Niterói
2012
1
Sumário
Resumo 2
Referências Bibliográficas 99
2
Resumo
1
“Produção da Violência e Subjetividade Contemporânea: Construindo novos dispositivos clínicos
transdisciplinares”, pesquisa que desenvolvemos no departamento de psicologia da Uff entre 2000 e 2004,
e em parceria com o Grupo Tortura Nunca Mais-RJ.) Entre 2005 e 2009 desenvolvemos uma nova
pesquisa intitulada “Clínica e Violência: Construções e Problematizações para uma Clínica do
Contemporâneo”.
4
Constatamos também nessas pesquisas anteriores, que o modo pelo qual eram
veiculados os fatos violentos fazia com que estes fossem vividos de modo distanciado,
como que envoltos num véu. Esse modo de perceber a violência trazia consigo uma
incapacidade de reagir. Em parte porque assistimos aos fatos violentos sentados, na
intimidade dos nossos lares, através de uma tela de TV, em parte porque tendemos a
negar a experiência da violência quando ela se torna próxima demais. Percorremos com
algumas instituições de saúde, propondo às equipes de saúde a pergunta “Como você
percebe a violência no quotidiano de sua atuação profissional?” ao que recebemos como
resposta, com frequência, que ela não acontecia ali onde estávamos, mas numa outra
unidade próxima que nos sugeriam que visitássemos. Qual não foi a nossa surpresa, ao
deixarmos uma unidade onde os técnicos “não viam” a violência, constatar que o tráfico
mandara fechar a rua onde se localizava a unidade de saúde em razão da morte de um
conhecido traficante, o que dificultaria em muito nossa saída do local... Percebemos
então que a percepção da violência estava atravessada pela negação e pelo
distanciamento, e que isso era válido tanto para a equipe de saúde quanto para a
clientela. Com frequência os moradores do Rio de Janeiro escutam tiros nos bairros
onde moram, mas sempre buscam se convencer de que ali, no local exato onde moram,
não há perigo. Pois se acreditassem que a qualquer momento poderiam ser alvejados por
tiros na sala de jantar, não poderiam viver seu quotidiano. E se dedicam a fazer
complicados raciocínios, como os que faziam os moradores de um condomínio em
Laranjeiras, onde morei na década de 90, sobre o ângulo onde estão os prédios, que
tornava difícil que estes fossem atingidos por tiros disparados do morro do Serro Corá...
Atribuímos sempre ao vizinho (o bairro vizinho, o condomínio vizinho) o perigo maior.
imagens e relatos de fatos violentos. Chama à atenção esse caráter repetitivo e diário na
difusão desses fatos, e que são geradores afetos tristes de vários matizes: desânimo,
apatia, medo, indiferença. Geralmente não reagimos a esses fatos – apenas os assistimos
sentados, na intimidade de nossos lares. Pensamos que essa atitude passiva com a qual
assistimos a noticiários frequentemente escabrosos se constitui na experiência de uma
“incapacidade de reagir”. É certo que nossas reações a acontecimentos que se passam
num círculo mais próximo de pessoas diferem em intensidade daquelas que podemos ter
quando sabemos de notícias que ocorrem do outro lado do globo. Porém o paradoxal é
que hoje ficamos sabendo com muita rapidez e riqueza de detalhes de fatos que em
muito ultrapassam nosso círculo mais próximo de relações – sabemos mais sobre esses
acontecimentos distantes geograficamente do que sobre aqueles ocorridos com nossos
vizinhos.
adestramento corporal, talvez eles estejam numa condição mais favorável para
estabelecer laços horizontais com os que vivem situações próximas das suas.
libertação sexual das mulheres, hoje quase não tem bandeiras afirmativas, assim como
outros tantos “movimentos sociais” que pedem punição: da homofobia, de padres
pedófilos, de erros médicos, dos políticos corruptos, etc. Não estamos aqui invalidando
esses movimentos, pois eles são modos pelos quais grupos humanos buscam afirmar sua
potência e enquanto tal são válidos, mas observemos essa sua característica negativa e o
quanto estão atravessados por afetos tristes. Para muitos, fazer política reduz-se a pedir
a punição de deputados corruptos, correndo-se o risco de aumentar ainda mais a
descrença na política, colocando-se sob suspeição toda a classe política. Creio que a
matriz desse modo de fazer política está no dispositivo da criminalização. Através da
difusão do medo à criminalidade e de sua exaustiva visibilidade nos meios de
comunicação, da conclamação à punição exemplar dos culpados e do júbilo popular que
acompanha algumas condenações, torna-se evidente sua força, que se estende até
mesmo ao próprio modo de fazer política.
Após as duas pesquisas a que já nos referimos, prosseguimos com nossa análise,
dessa vez lançando mão da filosofia de Spinoza para compreender melhor o fenômeno
do medo e da potência do coletivo3. Algumas perguntas nos inquietavam: seria o
dispositivo da criminalização poderoso o suficiente para comprometer definitivamente
ou a longo prazo a capacidade coletiva de transformar o sistema social em que vivemos?
Qual o alcance desse dispositivo? Quais os caminhos e possiblidades de sua superação?
2
Refletindo sobre o Fórum Social Mundial de Porto Alegre, Eduardo Passos cunhou a expressão
« Tô Forum », para se referir às possibilidades sempre presentes de construir linhas de fuga frente a
dominação pelos dispositivos de controle.
3
Em 2010 e 2011 desenvolvemos a pesquisa de pós doutorado “A filosofia de Spinoza na
construção abordagens transdisciplinares no campo da violência e da criminalidade
contemporâneas” da qual este trabalho pode ser considerado como um produto.
10
pensamento social que tem na guerra o pano de fundo da vida social. Diferentemente da
concepção clássica de Hobbes e que ainda se faz presente nos debates atuais, não é o
contrato, o respeito à lei considerada abstratamente, que fundamenta a sociedade.
(Bove, 2010) A atividade política enquanto virtude humana é produtora de acordos e
contratos provisórios que demandam atividade e potência, e não temor e obediência.
Não seria, portanto, a ameaça de punição que levaria à inibição de comportamentos
antissociais, mas o exercício democrático pleno, que incluísse todas as forças vivas da
sociedade em sua capacidade de resistência e afirmação. O temor à punição pura e
simples não é capaz de inibir o crime. Apenas a expansão da potência humana pode
concorrer para inibição do ódio, que é fruto, em última análise, das limitações e
coerções impostas a essa potência.
O plano da vida se expressa tanto por meio de ações quanto por meio de ideias.
Ele é engendrador de problemas, de pensamentos, de estratégias construídas no sentido
da “perseverança no ser” ou no sentido da potência. A noção de estratégia clínica
retorna4, dessa vez voltada para construções que possamos fazer no campo da chamada
violência, ou nas instituições que compõem o dispositivo da criminalização. Na
construção dessas estratégias Clínico-Políticas, além de levarmos em conta os processos
em curso, buscamos estabelecer uma sintonia com o plano do coletivo ou do comum.
Importa-nos avaliar o grau em que nossas estratégias podem potencializar a vida, mais
do que sua pertinência a filiações teóricas. A noção de estratégia diz respeito também à
transdisciplinaridade. Podemos buscar em Spinoza seu fundamento: em Deus estão
4
Num trabalho anterior, Clínica do Esquecimento, assim nos referimos à prática clínica, à
trandisciplinariedade e à construção de estratégias: Não pensamos a prática clínica como técnica
sustentada por um corpo teórico do qual esta seria "aplicação". Assim, não se trata de propor uma
nova teoria ou uma nova técnica terapêutica que viesse resolver os problemas das demais. Trata-se,
ao problematizar o campo clínico entendido como campo teórico/prático, de propor estratégias
teórico-clínicas particulares, singulares, que digam respeito aos problemas também singulares que a
clínica nos propõe. Rauter, Clínica do Esquecimento, p.11.
13
presentes todas as ideias e enquanto essas ideias expressam sua potência infinita. Não há
um só caminho para se chegar a esse plano: os caminhos são múltiplos e o que mais
importa é estabelecer com o plano de imanência uma relação de porosidade. A noção de
estratégia diz respeito, por um lado, à afirmação de um ponto de vista, de um
pensamento adequado e útil no que diz respeito a essa expansão da vida. Diz respeito
também à singularidade e a diferença desse pensamento em relação a outros
pensamentos nesse campo. Neste sentido, diz respeito a um combate. Porém esse
combate não tem como finalidade o estabelecimento de uma teoria verdadeira, mas ao
grau em que as diferentes teorias podem ou não potencializar a vida que há nos
indivíduos e nas coletividades humanas. Em todas as teorias está presente um grau de
potência do pensar. A questão seria verificar, numa conjuntura dada, o quanto um
pensamento ou uma teoria está sendo ou não capaz de engendrar uma vida potente: o
que Spinoza define como sua utilidade.
Os homens perseveram no seu ser quer com ideias adequadas, quer com ideias
inadequadas5. Mesmo com o medo à criminalidade hoje onipresente e partilhado
coletivamente, o povo brasileiro “persevera no seu ser”. O conhecimento, para Spinoza
não diz respeito a uma sabedoria presente apenas na mente do sábio ou do filósofo e sim
a uma “utilidade” que deve ser compreendida como a capacidade de se por em sintonia
com a dimensão do coletivo. O conhecimento útil é aquele ligado ao aumento de nossa
5
A mente, quer quando tem ideias claras e distintas, quer quando tem ideias confusas, esforça-se
por perseverar em seu ser por uma duração indefinida e está consciente do seu esforço. (E III, prop.
9).
14
potência. Agir, para Spinoza, é pensar bem e só se pensa bem sendo, o mais que se
possa, livre e autônomo.
6
Pensamos uma lógica prisional partindo do que Peter Pal Pelbart propôs como sendo uma
lógica manicomial ou um “manicômio mental”, que mesmo com a extinção dos
manicômios continuaria presente “extra muros”, no campo social. (Pelbart, 1993).
17
cem presos desarmados foram mortos a tiros pela polícia, em 1992, o que pode parecer
razão suficiente para saber o que mantem uma massa de homens presos. Porém Foucault
mostrou, através do conceito de poder disciplinar, que não é apenas pela força das armas
que os homens se assujeitam, mas também por dispositivos que os transformam em
indivíduos úteis e dóceis. Esses dispositivos operam no campo da produção de
subjetividades – eles passam pela produção de posturas corporais, pelo controle sobre a
agressividade e pelo controle das mentes.
como uma mancha sobre aqueles que lhe estão próximos, alastrando-se pelo campo
social. Se o apenado era alguém que não tinha emprego antes de cumprir a pena, depois
de cumpri-la terá muito mais dificuldades de conseguir trabalho lícito. Se cometeu um
delito leve, depois da prisão terá, muitas vezes, entrado de vez na carreira criminosa. No
entanto, no panorama político atual, nada sobressai tanto quanto a demanda crescente
por mais punições e condenações, configurando um “clamor pela solução penal de
questões sociais”. (Rauter, 2006)
Uma das vertentes dos discursos que apontam a prisão como solução é o de que
a certeza da punição pela pena de prisão teria o poder de inibir o crime. Os indivíduos
seriam dissuadidos de praticar atos criminosos caso soubessem que a punição viria com
certeza. Associada a essa ideia está a de que os indivíduos podem optar entre cometer
ou não um delito, decorrendo este de uma escolha. Ora, muitos atos criminosos resultam
não desse cálculo racional, mas justamente da suspensão do mesmo. A concepção de
que é possível escolher entre praticar e não praticar um delito mediante a uma avaliação
custo-benefício (se cometer um assalto, vou preso, então vou desistir de praticá-lo)
estende para a humanidade inteira aquela que parece ser a mente de um homem de
negócios, sempre buscando decidir lucidamente sobre o passo a seguir de modo a evitar
prejuízos. Embora possa existir quem faça tal cálculo antes de cometer um crime,
muitos atos criminosos expressam não a escolha pela transgressão, mas a suspensão da
capacidade de fazer escolhas racionais (Zaffaroni, Batista, Alagia e Slokar, 2003, pp.
