistas também pensam
operacionalmente. Uma definição operacional é uma ponte entre os
conceitos e as observações. Este é um meio de pensar e operar radical­
mente diferente, um meio que revolucionou a pesquisa comportamental,
especialmente a pesquisa em psicologia e educação.
Uma definição operacional atribui significado a um constructo ou
variável especificando as atividades ou “ operações” necessárias para
medi-lo ou manipulá-lo. Uma definição operacional, alternativamente,
especifica as atividades do pesquisador para medir ou manipular uma
variável. É como um manual de instruções para o pesquisador: Diz, com
efeito, “ faça assim e assado, desta e daquela maneira” . Um exemplo bem
conhecido, embora extremo, é: Inteligência (ansiedade, realização e

46
assim por diante) é o resultado no teste de inteligência X, ou inteligência
é o que o teste de inteligência X mede. Esta definição nos diz o que
fazer para medir a inteligência. Diz ao pesquisador para usar o teste
de inteligência X. Realização pode ser definida citando um teste padro­
nizado de realização, um teste feito pelo professor, ou notas dadas pelos
professores. Aqui temos três maneiras diferentes de definir operacional­
mente o mesmo constructo. O leitor não deverá se preocupar com esta
multiplicidade de definições operacionais; faz parte de sua flexibilidade
e força. Afinal, um constructo como realização tem várias facetas em
momentos diferentes. Consideremos até o exemplo óbvio de diferentes
áreas de realização: leitura, aritmética, artes e assim por diante.
Vejamos um exemplo mais difícil. Suponhamos que queiramos
definir a variável “ consideração” . Pode ser definida operacionalmente
arrolando-se comportamentos de crianças que são presumivelmente com­
portamentos que expressam consideração, e fazendo os professores obser­
varem e classificarem os comportamentos das crianças numa escala de
cinco pontos. Tais comportamentos podem ser: quando uma criança diz
a outra: “ com licença” , “ desculpe” ; quando uma criança entrega um
brinquedo pedido a outra; ou quando uma criança ajuda outra em
uma tarefa.
- O tipo de definição discutido pode ser chamado uma definição
operacional medida. Ela mostra ao pesquisador como medir (e observar)
uma variável. Lembre-se das variáveis de Miller e Swanson, classe
social e tempo de desmame. Há também definições operacionais experi­
mentais que mostram ao pesquisador como manipular uma variável. Por
exemplo, o reforçamento pode ser definido operacionalmente dando os
detalhes de como os indivíduos devem ser reforçados — como Clark
e Walberg fizeram. No estudo sobre os efeitos dos diferentes incentivos
sobre o desempenho de alunos em aritmética, já mencionado, Hurlock
(1925) elogiou algumas crianças, criticou outras e ignorou outras. A
frustração pode ser definida como um impedimento de alcançar uma
meta, uma definição constitutiva com implicações claras para a manipu­
lação experimental. Isto foi muito bem realizado por Barker, Dembo e
Lewin (1943), que definiram frustração operacionalmente descrevendo
crianças em uma sala de jogos “ com um número muito grande de brin­
quedos muito atraentes, mas inacessíveis.” (Os brinquedos foram deixados
atrás de uma tela de arame; as crianças podiam vê-los, mas não tocá-los.)
Como outras idéias apresentadas neste livro, a definição operacional
é uma invenção notável. Como ficou dito no início deste tópico, é uma
ponte entre conceitos ou constructos e observações, comportamentos e
atividades reais. Para esclarecer, veja a figura 3.2. A figura mostra os
dois níveis nos quais os cientistas operam: o nível dos constructos e
hipóteses (I) e o nível da observação e manipulação (II). Os dois níveis

47
Figura 3.2

são ligados por uma definição operacional. Quando o pesquisador em


psicologia diz: “ Frustração produz agressão” , ele opera no nível I; para
testar a hipótese, ele tem que trabalhar no nível II: deve realmente
manipular (ou observar, ou medir) a frustração e medir a agressão. Para
trabalhar no nível II, ele deve primeiro conseguir um meio de lá chegar.
O meio é a definição operacional, que faz a ponte do nível constructo-
hipótese para o nível da observação. O pesquisador então vai envolta
entre os dois níveis. As opiniões sobre os cientistas, como pessoas que
fiam teorias confusas divorciadas do mundo real (nível I), ou que apenas
manipulam as coisas, fazem observações e medem as coisas (nível II),
são ambas igualmente estereotipadas e divergentes da realidade científica.
Virtualmente todos os cientistas operam em ambos os níveis.
Os dois exemplos seguintes de definições operacionais podem ajudar
a solidificar as idéias apresentadas. Em pesquisas sobre educação secun­
dária e superior, a “ realização” , muitas vezes, é definida operacional­
mente como média de notas, ou MN. Holzman e Brown (1968), num
estudo dos prováveis efeitos dos hábitos e atitudes de estudo na reali­
zação de alunos do segundo grau, definiu da seguinte maneira: “ O
critério da realização escolar, média de notas. . . era obtido geralmente
atribuindo pesos de 4, 3, 2, 1 e 0 aos conceitos A, B, C, D e F, respecti­
vamente” . Em outras palavras, os números foram atribuídos às notas
dos professores. Esta é uma definição operacional de realização: dava
um “ significado” concreto e específico ao constructo “ realização” .
Observem, entretanto, que há outros meios de definir realização opera­
cionalmente. Um deles seria pedir aos professores que fizessem uma
classificação da realização geral de seus alunos, atribuindo um número
de um conjunto de números (ou letras por categorias) a cada aluno. As

48
duas definições operacionais, entretanto, podem dar resultados dife­
rentes. Se ambas forem “ boas” definições operacionais, devem estar em
perfeito acordo.
Em um interessante estudo mencionado anteriormente, Walster e
outros (1973) definiram uma de suas principais variáveis com muita
habilidade. Tentaram, em sua pesquisa, encontrar a resposta para uma
antiga pergunta: “ As ‘mulheres difíceis’ são mais atraentes para os
homens do que as mulheres não tão difíceis?” Sujeitos do sexo masculino
receberam cinco pastas contendo informações sobre uma mulher. Três
delas continham “ formulários para a seleção de candidatos” , contendo
as possíveis reações da mulher a cinco homens seus prováveis candidatos.
Essas reações eram anotadas como marcas feitas pela mulher numa escala
partindo de “ escolhido com toda certeza” . Ou seja, cada “ mulher”
fizera, presumivelmente, cinco marcas em cinco pastas, e estas marcas
indícavam-na como “ fácil” ou “ difícil” . Por exemplo, a que marcasse
em todas as escalas “ escolhido com toda certeza” era uma mulher
“ fácil” . Se, por outro lado, ela não se entusiasmasse com nenhum dos
candidatos, era “ difícil” . A categoria mais interessante e decisiva foi a
mulher “ seletivamente difícil” : ela não desejava nenhum dos outros
homens além de você (uma das pastas referia-se ao sujeito). Este proce­
dimento, então, era a definição operacional de “ dificuldade” da mulher,
uma definição muito habilidosa.
Nos exemplos acima, observe que a definição operacional mostra
com bastante detalhe o que o pesquisador deve fazer para medir as
variáveis. Holtzman e Brown especificamente relataram como a média
de notas seria calculada, e Walster e outros detalharam o procedimento
para obter medidas de “ dificuldade” . Iguaimente, em situações experi­
mentais, as definições operacionais especificam o que os experimenta­
dores devem fazer para manipular uma ou mais variáveis independentes.
Elas dão as operações envolvidas.
Nada, entretanto, ficou dito sobre a qualidade das definições opera­
cionais. Como as definições constitutivas, elas podem ser boas ou más,
bem ou mal concebidas. Tem havido críticas às definições operacionais
(e à filosofia do operacionalismo que as inspirou), que erraram comple­
tamente o alvo. Foi dito, por exemplo, que nenhuma definição opera­
cional jamais pode expressar o significado completo e a riqueza de
conceitos como agressão, repressão, ansiedade, autoritarismo, aprendi­
zagem, realização e assim por diante. Exatamente. Jamais poderá. Mas
acontece o mesmo com as definições constitutivas! Definições operacio­
nais são definições limitadas freqüentemente muito limitadas, cujo
objetivo é ajudar o pesquisador a chegar a aspectos da “ realidade”
comportamental. Há sempre o perigo de fracionar de tal modo um
conceito que este passe a ter pequena relevância para o seu “ verdadeiro”

49
significado. Isto não implica, contudo, que seja impossível inventar e
usar definições operacionais que aproximem aspectos significativos da
“ realidade” conceituai. Difícil, mas não impossível. Sem dúvida, o
sucesso científico em inventar e usar definições tão limitadas tem sido
gratificante. À medida que avançarmos em nosso estudo veremos exem­
plos cada vez mais marcantes de definições operacionais e o ir e vir
entre os dois níveis de operação da ciência.

50
4. Relações e explicações

Suponhamos que eu seja um cientista social interessado em proble­


mas de grupos minoritários. Venho estudando em minha pesquisa várias
relações, com o intuito de me aprofundar na compreensão dos proble­
mas de grupos minoritários e dos problemas de preconceito e discrimi­
nação. Uma dessas relações é a que existe entre a discriminação contra
grupos minoritários e a tendência à violência dos grupos minoritários.
Acredito, por exemplo, que quanto mais o grupo for discriminado, mais
seus membros apelarão para a violência. Coletei dados sobre oito grupos
e posso classificá-los em duas variáveis: discriminação e violência. Espe­
cialistas classificaram os oito grupos conforme os graus de discriminação
usados contra eles, 1 significando a maior discriminação e 8 o mínimo
de discriminação. Obtive também estatísticas do total de violência que
caracterizou os oito grupos nos últimos cinco anos. (Não vamos nos
preocupar agora de como isso foi feito.) A partir dessas estatísticas,
classifiquei os oito grupos de alto a baixo em violência, 1 significando
alta violência e 8 baixa.
Os dois conjuntos obtidos estão na figura 4.1 A figura expressa uma
“ relação” . Faz isto porque mostra dois conjuntos de números que foram
sistematicamente emparelhados: o primeiro grupo minoritário, o que
foi mais fortemente discriminado e que portanto recebeu o posto 1,
recebeu um posto 2 em violência. O segundo grupo, o segundo mais
fortemente discriminado (posto 2) teve o terceiro (3) lugar em violência
e assim por diante com os grupos restantes. Em resumo, os dois con­
juntos de postos colocados em relação entre si, como na figura 4.1,
expressam uma relação.
Pode parecer um pouco estranho chamar os dois conjuntos de
números uma “ relação” . Mas não é. Aliás, é muito preciso e claro, como
veremos. Todas as relações podem ser expressas de algum ieito, embora
nem sempre seja preciso usar números. O caso é que os dois conjuntos
de números, considerados conjuntamente como na figura 4.1, são uma
relação. Mais adiante veremos que as relações têm direção e magnitude.
No caso presente, a direção é positiva: os dois conjuntos de números
“ vão juntos” um com o outro: os postos baixos em discriminação ten­
dem a emparelhar-se com postos baixos em violência e postos altos com
postos altos. A magnitude da relação será discutida mais adiante neste
capítulo.

51
Figura 4.1

No capítulo 2 dissemos que “ relação” provavelmente seja o termo


mais fundamental em ciência. Isto acontece porque a compreensão e
explicação de um fenômeno é a meta básica da ciência e os fenômenos
podem ser compreendidos somente através de suas relações com outros
fenômenos. Não existe isso de “ conhecer” uma coisa perfeitamente em
e por si mesma. Não podemos contemplar e estudar, digamos, a delin-
qüência por si mesma. Podemos compreendê-la e explicá-la somente após
estudar o que está relacionado a ela, quais as variáveis sociológicas e
psicológicas que nela influem. Só então poderemos ter uma pista de
como e por que ocorre a violência.
Mas o que é uma relação? Quando se fala sobre relações acredita-se
que o interlocutor saiba do que se está falando: que uma coisa esta
relacionada a outra coisa. Mas isto é muitíssimo vago; realmente não
nos diz nada do que sejam relações. Até a definição do dicionário é
insatisfatória. Uma tal definição poderia ser: “ Uma relação é um elo,
uma ligação entre pessoas ou coisas; é uma associação lógica, natural
ou sintética entre fenômenos” . Infelizmente isto não ajuda muito. Apesar
de a definição nos dar uma idéia do que seja uma relação, ela continua
muito vaga para a ciência. Felizmente é fácil definir relações sem
ambigüidade e com precisão, contanto que tenhamos um background
elementar na teoria dos conjuntos. Faremos, então, uma breve digressão
para examina? conjuntos.

