Anda di halaman 1dari 2

Thomas Mann – A Missão da Musica no Mundo Moderno (1943)

A música é um grande mistério. Em virtude de sua natureza sensual-espiritual e


da surpreendente união que ela realiza entre a regra estrita e o sonho, entre a
razão e a emoção, entre o dia e a noite, ela é sem dúvida o mais profundo, o mais
fascinante e, aos olhos do filósofo, o mais inquietante dos fenômenos.
Desde a minha juventude eu tenho refletido sobre o seu enigma, procuro
contorná-lo, e resolvê-lo. Como escritor, eu ia aonde me levava o caminho da
música, cedendo inconscientemente à sua influência no meu estilo e na minha
eterna maneira, e sempre me sinto feliz quando amadores e mestres da música
gostam da minha obra pelo que apresenta de afinidade com a música.
Desde cedo na minha vida, a admiração e a curiosidade fizeram-me procurar a
companhia de músicos; isto me proporcionou desencantos e decepções em
alguns casos, mas em outros uma larga e rica experiência. Escrevo estas linhas
para testemunhar o meu respeito a um homem que é meu amigo há mais de uma
geração, que por vinte anos foi meu bom e amável vizinho num subúrbio de
Munich, e com o qual partilho hoje um rumo político idêntico e um sofrimento
comum.
Esse sofrimento não é uma questão pessoal —pois a nossa pátria adotiva tem
sido boa para nós— mas surge de sombrio destino do país de onde saímos —a
Alemanha, o país da mais boa música, esse país ambíguo que se transformou
numa ambígua ameaça à liberdade e aos direitos humanos e que fez com que a
humanidade indignada mobilizasse suas imensas forças defensivas.
Há cinquenta anos, em Colônia, Bruno Walter, um rapaz de 17 anos, empunhou
pela primeira vez a batuta para dirigir a execução do "Waffenschmied", de
Lortzing. E um jornal de Colônia escreveu isto a respeito: "Dentro de muito pouco
tempo esse jovem maestro dará o que falar". Assim aconteceu, e a tal ponto que
a própria música está em causa quando se fala de Bruno Walter. Pois esse
homem, que agora tem 67 anos, é um dos 4 ou 5 destacados representantes e
guardiães da música. E a sua própria recordação dos últimos cinquenta anos
acompanha um trecho da história musical inseparável do seu próprio
desenvolvimento e das suas realizações. Também vai de par com um trecho da
história universal cheia de agitados acontecimentos - acontecimentos que o
forçaram, como a todos nós, enfrentar firmemente os problemas básicos da
humanidade, o problema do próprio homem. Ele olha para trás com o olhar
pensativo que foi dolorosamente experimentado, que cresceu com os anos em
experiência e sabedoria; que, ao refletir sobre sua vida, não pode deixar de incluir
muita coisa que não está em sua esfera pessoal, muita coisa que diz respeito à
arte e à humanidade. E eu ouso dizer que neste seu 67.º aniversário, seus
pensamentos estão seguindo linhas muito semelhantes ao do meu quando
escrevo sobre ele.
Harmonia - isto é mais do que um conceito estético, é um princípio cósmico; esta
palavra está no princípio, ou muito perto do princípio do pensamento ocidental.
Ela deriva da filosofia grega-socrática, da idéia pitagórica do mundo. A palavra
"harmonia" significa música, mas apenas secundariamente; originalmente, quer
dizer matemática.
A matemática foi a grande paixão de Pitágoras, bem como a proporção abstrata, o
número, de que aquele espírito devoto e austero fez o princípio mesmo da criação
e da conservação do mundo. Naqueles dias remotos, ele olhava para a natureza
como alguém que a conhece, que havia sido iniciado; e pela primeira vez falou
nela, sublimemente, como num "cosmos", como ordem e harmonia, como sistema
espiritual e sonoro das esferas. Visto que o número e a relação numérica estão no
próprio âmago do ser, essa concepção une reverentemente tudo o que é belo,
verdadeiro e racionalmente moral. Mas o mundo não é todo ele acordo e
harmonia de esferas; ele possui tendências irracionais e demoníacas que os
gregos não desprezaram, mas procuraram dominar e integrar em sua religião.
Assim o culto de Elêusis adorava as forças obscuras do mundo inferior. E o
pensamento pitagórico também tinha as características de um mistério religioso,
daqueles ritos secretos que incluíam uma espécie de drama sagrado e tiveram
grande influência no desenvolvimento da filosofia grega.
Essas cerimônias religiosas implicavam uma situação do mundo como um todo,
tanto o racional como o irracional. A mais bela herança que devemos aos gregos é
esse conceito cultural que insiste numa piedosa e santificante inclusão das forças
das trevas no culto dos deuses. Se o mundo é música, inversamente, a música é o
reflexo do mundo, de um cosmos semeado de forças demoníacas.
Música é número, a adoração do número, é álgebra ressonante. Mas a própria
essência do número não conterá um elemento de mágica, um toque de feitiçaria?
A música é uma teologia do número, uma arte austera e divina, mas uma arte em
que todos os demônios estão interessados e que, entre todas as artes, é a mais
susceptível ao demoníaco. Pois ela é ao mesmo tempo código moral e sedução,
lucidez e embriaguez, um apelo ao mais intenso estado de alerta e um convite ao
mais doce sonho de encantamento, razão e anti-razão - em suma, um Mistério
com toda a iniciação e os ritos educativos que desde Pitágoras foram parte
integrante de todos os mistérios. E os sacerdotes e mestres da música são os
iniciados, os preceptores desse ser duplo, a totalidade demoníaco-divina do
mundo. Vida, humanidade e cultura.
Durante as últimas décadas os povos do ocidente, os alemães em primeiro lugar,
ficaram decepcionados com a razão, na qual tinham posto excessiva confiança. E
assim, numa espécie de voluptuoso desespero, dedicaram-se a um culto
exagerado e tendencioso das forças da treva, ao irracional e ao demoníaco.
Pensaram ver a vida na anti-razão. Julgaram-na chamados a defendê-los contra a
inteligência, e assim fazendo perderam de vista o verdadeiro conceito de
humanidade, que nunca é uma parte ou outra, mas só atinge a realização no
Mistério do todo. Num tremendo sofrimento, esses povos do Ocidente voltam-se
para recuperar tal conceito religioso. Apoderou-se deles uma esperança
apaixonada no sentido de um mundo melhor e mais justo —mais justo em todos
os sentidos, inclusive o de um equilíbrio humano mais feliz. É a esperança de uma
humanidade que, ao invés de reprimir e portanto exasperar o irracional, aceita
francamente, venera e portanto santifica essas forças demoníacas e coloca-as ao
serviço da cultura.
Não admira que tantos corações se inclinem com maior fervor e ansiedade do que
nunca para os mistérios da música e que ao mesmo tempo os problemas da
educação tomem o primeiro lugar nos pensamentos e nos debates públicos.

Anda mungkin juga menyukai