117). O que ocorre muitas vezes nos crimes contra a vida é deixar-se tomar pelos afetos
de ódio, de inveja e vingança. Outro elemento a ser considerado é que alguns crimes
praticados por organizações criminosas e máfias têm na possibilidade de ser preso algo
que faz parte do negócio, existindo mesmo um esquema montado no interior dos
cárceres, que são apenas um ponto na engrenagem da organização. O poder inibidor ou
de dissuasão da pena de prisão nesses casos é mínimo. É frequente, no estado do Rio de
Janeiro, que quem cumpre pena em regime aberto receba instruções da facção a que
pertence para funcionar com uma espécie de pombo correio da organização, entre o
dentro e o fora do cárcere.
Façamos uma breve reflexão a cerca do mal a partir de Spinoza que poderá nos
ajudar a pensar sobre o problema do crime. Para Spinoza, os afetos humanos são iguais
em toda parte, quer se trate de policiais, criminosos, psicólogos ou empresários. Não
buscaremos tendências inatas ou constitucionais para explicar atos que resultem na
eliminação de outros seres humanos, para o egoísmo, o ódio ou a vingança. Buscamos
compreendê-los, como todos os outros atos humanos, como efeitos dos encontros que
fizemos ao logo da vida. Não existe no mal qualquer substância. A negatividade
presente no campo social que se expressa tanto na violência policial quanto nos atos
criminosos, em especial nos crimes contra a vida, corresponde não a uma tendência
inerente ao humano ou à sociedade humana, mas processos a ser compreendidos, a uma
genealogia dos modos de subjetivação, produzidos num campo social dado. (Rauter,
2003B).
generalização) é a ideia que o acompanha, a ideia de matar, de decompor com esse ato
as relações de um outro corpo que não pode suportar esse encontro sem que seja
aniquilado, suprimindo assim a possibilidade de novos encontros de corpos. A ideia de
matar, o ódio, são eles próprios afetos tristes, sempre secundários, sempre resultado de
constrangimentos e de tiranias que são internalizados, mas que não estão dados no plano
do ser, ou seja, não podem ser considerados como tendências inatas ou constitucionais,
independentes ou anteriores ao ambiente e às experiências adquiridas. A ideia de
destruir é que configura a maldade do mal feitor. E as ideias, para Spinoza, nascem da
experimentação ou das vivências que temos. A ideia de matar é uma ideia inadequada.
O ódio está sempre ligado ao constrangimento e à impotência, a ideia de destruir só
aparece como efeito das tiranias e envenenamentos que a produziram. Assim, se
quisermos compreender os crimes contra a vida a partir da filosofia de Spinoza, teremos
algumas importantes ferramentas teóricas: modos de subjetivação, o indivíduo
composto de múltiplas partes; o ato violento como fruto de limitações do conhecimento,
de ideias inadequadas, mas nunca fruto de uma essência.
Penso que há um problema colocado para a vida social quando muitos seguem o
caminho do crime. Porém a maneira de diminuir o número de crimes não é a de
anunciar todos os dias a prisão ou a perseguição aos ditos bandidos, ou já teríamos
conseguido baixar os índices da criminalidade entre nós, tal a “ferocidade” do
noticiário. O caminho da pena não é um bom caminho para garantir a paz. Adverte
Spinoza: “[está] mal constituída uma cidade em que todos os dias são divulgadas penas
exemplares contra os delinquentes” (Spinoza, Tratado Político, Cap. VIII, 41, p.114) .
Essa incapacidade de proporcionar a paz e a concórdia aos cidadãos ameaça
constantemente a sobrevivência do próprio estado.
Para o criminólogo inglês Jock Young (2002) a difusão do medo, do terror e das
soluções penais e policiais frente ao crime são mais sintoma que solução. Ou como
poderíamos dizer a partir de Spinoza: são ideias ligadas a afetos tristes,
despotencializadoras, o que Spinoza define como “ideias inadequadas”. Uma espécie
de armadilha na qual estamos todos capturados.
“olho por olho, dente por dente”. Como os indivíduos são complexos, sejam eles
criminosos ou não, ou como “os afetos humanos são os mesmos em toda parte”
(Tratado Político, Capítulo 5, artigo 2) – seja numa favela pacificada, num condomínio
de luxo ou numa universidade, o que importa é compreender as causas dos
comportamentos destrutivos e agir sobre elas. Não discordamos de que a sociedade deve
decidir o que fazer com quem rouba e mata, evitando um mal maior caso cada um se
ache no direito de resolver pessoalmente o que fazer quando lhe ocorrem essas
situações. Porém a possibilidade de pensar positivamente o direito de julgar e condenar
se encontra dificultada ou até impossibilitada em sociedades desiguais, hierarquizadas e
arbitrárias como a nossa, onde se pune muito mais pela cor e pela quantidade de
dinheiro que se tem do que pela gravidade do ato praticado. A ilegitimidade do sistema
penal, em especial na América Latina, como apontou Zaffaroni (1991), se deve ao seu
funcionamento seletivo e discriminador, configurando-se num verdadeiro instrumento
de genocídio dos pobres. Porém essa ilegitimidade flagrante dos sistemas penais tem se
alastrado.
Mesmo nos países há até bem pouco tempo considerados do primeiro mundo, as
polícias estão cada vez mais voltadas para os pequenos roubos, e para os chamados
crimes de bagatela, aqueles que permitem encarcerar os pobres urbanos. E sem dúvida,
para os crimes ligados ao tráfico e ao uso de drogas, dependendo largamente também,
da “personalidade do agente” e de sua “periculosidade” a severidade com que estes
crimes serão punidos. Na definição de periculosidade desempenha na prática um papel
importante a cor e a origem social do suspeito de crime, porém esse critério de avaliação
pode permanecer oculto. O código penal brasileiro de 1940 deu aos juízes a
possibilidade técnica de julgar personalidades, mais do que atos criminosos e tal
possibilidade permanece e se amplia, também através da solicitação de laudos e
pareceres técnicos que instrumentarão as decisões de juízes e outras autoridades
judiciárias (Rauter, 2003).
Retornemos ao exame das razões que nos impedem de considerar a prisão como
solução para o crime ou para qualquer problema social: se o crime não pode ser
considerado expressão de uma tendência para o negativo, se queremos combate-lo ou
diminuir sua incidência, devemos considerar a ineficácia de apenas dar limites ou de
encarcerar7. Devemos levar em conta, além disso, que dadas as condições de operação
das atuais engrenagens jurídico-policiais, elas só conseguem que caiam em sua malha
atos “toscamente praticados, pelos agentes mais vulneráveis” (Zaffaroni et al, 2003, p.
119). Contrastando com essa realidade inquestionável de que os grandes crimes
financeiros, ecológicos e mesmo os homicídios de massa ficam de fora do alcance desse
sistema, como também mostrou Hannah Arendt8 quando discutiu o julgamento de
Eichmann, cabe perguntar o que se pretende quando se conta com o sistema penal para
pretensamente garantir a paz social. Numa cena que talvez seja mais tipicamente
americana do norte, muitos familiares de vítimas de homicídio hoje se declaram, diante
das câmeras de TV, justiçados ou vingados pela condenação de seu autor. Essas pessoas
procuram expressar algum contentamento diante da condenação do criminoso após um
longo processo criminal que geralmente se arrasta anos a fio, mas acabam expressando
muito mais um cansaço em relação a tudo pelo que tiveram que passar. Uma outra
7
Abordei essa questão num artigo anterior: Para Além dos Limites, 2005.
8
Hannah Arendt mostrou que Eichmann, o grande executivo do extermínio, responsável pela
deportação em massa de judeus dos países da Europa para os campos, não poderia a rigor ser
acusado de nenhum crime. Havia um problema espinhoso para a ordem jurídica ocidental... [o de]
“lidar com culpas históricas e políticas com processos criminais”. (Arendt, 2000, p. 33)
24
9
Algumas dessas prisões são desativadas por pressão de setores da sociedade, porém acreditamos
que o problema da superlotação persiste em todo o Brasil.
26
Nos lager havia trabalho estafante e mortal, enquanto nas nossas prisões há
ociosidade entediante, que é também mortal para a subjetividade, como mostrou
Goffman (2011) ao analisar os processos de mortificação do eu enquanto efeitos das
instituições totais sobre as subjetividades. “Lá era o maior veneno: no pátio o dia todo.
O único direito que você tem é ficar sentado o dia todo, quieto, no proceder. Todo
mundo, o maior silêncio. Uma hora tem que quebrar (Vicentin, 2005, p. 52)!”
Podemos dizer que nas prisões brasileiras não há extermínio sob a forma de
câmaras de gás, mas há mortes decorrentes da falta de tratamento para doenças e
ferimentos, alguns produzidos por espancamentos ou pela tortura, além daquelas
ocorridas em conflitos entre presos, por vezes com a conivência ou incentivo dos
carcereiros. Nada caracteriza tão bem a tragédia do nosso sistema penal quanto a
superlotação carcerária. O Brasil teve um ritmo de encarceramento “alucinante” na
última década (Salla e Alvarez, 2012):
Em 1993, eram 126.152 presos (taxa de 83,2 por 100 mil habitantes) e, em junho
de 2011, chegou-se a 513.802 presos (taxa de 269,3 por 100 mil habitantes). O impacto
desse crescimento sobre os sistemas prisionais dos estados foi considerável, uma vez que os
investimentos em construção e aparelhagem dos estabelecimentos prisionais nunca
seguiram esse ritmo, da mesma forma que a contratação de pessoal sempre esteve abaixo
das necessidades.
Algumas mortes nos presídios brasileiros podem até mesmo ocorrer por mera
desorganização desse sistema, não necessariamente pela intenção malévola de alguém,
mas apenas por “descuido”. Do mesmo modo, por esse tipo de “descuido”, muitos
presos são soltos após anos de cumprimento de pena sem qualquer aviso: a tão ansiada
liberdade chega e o pega desprevenido, “sem lenço e sem documento”, porém sem o
glamour da música de Caetano. E estes homens são literalmente “cuspidos” para fora do
sistema, e nessas condições, podem com facilidade ser recapturados por estarem sem
documentos, restando-lhes o retorno às práticas que os levaram à prisão. Operam aqui
as engrenagens descritas por Kafka, nas quais os grandes e os pequenos personagens se
igualam em importância: um juiz linha dura, diretor de presídio benevolente, um guarda
especialmente mau, um psicólogo bem intencionado. Nessa engrenagem sem centro não
importam os indivíduos, mas a engrenagem ela própria, com todos os seus pequenos
“dentes”, incluindo-se aqueles que do espaço extramuros pedem constantemente mais e
mais prisões. Enquanto isso, mais uma onda de “medo” é desencadeada pela divulgação
pela mídia dos últimos fatos violentos ocorridos, alternadamente, ora num, ora noutro
28
ponto da cidade. Esses que há pouco estavam tomados pelo medo tendem a alegrar-se
ao saber que “bandidos” são presos, desde os que manifestamente clamam pela pena de
morte até os que simplesmente se despreocupam e chancelam esses “descuidos” que
tornam os presos no Brasil um fardo que ninguém quer carregar, nem mesmo as
autoridades que têm essa responsabilidade. E poderíamos aqui trazer inúmeros relatos
em diferentes épocas, de maior ou menor gravidade, todos eles conduzindo à
constatação já prenunciada: a de que se trata de vidas não importantes, perfeitamente
matáveis e de um sistema que opera em duas faces: a produção do medo em larga
escala e a fabricação em série de presos, sem que se tenha onde ou como absorvê-
los, tal a velocidade dessa fabricação.