52
Conjuntos

Um conjunto é uma coleção bem definida de objetos ou elementos


(Kemeny, Snell & Thompson, 1966, p. 58). “ Bem definida” quer dizer
que deve ser possível dizer se determinado objeto, numa coleção de
objetos sob discussão, pertence ou não pertence ao conjunto. Termos
como “ grupo” , “ classe” , “ bando” e “ família” indicam conjuntos.
Há duas maneiras de definir um conjuruo. Primeiro, podemos fazer
uma lista de todos os membros do conjunto. Daí é fácil dizer se deter­
minado objeto pertence ao conjunto. Por exemplo, suponhamos que
temos uma lista dos nomes dos países membros das Nações Unidas.
Para determinar se um país é membro do conjunto Nações Unidas,
simplesmente corremos a lista de todos os países membros. A própria
lista é a definição do conjunto. £ muito precisa e exata, mas nem
sempre é útil em pesquisa. Listas de membros de conjuntos freqüente-
mente são longas demais para serem práticas — os moradores de
Madri, por exemplo — , não estão disponíveis ou são difíceis de con­
seguir ou, mesmo se se conseguir, podem ter mudado depois que correr­
mos toda a lista.
O segundo meio e mais útil de defmir conjuntos é dar uma regra
que nos diga se determinado objeto ou indivíduo pertence ou não a
determinado conjunto. Muitas das chamadas “ definições por regra” são
fáceis. Ao definir a variável preferência política, por exemplo, a regra
pode ser esta: registrado no Partido Republicano ou no Partido Demo­
crata. Outra regra simples, embora mais falível: pergunte a determinado
indivíduo se ele é republicano ou democrata. As “ regras” para a maioria
das variáveis da ciência comportamental são, entretanto, mais complexas.
Em grande parte, talvez na maioria das pesquisas comportamentais,
são usadas definições por regra para definir os conjuntos de objetos —
pessoas, pombos, números, palavras — em estudo.

Relações

Na figura 4.2 damos dois conjuntos que foram encerrados em for­


mas ovais para indicar que são conjuntos. O primeiro, chamado A, é
um conjunto de cinco crianças, três meninos e duas meninas. Vamos
admitir que as crianças foram escolhidas de alguma forma sistemática
para fins de pesquisa. Vamos supor, por exemplo, que sejam uma amos­
tra de crianças de sexta série da escola K de Amsterdã, Holanda. O
segundo conjunto, chamado X, é um conjunto de cinco resultados em
um teste de inteligência, obtidos pela testagem de cinco crianças. As
linhas ligando os nomes aos pontos indicam simplesmente que, com base

53
Figura 4.2

no teste, Marie recebeu 131, Jacob 127 e assim por diante. Temos, então,
dois conjuntos, um de cinco nomes representando as cinco crianças e
um de cinco números representando os pontos feitos pelas crianças em
um teste de inteligência.
Talvez possamos tornar o exemplo um pouco mais interessante.
Estude a figura 4.3. O conjunto dos cinco resultados no teste de inteli­
gência, X, está à esquerda. O conjunto da direita, S (de “ sexo” ), tem
dois membros, M e F, significando masculino e feminino. Os membros
dos dois conjuntos, X e S, estão ligados por linhas, assim: se um resul­
tado em X é de um menino, trace uma linha até M; sc o resultado for
de uma menina, trace uma linha até F. Desta forma mostramos a relação
entre os resultados e as letras M e F, ou, mais geralmente, uma relação
entre inteligência e sexo. Podemos acreditar que as meninas (nesta
amostra, ou talvez em Amsterdã) são mais inteligentes que os meninos.
Para testar isto podemos calcular a média de pontos dos meninos e
meninas e compará-las. As médias são 125 para as meninas e 110 para
os meninos. Podemos concluir que as meninas são mais inteligentes
do que os meninos, sem dúvida uma conclusão arriscada! A questão
agora não é a adequação da conclusão mas o uso de conjuntos para
estudar uma relação.
Esta discussão bastante óbvia de conjuntos pode ser estendida a
números maiores de casos e variáveis mais complexas. Não importa
quantos casos e quão complexas as variáveis, os princípios básicos e as
regras são as mesmas. Mais objetivamente, definimos uma relação, uma

54
relação entre inteligência e sexo. Como? Ligamos simplesmente os
membros de um conjunto, X, aos membros de outro, S, usando a
regra simples para traçar as linhas, dada acima. Agora damos uma
definição abstrata de "relação” que é completamente geral e que se
aplica a todos os casos.
Uma relação é um conjunto de pares ordenados. Um par ordenado
são dois objetos de qualquer espécie em que há uma ordem fixa para
os objetos aparecerem ou para serem colocados. Na figura 4.2, Marie,
131 é um par ordenado. O conjunto de pares ordenados são os dois
conjuntos na figura 4.2, colocados juntos, os nomes em primeiro lugar
e os pontos em segundo: ■{ (Marie, 131), (Jacob, 127), (Annie, 119),
(Pieter, 108), (Jan, 95) }•. Em outras palavras, “ ordenado” significa
tomar os membros de um dos conjuntos, primeiro, e os membros do
outro, depois. O conjunto de pares mencionado é uma relação. Pode
não ser interessante, importante ou mesmo significativo, mas é uma
relação.
Na figura 4.3 também foi dada uma relação, embora um pouco
mais difícil de se ver. Se apresentarmos a relação de outra forma, como
na figura 4.4, é mais fácil ver. De novo temos um conjunto de pares
ordenados: { (131, F), (127,M), (119, F), (108, M), (95, M) Esta é,
por definição uma relação. Neste caso, entretanto, é um pouco mais
significativa: o conjunto de pares ordenados expressa uma relação entre
os pontos do teste de inteligência e o sexo dos participantes, ou, mais
simplesmente, entre inteligência e sexo.

X S

Figura 4.3

55
Figura 4.4

A definição de relação como conjunto de pares ordenados é com­


pletamente geral, bastante precisa e muitíssimo útil. Com ela eliminamos
a ambigüidade das definições de dicionário. Observem que a definição
não diz absolutamente nada sobre o interesse, importância ou valor
de uma relação. Diz apenas o que é uma relação. E isto é o bastante,
porque sabemos que se a ciência é em grande medida um estudo das
relações, então, é em grande medida um estudo de conjuntos de pares
ordenados. Além do mais, permite-nos estudar e entender a substância,
direção e magnitude das relações. Antes de mergulharmos nessas idéias,
vejamos uma relação onipresente, o casamento.
Se o casamento é uma relação, então é um conjunto de pares orde­
nados. Esta maneira de encarar o casamento pode ser um pouco curiosa,
mas é útil na pesquisa. Tome todos os maridos e mulheres de uma
comunidade em pares, com os maridos (ou as mulheres) colocados sem­
pre primeiro em cada par. Isto é visto na figura 4.5, onde os maridos,
Hi, H2, . . . . Hn são dados no conjunto chamado H, e as mulheres
Mi, M2, . . ., M„ são dadas no conjunto chamado M .1 Os pares orde­
nados, com H sempre em primeiro lugar, são unidos por linhas, forman­
do um novo conjunto de pares, indicado pela linha interrompida dese­
nhada à volta de ambos os conjuntos e denominada C; esta é, por
definição, uma relação. Podemos chamá-la “ casamento” .

• Os símbolos Hi, Hi e H* e Mi, M« e M» significam marido 1, marido 2 e


marido n e mulher 1, mulher 2 e mulher n; n é o último marido e a última
mulher. Os algarismos neste simbolismo são chamados subscritos; eles definem
simplesmente o número de um indivíduo ou um par em um conjunto.

56
\ H
\

Figura 4.5

Relações na pesquisa comportamental

A definição de relações como conjuntos de pares ordenados é sim­


ples e poderosa conceitualmente, mas um pouco árida para o leigo.
Podemos agora considerar o que pode ser mais interessante: o uso das
relações na pesquisa científica comportamental. Antes, porém, precisa­
mos saber que há aspectos da ciência e da pesquisa nos quais as
relações parecem não ser estudadas. Por exemplo, boa parte da pesquisa
tem função taxionômica e descritiva. Um estudo pode tentar apenas
descobrir as características de determinada população ou amostra: a
incidência relativa de nascimentos, mortes, suicídios, casamentos e
assim por diante, em São Francisco. Pouca ou nenhuma tentativa se
fará para relacionar as variáveis entre si. Tal trabalho é legítimo e
muitas vezes importante.
Igualmente, os pesquisadores freqüentemente agrupam observações
de características de pessoas e coisas, em categorias. Isto é taxionomia,
ou o trabalho de classificar coisas em agrupamentos sintéticos ou natu­
rais. Grande parte do trabalho psicológico, por exemplo, foi dirigido
para classificar indivíduos em categorias: introvertidos e extrovertidos;
dominadores e submissos; independentes e dependentes. Embora impor­
tante e essencial, o trabalho taxionômico e descritivo, estritamente
falando, é suplementar no estudo de relações. Em todo caso, a maior
parte da discussão deste livro considerará a ciência como preocupada
com o estudo das relações. Vamos abordar tal estudo um pouco mais de
perto, examinando primeiro a direção e a magnitude das relações.

57
A direção e a magnitude das relações

Vamos supor, novamente, que eu esteja estudando discriminação


e violência e que durante um determinado estudo, obtive os dois con­
juntos de postos dados ria figura 4.1. Vamos supor também que estou
testando a hipótese de que a discriminação contra minorias está associada
à violência. A hipótese pode ser expressa quantitativamente: Quanto
maior a discriminação contra grupos minoritários, maior a violência
dos grupos minoritários. (Supomos que discriminação e violência estejam
adequadamente definidas e medidas.) Perguntamos: “ Os dados da
figura 4.1 apoiam a hipótese?” Para responder precisamos saber a
direção e a magnitude da relação expressa pelos dois conjuntos de postos.
A direção é determinada facilmente. Simplesmente examinamos os
postos para ver se eles parecem “ caminhar juntos” e como eles seguem
juntos. Os postos no conjuntó da esquerda (Discriminação) variam de
1 a 8 em perfeita ordem. Os postos da direita (Violência) não seguem
esta ordem perfeita. Será que, no entanto, eles em geral seguem a ordem
dos postos à esquerda? Isto é, os postos altos em Discriminação são
acompanhados, em geral, por postos altos em Vioiência, o mesmo ocor­
rendo para os postos baixos? Se for assim, então a direção da relação é
positiva. Neste caso, a resposta é sim: postos altos de Discriminação em
geral são acompanhados por postos altos de Violência, e postos baixos
de Discriminação são acompanhados por postos baixos de Violência.
A relação é positiva.
Mas qual é a magnitude da relação? Sabemos que a relação é
positiva, mas não conhecemos a extensão do acordo que há entre os
pares de postos. Há diversos meios para avaliar a magnitude das relações
e vamos examinar três ou quatro deles, apesar de desejarmos evitar
complexidade técnica em nossa busca de clareza conceituai. Primeiro,
fazemos um gráfico das relações da figura 4.1. O gráfico é dado na
figura 4.6. O eixo horizontal é geralmente chamado X e o vertical, Y.
X é a variável independente, Y a variável dependente, ou X = Discri­
minação e Y = Violência. Os oito postos foram indicados em cada
eixo e os oito pares de postos assinalados como indicado: ( 1,2), (2,3),
. . . , (8,7). Por exemplo, o valor 1 de Discriminação na figura 4.1
está referido ao X ou o eixo de Discriminação da figura 4.6, e o valor
2 de Violência é referido ao Y ou eixo de Violência da figura. Coloca-se
uma cruz na junção dos dois valores e marca-se (1,2). Os outros valores
da figura 4.1 são igualmente representados. Foi traçada uma linha
através dos pontos representados, de sorte a ficar o mais próxima pos­
sível de todos eles simultaneamente. Esta linha expressa a relação da
mesma forma que os pontos. Chama-se “ linha de regressão” , embora
possamos chamá-la uma "linha de relação” . Voltaremos a estas utilís-

58
X = Discriminação

Figura 4.6

simas linhas mais tarde, quando veremos como elas expressam relações
clara e sucintamente.
Os pontos representados e a linha de regressão indicam que a
hipótese é apoiada por estes “ dados” ? A resposta é sim — indicam. Os
pontos representados indicam que grandes valores de X, Discriminação,
são acompanhados por grandes valores de Y, Violência, valores médios
de X por valores médios de Y e valores baixos de X por valores baixos
de Y. O enunciado “ Se discriminação, então violência” parece estar
correto. Especificamente, os grupos minoritários que sofreram a maior
discriminação foram os mais violentos, e os grupos minoritários que
receberam menos discriminação foram os menos violentos. A relação
não é perfeita — há exceções, por exemplo (3,1) e (7,4) no gráfico —
mas em geral se mantém.
Mas ainda não discutimos diretamente a magnitude da relação.
Dissemos que os valores altos de Y “ acompanham” os valores altos
de X e valores menores de Y “ acompanham” valores menores de X.
Naturalmente, este é um enunciado de magnitude, mas desejamos ser
mais precisos. Queremos saber até que ponto a relação é “ forte” ou
“ fraca” . Se a direção da linha de regressão for da esquerda inferior
para a direita superior no gráfico e todos os pontos se encontrarem pre­
cisamente sobre a linha, a relação é “ perfeita” e positiva. Tais relações
perfeitas quase nunca acontecem na pesquisa comportamental. Às vezes
todos os pontos representados se aproximam da linha. Quando isso

59
acontece, a relação é “ forte” . Quando não, quando se encontram dis­
persos relativamente longe da linha, a relação é “ fraca” ou até se
aproxima de zero. (No último caso, a própria linha seria horizontal,
ou quase. Explicaremos isto mais adiante.)
Há meios ainda mais precisos de expressar a direção e magnitude
das relações. Um meio muito usado é através da correlação e do chamado
coeficiente de correlação. “ Correlação” significa exatamente o que diz
a palavra: a co-relação entre dois conjuntos de valores ou a variação
conjunta dos valores de X e Y, como já foi explicado. “ Coeficiente de
correlação” , um termo muito usado na pesquisa, é uma medida da inter­
dependência, da variação conjunta, do aumento ou decréscimo simultâ­
neo de dois conjuntos de valores numéricos. Por sua grande importância
na pesquisa, estudemos as idéias de relação, correlação, direção e magni­
tude mais profundamente.
Embora do ponto de vista definicional seja correto dizer que uma
relação é um conjunto de pares ordenados, tal definição apenas esclarece
a idéia de uma relação. Não ajuda os cientistas a tirarem conclusões a
partir dos dados. Eles desejam saber a direção e a magnitude das rela­
ções, como já ficou dito. A direção de uma relação é ela ser positiva ou
negativa (ou mais complexa). Se os dois conjuntos de medidas de um
conjunto de pares ordenados variam juntos — os pesquisadores dizem
“ covariam” — na mesma direção, a relação é positiva. Se variam simul­
taneamente (juntas) na direção oposta, a relação é negativa^
Na tabela 4.1 são apresentados três conjuntos de pares ordenados.
No conjunto A, os valores de X e Y têm a mesma ordem de postos. 2

Tabela 4.1 Três Conjuntos de pares ordenados mostrando diferentes direções de


relações.