O local tem capacidade para 144 presos e tinha quase quatrocentos [...] A
temperatura, no verão, passa de 45 graus, segundo vários depoimentos. Não há
qualquer atividade laboral [...] Não há médico. Não há advogado. Não há
defensoria. [...] As visitas são feitas através de uma grade farpada. São fatos
comuns crianças se cortarem ao tentar pegar na mão dos detentos por entre as
grades. Sob as celas encontramos um rio de esgoto. Na água preta e fétida
encontravam-se insetos, larvas, roedores, garrafas de refrigerantes, restos de
marmitas, restos de comida, sujeiras de todos os tipos. [...] O cheiro era de causar
náuseas. Vencendo a repugnância do odor, aproximamo-nos dos presos. Novas
denúncias de comida podre e de violências. Encontramos um preso com um tiro no
olho e outro com marcas de bala na barriga. (Conselho Nacional de Política
Penitenciária apud Rossotti, 2011, p. 48.)
bom”! Esse pensamento é um obstáculo para que profissionais que atuam nos cárceres e
mesmo em programas sociais extramuros não busquem melhorar a qualidade do seu
trabalho. Eles pensam que o pouco que fazem, já é muito.
Outro relato nessa direção é o que nos traz Ferreira (2010) sobre sua experiência
de teatro de Augusto Boal na prisão de Charqueadas, no Rio Grande do Sul.
“Cena I: Uma jovem presa, depois de horas em ensaio, me pergunta como faz para
ir ao banheiro e eu lhe peço para esperar um pouco até que encontre a guarda para sua
escolta. Neste momento ela me olha e diz: - Claro! Está tão bom aqui que até me esqueci
que estou presa [...] Cena II: logo que os membros do grupo começaram a chegar, com
alegria e buscando os demais para saudá-los com abraços e beijos, o colega guarda voltou-
se para mim e perguntou: Do que se trata isso daqui? Nunca vi presos agindo assim tão
cordiais”... (Ferreira, 2010, p. 80)
assemelhados, que como bem definiu um preso-poeta W., são “a pena do psicólogo”
(Bandeira, 2003, Apud Nunes, 2010) .
Psicologia
O seu castigo é este:
Falar comigo quando chegar,
Sentar na cadeira e me entrevistar,
Saber da minha vida e como será.
O seu castigo é este:
Me fazer perguntas
E saber como estou,
Quais os meus problemas
A dor, o dilema,
O que me apavorou.
O seu castigo é este:
Formar ideias, mas sempre com as suas
Saber se eu minto,
Se a verdade é sua
E como será o meu amanhã.
O seu castigo é este:
Parar, pensar, dar seu parecer,
O que será que pensou,
O que será que vai ser.
Será que o juiz também pensa o mesmo?
Tudo o que afeta a mente afeta o corpo, e vice-versa e desse modo, muitos não
conseguem ultrapassar sua condição de “funcionários do cárcere”, ou de mera
reprodução das engrenagens carcerárias10. E porque os laudos são a pena do psicólogo?
Porque ele é colocado no lugar de responder algo sobre o futuro do preso, se voltará ou
não a delinquir, se está pronto para progredir para um regime mais brando, entre outras
atribuições, numa espécie de exercício de futurologia em tudo contrário à sua ética,
tanto profissional quanto pessoal.
10
Usamos a expressão funcionários do cárcere num artigo anterior, Diagnóstico Psicológico do
Criminoso, Tecnologia do Preconceito, publicado pela primeira vez em 1989. A categoria dos
psicólogos está hoje muito mais consciente desse seu lugar na engrenagem carcerária e noutras
engrenagens, como ilustram as várias lutas empreendidas pela categoria profissional pelo fim do
exame criminológico, e mais recentemente, contra o chamado “depoimento sem dano” na qual o
psicólogo deve funcionar como uma espécie de olheiro do juiz, a fornecer-lhes informações
colhidas junto a crianças envolvidas em conflitos entre pais sobre a guarda de filhos, abuso sexual,
entre outras querelas do campo da justiça de família.
32
nada conseguem transformar. Ainda assim, há vida nos cárceres, e algumas vezes ela
floresce, na ação dos que ali vivem e trabalham, em encontros teatrais, em oficinas de
leitura, em poesias e outras formas de expressão.
33
Não é exagero pensar que uma parte não desprezível da sociedade brasileira e
mesmo de autoridades não deseja transformar ou cuidar de seus jovens pobres e
difíceis11, mas bem ao contrário, vê no seu extermínio a solução, como sugerem as altas
taxas de morte de jovens por causas externas no Brasil, sendo a primeira delas o
homicídio e atingindo homens entre 20 e 29 anos. (Ramos et Al, 2003, p. 80.) Temos
também que trazer para nossa análise as mortes “após a liberdade” ou à saída da medida
de internação, relatadas em alguns estudos. (Vicentin, 2005, p. 104; Arantes, 2004)
Escutei também de terapeutas e educadores de adolescentes quando em visita à Escola
Porto Alegre12, em 2002, que uma das causas mais frequentes de interrupção dos
tratamentos é a morte do paciente.
11
Tenho sempre dificuldade de encontrar palavras para designar esses jovens que se tornam a
clientela das instituições socioeducativas. Utilizei aqui “jovens pobres e difíceis”, porque nem todo
jovem pobre merece esse tratamento.
12
Escola criada na gestão de Leonel Brizola no Rio Grande do Sul, voltada para jovens em situação
de rua.
35
Porém não se trata, como diz de Deligny em seu livro “Semente de Malandro”,
de um humanismo ingênuo:
“H. foi posto no mundo pela mãe, criado pela tia, depois por uma prima, colocado
numa fazenda de onde foi retirado por seus avós para depois chegar até você fresquinho,
saído da prisão. E você culpa a sociedade? Quando você conhecer H. estará cheio de
13
No estado do Paraná há algumas prisões privadas que fogem a esse quadro. Certamente há outras
prisões que poderíamos considerar como panopticas no país, mas não estamos aqui fazendo seu
elogio.
14
La graine de crapule c’est de même de la graine d’homme. A tradução é minha e o texto original
constará do rodapé (Deligny, 1998, p.7).
.
36
indulgência pela mãe, pela tia, pela prima, pelo fazendeiro, pelo avô e pelo diretor da
prisão(Deligny, 1998, p. 10).15”
Não obterás nada pelo constrangimento... Se você cortar a língua de quem mentiu
e a mão que roubou você será, em alguns dias, senhor de um pequeno povo de mudos e
manetas. Se hoje você dá um tapa, amanhã, uma vez que o tapa não fez efeito, terá que dar
um soco, depois de amanhã um golpe de cassetete e depois instalar uma câmara de
suplícios16. (Deligny, p. 13)
Numa perspectiva próxima, Lancetti (2011) narra uma experimentação que fez,
na linha do que denomina uma “pedagogia da surpresa”: ao transplantar jovens
moradores da Praça da Sé para ajudar na reforma de sua casa de praia, ele e sua equipe
descobrem que um dos mais temidos do grupo teve medo de escuro. Ao se sentir mais à
15
H. a été mis au monde para sa mère, élevé para sa tante, puis par une cousine, placé dans une
ferme, repris par ses grands-parents pour t’arriver frais sorti de prison. Et tu accuses la société ?
Quando connaîtras H, tu seras plein d’indulgence pour la mêre, la tante, la cousine, le fermier, le
grand-père et le directeur de la prison. Ce qui n’excuse pas la société.
16
Tu n’obtiendras rien de la contrainte... si tu coupes la langue qui a menti et la main qui a volé tu
seras, em quelques jours, maître d’um petit peuple de muets et de machots. 13 Si aujourdhui tu
donnes une gifle, demain, puisque la gifle aura été sans effet, il te faudra donner um coup de poing,
après-demain um coup de matraque, puis installer une chambre des suplices.
17
Ne leur apprends pas à scier si tu ne sais pas tenir une scie; ne leur apprends pas à chanter si
chanter t’ennuie; ne te charge pas de leur apprendre à vivre si tu n’aimes pas la vie.
37
vontade, fez um café para todos e ao contemplar a lua disse que precisava fazer um
projeto diferente para sua vida.
Deligny adverte sobre a profunda influência que tem a forma como o educador
age sobre os resultados de sua ação. Ao cultivar a semente de vagabundo, temos que
“brincar” da brincadeira certa. Todas as ressonâncias com o pensamento de Winnicott
acerca do brincar devem ser consideradas: “Se você brincar de policia, eles brincarão de
bandido; se brincar de Deus eles brincarão de diabo”. “Se você brincar de carcereiro
eles brincarão de prisioneiro. Se você for você mesmo, eles ficarão incomodados19”.
(Deligny, p. 16)
Não espere encontrar entre eles esses defeitos miraculosos que fazem a glória de
um museu psicológico [...] cuidadosamente etiquetados [...] eles vão proliferar, [...] tornar-
se monstruosos e sua pequena coleção de anormais surpreenderá os visitantes. Epileptoide,
deprimido, hipomaníaco [...] eis o olhar médico. Mas seu refrão deve ser: de que vamos
brincar?20 (Deligny, 1998, pp. 27 – 31). (o grifo é meu)
18
No Serviço de Psicologia Aplicada da Uff.
19
Si tu joues au policier, ils joueront aux bandits. Si tu joues au bon Dieu, ils joueront aux diables.
Si tu joues au geôlier, eils joueront aux prisonniers. Si tu es toi-même, ils seront bien embêtés.
20
Ne crois pas trouver en eux de ces défauts miraculeux qui feraient la gloire d’un musée
psychologique ...soigneusement étiquetés [... ] ils vont devenir monstrueux et ta petite collection
d’anormaux étonnera les visiteurs.[...] Épileptoide, déprimé, hypo-maniaque [...] voilà qui regarde le
médicin. Toi, ton refrain doit être: à quoi alons-nous jouer?
38
Combater violência com mais violência é algo fracassado por várias razões.
Apesar da disseminação do medo que produz, o máximo que se consegue é imobilizar o
corpo do prisioneiro a quem se deseja incutir medo, sem conseguir atingir sua alma21.
Não atingindo sua alma, e face à impossibilidade de governar apenas pelo medo, a
médio prazo teremos novas rebeliões, que nos farão sempre recomeçar do zero. Quando
se governa pela esperança, mais estabilidade se obtém – porém melhor seria um
governo que pudesse assegurar o funcionamento da potência, tanto de indivíduos quanto
de coletividades. Além disso, um governo da esperança não pode se basear somente em
mentiras, pois sedo ou tarde será desmascarado.
Spinoza não é nem pessimista nem otimista quanto à natureza humana ou quanto
ao devir da História, (que é sem finalidade). Ele nos convida a compreender e agir sobre as
causas, quer dizer, sobre as estruturas determinantes de nossos comportamentos. Somente
pela via da modificação da potência pode uma verdadeira obediência e uma paz durável
serem alcançadas. Enquanto a repressão e o medo simplificam corpos espíritos, deve-se
encontrar outros aportes, outras estratégias que, bem ao contrário, sigam diferentes meios,
que devem ser postos em prática [...] Uma política da complexificação de corpos e espíritos
e não de sua simplificação. Uma política na qual, efetivamente, a potência constituinte da
alegria se substitua aos processos destrutivos da tristeza e do medo. Por essas vias e
somente por essas vias (para as quais é necessário e difícil inventar os meios práticos e
institucionais), capazes de modificar os regimes de potência, pode uma verdadeira paz e
22
uma verdadeira obediência serem alcançadas . (Bove, 2012)
21
Para Spinoza, a alma é a ideia do corpo.
22
Spinoza n’est ni pessimiste ni optimiste quant à la nature humaine ou quant au devenir de l’Histoire
(qui est sans finalité...), il nous invite à comprendre (intelligere) et à agir par/sur les causes, c’est-à-dire
les structures déterminantes de nos comportements. Or si la répression (et la crainte) “simplifie” les corps
et les esprits, il faut donc trouver d’autres approches, d’autres stratégies qui, bien au contraire, suivant
différents moyens qu’il s’agit de mettre en œuvre, favorisent le développement des manières d’affecter et
40
Porém não teremos que esperar por nenhuma revolução futura para terminar com
as masmorras dos tempos atuais, porque nos importam os devires revolucionários e não
o futuro da revolução (Deleuze, 1988). Ou podemos considerar que sob as instituições
está a multidão (Bove, 2010). Nas práticas institucionais, se trata sempre de “involuir”
de modo a tocar, ainda que de modo frágil, esse plano da multidão, que é sempre de
onde emana o poder institucional.
d’être affectés des corps et des esprits. Une politique de la complexification des corps et des esprits en
quelque sorte et non pas de leur simplification. Une politique pour laquelle, effectivement, comme vous le
soulignez, la puissance constituante de la joie se substitue aux processus destructeurs de la tristesse et de
la crainte. C’est par ces voies et par ces voies seulement qui modifient les régimes de la puissance (dont il
faut – et c’est difficile – “inventer” les moyens pratiques et institutionnels ) qu’une paix véritable et une
vraie obéissance seront possibles...
23
Termo cunhado por Guattari para se referir tanto às sociedades ditas capitalistas e comunistas no
período anterior à queda do muro de Berlin.
41
aqueles que estão nas ruas e cujos erros e excessos custam muitas vidas, inclusive as
deles próprios. É muito comum que nas instituições que compõem o dispositivo da
criminalização, ideias humanistas e democráticas tenham apenas uma função de
fachada, não podendo operacionalizar-se nas ações cotidianas, o que ilustra o fato de
que ideias adequadas podem funcionar de forma inadequada, já que não têm nelas
mesmas, do ponto de vista formal, nada que as diferencie das ideias adequadas, tudo
dependendo do uso que delas é feito.
Esse divórcio entre palavras e atos é o que configura a situação frequente nas
democracias capitalísticas atuais, na qual se pode falar qualquer coisa, desde que não se
coloque nada em prática. Novamente, a questão é examinar o que pode dificultar ou até
mesmo impedir que a potência do pensamento funcione, sendo toda a potencialidade
nele presente coartada.
24
Gizlene Neder denomina de obediência cadavérica, uma concepção de cidade e de polícia
cuja matriz repousa em nossa tradição inquisitorial ibérica. NEDER, Gizlene. 2007.
25
O Movimento de Mães de jovens mortos pela polícia no Espírito Santo denominado “Posso me
Identificar?” diz respeito a esses fatos.
43
aumentando o respeito entre as partes [...] Pretendíamos uma nova PM, um novo policial,
uma nova concepção de ordem pública, na qual a construção da ordem seria mais
importante que a manutenção da ordem e onde a colaboração comunitária seria essencial.
(Cerqueira, p. 111)
Que dizer a propósito da repulsa que uma parte da sociedade carioca e brasileira
manifesta a que se busque tratar a questão do crime de forma democrática ou que se
realizem práticas democráticas no interior de instituições policiais ou em prisões? Penso
que é da democratização desses espaços, ou do estabelecimento de linhas que possam
tocar o plano da multidão que alguma transformação poderá se dar. Porém ações neste
sentido costumam ter como resposta reações extremadas, carregadas de intensos afetos.
Também durante as sucessivas administrações do Partido dos Trabalhadores em Porto
Alegre, desencadeou-se este tipo de “repulsa” a ações do governo dirigidas a meninos
de rua ou a mudanças nos cárceres, desencadeando ondas conservadoras muito
semelhantes àquelas verificadas no Rio26. Nessas ondas conservadoras, a mídia alardeia
as muitas razões que os cidadãos teriam para temer as ruas. O baderna e o caos, o
descaso das autoridades, a negligência frente ao crime, que mereceria ações mais
contundentes da parte dos governos, todas essas “palavras de ordem” martelam os
ouvidos de todos durante essas ondas midiáticas, tendo como resultado o disseminação
do medo e a justificação de ações repressivas e autoritárias.
É interessante assinalar que “repulsa”, o asco ou o nojo, são sentimentos
experimentados também com relação à sexualidade. Mas o tipo de repulsa que estamos
examinando, embora envolva fenômenos de ordem psicológica, não pode ser
compreendida individualizadamente, à luz das vicissitudes de uma infância ou de
experiências familiares. As massas desejaram o fascismo – a famosa frase de Reich
deve ser tomada no contexto de uma teoria do caráter que formule o desejo associado às
lutas políticas, ao coletivo. O fenômeno de que o desejo possa desejar sua própria
repressão só surge secundariamente, como efeito de um campo social organizado para
produzir uma economia libidinal mortífera que nem sempre se expressa como
sofrimento psíquico. Há economias libidinais estáveis e com um mínimo de conflito que
configuram modos de subjetivação sádicos, masoquistas, vingativos, etc.
26
Podemos mencionar as gestões de Nilo Batista, na secretaria de segurança do Rio de Janeiro
(entre 1990 e 1994), e de José Paulo Bisol na secretaria de segurança, no Rio Grande do Sul (1999-
2002), como períodos ricos em intervenções democráticas dirigidas a policiais e agentes
penitenciários.
45
28
O coronel Nazareth Cerqueira foi assassinado a tiros no Rio de Janeiro em 2009, em
circunstâncias não inteiramente esclarecidas.
46
Psicologia das superfícies: podemos nomear assim esse estudo dos afetos no
qual eles são compreendidos como variação a partir das afecções do corpo. Numa
psicologia das profundidades, nossos afetos se ligariam a memórias infantis ou
corresponderiam a tendências presentes na base do psiquismo, distanciados do plano
dos encontros de corpos, que é o plano da vida cotidiana. Buscamos neste trabalho
construir uma cartografia do medo à criminalidade, distanciando-nos das profundidades
psicológicas para compreender as causas desse medo e aproximando-nos das afeções
estabelecidas no presente, através das experimentações feitas pelo corpo coletivo dos
brasileiros, acompanhando os movimentos desse corpo num plano de afetação, de ações
e paixões.
32
Tratarei, assim, da natureza e da virtude dos afetos, bem como da potência da mente sobre eles,
por meio do mesmo método pelo qual trate, nas partes anteriores, de Deus e da mente. E considerei
as ações e os apetites humanos exatamente como se fossem uma questão de linhas, de superfícies ou
de corpos. Ética III, Prefácio.
33
... alegria só é má à medida que impede que o homem seja capaz de agir (E IV, prop. 59,
demonstração)
50
34
A partir da proposição 27, a relação de objeto vai, com efeito, ser integrada à um processo no qual a
necessidade autônoma é a da imitação dos afetos que, pela primeira vez no texto, se centra explicitamente
no estudo das lógicas afetivas nas maneiras de viver dos homens e por isso mesmo sobre o movimento
perpétuo dos afetos que fazem com que os homens tendam as aproximar (e a constituir um corpo
comum), mas que lhes conduz necessariamente também, segunda as mesmas leis, a entrar em perpétuos
conflitos. (À partir de la proposition 27, la relation d'objet va, en effet, être intégrée à un processus dont la
nécessité autonome est celle de l'imitation des affects ce qui, pour la première fois dans le texte, recentre
explicitement de fait l'étude des logiques affectives sur les manières de vivre des hommes, et par là même
sur le mouvement perpétuel des affects qui font que les hommes tendent à se rapprocher (et à constituer
un corps commun) mais qui les conduit nécessairement aussi, selon les mêmes lois, à entrer dans de
perpétuels conflits.) Bove, Ética III.
34
52
exemplo, a “não querer o que queremos” e a “querer o que não queremos”35 ao imitar
quem consideramos como semelhante com nossa imaginação. Este processo é o que
permite aos estados governar os afetos da multidão, mas que permite também à
multidão superar esse domínio. Saber como se dá essa superação seria responder à
célebre pergunta spinozista - porque os homens lutam por sua servidão como se fosse
sua liberdade? Verificamos que as lógicas de imitação levam à servidão, o que podemos
comprovar examinando as múltiplas técnicas de submissão postas em ação a partir das
“palavras de ordem”36 (Deleuze, 1995) que atravessam o coletivo, que podem ir no
sentido do consumo, do medo à criminalidade, do regozijo quando um criminoso é
castigado ou da inveja despertada pelo que os outros têm e que acreditamos não ter.
É necessário nesse ponto deixar a Ética e tomar o Tratado Político para vermos o
funcionamento no espaço coletivo dos mecanismos da vida passional “individual”
conduzindo a uma teoria geral das instituições sociais. Neste ponto seguiremos Lordon
(2010 A) para compreendermos as instituições a partir dessa lógica de imitação dos
afetos. De onde as instituições retiram esse poder especial de afetar em grande escala,
produzindo ordem por homogeneização dos afetos e de normalização dos
comportamentos? A resposta a essa questão está no conceito de potência da multidão.
Neste ponto Spinoza abandona toda transcendência e busca na multidão a explicação
acerca do modo como os homens se afetam coletivamente.
Vimos que, para Spinoza, os corpos sociais são como que agrupamentos de
indivíduos, assim como um indivíduo também é formado por uma multiplicidade de
indivíduos. Isso nos leva a concluir que na vida coletiva estão presentes os fenômenos
ditos individuais assim como nos fenômenos individuais está presente a dimensão
coletiva. Para Lordon (2010 B) o que ocorre com os homens é efeito dos outros homens,
35
E III, prop. 39: Escólio. E assim, cada um, de acordo com seu afeto, julga uma coisa como boa ou
má, útil ou inútil. De resto, o afeto que deixa o homem numa situação tal que ele não quer o que
quer e quer que não quer chama-se temor, o qual, portanto, não é senão o medo, à medida que deixa
o homem numaa situação tal que ele evita, em troca de um mal menor, um mal que julga estar por
vir.
36
As palavras de ordem não remetem, então, somente aos comandos, mas a todos os atos que estão
ligados aos enunciados por uma "obrigação social". Não existe enunciado que não apresente esse vínculo,
direta ou indiretamente. Uma pergunta, uma promessa, são palavras de ordem. A linguagem só pode ser
definida pelo conjunto das palavras de ordem, pressupostos implícitos ou atos de fala que percorrem uma
língua em um dado momento. (Deleuze e Guattari, 1995, p. 11)
53
A potência do soberano ou do estado, por sua vez, a força pela qual um soberano
reina ou um estado governa é a composição de suas potências, captada por ele e
retornada contra eles. De modo semelhante, Freud explica de onde provém a energia
despendida pelas resistências ou mecanismos de defesa do ego contra as exigências do
Id: ela provém da própria energia do Id voltada contra ela própria. Assim, a força do
estado ou a soberania do soberano provém da potência mesma daqueles sobre quem ela
se aplica. Assim, o poder politico é sempre um empréstimo. O poder de afetar de um
soberano não lhe pertence, ele é um depositário de uma potência que não é sua, um
ponto sobre o qual transita a potência da multidão. A noção de captura ganha neste
ponto maior clareza: podemos considera-la como uma confiscação que os políticos e
governantes fazem da potência coletiva.
suas instituições, ou são os líderes. Porém a autoridade política não tem outra base que
os afetos da multidão. Para Lordon, o conceito duplo de potência da multidão e afeto
comum libera o principio da autoridade social em geral, sendo esse o princípio de toda a
eficácia institucional. Esse princípio rege também a ordem monetária, contrariando
aqueles que pretendem que os ditos “ajustes econômicos” da era neoliberal estariam
fora da política. A potência da multidão é capturada e se expressa nas redes
institucionais, nas quais as instituições se apoiam mutuamente. Por essa razão, a
produção do medo e a disseminação de afetos que tomam uma direção contrária à do
estabelecimento de laços horizontais entre os indivíduos não é fruto de uma instituição
apenas, mas dessa rede complexa de instituições (como o dispositivo da
criminalização), incluindo-se aí os efeitos historicamente construídos de instituições que
já deixaram de existir. É assim que para compreendermos os processos de sujeição no
Brasil, não pode ser excluída a instituição da escravidão e as práticas hierarquizadas por
ela produzidas, ainda hoje disseminadas na vida social. Podemos considerar que
algumas figuras do contemporâneo brasileiro, entre as quais o modo violento como a
polícia aborda os que têm pele mais escura, como efeito de longa duração dessa
instituição.