(A) (B) (C)

X Y X Y X Y

1 2 1 8 1 4
2 4 2 6 2 8
3 5 3 5 3 5
4 6 4 4 4 2
5 8 5 2 5 6

2 Os valores da tabela 4.1 não são postos. Entretanto, podem ser facilmente
convertidos em postos; por exemplo, os postos dos valores de Y em A são
5, 4, 3, 2, 1.

60
Por outro lado, no conjunto B a ordem de postos dos dois conjuntos
de valores é oposta, isto é, os valores altos de X são acompanhados por
valores baixos de Y [por exemplo (5,2), (4,4) ], e os valores baixos
de X são acompanhados por valores altos de Y [por exemplo (1,8),
(2,6)]. Os pares de conjuntos de pares ordenados mostrados em C não
têm direção discernível; os dois não mostram tendência sistemática a
variar de uma ou outra forma. O conjunto foi incluído na tabela para
ilustrar o caso de “ nenhuma relação” , ou, mais precisamente, relação
zero, e para contrastá-lo com os conjuntos A e B.
A magnitude de uma relação é a extensão na qual dois conjuntos
de medidas variam simultaneamente (covariam) positiva ou negativa­
mente. No conjunto A da tabela 4.1, a magnitude da relação é alta
porque as ordens de postos de X e Y são idênticas. Igualmente alta é a
relação de B porque as ordens de grau são completamente opostas.
Entretanto, os dois conjuntos de números variam juntos: os números
mais baixos de Y acompanham os números mais altos de X , e os núme­
ros mais altos de Y acompanham os números mais baixos de X. No
conjunto C, entretanto, não se percebe variação sistemática simultânea
dos dois conjuntos de números. É como se os números do segundo con­
junto fossem incluídos ao acaso (e foram). Em tais casos, costuma-se
dizer que “ não há relação” entre os conjuntos. É óbvio que esta é uma
maneira meio inexata de falar, porque qualquer conjunto de pares
ordenados é uma relação. Entretanto, na linguagem corrente da pesquisa,
os pares ordenados do conjunto C seriam mencionados como não mos­
trando relação alguma. A expressão correta é “ relação zero” .
Será possível ser mais preciso sobre as magnitudes das relações
dos conjuntos de medidas da tabela 4.1? Felizmente sim. Uma medida
muito útil da magnitude das relações é o coeficiente de correlação,
que já foi mencionado e explicado ligeiramente há pouco. Ê simples­
mente um índice, em forma decimal, que indica a direção e a magnitude
da covariação de dois conjuntos de valores. 3
Tais índices variam de —1,00, passando por 0,00, até +1,00.
+ 1,00 indica uma relação positiva perfeita, — os dois conjuntos de

3 Índice é um número usado para caracterizar um conjunto de números e geral­


mente é calculado com uma fórmula, a partir de dois ou mais números diferentes.
A média, ou média aritmética, é um índice que indica a tendência central de um
conjunto de números. A amplitude, o número mais alto menos o número mais
baixo, é um índice. QI (quociente de inteligência) é um índice: idade mental
(calculada por teste) dividida pela idade cronológica. O coeficiente de correlação
é um índice muito complexo que expressa com precisão o “ caminhar junto” de
dois conjuntos de pontos. É uma estatística muito usada em razão de sua força
descritiva e porque conjuntos de coeficientes de correlação podem, por sua vez,
ser analisados com o uso de métodos poderosos.

61
pontos têm exatamente a mesma ordem de postos, por exemplo, como
em A da tabela 4.1 — e — 1,00 indica uma relação negativa perfeita,
como em B da tabela. O (zero), naturalmente, indica "nenhuma relação” ,
ou “ relação zero” . Todas as frações decimais entre —1,00 e + 1 ,0 0
são possíveis: —0,78; —0,51; —0,08; 0,12; 0,42; 0,83; e assim por
diante. Muitos coeficientes ou índices de relações como estes são usados
nas ciências comportamentais, mas neste livro estamos preocupados prin­
cipalmente com a compreensão e interpretação de tais índices e não com
seu cálculo. 4

Gráficos de relações

Na figura 4.6 fizemos um gráfico da relação entre os postos da


figura 4.1. Para uma compreensão intuitiva mais profunda das relações
quantitativas, vamos fazer gráficos das três relações da tabela 4.1. Isto
será mostrado na figura 4.7. Os valores de X serão indicados pelo
eixo X e os valores de Y pelo eixo Y. Os pares — (1,2), (2,4), (5,8),
e assim por diante, serão indicados por cruzes: a cruz para o par (4,6)
em A, por exemplo, está colocada no ponto de interseção entre 4 uni­
dades em X e 6 unidades em Y. Está situado dentro de um círculo.
Linhas foram traçadas através dos pontos para que possam correr o
mais próximo possível de todos eles. Ao discutir a figura 4.6 dissemos
que tais linhas são chamadas linhas de regressão, que são traçadas de
sorte a ficarem o mais próximas possível de todos os pontos represen­
tados e que elas expressam a relação entre ,os valores de X e os de Y.
Observe que as linhas traçadas em A e B se aproximam muito de todos
os pontos. A linha traçada em C, entretanto, não pode se aproximar de
todos os pontos. O melhor que se pode fazer é, sem dúvida, traçar uma
linha quase horizontal próxima da média (média aritmética) dos
pontos Y.
Talvez a interpretação mais importante das três situações seja a
que se segue. Em A, a relação positiva alta significa que, à medida
que os valores de X aumentam, aumentam os valores de Y. A relação
alta negativa de B, por outro lado, significa que, à medida que os
valores de X aumentam, os de Y diminuem. Não é possível fazer tal
afirmação sistemática em C: não se pode prever a magnitude dos valo­
res de Y a partir da magnitude dos valores de X. Em ciências avançadas
como a física — e às vezes em psicologia e educação — pode-se fazer
afirmativas mais precisas de magnitude; por exemplo, quando X •*

•* O leitor interessado poderá consultar um livro de estatística elementar à procura


de instruções de como calcular tais índices. Ver, por exemplo, Edwards (19731.

62
Y Y Y

J ---- 1-----1-----1— 1----- 1------L X


1 2 3 4 5 6 7
(A) Relação alta positiva (8) Relação alta negativa (C) Relação alta neutra

Figura 4.7

aumenta uma unidade, Y aumenta duas unidades, ou quando X aumenta


uma unidade, Y diminui meia unidade.
Talvez possamos ajudar o leitor se vestirmos estas relações nuas e
estes gráficos com a roupagem das variáveis. Em A da figura 4.7, supo­
nhamos que X seja escolaridade ou anos de escolaridade, e Y rendi­
mentos. A relação de A, então, significaria que, à medida que a educa­
ção aumenta, aumentam os rendimentos. Isto é assim, mas a relação
não é tão alta quanto o gráfico indica. Usando as mesmas variáveis em
B teremos uma relação improvável que a evidência da pesquisa não
apoia: à medida que aumenta a escolaridade, diminuem os rendimentos.
Em C não é possível nenhuma previsão sistemática dos rendimentos a
partir da escolaridade. Conhecer a escolaridade não nos capacita a dizer
que os rendimentos aumentam ou diminuem sistematicamente. Mas con­
sideremos um exemplo mais interessante.

Um exemplo de direção e magnitude de uma relação

Suponhamos que um pesquisador desconfie que o preconceito


contra grupos minoritários seja em parte resultado do autoritarismo. 5
Foi descoberto, digamos, que algumas pessoas têm um tipo de persona­
lidade denominada autoritária. Algumas características dos autoritários
são agressividade, tendência a serem punitivos, convencionalidade, sub­
missão sem crítica à autoridade e líderes e hostilidade generalizada em
relação a grupos diferentes dos seus. O pesquisador raciocina, na base

5 Esta é uma hipótese famosa para a qual há considerável evidência (Adorno,


Frenkel-Brunswick, Levinson & Sanford, 1950).

63
de uma teoria do preconceito, que essas características se combinam
para produzir o preconceito contra membros de grupos minoritários.
O pesquisador tem vários meios de descobrir até onde está correto.
Suponhamos que ele construa uma escala para medir a extensão em
que os indivíduos possuam as características dadas acimã. Chamemos
isto Escala A. Ele usa também outra escala, a escala AS, que pesquisas
anteriores mostraram medir o anti-semitismo, ou o preconceito contra
os judeus. Ele está estudando, então, um aspecto da relação entre autori­
tarismo e anti-semitismo. Ele poderia, naturalmente, ter medido as ati­
tudes dos sujeitos em relação a negros, estrangeiros, índios e outros
grupos minoritários. Entre as várias pessoas que responderam às duas
escalas, suponhamos que foram selecionadas 10 para representar todo
o grupo e que os dez pares de pontos sejam os da tabela 4.2. (Dez
conjuntos de pares ordenados dificilmente bastariam para avaliar uma
relação com fidedignidade. Geralmente os cientistas comportamentais
usam muitos mais. Entretanto, o princípio é o mesmo, quer se usem
10 ou 10.000 conjuntos de pares.)
O pesquisador quer saber a direção e a magnitude de sua relação:
seu sinal, positivo ou negativo, e até onde os dois conjuntos de valores
covariam Primeiro, os dois conjuntos de valores, com os de autoritaris­
mo sempre em primeiro lugar e os de anti-semitismo em segundo, são
um conjunto de pares ordenados e, portanto, uma relação. É fácil ver
a direção da relação: é positiva porque há uma tendência marcante
dos valores altos de A serem acompanhados por valores altos de As —
por exemplo, (6,2; 5,7), (5,9; 5,3) — e igualmente para valores A e AS
baixos — por exemplo, (3,5; 4,0), (3,9; 3,5).
Não é tão fácil avaliar a magnitude da relação, isto é, até onde é
pronunciada a tendência de os valores de A e AS “ caminharem juntos” :
alta com alta, média com média e baixa com baixa. O exame de con­
juntos de pares ordenados parece indicar que a covariação dos pontos,
seu “ caminhar juntos” , é pronunciada. Para ver isto mais claramente,
os postos dos valores, postos de 1 a 10, com 1 indicando o valor mais
alto e 10 o rriais baixo, estão indicados na tabela 4.2 ao lado dos pontos
de A e AS (entre parênteses). Observe que em geral os postos vão
juntos: os postos baixos de A combinam com os postos baixos de AS,
acontecendo o mesmo com os postos médios e altos. Resumindo, a
relação entre autoritarismo e anti-semitismo, nesta amostra, é positiva
e “ substancial” . É “ substancial” até onde? É possível e aconselhável
calcular os índices da magnitude das relações. Tais índices são chamados
coeficientes de correlação, como já ficou sabido.6

6 Para o leitor curioso, o coeficiente de correlação dos pontos A e AS da


tabela 4.2 é 0,7, que indica que a relação é substancial.

64
Tabela 4.2 Dez valores fictícios de autoritarismo e anti-semitismo selecionados de
um grande grupo de tais valores, com a ordem de postos dos valores a.

Autoritarismo (A) Anti-Semitismo (AS)

6,2 ( 1) 5.7 (2)


5,9 (2) 5.3 (3)
5.7 (3) 4.7 (5)
5.1 (4) 5.8 (1)
4.8 (5) 4.4 (7)
4.5 (6) 4.5 (6)
4.2 (7) 3.9 (9)
4,1 (8) 4,8 (4)
3.9 (9) 3.5 (10)
3.5 (10) 4,0 (8)

a Os números entre parênteses são os postos dos valores, com 1 sendo alto e 10 baixo.

Exemplos de diferentes tipos de relações

• A descrição e discussão dos estudos de Clark e Walberg, Miller t


Swanson, no primeiro capítulo, e a descrição acima das relações entre
anti-semitismo e autoritarismo já devem ter-nos dado um pouco do
gosto da pesquisa psicológica e educacional contemporânea e da natu­
reza das relações. Agora precisamos ser mais específicos. Para isso vamos
delinear rapidamente uma relação hipotética entre inteligência e reali­
zação escolar e depois estudar três tipos diferentes ou formas de relação,
usando outra vez exemplos hipotéticos.

Inteligência e realização escolar: um exemplo hipotético

Quando há uma relação entre dois fenômenos, duas variáveis, eles


variam juntos. Coloquemos assim: “ Se há uma relação entre duas variá­
veis, quando uma delas muda, a outra também muda” . Suponhamos
que tenhamos um meio de medir, digamos, inteligência e realização
escolar e que observemos os valores de ambas as medidas em uma
amostra de crianças. Na medida em que os valores de uma delas varia
ou “ vai junto com” os valores da outra, nesta medida, as duas se
relacionam. Na medida em que os valores observados de realização
escolar mudam quando mudam os valores observados de inteligência,
nesta medida, as duas estão relacionadas. A isto se chama variação
concomitante.