Por outro lado, a ordem política institucional está também atravessada por uma
fragilidade constitutiva. Spinoza não para de ver a decomposição do horizonte da
ordem, se expressando em forças que operam tanto para o melhor quanto para o pior.
Certos movimentos da vida passional coletiva podem levar os homens tanto a buscar e
desejar a autoridade, ou a conjura-la. Mais importante é agir sobre as causas que levam
os homens a se submeter a tiranos – não adianta apenas eliminá-los fisicamente, pois
outros virão. De onde vêm as ameaças á autoridade? Sempre de dentro, responde
Spinoza. Uma cidade está sempre mais ameaçada por seus cidadãos que pelos inimigos,
pois permanece sempre em cada um o direito natural de julgar, sentir e discordar, numa
palavra, de resistir. Assim as ameaças à ordem institucional vêm da própria instituição,
como poder instituinte que não pode ser inteiramente neutralizado.
potência da multidão é o que faz com que o dispositivo grupal funcione37, desfazendo
capturas e contagiando no sentido contrário ao dos afetos tristes. Os grupos
institucionais, terapêuticos, de trabalho, de estudos, assembleias sindicais, reuniões
institucionais, todos eles se utilizam da potência da multidão para fazer e pensar coisas.
Quanto mais autônomo for este grupo, melhor pensará e agirá. Verificam nos grupos
processos de captura: linearização e não multiplicidade, homogeneização e não
heterogênese, hierarquização e não democracia. Assim, estarmos reunidos, mesmo que
em grande número, não significa necessariamente que acionamos a dimensão do
coletivo. Nas universidades, apesar de muitos jovens estarem reunidos, dispositivos de
linearização estão em ação e nem sempre eles conseguem romper com a submissão ou a
apatia. Conseguiremos vencer as hierarquizações produzidas pela instituição-escola,
cujo principal objetivo, como mostrou Foucault, é obter em primeiro lugar, disciplina e
sujeição? Para vencer esses mecanismos institucionais, os grupos na instituição devem
ser capazes de acionar o conatus grupal38 ou a capacidade do grupo de perseverar no seu
ser.
No acompanhamento de grupos terapêuticos, atravessamos marés da culpa,
competitividade, de busca de uma atenção individualizada e exclusiva, de inveja. Porém
os momentos mais ricos de um grupo ocorrem quando a grupalidade (Lancetti, 1993)
entendida como expressão da potência grupal, prevalece ou pode se expressar,
superando esses afetos tristes. Sempre chama à atenção dos terapeutas de grupo a
qualidade das intervenções feitas por seus participantes uns sobre os sobre outros, que
dispensam as intervenções dos terapeutas. Essa qualidade aponta justamente para o fato
de que fazer e saber estão sempre juntos e que parte da potência da multidão é sua
capacidade de produzir boas ideias. A inventividade de grupos de trabalho e estudos não
hierarquizados é facilmente constatável em diferentes contextos institucionais.
No caso da rede de instituições que compõem o dispositivo da criminalização,
automatismos, simplificações e estereotipias resultam em ações letais, produtoras de
estigmas e sofrimento. Ações com outro direcionamento buscarão a complexificação e a
democratização dessas instituições. Um certo triunfalismo de esquerda paralisou muitas
ações neste campo, quando se pensava em termos de tudo ou nada. Ou fazemos a
revolução e resolvemos tudo, ou estamos no capitalismo de pés e mãos amarradas frente
37
Regina Benevides criou o conceito de Grupo-Dispositivo. Um dos efeitos desse dispositivo é
desindividualizar e coletivizar, rompendo os processos de individualização e linearização e valendo-
se para isso da potência grupal.
38
Conatus é o mesmo que potência.
56
“[o] projeto de tornar o volume de emprego global [...] tão fluido, reversível e
facilmente ajustável quanto um portfólio de ativos financeiros[o que] tem por efeito
inevitável, do lado dos empregados, a entrada num mundo de incerteza extrema. Reduzidos
à espera passiva dos comandos de um desejo-mestre tornado tirânico, os assalariados são
lançados a um mundo de terror: estás de mal humor? Será que foi porque deixei que seu
filho morresse? Pergunta Calígula a Lepidus, o qual não tem outra alternativa que
responder : não ... bem ao contrário”. (Lordon, 2010, p. 69)39
Através de suas “leis da imitação” Gabriel Tarde descreve o modo como nossa
imaginação se constrói no contágio com os outros, ou seja, na vida social. Os
39
La liquéfaction de laforcede travail est bien le projet capitaliste à l’époque néolibérale, projet de
rendre le volume de l’emploi global aussi fluide, réversible et facilement ajustable que les éléments
d’um portefeuille d’actifs finaciers, avec invévitalemente pour effet, du coté des enrôleés, l’entrée
dans un mode d’incertitude extrême. [...] la réduction à l’attente passive des comandements d’un
désir maître devenu tyrannique plonge le salariat dans un monde de terreur :‘tu as l’air de mauvaise
humeur. Serait il parce que j’ai fait mourir ton fils ? demande Caligula à Lepidus [...] lequel ne se
trouve pas d’autre choix que de répondre : Mais non ... bien au contraire.
58
governantes sabem disso, pois se utilizam dela para nos dar ordens, que nos chegam
através da televisão, entre outros meios. Tarde (1901, p. 68) descreve o modo como a
generalização da leitura de jornais, o telégrafo, a melhoria do correio, criou outro tipo
de coletividade, mais homogênea, criando um “espírito público” inexistente
anteriormente. O surgimento do partido político estava, para ele, muito relacionado ao
advento do jornal, e à criação de uma comunidade informada e de certo modo
apaziguada.
40
E IV, prop 22, corolário O esforço por se conservar é o primeiro e único fundamento da virtude.
Com efeito, não se pode conceber nenhum outro princípio que seja primeiro relativamente a este e,
sem ele, não se pode conceber virtude alguma.
59
Se há uma vida nua, ela só pode ser consequência de um combate, que não é o
último nem o primeiro combate41. O poder político nunca pode atingir uma região fora
da política – como que um âmago do ser, quebrando qualquer outro núcleo duro da
subjetividade, como se pode depreender do que Agambem refere em “O que resta de
Auschwitz”(2008). Para Agambem o muçulmano, esse personagem terminal descrito
por Primo Levi que habita os campos de concentração, teria tocado essa dimensão da
“górgona”, como que um núcleo duro que estaria para além do humano e, portanto da
41
Para Lucchese (2010, p. 76) “a vida nua é um conceito radicalmente negativo, que entende
exprimir o grau extremo de humanidade reduzida a um objeto inerte. A filosofia de Spinoza e
Machiavel parece, ao contrário, negar a possibilidade [...] ontológica da vida nua. A filosofia da
resistência e da afirmação absoluta da vida que emerge das páginas desses autores interdita o
pensamento da nudez da vida, que não se dá jamais como um objeto puramente passivo da ação
violenta e do poder. “la vie nue [...] semble être uma figure plus théorique que réelle, un concept
radicalemente négatif, que entend exprimer le degré extreme de l’humanité réduite à un objet inerte.
La philosophie de Machieavel et de Spinoza semble, au contraire, nier la possibilite même [...]
ontologique de la vie nue. La philosophie de la résitance et de l’affirmation absolue de la vie, qui
émerge des pages de ces auteurs, interdit de penser la nudité de la vie, qui ne se donne jamais
comme objet purement passif de l’action violente et du pouvoir.
60
vida social humana ou da política. O muçulmano seria o limite entre vivo e não vivo,
homem e não homem.
O que parece interessante para os objetivos neste trabalho, é assinalar que uma
das vias mais importantes de ampliação de nossa potência e de superação do que pode
limitá-la – e, portanto do medo – é também a via do coletivo. Em algumas proposições
da Ética III e da Ética IV estão elementos para pensarmos que a via do coletivo é como
que nosso “remédio”, que age tanto na direção de ganharmos mais domínio sobre nossa
vida afetiva, quanto com relação a essa condição de limitação de nossa potência, cujo
alcance é definido sempre em relação às potências do que nos cerca. Estamos, assim,
sempre ameaçados de destruição por algo ou alguém que tenha uma potência mais forte
que a nossa, numa concepção que tem na guerra o pano de fundo da política e da vida
social. Porém há uma “saída”: a via do coletivo.
Após assinalar que tudo o que acontece no corpo é percebido pela mente,
Spinoza considerará que a possibilidade de ter experiências variadas, tanto com coisas e
pessoas quanto com pensamentos, amplia a nossa potência: servir-se das coisas e com
elas deleitar-se o quanto possível (não certamente à exaustão, pois isso não é deleitar-se)
é próprio do homem sábio42.
Assim, se de um lado poderia parecer que nossos afetos são nossa prisão, nos
condenando a variações de nossa potência que não podemos deixar de experimentar a
partir de nosso corpo, Spinoza fará claramente um elogio dessa experiência de variação,
de experimentações que podemos fazer com coisas e pessoas, considerando a solidão,
essa sim, como uma limitação. É assim que nossa vida afetiva se constitui em nossa
maior riqueza e nossa maior vulnerabilidade. Ligada a essa duplicidade da vida afetiva
está também nossa capacidade de imaginar. Por um lado, a imaginação corresponde ao
primeiro gênero do conhecimento e através dela acompanhamos, de modo limitado, os
42
E IV, prop. 44, Escólio 2.
62
efeitos dos encontros que fazemos, desconhecendo suas causas. Mas se a imaginação
pode nos enganar, também é por meio dela que perseveramos na existência, buscando
sempre imaginar o que nos potencializa, lutando desse modo contra a tristeza enquanto
variação para menos da potência. E, além disso, é também por meio da imaginação que
podemos nos contagiar com outros afetos para além dos que experimentamos num dado
momento.
O homem que se conduz pela razão é mais livre na sociedade civil, vivendo
de acordo com leis comuns, do que vivendo na solidão, onde obedece apenas a si
mesmo. O homem que age pela razão esforça-se por agir por bem, alegrar-se. (E
IV, prop. 73)
É útil ao homem aquilo que dispõe o seu corpo a poder ser afetado de muitas
maneiras ou que o torna capaz de afetar de muitas maneiras os corpos exteriores; é tanto
mais útil quanto mais torna o corpo humano capaz de ser afetado e de afetar os outros
corpos de muitas maneiras. E [...] nocivo aquilo que torna o corpo menos capaz disso (E
IV, prop. 38).
Quando dois indivíduos se juntam, eles compõem um indivíduo duas vezes mais
potente do que cada um deles considerado separadamente. Nesta medida, para Spinoza,
“nada é mais útil ao homem do que outro homem”. “Nada é mais vantajosos aos
homens para conservar o seu ser do que estarem em concordância, como se formassem
um só corpo, uma só mente, buscando juntos o que é de utilidade comum para todos”.
Essa possibilidade de formar com outros indivíduos um só corpo, uma só mente, é
reafirmada por Spinoza no Tratado Político. Ela nasce da capacidade que temos de nos
contagiar com os afetos dos nossos semelhantes. Essa é a essência de sua concepção de
multidão.
razão” esse conhecimento que conduz os homens a concordarem entre si, a buscar o que
lhes é útil, que é justamente viver na paz e na concórdia. (E IV, propor. 35, Corolário 1).
Porém dizer que esse conhecimento está ao alcance dos homens e não é exclusivo dos
sábios43 não significa dizer que ele não seja raro. E como é raro que os homens se
conduzam pela razão! “O homem é um Deus para o homem. Entretanto, é raro que os
homens vivam desse modo. Em vez disso, o que ocorre é que eles são, em sua maioria,
invejosos e mutuamente nocivos (E IV, prop. 35, Corolário 2, Escólio).”