65
Inteligência

Figura 4.8

Estude o gráfico da figura 4.8, que mostra uma relação hipotética


entre inteligência e realização escolar. Alguns pares de valores foram
incluídos no gráfico. O primeiro par de valores (na extrema esquerda)
é (1,2), isto é, o número de pontos de inteligência da criança é 1 e sua
realização é 2. Os pontos da criança seguinte são (2,2). O par de pontos
da última criança é (5,4). O princípio é: “ Assim como os pontos de
inteligência variam, também variam os pontos de realização’’. Os dois
conjuntos de pontos em geral variam juntos — neste caso aumentam
juntos. Foi traçada uma linha entre os pontos marcados de sorte a
ficar o mais próxima possível de todos eles. Indica a direção da relação:
positiva porque pontos baixos de inteligência são acompanhados por
pontos baixos de realização, enquanto pontos altos de inteligência vêm
acompanhados de pontos altos de realização.

Exemplos hipotéticos de relações com direções e magnitudes diferentes

Suponhamos que um professor tenha os pontos (sob a forma de


QIs) do teste de inteligência e os pontos do teste de realização de sete
alunos e queira saber alguma coisa sobre a relação entre os dois conjun­
tos de pontos. Os pontos são os do quadro da página seguinte. O pro­
fessor marca os pontos em um gráfico, como na figura 4.9. Ele quer
saber a direção e a magnitude aproximada da relação.
É óbvio que a relação é positiva. Em geral, Qís altos tendem a ser
acompanhados por pontos mais altos de realização, e QIs mais baixos
por pontos mais baixos em realização. A magnitude da relação é mais
difícil de entender pelo gráfico. Mas podemos observar que é substan­
cial. Se a realização fosse tão alta quanto possível, os pequenos círculos
estariam todos em linha reta partindo da esquerda inferior para a direita
superior. Quanto mais se afastam da linha reta, mais baixa a relação.

66
QI Realização
145 51
125 57
118 60
110 48
100 54
97 35
90 32

Embora os sete círculos não se tenham colocado na linha reta que passa
o mais próximo possível de todos os círculos simultaneamente — a linha
traçada no gráfico — eles se mantêm bastante perto dela. (Lembre-se
de que esta linha se chama linha de regressão.) Outro meio de ter alguma
idéia da magnitude da relação é ^comparar os postos dos dois conjuntos
de pontos, como já fizemos. Isto fica para o leitor como um exercício.
Agora suponhamos que tomamos uma relação com direção negativa
e consideravelmente menor em magnitude. Tal relação é mostrada no
gráfico da figura 4.10. Suponhamos que ela mostre a relação entre a
afluência de um bairro e a delinqüência. Novamente temos sete pontos.
Desta vez, entretanto, estão mais espalhados; estão mais distantes da
linha traçada, o mais próxima possível de todos os pontos. Além disso,
a direção da linha, que agora corre da esquerda superior para a direita
inferior do gráfico, é diferente. Indica que a relação é negativa: à

67
medida que o bairro se torna mais afluente, há menos delinqüência.
Mas agora a relação é muito mais fraca do que era na figura 4.9, onde
os pares de pontos estavam mais perto da linha de regressão. Observe
que quatro dos pontos (os pequenos círculos) estão bem distantes da
linha. Em suma, a relação é negativa e não é muito forte.

Afluência
Figura 4.10

68
Muitas variáveis, naturalmente, não têm nenhuma relação entre si,
a não ser por acaso: sua relação é zero ou próxima de zero. Isto quer
dizer que o conhecimento de uma variável não contribui para o conhe­
cimento de outra variável. Não se pode dizer, por exemplo, que enquanto
uma variável aumenta a outra variável aumenta ou diminui. Tal situa­
ção é mostrada na figura 4.11, onde 100 pares de números entre 0 e 100
foram marcados. Os números foram obtidos de duas colunas de números
equiprováveis de um ou dois algarismos, numa tabela maior de tais
números (Kerlinger, 1973, pp. 715 e 717, duas últimas colunas de
números de dois algarismos) . 7 Casualidade e números aleatórios, um
importante desenvolvimento técnico e científico moderno, serão expli­
cados no capítulo 5. É suficiente dizer, por enquanto, que números alea­
tórios são como o resultado do jogo de dados ou de moedas: não há
ordem dedutível ou previsível de espécie alguma nos números. Não se
pode predizer — já que ambos os conjuntos de números são casuais —
nenhum número a partir de outro. Se aparecer um 90 em uma coluna,
pão se pode dizer que é provável que um número alto o acompanhe na
outra coluna, o mesmo para números baixos e médios. Em linguagem
comum, os números dos pares estão todos misturados: todas as combi­
nações possíveis podem ocorrer, mas não se pode prever um número
a j>artir de outro.
Compare a figura 4.11 com as figuras 4.9 e 4.10. Nas duas últimas
houve um “ caminhar junto” sistemático dos números, embora tenha
havido consideravelmente menos “ caminhar junto” na figura 4.10 do
que na 4.9. Mas pode-se ver que os círculos da figura 4.11 estão por
todo o gráfico e, mais importante, não há ordem discemível ou
“ caminhar junto” . Este é um estado de relação zero.
Ainda temos muito o que dizer sobre relações neste livro. Elas são
o recheio e o núcleo da ciência. Compreender que o objetivo maior da
ciência é a explicação e que a explicação vem principalmente do estudo
das relações é compreender a base da ciência. Agora vamos tentar
amarrar as idéias de explicação e relações e, já que estamos no assunto,
falar da importante idéia de teoria.

Explicação científica, teoria e relações

Embora relações, teoria e a explicação fossem discutidas no pri­


meiro capítulo, sua importância exige exame mais profundo. A ciência
está constantemente preocupada em explicar as coisas. “ Explicar” uma
coisa significa dizer o que é esta coisa. Mas é virtualmente impossível.

7 Estes números foram criados por um programa especial em um computador


de grande porte.

69
pelo menos neste mundo, dizer-se diretamente o que uma coisa é. Jamais
poderemos chegar à “ essência” total de alguma coisa (embora os místicos
nos digam o contrário). Em ciência queremos explicar fenômenos
naturais. Por exemplo, queremos explicar “ preconceito” , o que quer
dizer que vamos dizer como nasce, por que nasce, como caminha, o
que o afeta, o que ele afeta e assim por diante.
Explicar alguma coisa, pelo menos satisfatoriamente, certamente é
uma das tarefas mais difíceis que podemos empreender. Mais que isto,
é literalmente impossível explicar tudo sobre algum fenômeno, ou sobre
conjuntos de fenômenos. E explicar tudo sobre preconceito, por exem­
plo, simplesmente não é possível, principalmente se quisermos que boa
parte de nossa explanação venha apoiada em evidência empírica. Em
outras palavras, a “ verdade” absoluta é para sempre impossível. Mas
aproximações razoáveis a explicações de fenômenos naturais podem ser
dadas de maneira científica satisfatória.
O único meió, então, de explicar alguma coisa, é determinar de
que maneira esta coisa se relaciona com outras coisas. Assim a explica­
ção do preconceito significa descobrir como o preconceito se relaciona
com outros fenômenos naturais. Se estivéssemos interessados apenas no
desenvolvimento do preconceito em crianças, teríamos que saber pelo
menos em que idade as crianças tomam consciência de “ outros grupos” .
A relação seria entre a idade e conhecimento ou consciência de
outros grupos.
Já dissemos que a ciência lida apenas com fenômenos naturais e
explicações “ naturais” de tais fenômenos. Explicar o preconceito, por
exemplo, dizer que ele faz parte da natureza humana, que todo o indi­
víduo é “ naturalmente” preconceituoso em relação a grupos diferentes
do seu, não é uma explicação no sentido científico porque usa um
termo, “ natureza humana” , que é tão vago que se torna inacessível à
observação científica. Onde encontramos “ natureza humana” ? Como
podemos medi-la? Ou pode-se dizer: “ Deus fez grupos diferentes e as
diferenças levam à hostilidade” . Isto também não é uma explanação no
sentido científico. Invocar Deus como a causa das diferenças, retira a
afirmativa do âmbito da preocupação científica. Mais ainda, pode-se
retorquir que Deus fez todos os homens iguais. Dizer que diferenças
levam à hostilidade, embora uma afirmativa melhor porque pelo menos
implica a possibilidade de observação, ainda é vago demais para a obser­
vação científica. Todas as diferenças de grupos? Algumas apenas? Que
espécie? Que espécie de hostilidade? Sob que circunstâncias? E assim
por diante.
Naturalmente há muitas “ explicações” para o comportamento hu­
mano e para fenômenos. “ Doença é castigo pelo pecado” ; “ As depressões
eçonômicas são devidas aos judeus” ; “ Os pretos são músicos inatos” .

70
Tais “ explicações” são cientificamente sem valor porque não podem
ser submetidas a investigações científica e a testes. Sem dúvida, uma
grande contribuição da ciência é sua rejeição de “ explicações” que real­
mente nada explicam. A explicação pode referir-se apenas a fenômenos
naturais, e “ fenômenos naturais” significam ocorrências no mundo
observável. Qualquer fenômeno, para ser um fenômeno natural, precisa
ser observável, potencialmente mensurável ou manipulável. Não é neces­
sário ser visto diretamente. Mas precisa haver alguma evidência de suas
manifestações no mundo empírico. “ Preconceito” , neste sentido, implica
em certo tipo de comportamento.
Como, então, a ciência explica o preconceito — ou qualquer outro
fenômeno natural? Repetindo, pode ser explicado apenas pelas suas rela­
ções com outros fenômenos. Necessariamente tais explicações são sempre
parciais e incompletas. Foi descoberto, por exemplo, que o autoritarismo
está positivamente ligado ao preconceito (Adorno e outros, 1950):
pessoas muito autoritárias tendem também a ser preconceituosas contra
judeus, negros e estrangeiros. Descobriu-se também que se a maioria das
pessoas de determinado grupo de indivíduos tem crenças estereotipadas
(crenças relativamente fixas e rígidas) sobre membros de outro grupo, elas
então tenderão a ter atitudes negativas em relação aos membros do
outro grupo. Ficou dito também — e provado por evidência (Dollard e
outros, 1939) — que a frustração leva à agressão, que muitas pessoas
são social e economicamente frustradas e dirigem a hostilidade resultante
para outros grupos. Temos aqui, então, fenômenos relacionados com o
preconceito: autoritarismo, estereotipia e frustração. Assim, temos uma
explicação parcial de preconceito.
Preconceito é um conceito ou constructo bastante difícil. Vamos
tomar um fenômeno ou variável igualmente complexo, mas talvez mais
facilmente ilustrável, realização, e sintetizar uma explicação. Fazemos
isto usando um exemplo de uma explanação teórica semelhante àquela
dada quase no fim do capítulo 1. A importância das idéias justifica
o exemplo adicional. Suponhamos que queremos saber por que certos
alunos não se saem bem na escola. Já sabemos que inteligência é uma
variável explanatória: crianças abaixo de um certo nível de inteligência
tendem a não se sair bem na escola. 8 Mas muitas dessas crianças se
saem bem — e muitas crianças de nível superior de inteligência não
se saem bem. Apenas inteligência, então, é uma explicação parcial.
Sabe-se também que crianças de classes sociais mais baixas não se saem
tão bem na escola, comparadas às crianças de classe média. Há muito se

8 Como a natureza de nossa tarefa neste livro é esclarecer a ciência e a pesquisa


científica, não tentaremos discutir os aspectos controvertidos de conceitos como
inteligência. Acreditamos, quando usamos uma variável como inteligência, que
possa ser medida validamente. Naturalmente, podemos estar errados.

71
pensa também, embora sem apoio muito forte de evidência, que a mo­
tivação — desejar ou não desejar sair-se bem — é uma variável impor­
tante que influencia a realização escolar.
Agora vamos colocar uma “ explicação” de realização escolar com
as três variáveis que acabamos de mencionar. Tenha em mente que este
exemplo é muito simplificado. A realização escolar é um fenômeno com­
plexo, cuja explicação ainda confunde cientistas e educadores. Estamos
dando uma explicação apenas parcial e limitada com fim pedagógico.
Em todo caso, a “ explicação” está representada na figura 4.12. As setas
indicam as relações ou influência. Uma seta de linha contínua e uma só
ponta indica “ influência” ; uma seta de linha interrompida e duas pontas
indica uma influência mútua, ou simplesmente uma relação. (“ Influência”
geralmente implica um efeito numa só direção; “ relação” implica que a
influência pode ser numa direção ou noutra, ou em ambas.)
A explanação assim representada indica que inteligência e motiva­
ção influenciam diretamente na realização escolar. As crianças mais inte­
ligentes tendem a fazer melhor o trabalho escolar, e as crianças que estão
mais interessadas no trabalho escolar e mais desejosas de fazê-lo, fazem
um trabalho melhor. Inteligência e classe social e inteligência e motivação
influenciam-se mutuamente. Crianças de classe média, por exemplo, têm
em média pontos mais altos em testes de inteligência, e as crianças mais
altamente motiváveis são, em média, crianças de maior inteligência. A
motivação é influenciada diretamente pela classe social. Crianças-das
classes trabalhadoras não se interessam tanto pelo trabalho escolar como
as de classe média, talvez porque o ambiente menos afluente não con­
duza à aceitação entusiástica do aprendizado e do estudo. (Além disso,

72
a escola norte-americana é uma instituição de classe média.) A classe
social não exerce efeito direto sobre a realização escolar, então, influen­
cia a realização apenas indiretamente, através da inteligência e da moti­
vação.
O objetivo deste exemplo não é sua adequação ou validade. Antes,
o objetivo é mostrar como é uma explicação comportamental científica
de um fenômeno e como as relações são o recheio de tal explicação.
O fenômeno da realização escolar é “ explicado” pela relação entre, de
um lado, inteligência, motivação e classe social, e, de outro, realização
escolar — e também pelas relações entre inteligência, motivação e classe
social.
Todo o conjunto de variáveis e as relações especificadas entre elas
podem ser chamadas uma “ teoria” . Naturalmente, esta deveria ser
chamada uma “ pequena teoria” , ou o embrião de uma teoria, porque
um fenômeno tão complexo quanto realização escolar dificilmente pode­
ria ser explicado por três variáveis. Entretanto, a maioria das teorias
científicas consiste em tais relações sistemáticas entre variáveis. Uma
teoria, então, é um conjunto de constructos inter-relacionados (variáveis),
definições e proposições que apresentam uma visão sistemática de um
problema especificando relações entre variáveis, com a finalidade de
explicar fenômenos naturais.
Esta discussão sobre “ explicação" em' ciência foi necessária para
tirar o mistério da explicação e da teoria científicas. Toda explicação,
naturalmente, usa relações. A diferença entre explicações científicas e
explicações não-científicas de fenômenos, entretanto, é profunda. É inse­
parável das palavras “ sistemática” , “ controlada” e “ empírica.” A dife­
rença deve ficar mais clara à medida que continuarmos discutindo.

73
5. Probabilidade e estatística

Vivemos num mundo probabilístico. Num mundo onde quase nada é


absolutamente certo. Muita coisa é relativamente certa, claro. É quase
certo que choverá em Nova Iorque ou Amsterdã durante os próximos 30
dias. É quase certo que algumas pessoas farão amor amanhã na Califór­
nia! Mas nunca se garante certeza absoluta. Há limites nas certezas:
algumas coisas são virtualmente certas, como as que mencionamos. Entre­
tanto, outras estão longe disso. Falamos probabilisticamente o tempo
todo, embora freqüentemente vivamos como se os acontecimentos da
vida fossem infalíveis. Os cientistas, entretanto, não apenas falam
probabilisticamente; eles vivem probabilisticamente em seu mundo de
pesquisas.
Uma das principais diferenças entre os vários ramos da ciência é o
grau de certeza dos acontecimentos e relações. Nas ciências naturais,
por exemplo, o grau de certeza é muito alto. Um físico pode expor uma
lei física e pôr alta confiança no comportamento de corpos físicos e em
acontecimentos. Aliás, muitas relações em física são chamadas “ leis” ,
em parte pelo alto grau de certeza a elas associado. Entretanto, sempre
há margem para erro, embora a literatura popular e o próprio homem
pareçam confiar plenamente nas leis físicas e no comportamento de
objetos e acontecimentos.
Os acontecimentos e relações das ciências comportamentais são
muito menos certos. Um químico diz que, se certa quantidade do produto
químico A for juntada a certa quantidade do produto químico B, haverá
uma explosão. A afirmativa e probabilística, embora sua probabilidade
de estar correta (na maioria dos casos) seja muito alta. Os psicólogos,
por outro lado, podem dizer que se as crianças forem frustradas elas
mostrarão agressão, mas a probabilidade da afirmativa estar correta não é
tão alta assim. Quando um cientista político diz: “ Quem é conservador
vota nos republicanos.” , a afirmativa é empiricamente válida porque as
pessoas com tendências conservadoras quase sempre votam nos republi­
canos. Mas a afirmativa tem probabilidades bastante baixas em casos
particulares. Em média, os cientistas políticos provavelmente estejam
corretos. Mas se tentarem predizer quantos votos terá determinado indi­
víduo, freqüentemente errarão.

74
A despeito das diferenças de graus de certeza, é importante com­
preender que todas as ciências são probabilísticas. O pensamento do
cientista em todos os campos é fundamentalmente o mesmo. Entretanto,
os cientistas discordam radicalmente nos níveis de probalidade que comu-
mente se associam aos fenômenos e relações com que trabalham. Se
quisermos compreender ciências como a psicologia e a sociologia, é
também importante termos capacidade de pensar e viver em paz com as
afirmativas probabilísticas. Precisamos entender perfeitamente que cada
asserção, cada afirmativa de relação vem acompanhada de uma “ etique­
ta” probabilística. Sempre que dizemos “ Se p, então q” , o que dizemos é
“ Se p, então provavelmente q” . O que acontece na vida se repete na
ciência: a certeza é um mito, para sempre fora do nosso alcance.
A estatística é uma filha da probabilidade. Em parte é um instru­
mento que mostra aos cientistas em que medida o resultado de suas
pesquisas é seguro, e, assim, quanto suas asserções são dignas de con­
fiança. O principal resultado de Clark e Walberg, a diferença média de
realização em leitura entre os grupos experimental e de controle, provou
que sua hipótese sobre o efeito do reforço maciço no aproveitamento
em leitura de crianças càrantes negras foi “ empiricamente válido” .
(“ Empiricamente válido” significa que a evidência da pesquisa apoia
uma asserção sobre uma relação.) A única maneira, pelo menos que
conhecemos hoje, pela qual poderiam avaliar a validade empírica da
afirmativa foi usar o raciocínio estatístico e probabilístico e métodos
estatísticos de avaliação. O que significa isto?
Quando obtemos o resultado de uma pesquisa, queremos saber se
podemos confiar nele. Se repetirmos o experimento várias vezes, obtere­
mos os mesmos resultados a cada repetição? Se a resposta for sim, os
resultados são confiáveis. A diferença entre a média de pontos de leitura
dos grupos de Clark e Walberg é confiável? Podemos acreditar que se
Clark e Walberg tivessem feito o mesmo experimento ou experimento
semelhante três, quatro ou mais vezes, eles teriam conseguido os mesmos
ou resultados semelhantes: as mesmas ou diferenças semelhantes entre a
média de pontos de leitura do grupo experimental e do grupo de controle?
Um teste estatístico de seus resultados pode responder a esta pergunta.
Embora a finalidade deste livro não permita entrar nos detalhes de tais
testes estatísticos, precisamos ter uma compreensão geral de como estatís­
tica e probabilidade “ funcionam” , como usam as idéias de acaso e casua­
lidade para ajudarem os cientistas a chegarem a conclusões sobre os
resultados de suas pesquisas.
Probabilidade e estatística são temas interessantes, intrigantes e até
fascinantes. Apesar das concepções errôneas associadas à sua natureza e
uso, ambas estão próximas da realidade porque se assemelham à natureza
e modelo de nossas vidas e penetram a essência de nosso pensamento e

75
comportamento. Tomemos como exemplo uma tomada de decisão.
Constantemente tomamos decisões sobre o que fazemos. Os resultados,
naturalmente, nunca são certos. Somos, então, calculadores quase esta­
tísticos e probabilíticos — embora muita gente pudesse se irritar com a
idéia de que suas vidas e decisões têm natureza estatística. Afinal, a
estatística trabalha com números e minha vida não se baseia em números!
Mas nossas vidas são baseadas em números, explícita ou implicitamente.
Sempre há probabilidades numéricas associadas aos resultados de nossos
atos e decisões, embora raramente saibamos quais são essas probabili­
dades.
Eis um paradoxo. A estatística e a probabilidade lidam essencial­
mente com incertezas; na pesquisa, entretanto, elas nos ajudam a ter
mais certeza dos resultados que obtemos! Isto não significa que podemos
ter certeza dos próprios resultados, dos resultados em si, mas que pode­
mos atribuir graus de certeza aos resultados com bastante precisão. Se fiz
uma experiência com um grupo experimental e um grupo de controle,
por exemplo, e obtive a diferença entre os dois grupos na direção pre­
vista, posso garantir que esta diferença seja suficientemente grande para
justificar minha confiança de que é uma “ diferença verdadeira” ? Poderei
dizer algo como: “ A probabilidade de que a diferença de média de
pontos dos dois grupos não é fortuita, não é devida ao acaso, é alta.
Há apenas uma possibilidade em cem de que a diferença seja devida ao
acaso” . Embora probabilística, é uma afirmativa forte.

Probabilidade

Probabilidade e acaso são dois poderosos conceitos inventados para


ajudar-nos a esclarecer a ordem e a confusão do mundo. São também
conceitos frustradores porque não sabemos ao certo do que estamos
falando quando os discutimos. Isto soa estranho. Parece verdade, entre­
tanto, que as idéias aparentemente mais simples transformam-se em
complexas e confusas depois de cuidadoso exame. Probabilidade e acaso
são dois bons exemplos. Ambas são difíceis de definir. Felizmente, em
nosso caso, não há muito problema. Sabe-se muito bem como funcionam
os procedimentos de casualização e probabilidade — e um pouco deste
saber servirá nosso objetivo.

Probabilidade: uma definição

Embora definida no capítulo 2, precisamos agora expandir e elucidar


aquela discussão. A probabilidade (p ) de um evento é o número de casos
“ favoráveis” do evento dividido pelo número total de casos (igualmente

76
possíveis). (“ Favorável” significa favorável a um acontecimento cuja
probabilidade estamos avaliando.) Isto é expresso pela equação:

número de casos favoráveis


p (evento) - ------------------------------------------
número total de casos possíveis

Esta é uma definição teórica ou a priori, como é chamada.1

Jogue uma moeda uma vez, A probabilidade de dar cara é 1/ 2, pois


há duas possibilidades: /C , c/. Agora jogue duas vezes. Qual é a proba­
bilidade de duas caras? Precisamos tomar cuidado. Há quatro possibili­
dades. Da primeira vez pode dar cara ou coroa. Da segunda, cara ou
coroa. O número total de possíveis resultados é 4 : [ (Ci, C2), (Ct, C2)
(ci, C2), (ci, C2) ], onde Ct = cara na primeira jogada, C2 = coroa na
segunda jogada e assim por diante. O denominador da fração de proba­
bilidade é 4. Já que há apenas uma possibilidade de duas caras, (Ct, C2),
a probabilidade de duas caras em duas jogadas é de 1/ 4.
Vamos mudar um pouco e ampliar 0 problema. Qual é a probabili­
dade de sairem três caras em três jogadas? As possibilidade são dadas na
árvore da figura 5 .1 . As possibilidades de duas jogadas no problema
acima são dadas nos primeiros dois estágios da árvore, a “ Primeira
Jogada” e a “ Segunda Jogada” . As probabilidades dos resultados estão
assinaladas também: são todas de 1/2. A terceira jogada simplesmente
acrescenta possibilidades. Para listar todos os resultados possíveis das três
jogadas, procure-os nas ramificações do gráfico:
[(Ct, C2, C3), (Ct, C2, c3), . . ., (ct, C2, C 3 ) ] . Há oito desses resultados,
e assim o denominador da fração de probabilidade é 8. Portanto, a proba­
bilidade de três caras em três jogadas é de 1/8, já que há apenas um
caso de três caras: (Ct, C2, C3).
As probabilidades de outros eventos — qualquer resultado definido
é chamado um evento — podem ser determinadas com facilidade. O
denominador é sempre 8. Qual é a probabilidade de duas caras e uma
coroa? A probabilidade é de 3/8, porque há três desses eventos no
gráfico. (Conte-os. Eles estio marcados na figura 5.1.) Pode-se também
calcular a probabilidade de qualquer evento multiplicando as probabili-

1 Outra conhecida definição é chamada a posteriori, ou definição de frequência.


Afirma que, numa série de tentativas, a probabilidade é a razão entre o número
de vezes que um acontecimento ocorre e o total do número de tentativas. Aqui
se fazem alguns testes, contando o número de vezes que determinado aconteci­
mento ocorre, calculando depois a razão. O resultado do cálculo é a probabili­
dade áo acontecimento. Usamos as duas definições, mas principalmente as de
tipo a priori.