É claro que podemos ser dominados por causas exteriores. Quando deixarmos de
estar “sob a jurisdição de nós mesmos” ou quando descuidamos da conservação do
nosso ser, sobrevém a impotência em suas várias figuras, como o vício, a apatia, o
43
O supremo bem dos que buscam a virtude é comum a todos e todos podem desfrutá-lo
igualmente. Escolio: pertence à essência da mente humana ter um conhecimento adequado da
essência eterna e infinita de Deus (E IV, prop. 36).
65
suicídio... Várias situações em que buscamos nossa própria destruição, mas que só o
fazemos por estarmos dominados por causas exteriores. Como vimos no capítulo
anterior nenhum desses fenômenos denominados como crime expressa uma tendência
para o negativo que estaria presente “na base”, mas corresponde a ação de contrários
que mesmo agindo no interior da subjetividade, correspondem a forças externas que
foram interiorizadas em razão de sua força relativamente à da essência singular daquele
indivíduo. Essa expressão “estar sob a jurisdição de si próprio”, aparece no Tratado
Político, mas pode perfeitamente ser aplicada quando consideramos um indivíduo
isoladamente, uma vez que Spinoza sempre transita indistintamente entre fenômenos
individuais e fenômenos de grupo ou sociais, como já nos referimos. Para Spinoza, a
sociedade é um indivíduo composto de muitos indivíduos, que pode deixar-se dominar
por contrários, como o ódio mútuo, entre outras figuras do negativo.
Agir, para Spinoza, é também pensar bem, ou seja, ter ideias adequadas A noção
de ideia adequada não se refere a uma adequação da ideia a seu objeto, como o termo
parece sugerir, mas uma relação entre a ideia e a potência que a atravessa. Quando
estamos dominados a partir do exterior, submetidos aos afetos, não agimos, mas
padecemos ou estamos sujeitos às paixões. Na vida individual e coletiva temos paixões
tristes, sendo o ódio uma delas. O espírito de vingança, a alegria pela desgraça do outro,
ou o sentimento de regozijo do tipo “antes ele do que eu” que podemos ter ao
contemplar imagens de uma morte violenta, todos esses afetos podem ser estimulados,
mas as consequências de uma coletividade assim construída é a infelicidade e a injustiça
e não a paz e a concórdia.
diminuir ou desaparecer tanto a partir de uma notícia falsa quanto de uma notícia
verdadeira. Tal proposição é rica para pensarmos a violência atual e para buscarmos
responder a questão com a qual iniciamos esse capítulo. Seria o medo contemporâneo
justificado porque grandes seriam os perigos a que estamos sujeitos nesse momento da
história? Seria justificável temer as ruas no Rio de Janeiro e de outras tantas cidades
brasileiras e por isso pedir mais e mais polícia?
Ora, é verdade que há sempre o perigo que de algo mais forte que nós possa nos
destruir. Tal condição de vulnerabilidade é própria à vida humana, tanto mais numa
cidade como a nossa, em não diremos que a paz e a concórdia reinem. Porém nossa
imaginação luta constantemente contra essa percepção, através da potência do conatus
ou perseverando no seu ser, lutando, inclusive, através da negação e da mentira. E aqui
chegamos a uma importante conclusão para os nossos propósitos: temer algo não diz
respeito a que o objeto temido seja ou não verdadeiro, mas à crença em sua ocorrência
futura. No caso da esperança, se dá o contrário: temos a esperança de que um mal não
nos venha a ocorrer. Nada disso precisa ser verdadeiro enquanto tal, mas depende
apenas da força dessa ideia frente a outras que tenhamos.
44
Atividade realizada pela equipe Clínico-Grupal Tortura Nunca Mais, com apoio da União
Europeia entre 2002 e 2006, que consistia na realização de oficinas Clínica e Direitos Humanos.
Tais oficinas eram espaços de reflexão teórico-prática sobre a prática de profissionais que atuavam
na área social, entre psicólogos, assistentes sociais, operadores do direito, etc. Muitas delas foram
organizadas por conselhos regionais de Psicologia de todo o Brasil.
67
está referido á mente, não pode ser refreado nem anulado senão pela ideia de uma
afecção do corpo contraria àquela da qual padecemos e mais forte do que ela.
E neste ponto retomemos uma questão importante para nossos propósitos: qual
força da mídia no dispositivo da criminalização? Ou melhor: qual a força dos afetos que
experimentamos ao recebermos nosso bombardeio diário de fatos violentos?
Uma característica do modo como a mídia veicula estes fatos é de que eles nos
são apresentados como fatos presentes, acontecendo “em tempo real”: são câmeras
escondidas filmando arrastões, repórteres acompanhando sequestros ou incursões em
favelas para a implantação de UPPs, que se fingem de usuários de drogas ou de
participantes de esquemas de corrupção, que usam capacetes de bombeiros e entram no
espaço de salvamentos de vítimas, ou que até morrem diante de nossos olhos atingidos
por uma bala “perdida”. Todos esses fatos compõem um presente ameaçador ou no
mínimo muito impactante. Desse modo, eles adquirem mais força afetiva do que se
fossem narrados como passados ou futuros, como expresso no corolário da proposição 9
da Ética IV: “Um afeto cuja causa imaginamos, neste momento, estar presente, é mais
intenso ou mais forte do que imaginássemos que ela não está presente”. E em seu
corolário: “a imagem de uma coisa futura ou passada é mais débil que a imagem de uma
coisa presente”.
Notícias de fatos violentos “em tempo real” têm uma força afetiva mais forte, no
entanto, é sempre possível desligar a TV. Nisso se apoiam os homens de mídia para
responder às críticas sobre o modo como são veiculados os fatos violentos ou mesmo a
propaganda, apoiando-se no livre arbítrio do telespectador e convictos que seu trabalho
diz respeito a assegurar a todos o “direito à informação”. É verdade que sempre será
necessário encontrar hábitos e modos de vida mais potentes e mais fortes para escapar
ao fascínio do desfile diário de objetos cobiçados e de fatos ameaçadores diante de
nossos olhos, colonizando nossa imaginação. O grande perigo de imaginar é a
possibilidade de acreditar em quimeras. Podemos nos divertir acreditando em cavalos
alados, mas se pretendermos voar neles, aí sim teremos um problema. (Martins, 2009).
68
Spinoza reserva a definição de ação para o que fazemos quando temos ideias
adequadas. Quando temos ideias inadequadas não agimos, apenas padecemos. Governar
é dar razões ao povo para ter medo e esperança, e isso não apenas no capitalismo atual.
Diversos fenômenos contemporâneos ilustram o fenômeno da “incapacidade de agir”
entre os quais o medo da criminalidade. Um dos serviços prestados pelo dispositivo da
criminalização é desvincular o medo e a revolta da figura dos governantes e mesmo do
estado. A despolitização do crime: eis a maior utilidade da invenção da figura do
delinquente pelas ciências humanas, a partir das engrenagens carcerárias, transformando
o crime na expressão de uma doença ou de uma anormalidade e afastando-o de qualquer
conotação política que possa ter enquanto oposição à lei.
O capitalismo não para de se oferecer como tema de discussão: porém essas
discussões deveriam torná-lo superável, o que ainda não vimos ocorrer. (Lordon, 2010
A, p. 9) Não resta dúvida de que este sistema econômico e político conseguiu sobreviver e
se fortalecer, ao ponto em que alguns acharam que a história tinha acabado, restando apenas
o presente liso e eterno do capitalismo neoliberal. A sobrevivência do capitalismo se deu,
apesar de que se processasse continuamente aquilo que Marx descreveu como sua
contradição principal, que levaria ao seu fim: o caráter cada vez mais social da produção,
em contraste com a apropriação privada dos lucros. Porém, foi no campo da produção de
subjetividades que o capitalismo construiu importantes aperfeiçoamentos que permitiram
sua continuidade. E apesar de que o desenvolvimento das forças produtivas se tornasse cada
vez mais social, como anunciou Marx, no nível das relações de produção, os modos de
distribuição de riquezas permaneceram hierarquizados e privados. E para garantir que este
sistema continuasse se reproduzindo apesar desse incrível incremento da vida coletiva,
novos dispositivos de controle social capazes de produzir sujeição e docilização foram
inventados. Foi o que Foucault (2008) mostrou, ao analisar a emergência do poder
disciplinar e sua reorganização aperfeiçoada que corresponde ao Biopoder.
“Porque não dizer apenas que o capitalismo substitui um código por outro, que ele
efetua um novo tipo de codificação? Por duas razões [...] uma impossibilidade moral e uma
impossibilidade lógica [...] seu cinismo essencial. Com o capitalismo o corpo pleno se torna
realmente nu [...] a axiomática não tem mais a necessidade de se inscrever em plena carne,
de marcar os corpos e os órgãos nem de fabricar uma memória para os homens. No
capitalismo a reprodução social vai se tornando independente da reprodução humana. O
socius como corpo pleno se tornou diretamente econômico enquanto capital-dinheiro, não
tolera nenhum outro pressuposto”. (Deleuze e Guattari, 1976, p. 257)
A axiomática não mais se inscreve em plena carne e dessa forma, não é capaz de
produzir memória, o que permite falar sempre de pelo menos dois lados dessa mesma
moeda. Podemos dizer que no contemporâneo, pelo enfraquecimento das codificações
produzidas pelas instituições disciplinares e pelos processos de desterritorialização
acelerados que estão em curso, a reprodução do capitalismo está sempre ameaçada. O
conceito de desterritorialização é para Deleuze e Guattari um outro nome para criação. Ele
diz respeito tanto a esse fenômeno da decodificação através do qual esse sistema social
destrói todos os territórios que não os do capital, quanto às possibilidades de reinvenção de
modos de existir e agir que a partir desse mesmo fenômeno se abrem.
que temos de superar ou não o medo. A não superação do medo, para Spinoza, diz
respeito a um fracasso da vida coletiva, da vida social. Quando os homens se
desencantam com a vida coletiva estão desorientados e muito mais expostos ao perigo.
Porém podem também permanecer juntos em função de um medo comum.
[...] um estado civil que não elimine as causas das revoltas, onde há
continuamente que recear a guerra e onde, as leis são [...] violadas, não difere
muito do próprio estado natural, onde cada um vive consoante o seu engenho, com
grande perigo de vida. (TP 2009, capítulo V, artigo 2, p.44)
O medo é uma das reações básicas do corpo, uma reação às ameaças externas e
enquanto tal, uma reação em favor da vida. Porém Freud já distinguira entre perigos
externos e perigos internos, sendo os segundos injustificados do ponto de vista objetivo.
É o caso das fobias, em que podemos temer algo que não nos oferece nenhum perigo
real. Quando tememos o crime, à primeira vista estamos temendo algo real, porém, ao
examinarmos mais detidamente, nos daremos conta de que estamos temendo um
acontecimento que prevemos que se dará, e enquanto tal, algo da ordem da imaginação.
A realidade, para Spinoza, está sempre envolta num véu que é a imaginação e
faz pouca diferença, quanto às nossas reações emocionais, se algo está efetivamente
acontecendo ou se apenas o imaginamos como presente. Por consequência, o medo não
pode ser referido somente um “perigo externo”, pois sabemos que os homens são
capazes de enfrentar incríveis perigos ultrapassando ou convivendo com o medo, até
gostando de ter medo, ou experimentando pouco ou nenhum medo. Assim, a
intensidade do medo depende das deias que temos na mente. A tristeza e a alegria são
efeitos dos encontros que fazemos, ou das afecções que temos. Tais efeitos se produzem
no corpo e na mente, podendo traduzir-se em ideias inadequadas ou despotencializadas.