77
dades ao longo de qualquer uma das ramificações do gráfico. Por
exemplo, a probabilidade de três caras é: 1/2. 1/2. 1/2 = 1/8. A proba­
bilidade de Ci, C2, C3, é 1/2 . 1/2 . 1/2 = 1/8. Neste exemplo, a proba­
bilidade é a mesma em cada ramificação porque a probabilidade de C ou
c é sempre 1/2. Em muitos problemas, entretanto, haverá probabilidades
diferentes e o cálculo não é tão simples assim. No próximo exemplo
que estudarmos as probabilidades não serão de 1/2.
O principal problema em cálculos de probabilidade é determinar o
número total de possibilidades, depois de cuidadosa conceituação do pro­
blema. Mas por que trabalhar com um problema tão trivial quanto este
jogo de nioeda? Nós o escolhemos porque o raciocínio e o método são
semelhantes na maioria dos problemas de probabilidade. Naturalmente
entram outras complexidades nos problemas reais. Por exemplo, con­
cluímos que no jogo da moeda as probabilidades de cara e coroa são
iguais. Nos problemas reais isto pode não acontecer. Além disso, há
invariavelmente muito mais possibilidades. Entretanto, as mesmas idéias
permeiam a maioria dos problemas de probabilidade.
Tomemos um exemplo mais realista. Suponhamos que temos uma
amostra de 100 eleitores, 60 democratas e 40 republicanos. Se pusermos

Terceira
jogada

Figura 5.1

78
os nomes dos eleitores (em pedaços de papel) numa uma, misturá-los
bem e tirarmos um, qual é a probabilidade de sair um republicano?
É de 40/100 = 0,40. (Costuma-se expressar probabilidades em forma
decimal.) Isto é óbvio e não é preciso nenhuma elaboração. Mas suponha­
mos que vamos precisar de 30 pessoas para uma pesquisa. Quantos
democratas e quantos republicanos vamos ter se tirarmos 30 pedaços
de papel da urna? Devemos ter 60/100 x 30 = 18 democratas e
40/100 x 30 = 12 republicanos. Teremos exatamente estes números?
Provavelmente não. Mas teremos números aproximados deles se mistu­
rarmos bem os pedaços de papel depois de cada vez que tirarmos.
Deve ser algo assim: (18, 12), (19, 11), (20, 10), (17, 13), (16, 14), e por
aí vai. Estas são as possibilidades mais prováveis. Se tirássemos 10 demo­
cratas e 20 republicanos, ou 1 democrata e 29 republicanos, ficaríamos
muito surpresos. A primeira combinação é improvável, a segunda alta­
mente improvável.

Acaso

Precisamos fazer um desvio na discussão para apresentar uma idéia


básica subjacente à moderna estatística e ao pensamento estatístico: o
acaso. Infelizmente não parece possível definir acaso sem ambigüidade.
Uma definição de dicionário — aleatório, acidental, sem rumo ou direção
— não nos ajuda muito. Sem dúvida os cientistas são muito sistemáticos
em relação à casualidade: escolhem cuidadosamente amostras ao acaso
e planejam procedimentos casuais em experimentos.
Suponhamos que um ser onisciente possua um enorme livro enci­
clopédico. Cada acontecimento e cada detalhe de cada acontecimento —
do passado, de amanhã, depois de amanhã e assim por diante — são
cuidadosamente anotados no livro. Não há nada desconhecido. Natural­
mente não há acaso, porque se alguém sabe tudo não pode haver casuali­
dade. É possível adotar a posição de que nada acontece ao acaso, de
que para cada acontecimento há uma causa. O único motivo de se usar
a palavra “ acaso" é que os seres humanos não sabem o suficiente. Sob
este aspecto, casualidade é ignorância, claro.
Pegando uma deixa deste argumento, podemos definir o acaso de
uma maneira um tanto desajeitada: eventos são casuais se não podemos
prever seus resultados. Por exemplo, não se conhece um jeito de ganhar
no jogo de moedas. Se não existe sistema para o jogo que garanta ganhar­
mos ou perdermos, então, o resultado do jogo é casual. Colocado mais
formalmente, casualidade significa que não há lei conhecida, capaz de ser
expressa na linguagem, que descreva eorretamente ou possa predizer os
eventos e seus resultados (Kemeny, 1959, pp. 68-75).

79
Um conjunto de 100 números, de 0 a 9, é dado na tabela 5.1 em
conjuntos de dez cada. Estes números foram tirados de um enorme con­
junto de tais números aleatórios. (Esqueça a última linha da tabela por
enquanto.) Estude os números. Você terá dificuldade de encontrar qual­
quer forma de regularidade ou sistema neles. Não há números pares ou
ímpares sucessivamente recorrentes; não há seqüências regulares de
números. Eles são, com efeito, imprevisíveis. (Se alguém levar suficiente­
mente longe a busca, sempre acabará encontrando alguma coisa).
Resumindo, quando os eventos são aleatórios, não podemos pre­
dizê-los individualmente. É estranho, entretanto, podermos predizê-los
com ótimos resultados no total. Isto é, podemos predizer os resultados
de grande número de eventos. Embora não possamos prever, ao jogar
uma moeda, se vai dar cara ou coroa, podemos, atirando-a mil vezes,
predizer com considerável exatidão o número total de caras e coroas.
Se tirarmos uma amostra de 100 crianças de uma população de 400,
200 meninos e 200 meninas, não podemos predizer se uma determinada
criança será menino ou menina, mas podemos predizer com bastante
exatidão o número total de meninos e meninas em nossa amostra — neste
caso, 50 meninos e 50 meninas — contanto que a amostragem seja
casual e a amostra numerosa.
Uma manifestação importante da segurança de previsão estatística
do comportamento de grandes conjuntos de números é dada na parte
inferior da tabela 5 .1 . São médias aritméticas. Cada média é calculada
para 10 números aleatórios. Sempre podemos predizer com considerável
exatidão que os valores dessas proporções estarão próximos do “ valor
teórico’’ da média dos números de 0 a 9. Esta média teórica é

Tabela 5.1 C onjun to d e 100 núm eros aleatórios, de 0 a 9, e m é d ias calcu lad as
de su bcon ju n tos do s núm eros.

1 2 3 4 5 6 7 8 9 10

9 0 8 0 4 6 0 7 7 8
7 2 7 4 9 4 7 8 7 7
6 2 8 1 9 3 6 0 3 9
7 9 9 1 6 4 9 4 7 7
3 3 1 1 4 1 0 3 9 4
8 9 2 1 3 9 6 7 7 3
4 8 3 0 9 2 7 2 3 2
1 4 3 0 0 2 6 9 7 5
3 1 8 8 4 5 2 1 0 3
2 t 4 8 9 2 9 3 0 1

M édia 5,0 3,9 5,3 2.4 5,7 3,8 5,2 4,4 5,0 4,9 M édia total = 4,56

80
0 + 1 + . . . 9)/10 = 4,5. Observe que seis das 10 médias estão
acima de 4,5 e quatro abaixo de 4,5.
Só uma, a quarta, 2,4, afasta-se muito de 4,5. Quanto mais números
se usar para calcular as médias, mais próximas elas provavelmente
ficarão da média teórica. Se, por exemplo, calcularmos a média de todos
os 100 números na tabela 5.1, teremos 4,56, muito perto de 4,5. Tal
comportamento regularmente previsível de grandes conjuntos de números
é muito útil em pesquisa. Dá ao cientista um quadro de referência para
avaliar resultados no sentido de que ele possa conferir os resultados
obtidos confrontando-os com os resultados “ teoricamente” esperados ou
baseados no acaso.

Probabilidade, acaso e pesquisa comportamental

Pode parecer um salto muito grande entre atirar moedas e números


casuais para o uso da teoria da probabilidade em pesquisa real. E é de
um ponto de vista: os “ eventos” na pesquisa real são muito mais com­
plexos. Mas as idéias básicas são as mesmas, ou pelo menos bastante
semelhantes. Tentaremos mostrar isto com um exemplo hipotético inspi­
rado por um experimento psicológico bem conhecido.2 Vamos então
reforçar as idéias voltando ao conceito de acaso.
Suponhamos que eu faça um experimento com três grupos de jovens.
Quero saber, se puder, se a crescente dificuldade de entrar para um
grupo aumenta a atração e valor desse grupo. A hipótese é que a dificul­
dade de iniciação dentro de um grupo aumenta o valor do grupo aos
olhos de seus membros. Suponhamos que alguns suburbanos desejem
pertencer a um clube de campo. O pensamento por detrás do experi­
mento é que quanto mais difícil for entrar para o clube — taxa de jóia,
mensalidades altas, uma longa espera na fila de admissão para sócio
e ser considerado da cor de pele “ certa” , da religião “ certa” e do
conjunto “ certo” de pontos de vista sociais, por exemplo — , mais os
membros valorizarão o clube e o fato de serem seus sócios.
Para testar a hipótese fiz três grupos de indivíduos passarem por
três graus diferentes de dificuldades para pertencerem ao grupo. Vamos
supor que isto foi feito sob condições cuidadosamente controladas; os
membros de um grupo, Ai, submeteram-se a duro sofrimento para
entrarem no grupo, os de outro grupo, A2, um pouco menos, e os do
terceiro, A3, nenhum sofrimento. No fim do experimento fiz todos os
meus sujeitos experimentais responderem a um instrumento que media

2 A idéia para este experimento hipotético foi tirada de um experimento real de


Aronson e Mills (1969) no qual foi testada a hipótese acima. Acompanho o
esquema de Aronson e Mills de perto, mas fabrico os resultados para nosso
objetivo — probabilidades.

81
o desejo percebido de pertencer ao grupo. Suponhamos que as três médias
dos três grupos nesta medida fossem, Ai = 5,2; A2 = 4,7; A3 = 3,5.
(Os resultados refletem uma escala com 7 pontos, 1 significando muito
pouca exibição de desejo de entrar para 0 grupo e 7 significando enorme
desejo.)
Essas médias apoiam a hipótese. Será? Ai, o grupo mais sofrido,
teve a média mais alta; A2, que sofreu menos, chegou em segundo lugar;
e A3, que nada sofreu, recebeu a média mais baixa. Mas supondo que
alguém objete, dizendo que este resultado foi casual, que poderia ter
acontecido facilmente se os membros do grupo tivessem tirado os pontos
de um chapéu ou — aliás, a mesma coisa — tivessem respondido ao
instrumento simplesmente escrevendo quaisquer respostas às perguntas.
Como posso saber que estas três médias não são um dos muitos resul­
tados que poderiam facilmente ter sido obtidos por acaso? Como posso
“ testar” as três médias para avaliar seu suposto afastamento de tais
expectativas baseadas no acaso?
Para acalmar momentaneamente a curiosidade do leitor, mas talvez
não satisfatoriamente, pode ser usada uma técnica estatística conhecida
como análise de variância para testar com precisão os resultados e seu
afastamento da expectativa baseada no acaso. Suponhamos, entretanto,
que eu não saiba nada a respeito de análise de variância. Mesmo asssim
posso testar a hipótese? Sim, mas não tão bem. Vamos então inventar
um teste. Embora não seja grande coisa, é melhor que teste nenhum e
tem a virtude de demonstrar de maneira simples como funciona e é
aplicada a teoria das probabilidades.
A hipótese apresentada acima implica numa ordem de postos das
médias dos três grupos experimentais. Ela prediz, com efeito, que os
membros de Ai, o grupo que mais sofreu, acharão o grupo muitíssimo
desejável; que os membros de A2, o grupo que sofreu menos, achará
o grupo desejável mas não lhe dará tanto valor quanto Ai; e que os
membros de À3, o grupo que não sofreu, darão o menor valor. Assim é
prevista uma ordem de postos pela hipótese: os pontos de At serão em
média maiores que os de A2 e os de A2, maiores do que os de A3.
Se aceitarmos a média dos grupos como indicativa da avaliação do grupo
sobre ser membro do grupo e deixar At, A2 e A3 representarem as médias,
então- a hipótese pode ser escrita simbolicamente: Ai > A2 > A3,
onde > significa “ maior que” . Então essa ordem de postos é: 1 2 3.
Uma vez que as médias obtidas foram At = 5,2: A2 = 4,7 e A3 = 3,5;
a hipótese parece confirmada, como ficou indicado. Mas talvez este
resultado tenha acontecido por acaso.
Aplique a teoria das probabilidades. Quais são as possibilidades?
Queremos testar a hipótese com uma fração, cujo denominador terá um
número que expresse todas as possibilidades. Quantas possíveis ordens
de postos de três médias podem ocorrer? Anote-as:

82
1 2 3
1 3 2
2 1 3
2 3 1
3 1 2
3 2 1

Há seis possíveis ordens de postos. Então o denominador da fração de


probabilidade é 6. O 1 2 3 obtido é um destes. Qual é a probabilidade
de ter ocorrido por acaso? Qual é a probabilidade, vendo de outra forma,
de que esta particular ordem de postos, que reflete a ordem de postos
prevista pela hipótese, possa ocorrer simplesmente como uma das mãos
de um jogo de cartas onde as pessoas recebem cartas marcadas com
1, 2 e 3?
Afinal, não temos maneira de saber ao certo se a ordem de postos
das três médias realmente reflete a influência dos variados graus de seve­
ridade de iniciação por que passaram os três grupos. A única coisa que
podemos fazer, se a ordem de postos das médias resultar, como dissemos
que resultaria, é inferir que a hipótese está correta. E a maneira de fazer
isto é avaliar os resultados experimentais obtidos comparando-os com
os resultados que poderiam ter ocorrido por acaso — dando cartas de um
baralho bem embaralhado, por exemplo.
O resultado de nosso experimento hipotético, 1 2 3, concorda com
a hipótese. Este resultado pode ocorrer por acaso uma vez em seis, já
que é uma das seis ordens possíveis de postos. Portanto, a probabilidade
da ordem de postos das médias, 1 2 3, é 1/6 = 0,17. Uma interpretação
deste resultado é que se eu fiz este experimento 100 vezes e a manipu­
lação experimental não teve efeito — isto é, as condições de sofrimento,
ou severidade de iniciação não tiveram influência no desejo percebido
de fazer parte do grupo — a ordem de postos 1 2 3 teria ocorrido cerca
de 17 vezes. Nesta base, poderemos dizer que a manipulação experimental
teve algum efeito e que a hipótese ficou confirmada? Dificilmente. Afinal,
não se está muito garantido, quando as possibilidades são 1 em 6, ou 17
em 100, de obter tal resultado apenas pelo acaso. Entretanto, este é um
teste estatístico e me diz alguma coisa sobre os meus resultados.
Este teste não é muito bom, então. Se eu tivesse testado quatro
grupos e previsto a ordem de postos das médias como 1 2 3 4, e tivesse
sido isto que aconteceu no experimento, então eu teria confiança consi­
deravelmente maior na validade empírica da hipótese. Isso porque com
quatro médias haveria 24 ordens de postos possíveis das médias:
1 2 3 4; 1 2 4 3; 1 3 2 4; 1 3 4 2; e assim por diante até 4 3 2 1.