O afeto de medo é por definição uma paixão, ou seja, é um dos afetos que temos quando
não podemos ser causa adequada de uma afecção. Afetos de medo podem prevalecer em
nossas ideias acerca do contemporâneo, impedindo que transformações possam ocorrer
71
a partir delas. Podemos pensar que pensadores, intelectuais, políticos, podem perder o
contanto com sua essência singular, com a produtividade mesma da natureza que existe
neles próprios e produzir ideias derrotistas, entristecidas. Algumas ideias que temos são
a expressão dessa perda de contato, que nos torna, em grande parte, impossibilitados de
agir e podendo apenas padecer. Não podemos vencer o medo se estivermos tomados por
ideias tristes, mas somente se outras ideias surgirem a partir de outros encontros.
Podemos concluir que o medo que experimentamos está relacionado ao estado de
nossos afetos e à potência que temos naquele momento, e apenas secundariamente,
ligado a quão perigosa se apresenta a realidade.
Não é o perigo real que nos leva a nos acomodarmos. Vimos que a noção de
perigo real se torna problemática, pois o medo parece estar sempre permeado pela
imaginação, pelas paixões, por estarmos dominados por causas exteriores. A reação de
medo a um perigo real não explica todas as manifestações do medo humano. Um dos
efeitos do dispositivo da criminalização é também fazer-nos crer que estamos
paralisados e cautelosos porque os perigos são muitos. Nossos medos seriam, assim,
justificados. Porém o medo é sempre relativo à nossa potência, pois sabemos que
“quando a gente está contente, barata pode ser um barato total45”.
45
Barato Total –Música de Gilberto Gil, gravada por Gal Costa.
Para Keleman (1992, p. 76) há um reflexo do susto que pode ser passageiro e
quando passa o perigo, o indivíduo volta ao estado anterior. O homem é o único animal
que expõe a parte macia da barriga ao andar na postura ereta, enquanto os demais
mamíferos a mantém oculta e protegida quando estão em posição de ataque ou de
defesa. Assim, a posição ereta humana, de exposição das partes vulneráveis do corpo, é
adotada e mantida à custa dos meios de defesa que a vida coletiva traz aos homens,
incluindo as armas que foi capaz de inventar.
Para Reich o medo é como que o outro lado do impulso sexual: é em princípio
uma reação saudável do corpo, mas pode se cristalizar. A angústia é como o outro lado
da energia sexual; é o medo neurótico por excelência, que aparece quando a libido está
obstaculizada, impedida. Estabelece-se uma via de mão dupla entre angústia e energia
sexual ou essa transitoriedade é interessante para pensarmos os dispositivos de captura
contemporâneos. Os dispositivos de captura não podem ter como efeito um grau zero de
potência, o que seria como imaginar que a expressão da energia sexual pudesse ser
inteiramente impedida. Neste caso, poderíamos imaginar uma sociedade onde o sexo
fosse inteiramente abolido, substituído por pílulas, como aparece em algumas criações
da ficção científica, o que não é possível, a partir de Reich.
Nenhuma coisa pode ser destruída senão por uma causa exterior. [...] Pois a
definição de uma coisa qualquer afirma a sua essência, ela não a nega. Ou seja, ela
põe a sua essência; ela não a retira. Assim, à medida que consideramos apenas a
própria coisa e não as causas exteriores, não podemos encontrar nela nada que
possa destruí-la.
A cidade do Rio de Janeiro parece ter sido atravessada pelo medo coletivo em
diferentes momentos de sua história (Bicalho, 2003, p. 64). Em 1758 um terror pânico
tomou conta da cidade quando da “arribada” de uma esquadra de navios franceses
comandados pelo conde de Aché. À época interessava a Portugal manter boas relações
com a França, mas estava vivo na memória da população o saque à cidade realizado por
franceses em 1711. Após algumas tentativas de desembarcar na cidade, a tripulação
acabou desistindo, face a alguns acontecimentos que evidenciavam o pânico da
população, talvez agravado pela ausência do governador Gomes Freire, que fora
enviado pela coroa portuguesa para lutar nas províncias cisplatinas. Certo dia surgiu
fogo na casa onde se hospedava o general francês e o povo correu ao local dizendo
“morram esses franceses que nos querem botar fogo à cidade”, ao que novamente
acudiu um desembargador da relação, evitando um provável motim do qual
participavam, “homens, mulheres e pretos”. E a partir de então os franceses desistiram
de sair à noite pela cidade. Avalia um bispo que “a viva lembrança que conserva esse
povo do gravíssimo dano causado pela nação francesa, quando no ano de 1711
[saqueou] a cidade” foi o que desencadeou a sublevação. (Bicalho, p. 65). Para o conde
de Aché era “quase impossível conter um tão numeroso povo”. “De nada adiantara
dobrarem-se as guardas, impotentes para impedir que seus habitantes [...] apedrejassem
e tentassem apunhalar os oficiais que tiveram permissão de desembarcar [...] o que
impossibilitou a resolução dos negócios que os trouxeram ali”.
interior abruptamente, deixando para traz empregos e até a luz da casa acesa, o que
levou a que um jornal perguntasse em manchete: “estariam todos mortos”? Além do
medo do vizinho e do parente infectado, verificou-se o medo do hospital, do qual
muitos fugiam. Porém, outro movimento existiu ao lado desse, na direção do coletivo,
apesar do perigo real existente e do quanto o medo parecia justificado.
E foi assim que ao lado do pavor e da localização dos focos de infecção nos
bairros mais pobres, muitos se dedicaram a divulgar receitas que incluíam o uso de
amuletos e patuás pendurados no pescoço, simpatias e também o uso de sucos de
cebola, limão, e inúmeros chás e receitas caseiras, que passaram a circular, nos jornais,
além de ações de solidariedade organizadas por igrejas e associações, propiciando
momentos em que muitos, esquecidos do medo dos “espanholados”, voltavam a se
agrupar. Como a ponta Spinoza a o medo sempre inclui esperança, pois em sua luta por
perseverar no seu ser, os homens constroem com sua imaginação saídas para as
situações de medo extremo. Por outro lado, a esperança também cede lugar ao medo,
quando tememos que o bem que esperamos possa não se realizar. Porém há ainda outra
saída para o medo, essa ditada pela potência do coletivo, que irá mobilizar saberes e
práticas que possam ser capazes de apontar saídas para as situações vividas, como foi o
caso da mobilização dos saberes populares e da solidariedade.
poderão ser considerados tão transitórios quanto o medo e dessa forma constatamos sua
fragilidade.
Nossa questão passa a ser, portanto, o que faz com que o estado de medo se
prolongue e deixe de seguir um curso bastante provável, no caso do medo como
fenômeno coletivo: o de se transformar em revolta. Ou seja, qual o alcance real das
pílulas de medo destiladas diariamente pelo dispositivo da criminalização? Se esse
dispositivo produzisse apenas medo, seus efeitos só poderiam ser transitórios como é o
77
afeto de medo. Porém temos que considerar que dispositivo da criminalização funciona
ao lado de outros dispositivos que agem sobre o coletivo. E é claro, há as armas e a
força bruta, porém nem mesmo elas podem explicar totalmente a paralisia e a
submissão. E como já mencionamos, não são apenas as grades que mantem os homens
presos.
“De uma cidade em que os súditos não pegam em armas unicamente em razão do terror
que os paralisa, deve-se dizer, não que aí haja paz, mas antes, que a guerra aí não tem lugar.
Pois a paz não é a ausência de guerra. É uma virtude eu nasce da força da alma, e a
verdadeira obediência é uma vontade constante de executar tudo aquilo que deve ser feito
segundo o decreto comum da cidade. Do mesmo modo, uma cidade em que a paz não
possui outra base senão a inércia dos súditos, os quais se deixam conduzir como um
rebanho e não são habituados senão com a servidão, merece mais nome de solidão do que
o de cidade”. (Tratado Político, capítulo 5, 4)
46
« A política é a guerra por outros meios», frase de Clausewitz citada por Foucault (2000). Para
Spinoza se trata sempre de pensar sobre esses outros meios, que são as estratégias que possam ser
construídas.
79
aquelas que propiciam a verdadeira obediência por se apoiarem não na opressão, mas na
potência, que se expressa em acordos e estratégias coletivamente firmadas. Por outro
lado, quando sistematicamente evitados ou impedidos, os conflitos se tornam
destrutivos e letais, já que “humores” não podem ser externalizados47. Existe no
pensamento de Machiavel uma relação criadora entre conflito e lei (Luchese, p. 141)
demonstrada, por exemplo, quando ele crê que é dos conflitos entre os nobres e o povo
de Roma que resultaram boas leias agrárias, que não teriam existido se esse jogo
conflitivo não tivesse se dado. É o conflito que pode instaurar uma relação virtuosa
com a lei. Porém nem todo o conflito tem esse desfecho, pois alguns podem ter efeitos
destrutivos. Além disso, não se trata de conflito binário, mas de instabilidade e
desequilíbrio, ou de uma multiplicidade de forças em ação:
Winnicott faz uma aproximação entre adolescência e delinquência que pode nos
ser útil neste momento. A questão central da adolescência para este autor diz respeito ao
modo como a sociedade é capaz ou não de incorporar o novo e o diferente. Para
Winnicott o adolescente é um pouco delinquente e o delinquente é um pouco
adolescente, no sentido de que traz com sua rebeldia a possibilidade de que a sociedade
dos adultos se confronte com novos valores, diferentes dos de sua geração. A riqueza de
uma sociedade e a possibilidade de que esta se renove diz respeito ao grau de
acolhimento que pode dar a esse conflito. Aos adultos não cabe esvaziar o conflito
abrindo mão de seus próprios valores para aderir aos dos adolescentes, nem impor seus
valores através da força bruta, calando o conflito. É a experiência do conflito enquanto
tal que levará a que os adolescentes possam adquirir autonomia e afirmar seus próprios
valores.
47
Pode-se observar aqui uma proximidade com Reich, quando ele analisa o bloqueio da energia
vital pela couraça caracterial.
82
Muitos saúdam essa boa época, na qual todos podem se falar a qualquer
momento pelo celular, fato que leva muitas operadoras de celulares a veicularem
propagandas adocicadas. Porém não se deve esquecer as novas formas de dominação
que esses dispositivos tornam possíveis, entre pais e filhos, entre cônjuges, sem contar
as câmeras de televisão que nos vigiam nas ruas e na entrada de prédios. Espionar e
delatar são ações que podem em muito ser potencializadas, ativando o vetor vertical e
opressivo também otimizado por esses pequenos e amados aparelhos.
48
Impressionava-me, no final da década de 70, a rapidez com que circulavam as notícias nos
cárceres cariocas. O que acontecia numa unidade de Bangu rapidamente chegava à Água Santa, e
vice versa, isso muito antes dos celulares.
83
prática isso pode encerrar dificuldades. Uma criança contemporânea pode ter
dificuldade para perceber a idade das pessoas num mundo onde todos usam roupas
jovens. A linearização das experiências que temos atualmente, a simplificação e
homogeneização do território em que vivemos, criam situações onde os confrontos
diminuem em número e em intensidade, fazendo com que uma vida protegida dos
perigos externos seja desejada por muitos, sem perceberem isso pode resultar num
empobrecimento vital geral.
luxuosos, em que algumas casas se assemelham a mausoléus. Não há crianças nas ruas,
os transeuntes são raros, as suntuosas casas não parecem ser habitadas. Isso quando
muitos têm hoje a fantasia de viver para sempre, vencendo todas as doenças. Porém
ninguém se pergunta que tipo de vida se estará vivendo neste presente eterno. O que nos
faz relembrar uma frase em desuso, mas pertinente: antes uma boa morte...
Sublinhemos a questão dos encontros em Spinoza, quer com coisas, quer com
pessoas. Deleuze diz que precisamos estar “à espreita dos encontros”, mas também se
refere a quão decepcionantes podem ser esses encontros no mundo atual. Deleuze
parece estar irritado com a inutilidade de alguns eventos científicos, para os quais os
intelectuais viajam sem sair do lugar. E sublinha várias vezes, no verbete “Cultura” do
Abecedário (Deleuze, 1988) que os encontros “são com coisas e não com pessoas”.