83
Assim, a probabilidade de obter 1 2 3 4 é de 1/24 = 0,04, que significa
que há cerca de 4 possibilidades em 100 de obter 1 2 3 4 apenas por
acaso — e é uma boa margem de segurança. Seu eu disser que minha
hipótese é 1 2 3 4, e é isto que obtenho, posso ficar bastante seguro de
que meu resultado não é casual e que as condições de sofrimento sem
dúvida influenciaram a percepção do desejo de ser membro do grupo.
(Sugere-se que o leitor verifique todas as possíveis ordens de postos para
perceber a validade deste raciocínio.)
Este teste ainda não é muito bom, contudo. Aqui ele foi usado com
um exemplo realístico para ilustrar a idéia de probabilidade. No entanto,
testes estatísticos mais poderosos são baseados em raciocínio semelhante.
A medida que avançarmos, tentaremos mostrar o raciocínio atrás de tais
testes, mesmo que não descrevamos como fazer os testes.

Uma concepção probabilística errônea e independência

Existe no senso comum uma idéia totalmente errônea e confusa das


probabilidades dos eventos. Comumente está contida na expressão “ a lei
das médias” , que diz mais ou menos o seguinte: se houver um grande
número de ocorrências de um evento, a probabilidade desse evento será
menor no experimento seguinte. Suponhamos que se jogue uma moeda
cinco vezes, dando cara em todas elas. A idéia de senso comunq da
“ lei das médias” levaria a acreditarmos que há maior possibilidade de
dar coroa da próxima vez — ou menor possibilidade de dar cara. Mas
não. A probabilidade de cara na próxima jogada é a mesma que nas
jogadas anteriores: 1/2. As probabilidade não mudam sejam quais forem
os resultados anteriores. Diz-se que cada evento é independente.
Que relação tem essa idéia errônea com a compreensão da pesquisa,
com a maneira de os pesquisadores trabalharem e com os resultados esta­
tísticos e sua interpretação? Para aplicar as idéias da teoria das proba­
bilidades aos dados de pesquisa, deve-se assumir, quase sempre, que as
observações e os dados resultantes da observação sejam independentes.
Independência significa que a ocorrência de um evento, A, de forma
alguma afeta a ocorrência de outro acontecimento, B. Isto quer dizer
que a probabilidade de B não é afetada por A. “ Evento” deve ser inter­
pretado de modo amplo. Pode significar qualquer tipo de ocorrência
definida: o lançamento de uma moeda, a ocorrência de caras, a escolha
de um caminho em um labirinto, por um rato, a resposta oral ou escrita
de uma criança a um item de um teste, a manipulação de uma variável
por um cientista.
Não é fácil demonstrar a independência, em parte porque a falta de
independência pode ser muito sutil. Tomemos o exemplo comum de um

84
pesquisador manipulando duas variáveis ao mesmo tempo para estudar
seu efeito separado e possivelmente conjunto sobre uma variável depen­
dente. Suponhamos que um educador tenha motivos para acreditar que
métodos diferentes de ensino da leitura funcionem diferentemente com
tipos diferentes de material de leitura. As duas variáveis devem ser
manipuladas ou manejadas de sorte que o manejo de uma não influencie
a outra por causa do manejo ou manipulação ou por causa da natureza
das variáveis. Suponhamos que o pesquisador usou dois métodos para o
ensino da leitura, Ai e A2, e dois tipos de material de leitura, B, e B2,
correspondentes a material difícil e material fácil. Suponhamos ainda que
0 método Ai leve muito mais tempo para aplicar que o método Aa, e
que 0 espaço de tempo gasto em ensinar reduza a dificuldade de qualquer
material de leitura. Haveria, então, uma falta de independência, porque
o método Ai traz em si, por assim dizer, um fator relacionado com a
dificuldade do material (variável B). Em outras palavras, o método Ai
tenderá a funcionar melhor com material de leitura mais difícil, não por
causa da natureza do método, mas simplesmente porque exige mais
tempo de ensino do que 0 método A2. Há, então, falta de independência
entre as variáveis A e B, já que um aspecto extrínseco da varíavel A,
espaço de tempo de ensino, está relacionado com a variável B, dificuldade
do material.
Outro exemplo de falta de independência encontra-se na mensura-
ção. Se, digamos, dermos um teste com dez itens a certo número de
crianças e depois somarmos os pontos de cada criança nos dez itens
para obter 0 total — um procedimento comum — estamos assumindo
que os dez itens são independentes e suas respostas também indepen­
dentes. Esta suposição é satisfeita razoavelmente em muitos testes e
medidas e o procedimento é útil e válido. Mas suponhamos que pedísse­
mos às crianças que numerassem os dez itens por ordem de importância
(ou qualquer outro critério). Os itens e suas respostas já não são mais
independentes, porque antes que o item 1 seja escolhido como o mais
importante, há 10 escolhas. Depois da primeira escolha, restam nove
itens a serem escolhidos. Depois de escolher os nove primeiros itens
resta apenas um — e não há escolha. As respostas a itens posteriores,
em outras palavras, serão afetadas pelas escolhas anteriores. Isto é falta
sistemática de independência. Tal falta de independência afeta a esta­
tística e sua interpretação. Isto não quer dizer que a ordem de postos e
métodos semelhantes não possa ser manuseada probabilística e estatisca-
mehte. Aliás, mostramos como um simples problema de ordem de postos
pode ser resolvido usando a teoria das probabilidades. Ela simplesmente
ilustra a falta de independência. Em suma, muitas técnicas estatísticas
supõem independência e seu uso e interpretação com fenômenos ou pro­
cedimentos não-independentes pode nos confundir.

85
Fizemos esta digressão sobre a independência para tentar esclarecer
a concepção probabilística errônea esboçada antes. Os resultados de
eventos casuais anteriores não afetam os resultados de eventos subseqüen-
tes — ou talvez devêssemos dizer que não devem afetar eventos
subseqüentes. Se a probabilidade de sair cara no primeiro lançamento de
moeda é de 1/2, será de 1/2 no décimo, no vigésimo, no qüinquagésimo,
sejam quais forem os resultados anteriores. Isto acontecerá a não ser
que se tenha feito alguma coisa para mudar a moeda ou o jogo, ou que
tenha havido alguma influência extrínseca atuando, como no experimento
sobre os métodos de ensino da leitura mencionado acima.

Acaso e pesquisa

Agora devemos estar em melhor posição para estudar o acaso e


sua relação com a pesquisa. Por que a idéia de acaso é tão importante
na pesquisa? Como é usada? Como ajuda os pesquisadores? Parte da
resposta já foi dada, mas precisamos continuar. Os resultados dos experi­
mentos, por exemplo, têm que ser avaliados. O pesquisador tem que
perguntar: “ Os resultados confirmam a hipótese?” Suponhamos que eu
obtenha médias, num experimento com dois grupos de sujeitos, de 52,40
e 42,25 e que estejam na direção prevista pela hipótese. Devo também
ter um meio de avaliar o “ tamanho” da diferença entre eles. Afinal, esta
pode ser uma das muitas diferenças que poderiam ter ocorrido por acaso.
Dificilmente alguém quer basear conclusões científicas em resultados
fortuitos ou ao acaso!
Imagine o que poderia acontecer sob condições puramente casuais.
Isto significa que não há nenhuma certeza; que não há influências siste­
máticas em ação, ou, se houver influências sistemáticas, elas estão tão
misturadas que uma anula a outra, por assim dizer. É tudo uma mixórdia.
Se não houvesse nenhuma influências sistemática agindo no experimento
de Clark e Walberg, então a média de pontos nas repetições (replicações)
do experimento teria flutuado de maneira imprevisível. Tais médias pode­
riam parecer-se com as da tabela 5.2, que mostra as médias dos grupos
experimental e de controle de cinco replicações hipotéticas do experi­
mento, junto com as médias reais obtidas por Clark e Walberg (última
linha da tabela). As médias das primeiras cinco linhas de dados da
tabela foram inventada para parecerem médias calculadas a partir de
números aleatórios cujas magnitudes eram iguais às das médias de Clark
e Walberg.
Nos experimentos 1, 2 e 5, as médias do grupo experimental são
mais altas que as do grupo de controle, mas nos experimentos 3 e 4,
são mais baixas. Além disso, as médias não diferem muito uma da

86
outra. A falta de resultados sistemáticos e a insignificância das diferen­
ças entre as médias estão mostradas na coluna denominada “ Diferença” .
Tais resultados são característicos de resultados obtidos em bases for­
tuitas ou casuais. Compare-os com as médias reais de Clark e Walberg
e a diferença entre elas ( + 4,76). A estatística, então, ajuda-nos a deter­
minar ou avaliar se os resultados obtidos “ realmente” diferem dos
“ resultados” que seriam obtidos sob condições de acaso.

Tabela 5.2 Médias de contos de leitura de cinco replicações hipotéticas do expe­


rimento de Clark e Walberg sob condições de acaso — e médias reais obtidas.

Grupo Grupo
Experimento experimental controle Diferença

1 27,42 26,50 + 0,92


2 28,10 26,95 + 2,15
3 26,18 27,05 -0 ,87
4 27,41 28,56 -1 ,15
5 28,64 27,90 + 0,74

Clark e Walberg 31,62 26,86 +4,76

Tabela 5.3 Vinte pares de médias aleatórias e as diferenças entre médias.

M, m2 Diferença Mx m2 Diferençaa

51,84 50,06 1,78 48,87 48,52 0,35


46,20 53,95 — 7,75 53,08 52,94 0,14
47,69 53,61 — 5,92 56,79 46,79 9,72
51,83 49,31 2,52 47,99 48,33 —0,34
53,21 49,16 4,05 49,37 47,29 2,08
48,87 50,22 — 1,35 49,02 55,51 —6,49
49,64 58,36 — 8,72 45,68 52,39 —6,71
51,37 49,57 1,80 47,04 49,95 —2,91
45,07 55,44 — 70,37 53,51 46,00 7,51
49,28 49,43 — 0,15 52,74 47,65 5,09

a As últimas três colunas são simplesmente uma continuação das três primeiras.

Um pequeno estudo de diferenças casuais

Vamos explorar um pouco mais o acaso, continuando com a idéia


de diferenças casuais entre grupos. Ainda estamos falando de uma base

87
casual para avaliar os resultados de dados obtidos na pesquisa. Um
conjunto de 20 pares de médias e as diferenças entre as médias é mos­
trado na tabela 5.3. Estas médias foram obtidas por um processo casual.
Um computador gerou 4.000 números aleatórios de 0 a 100. Depois
foram calculadas as médias de 40 conjuntos de 100 números cada um.
Essas médias foram emparelhadas, pondo-se a primeira média com a
vigésima primeira média, a segunda com a vigésima segunda, e assim
por diante.3 As diferenças, sob a coluna “ Diferença” , foram calculadas
subtraindo em cada par a segunda média da primeira média.
Concentremo-nos nas 20 diferenças. Elas vão de — 10,37 a 9,72.
Há 9 diferenças positivas e 11 negativas. Isto se aproxima da expectativa
de casualidade, pois com números aleatórios esperamos aproximadamente
igual número de diferenças para mais ou para menos. (Deixemos os
sinais de mais ou de menos por ora, para simplificar a discussão.)
Suponhamos que fizemos um experimento com dois grupos e
obtivemos médias de 52,40 e 42,25. A diferença entre estas médias é
52,40 — 42,25 = 10,15. Usando as diferenças entre as médias da
tabela 5 .3 com base casual, desejamos avaliar a chamada “ significância
estatística” da diferença 10,15. Um resultado “ estatisticamente signifi-
cante” é o que se afasta “ suficientemente” da expectativa de acaso ou de
uma base casual. Os 10,15 obtidos diferem tanto do acaso? É um resul­
tado estatisticamente significante?
Voltemos às diferenças da tabela 5.3. As duas maiores diferenças
são 10,37 e 9,72. Isto significa que 10 por cento (2/20 = 0,10) das 20
diferenças são maiores do que 9. Se quisermos aceitar cerca de 10 por
cento de risco de estarmos errados, podemos dizer que a diferença
obtida no experimento, 52,40 — 42,25 ou 10,15, excede à expectativa
de acaso. (Se tivéssemos levado em consideração os sinais das diferenças,
o risco teria sido menor. Por quê?)
Suponhamos, entretanto, que não estamos satisfeitos com 10 por
cento de risco. Queremos ter mais certeza de que nossa diferença experi­
mental de 10,15 seja um afastamento “ real” da expectativa casual.
Em outras palavras, queremos diminuir a probabilidade de fazer um
erro e aceitar o que realmente é uma diferença casual como uma “ verda­
deira” diferença. Assim dizemos que a probabilidade deve ser de 0,05,
ou 5 por cento, em vez de 0,10, ou 10 por cento. Cinco por cento de
20 é 1: 20 x 0.5 = 1. Neste caso tomamos apenas uma diferença, a
mais alta, 10,37. Conforme as diferenças dadas na tabela 5.3, há uma
probabilidade em 20, ou 5 por cento — a probabilidade é 0,05 — de

3 O conjunto completo de 4.000 números e as quarenta médias são dadas em


Kerlinger (1973, pp. 714-718).