Penso que essa afirmação diz respeito à noção de território. Nossos encontros dizem
sempre respeito a coisas e pessoas, mas nem sempre nos damos conta disso porque os
encontros com pessoas estão hoje submetidos às “tiranias da intimidade”. Acreditamos
nos encontrarmos apenas com as pessoas ou com suas interioridades (Baptista, 2000),
com seu “perfil” como hoje alguns sites de relacionamento propõem. Indivíduos
buscam alguém parecido com eles para que possam se relacionar, quando se trata
justamente de buscar a variação e a exterioridade. Quando acreditamos que estamos nos
encontrando apenas com pessoas, estamos deixando de lado ou não considerando o
território onde estes encontros se dão.
As ruas das cidades recortam nossos encontros, restringindo alguns e facilitando
outros. Dependendo da quantidade de dinheiro que tenhamos, nos encontraremos com
determinados tipos de alimentos, roupas, cosméticos. Dependendo do local onde
tenhamos nascido, e também da quantidade de dinheiro que tenha nossa família,
estudaremos em diferentes tipos de colégio, desenvolveremos ou não o gosto pela
leitura, pela música clássica. Trata-se das relações entre coisas e pessoas, que podemos
chamar de territórios. Porque tendem ao fracasso muitos encontros humanos, como por
exemplo, as relações de um casal? Talvez porque os casais se cobrem mutuamente
soluções para problemas que dizem respeito ao território em que vivem, e não apenas ao
relacionamento entre eles.
Cabral e Baptista (2010, p. 428) apontam como a cidade linear pode dificultar os
encontros, ao passo que as sinuosidades de algumas cidades podem facilitá-los. Na
cidade nada está dado, tudo está em constante fazer-se. Há algo de irredutível nas
85
grandes cidades pela experiência de multiplicidade que elas possibilitam, que não pode
ser inteiramente neutralizada. A porosidade das cidades nos abra caminho para uma
política do contemporâneo “que possa interpelar um mundo sem saída”, onde se
banaliza a felicidade e o horror.
Uma recente matéria de jornal apontava os pintores de mais de oitenta anos que
continuavam ativos, vendendo quadros e fazendo exposições. Mas note-se bem: eles
mereceram espaço no jornal não por suas obras, mas por sua longevidade. Não é a arte
87
desses senhores que merece admiração, mas a arte tornada signo de uma vida longa e
cômoda, numa operação de captura do que pode haver de disruptivo na arte49.
49
Suely Rolnik tem apontado em seus trabalhos mais recentes essa apropriação constante da arte
contemporânea por dispositivos de captura.
50
O vetor positivo produziu novas formas de ocupar as ruas, como a Street Dance e o Sport, as
Flash Mobs, além do movimento Ocupa, nas praças do mundo.
88
o corpo ficava inerte enquanto os olhos se voltavam para uma tela num cômodo escuro.
Os assistentes estão todos hipnotizados, não se falam ou se veem, embora estejam
juntos. Todo um mundo complexo e imaginário povoa nossa mente a partir de telas há
mais de um século e seus efeitos dizem respeito tanto à despotencilização do coletivo,
ao difundir o medo e possibilitar o controle, quanto à potencialização. Os efeitos
imitativos produzidos a partir “das telas” são poderosos, justamente por essa capacidade
de por ao alcance dos nossos olhos e ilusoriamente ao alcance de nossa mão coisas que
queremos mas não podemos ter, ou que não conhecíamos e passamos a desejar, como
observou Tuiavi. É de se notar que ao fazê-lo, estamos geralmente sentados ou deitados
em nossas casas. Não são acionados os sentidos do olfato, do gosto, não tocamos ou
somos tocados por ninguém. Porém o cinema é também um modo de escapar à
passividade frente às imagens e de com elas produzir caminhos que apontam para a
criação e para a atividade.
Mesmo quando nos utilizamos da internet para protestar, para assinar abaixo
assinados, um certo grau de passividade corporal está presente. Não negamos que a
internet possa ter efeitos políticos multiplicadores, como o têm ilustrado movimentos
sociais e até eleições de presidentes. A produção acadêmica pode hoje circular de forma
mais democrática. Identificamos, também neste caso, o funcionamento dos dois vetores,
horizontal e vertical. O horizontal vai no sentido do contágio afetivo e pode conduzir à
potencialização coletiva. Mas o outro vetor que produz despotencialização é forte. Num
grau bastante baixo de potência, podemos estar todos, cada um em suas casas, voltados
para espiar o que se passa num reality show.
Recordemos que a força pela qual cada um persevera em sua existência é sempre
limitada por uma força exterior mais forte. Há uma limitação universal de um modo
com relação a outro modo e uma potência em relação a outra potência. A limitação e a
finitude caracterizam a totalidade da natureza. A força efetiva e o recrudescimento de
uma paixão qualquer e sua perseverança de existir não são isoladas, mas dizem respeito
à potência de uma causa exterior comparada à nossa. A sobrevivência de cada modo
finito não depende apenas da força que pode a limitação externa, mas da atividade e da
potência que pode ser acionada frente a essa limitação. Spinoza faz uma distinção entre
91
agir quando “se está em si”, que corresponde à atividade, e a agir quando se é
governado por forças exteriores, o que o filósofo entende, como já vimos, como
padecimento e não como ação. Assim, ser obrigado a se tornar abstinente, ou passar a se
ver como fraco e impotente não pode conduzir a nenhum ação no spinozista.
Uma vida sem graça é muitas vezes substituída pela velocidade letal da droga.
Uma vez tendo tido acesso a essas velocidades, não se vai querer retornar facilmente a
uma vida de calmaria. Muitos indivíduos hoje vivem vidas verdadeiramente insípidas
frente às quais têm pouca autonomia; vidas meramente utilitárias e adaptadas. Tais
modos de vida são o oposto da saúde, para Winnicott, que define saúde mental como a
capacidade que temos de achar que a vida vale à pena.
51
Utilizo o adjetivo mau para sublinhar que não se trata de um valor transcendente, “o mal”, mas d
o que é efeito dos encontros de corpos e portanto sujeito a variações.
52
O conhecimento verdadeiro do bem e do mal, enquanto verdadeiro, não pode refrear qualquer
afeto; poderá refreá-lo apenas enquanto considerado como afeto. (E 4, prop. 14)
92
Muitos buscam na droga intensidades, porém essa busca pode levá-los ao limiar
da morte. Não que busquem a morte: o que eles buscam é a intensidade. Para Spinoza, a
morte vem sempre do exterior. Nada há no campo da subjetividade que tenda para a
morte, embora possamos experimentar o desejo de morrer por algo que, no início era
externo, mas que hoje age do interior da subjetividade. A possibilidade de reverter tais
processos destrutivos existe, mas nem sempre é conseguida.
93
suspeitos de crime, etc. Se o projeto das UPPs contém outras premissas que possam
reverter esse tipo de atuação letal da polícia, elas só poderiam de fato se verificar a
partir da democratização da instituição policial, hoje marcada por um baixíssimo grau
de democracia interna e uma forte hierarquização. Se o projeto das Unidades de Polícia
Pacificadora tivesse um verdadeiro cunho social como se alardeia, pressuporia uma
polícia profissional; as últimas greves de policiais parecem expressar esse anseio. A
greve em si mesma já é uma ruptura de relações hierárquicas e estereotipadas
predominantes nesse campo. É curioso pensar que embora tenhamos o hábito de copiar
tudo o que é americano do norte, não copiemos sua polícia comunitária, e fiquemos com
nossas policias militarizadas, que exercem um controle direto sobre a população pobre,
sempre associado a muitas mortes. O projeto das Upps só foi possível após uma década
inteira de extermínio e aprisionamento de uma das facções do tráfico de drogas do Rio
de Janeiro (Misse, 2011). Essa é face menos divulgada desse projeto, entre outros fatos:
nas áreas ocupadas, os jovens não podem mais descolorir o cabelo como faziam antes,
as tias não podem vender comida na quadra, o baile funk se torna restrito, o que
demostra que as ditas comunidades “pacificadas” são como prisões a céu aberto
(Passetti, 2011, Batista, 2012). Além disso, o policial herói de hoje, glorificado pela
mídia e personificado por artistas de cinema, pode ser o preso de amanhã quando se
ultrapassa os ambíguos limites do pudor nacional.
pessoas e coisas ou através do plano dos afetos que está a possibilidade de escapulir do
controle. Por outro lado, tudo aquilo que impede essa possibilidade, age no sentido de
diminuir a potência humana. Há também, na vida afetiva fontes de diminuição da
potência, quando, por exemplo, queremos sempre impor aquilo de que gostamos a
todos, quando odiamos quem odeia o que amamos, quando generalizamos o ódio que
sentimos de alguém a todo o grupo social a que pertence.
pela imaginação. O medo que temos não diz respeito aos fatos reais, e sim ao modo
como os imaginamos. Além disso, pouca gente pode se manter alegre por muito tempo
face aos limites impostos a este consumo desenfreado que facilmente se transforma em
endividamento e medo de “ficar o nome sujo”, ou ainda em medo de perder o emprego
face às condições de trabalho tirânicas a que muitos se submetem. Tudo isso poderia
levar – e de fato leva algumas vezes – a explosões coletivas e a revoltas, porém não
ficamos sabendo de alguns desses acontecimentos e desse modo, essas explosões não se
alastram tão facilmente.
tristes, ligadas ao crime e aos perigos de toda ordem que podem nos atacar quando
saímos à rua ou até mesmo se ficarmos em casa. Muitos filmes nos mostram que
dormimos com o inimigo ou que o perigo mora ao lado - pacatos cidadãos são na
verdade monstros, o que por vezes é corroborado por fatos reais. Em nossa pesquisa
sobre violência aprendemos que muitas vezes a realidade delira, ou seja: tanto a mídia
produz esses fatos aparentemente exagerados que passam a povoar nossa imaginação,
como eles de fato acontecem e começam a acontecer, funcionando como profecias que
se auto-realizam. Num impressionante relato de uma psiquiatra que atuava num Caps do
subúrbio do Rio, um paciente psicótico falava do cheiro de cadáver que sentia em casa,
o que era tomado como parte do seu delírio. Qual não foi a surpresa da equipe de saúde
ao constatar que o paciente de fato convivia com um cadáver, insepulto há algum
tempo. A expressão, usada pela psiquiatra, de que a realidade delira me pareceu muito
adequada para descrever a situação.
***
Influenciamo-nos pelos afetos vividos por aqueles que nos são semelhantes,
tanto assim que se nossos semelhantes se entristecem, nos entristecemos também, ou se
estão alegres, nos alegramos. Retornando à questão inicial sobre as causas da servidão
humana, podemos dizer que atribuímos de maneira fortuita a classificação de boa ou má
às coisas, ou que, como vimos na proposição 39 da ética III, cada um julga de acordo
com seu afeto. Mas como vivemos sempre cercados das pessoas que amamos (família,
amigos próximos) ou semelhantes (os que vivem na mesma cidade, os da mesma
profissão, os da mesma rua, etc.) então já não se trata de “cada um”, mas temos também
que considerar os afetos vividos pelos nossos semelhantes que podem nos afetar, tanto
para o lado da potencialização quanto para o lado do medo.
Desse modo, concluímos que as bases da vida social repousam sobre afetividade
humana, no sentido de que quanto mais nos abrirmos para a experimentação com
pessoas e coisas, mais potentes seremos, mais chances teremos de formar com os outros
homens um só corpo e uma só mente. Melhor pensaremos e agiremos e desse modo
seremos mais capazes de construir uma sociedade baseada não no medo e na
obediência, mas na democracia da multidão.
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