88
obter uma média de 10,37 ou maior, por acaso. Obtivemos a diferença
de 10,15. Já que há só uma diferença tão grande na tabela, podemos
dizer que o resultado experimental obtido, a diferença entre a média
do grupo de controle e experimental, provavelmente não seja resultado
do acaso. Em outras palavras, há apenas uma possibilidade em 20, ou
uma probabilidade de 1/20 = 0,05, de que nossa diferença seja uma
diferença casual. Concluímos, então, que a média do grupo experimental
é estatisticamente maior que a do grupo de controle. Dizemos que a
diferença entre as médias é “ estatisticamente significante” .
O leitor deve saber que este procedimento — chamado procedi­
mento Monte Cario — não é o meio pelo qual os pesquisadores costumam
avaliar a significância estatística de seus resultados. A demonstração foi
feita apenas para mostrar a natureza do pensamento, para manufaturar,
por assim dizer, uma base casual com a qual avaliar um resultado
experimental particular. Mas a idéia por detrás dos métodos mais sofisti­
cados atualmente usados é muito parecida. Outra falha de nossa
demonstração foi usar apenas 20 pares de médias. Um procedimento
Monte Cario melhor teria usado 2.000 ou 20.000 médias e faria o
computador emparelhar as médias ao acaso. Entretanto, a essência da
idéia esteve presente: foi avaliado um resultado experimental confron­
tando-o com uma base causal.

Populações, amostras, estatísticas

Até agora a discussão focalizou apenas ou principalmente o uso da


probabilidade e da estatística para avaliar a confiabilidade dos resulta­
dos da pesquisa. A leitura inteligente e a compreensão da literatura da
pesquisa experimental, entretanto, exige aprendizado relacionado a apli­
cações diferentes das idéias estatísticas. Consideremos, portanto, a defi­
nição e explicação de certos conceitos importantes usados na maioria
da pesquisa comportamental contemporânea, começando com a própria
“ estatística” .
Estatística é a teoria e o método de analisar dados quantitativos
obtidos de amostras de observações com o fim de resumir os dados e
aceitar ou rejeitar relações hipotéticas entre variáveis. Esta definição
sugere dois propósitos da estatística: reduzir grande quantidades de dados
a forma manuseável e ajudar a fazer inferências seguras a partir de dados
quantitativos. O primeiro propósito vem ilustrado com o seguinte exem­
plo. Vamos calcular, digamos, uma média de 100 resultados. Com a
ajuda de uma medida de variabilidade apropriada — uma medida que
expresse a dispersão, ou a amplitude dos resultados — esta média
expressa a tendência central dos 100 resultados. Em outras palavras,
ela “ escreve” um aspecto dos resultados. O primeiro propósito, então, é

89
descrição. Temos pouco interesse nele neste livro. O segundo propósito
é comparativo e inferencial. A média pode ser comparada às médias de
outros grupos. Médias de grupos diferentes, então, podem ser compa­
radas com o fim de testar hipóteses e inferir se as hipóteses são ou não
confirmadas. Outras estatísticas além das médias podem ser igualmente
comparadas, naturalmente.
Uma estatística é uma medida calculada de uma amostra, como ficou
claro. Uma estatística é uma medida resumida: ela sumariza, ou expressa
em forma resumida, algum aspecto de uma amostra. A média expressa a
tendência central dos pontos, seu nível geral. Esta propriedade tem
grande utilidade, principalmente na pesquisa experimental, onde freqüen-
temente são comparadas as tendências centrais de grupos de resultados.
Lembre-se que foram comparadas as médias de grupos de reforçamento
maciço e regular no estudo de Clark e Walberg. O chamado desvio
padrão, outra estatística, expressa a variabilidade de um conjunto de
pontos; é uma expressão resumida de quanto é heterogêneo um conjunto
de pontos. Entre outras coisas, usando-a, pode-se avaliar a homogenei­
dade ou heterogeneidade de diferentes conjuntos de pontos.
Uma população é um conjunto de todos os objetos ou elementos sob
consideração. Todas as crianças de 8 anos de Genebra, Suíça, são uma
população. Todos os homens de um exército são uma população. Amostra
é uma porção de uma população, geralmente aceita como representativa
da população. Para estudar e testar uma hipótese de Piaget sobre um
aspecto do pensamento das diferenças de 8 anos, podemos tirar uma
amostra de 100 dessas crianças da população de crianças de oito anos
de Genebra. Uma medida calculada dos resultados de todos os membros
de uma população é chamado um valor de população. Se calcularmos
uma média de todos os resultados de teste de inteligência de todas as
crianças de oito anos de Genebra, a média é um valor de população. Se,
entretanto, calcularmos a média da amostra de 100 crianças tiradas
da população, a média é uma estatística. Há muitas estatística, das quais
estudaremos algumas.
As idéias de valores de população e estatísticas e de população e
amostra, parecem confundir as pessoas, parcialmente, imagino eu, porque
a diferença entre elas é às vezes arbitrária, uma questão de definição.
Isto acontece particularmente na pesquisa comportamental porque fre-
qíientemente as populações são inacessíveis — até o recenseamento dos
Estados Unidos não pode cobrir todos os norte-americanos — e porque
as amostras podem ser tratadas como populações para propósitos de
pesquisa. Um exemplo simples é sexo. Homens e mulheres são amostras
de todos os seres humanos. Digamos que a população seja o conjunto
de todos os seres humanos de San Francisco. Os homens e as mulheres
de San Francisco são amostras dessa população. Mas o pesquisador pode

90
ter um bom motivo — seu problema pode incluir só mulheres — para
estudar as características e comportamento somente das mulheres. As
mulheres de San Francisco, então, tornam-se a população. Agora,
suponhamos que o pesquisador use um instrumento psicológico destinado
a medir as atitudes em relação às mulheres com todas as mulheres que
vivem em San Francisco. Ele calcula a média e o desvio padrão dos
resultados da medida de atitude de todas essas mulheres. A média e o
desvio padrão são valores de população.
É muito pouco provável, entretanto, que até o pesquisador mais
cuidadoso possa ou queira estudar todas as mulheres de qualquer cidade.
É muito mais provável que ele queira estudar uma amostra de mulheres
escolhidas em uma população. Suponhamos, neste caso, que a amostra
consista de 700 mulheres de San Francisco. Se o pesquisador aplicar a
escala de atitudes às 700 mulheres e calcular a média e o desvio padrão,
estes serão estatísticos, porque foram calculados a partir de amostras.
O segundo propósito da estatística, ajudar a fazer inferências segu­
ras a partir de dados de observação, centraliza-se nas palavras “ inferên­
cia” e “ segura” . Uma inferência é uma proposição ou generalização deri­
vada pelo raciocínio, de outras proposições, ou da evidência. Na estatís­
tica,. as inferências podem ser tiradas de testes do que é chamado hipó­
teses estatísticas. Da diferença de médias entre o grupo experimental e o
de controle do estudo de Clark e Walberg, do uso apropriado de um
teste estatístico e do raciocínio, “ concluímos” que a média do grupo
experimental é maior que a média do grupo de controle. Isto é, temos
duas estatísticas, duas médias, calculadas dos resultados do grupo experi­
mental e do grupo de controle. Subtraímos uma média de outra, neste
caso a média do grupo de controle da média do grupo experimental. Se a
diferença for “ suficientemente grande” , o que quer dizer maior do que
alguns valores concebidos como expectativa baseada no acaso, concluímos
que o grupo experimental obteve pontos mais altos de leitura em média.
Tal uso inferencial da estatística é o núcleo da estatística na pesquisa
comportamental contemporânea. A palavra “ segura” , citada acima, refe­
re-se à estabilidade dos resultados obtidos e assim à estabilidade das
inferências feitas a partir dos resultados. Se obtivermos uma certa dife­
rença entre as médias dos dois grupos, diferença igual ou semelhante
aparecerá outras vezes se o experimento for várias vezes repetido? Se
tivermos um certo conjunto de freqüências em um cruzamento de
variáveis ou tabulação cruzada, como no exemplo de Miller e Swanson,
no capítulo 1, obteremos padrões semelhantes de freqüências — e iguais
afastamentos das expectativas baseadas no acaso — se o estudo for
repetido? A estatística nos ajuda a responder tais perguntas, dando-nos
assim meios poderosos de avaliarmos a estabilidade a validade empírica
de nossas inferências a partir de dados.

91
Concepção errônea da estatística

É comum encontrarmos concepções errôneas da estatística. Muita


gente acha o assunto desagradável. Ouve-se pessoas educadas dizerem:
“ Eu simplesmente não consigo entender a estatística” ; “ Posso lidar per­
feitamente com as palavras, mas quando se fala de e statística...”
Expressões como estas mostram uma alienação profunda em relação a
números e conceitos quantitativos. É verdade que muitas pessoas não
conseguem lidar facilmente com conceitos estatísticos e matemáticos.
Mas a maioria das pessoas instruídas pode e deve ser capaz de trabalhar
com idéias e operações estatísticas — uma vez que tenham motivação
e se esforcem para isso. Podem aprender a se interessar e até se apaixo­
nar pelo poder e beleza dos métodos analíticos usados nas ciências com-
portamentais. Certamente há de chegar o dia em que educadores e leigos
instruídos não mais poderão se dar ao luxo de ignorar ou fugir da
necessidade de entender as idéias básicas por detrás da probabilidade, da
estatística e dos modernos métodos de análise.
O estudo estatístico, sem a compreensão das idéias básicas, é uma
provação dispensável para o espírito — uma chatice e uma carga. Vinte
ou trinta anos atrás havia bons motivos para evitar-se o estudo da estatís­
tica. O ensino e os livros enfatizavam os cálculos, as derivações, ou
ambos. Hoje, entretanto, o quadro mudou. O ensino e os livros enfatizam
as idéias e o raciocínio por trás dos cálculos e do pensamento. Nem por
isso o assunto ficou mais fácil. Não vou tentar embrulhar o leitor dizendo
que estatística é fácil. Mas não é tão difícil quanto se pensa. Pode ser
muito bem aprendida e posta em uso prático. E, o que é mais importante,
se estudada de maneira correta, com ênfase constante em idéias básicas,
pode se tornar uma preocupação emocionante.
Infelizmente há uma concepção errônea ainda mais séria que, se
sustentada, pode ser ainda mais prejudicial. Bons professores podem
convencer as pessoas mais medrosas, levando-as a um ponto de compe­
tência funcional. Mas pouco ou nada podem fazer, entretanto, com
esta concepção errônea, que é difícil de descrever, talvez por ter diversas
facetas e algo parecido com um fervor religioso. Sua essência parece ser
que a estatística tem pouca ou nenhuma relação e importância para a
“ realidade” . Diz-se que os pesquisadores fazem operações complexas e
confusas com números, derivados de formas misteriosas do que as pessoas
dizem, dando conclusões que são distorções da “ realidade” . Por exemplo,
um pesquisador aplica testes de inteligência e realização em crianças,
calcula as médias, compara-os com médias nacionais e descobre que as
médias são mais altas ou mais baixas do que deveriam ser. Mas, diz-se,
estas médias têm pouca relação com a realidade, com a complexidade
e individualidade de crianças reais. São abstrações sem significado, pelo

92
menos no que se refere a cada criança individualmente. Assim, todo o
procedimento é irrelevante à inteligência e realização de crianças verda­
deiras. Argumentos semelhantes aplicam-se a toda a amplitude das ope­
rações estatísticas.
É claro que este erro de concepção está baseado em idéias imper­
feitas dos propósitos e usos da estatística. Todas as estatísticas são abstra­
ções. Qualquer estatística em particular pode não corresponder aos resul­
tados de um indivíduo em particular. Mas nem deveria! Seus propósitos
são muito diferentes. Adeptos dessa concepção errônea parecem querer
que a estatística mostre a “ verdadeira realidade” , que faça alguma coisa
mágica, enfim. Como toda a criação do homem, ela pode fazer apenas o
que lhe foi destinado, e isto sempre se limitou a aspectos especiais de
uma “ realidade” . Uma média estatística é apenas uma média estatística,
mais nada. Não pretende ser “ igual” a qualquer indivíduo. Mas pode ter
um poder explanatório considerável, até grande, quando usada e interpre­
tada adequadamente.
O propósito da estatística, então, não é mostrar a chamada realidade
ou refletir as idiossincrasias dos indivíduos. Antes, seu principal propósi­
to é ajudar os pesquisadores a chegarem ao significado de conjuntos de
dados. Assim, é de ajuda indispensável na interpretação de dados. Pode-se
dizer que a estatística disciplina os dados, agindo sobre eles de sorte a se
tirar inferências seguras de observações empíricas. Sem dúvida seria
difícil conceber a pesquisa comportamental moderna sem ela. Natural­
mente, há perigos em seu uso. Pode-se ter dados inadequados e se acomo­
dar numa espúria sensação de suficiência, mergulhando em cálculos e
operações estatísticos. Pode-se generalizar além dos dados e usar a
estatística para acreditar e fazer os outros acreditarem que tal generali­
zação é conveniente e correta quando, de fato, é inconveniente e errada.
A despeito dos perigos e dificuldades, a estatística, a teoria das probabili­
dades por trás dela e a idéia fundamental e fecunda de acaso são ferra­
mentas úteis e poderosas, cujo grande valor é nossa tarefa apreciar.

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