Anda di halaman 1dari 14

Revista Duc In Altum - Caderno de Direito, vol. 3, nº 4, jul-dez. 2011.

| 115

O SUICÍDIO, NO Abstract
The valorization of life resulted from
CONTEXTO PENAL criminal affirmation of the concept of Man
THE SUICIDE, INTO THE in the political and legal view that has
CRIMINAL CONTEXT changed the understanding of Greco-Roman
antiquity about the person. This assertion
was built from Christianity and took the
criminal persecution of suicide. Since then,
Cláudio Brandão1 the law has considered that the human
person has no availability for your own life
and initially regulated the punishment of
Resumo suicide and then participating in the suicide
A valorização penal da vida decorreu of another, in substitution to that punish-
da afirmação do conceito do Ho- ment. Such criminal prosecution exception-
mem no panorama político e jurídi- al criminal principles, especially with regard
co que modificou o entendimento to the plurality of agents, which makes this
da antiguidade greco-romana sobre a type be sui generis in the legal system.
pessoa. Tal afirmação foi construída
desde o cristianismo e levou a incri- Keywords: Protective. Life. Suicide. History. Plurality
of agents.
minação do suicídio. A partir de
então, o Direito passou a considerar
que não tem a pessoa humana a
disponibilidade de sua própria vida e
regulou inicialmente a punição do
suicídio e, posteriormente, a partici- 1. INTRODUÇÃO: A
pação no suicídio alheio, em substi- AFIRMAÇÃO
tuição àquela punição. Tal incrimi- CONCEITUAL DO
nação excepcional os princípios HOMEM E A
penais, sobretudo no que se refere RELEVÂNCIA DA VIDA
ao concurso de agentes, o que faz
com que esse tipo seja sui generis no
ordenamento jurídico. A afirmação do cristia-
nismo como uma potência
Palavras-chaves: Proteção. Vida. Suicídio. social, política e jurídica, que
Histórico. Concurso de agentes.
se deu a partir da elevação
desta religião, outrora perse-
guida, ao patamar de religião
1 Pesquisador do CIHJur. Professor oficial do Império Romano,
Titular da Faculdade Damas da trouxe grandes consequências
Instrução Cristã e Professor Titular para o tratamento penal da
do Programa de Pós-graduação em vida. Entre estas consequên-
Direito da UFPE.
116 | Revista Duc In Altum - Caderno de Direito, vol. 3, nº 4, jul-dez. 2011.

cias se situa a persecução pe- sendo escravo ou estrangeiro


nal do suicídio e da tentativa (GALUPPO, 2002, p. 43).
de suicídio, que se vinculam, A origem da idéia atual de
na substância, a mudança na pessoa deita suas raízes na
concepção do que é o homem Idade Média. E é a filosofia
e da afirmação da sua dignida- cristã que dará o norte desse
de. pensamento: não se reconhe-
O gênio do povo grego cerá o ser humano por ele
não atribuiu o caráter de Ho- integrar a atividade política do
mem a todo o ser com o pa- Estado, mas por ele ser uma
trimônio genético semelhante criatura feita à imagem e se-
ao do que hoje se chama de ser melhança de Deus e ser o
humano. Aristóteles, ao formu- objeto do amor divino. Deve-
lar os seus conceitos, utilizava- se ressaltar, contudo, que a
se de um caminho lógico: dizia extensão temporal deste perí-
o gênero e a diferença especí- odo – durou cerca de mil anos
fica. Não foi diferente quando – fez com que a relevância
ele conceituou a pessoa hu- atribuída à pessoa humana
mana. Segundo Aristóteles O estivesse ligada a um processo
homem é um animal político. Eis aí de avanços e retrocessos, onde
o gênero: ser animal; eis aí a ora se reconheceria essa digni-
diferença específica: a partici- dade, ora se fazia concessões –
pação na política. movidas provavelmente pelos
Isto significa que somente interesses políticos da Igreja
tem o caráter de humano a- Católica – que atenuam a rele-
quele que participa da polis, vância da figura humana con-
não se estendendo a humani- siderada em sua dignidade.
dade a todos os seres com o A base da filosofia
patrimônio genético seme- cristã encontra-se na vida. O
lhante ao do ser humano, con- próprio Jesus Cristo faz dela o
forme foi dito. Caso o ser não conteúdo de sua missão. Con-
participasse da polis, poderia forme se extrai do Evangelho,
ser supra-humano, sendo um o Cristo assevera: “Eu vim para
ser divino, ou no dizer aristo- que todos tenham vida e a tenham
télico, tendo a natureza de ato em abundância”. E o próprio
puro, ou seria sub-humano, Jesus Cristo que afirma, ainda,
Revista Duc In Altum - Caderno de Direito, vol. 3, nº 4, jul-dez. 2011. | 117

que ele dá a verdadeira vida dados por Paulo de Tarso, na


para os homens: “Eu sou o sua Epístola aos Coríntios, as
caminho, a verdade e a vida, nin- principais características da
guém vai ao Pai senão por mim”. E pessoa humana seriam revela-
o Cristo afirma, ainda, que das. Não se cuida aqui de par-
cada pessoa considerada em ticipação na política (como
sua individualidade é um ser queriam os gregos) ou no di-
integrante dos planos divinos, reito (como queriam os roma-
conforme Ele disse: “O desejo nos), mas se trata de identifi-
do Pai é que nenhuma alma se car as características de todo o
perca”. ser nascido de uma mulher
Assim, enfatize-se, o cris- que possuísse vida. Ditas ca-
tianismo muda o paradigma: racterísticas fundamentais
cada ser humano é importante eram três: a liberdade, a ra-
por si mesmo, independente- zão/ consciência e a vontade.
mente da sua pertença ao Es- O conceito de vontade de
tado, já que é uma criatura Santo Agostinho tem origem
feita à imagem e semelhança teológica, sendo apresentado
de Deus. Para que se alcance como realidade que se con-
essa dignidade é requisito que quista a cada ato humano. No
a pessoa tenha nascido, por- ato, busca-se sempre o que a
tanto, que tenha tido vida. As consciência/ razão indica co-
idéias cristãs de vida e pessoa mo melhor, segundo a concep-
ecoaram por toda filosofia ção do ser; e é nessa busca
ocidental desde aquela época, pelo melhor que intervém a
firmando suas raízes. Com vontade. A vontade será fun-
base nos ensinamentos bíbli- damental no homem, porque a
cos, o conceito de pessoa se construção da ordem do ser é
desenvolveu: seria pessoa todo dinâmica e é formada pelo
aquele ser com patrimônio livre arbítrio da vontade. É a
genético humano que tivesse vontade que possibilita ao
vida. homem fazer uso das coisas,
Com Santo Agostinho, pelo agir. No diálogo sobre o
unindo-se a interpretação da livre-arbítrio, assim se posici-
filosofia grega à conceitos ona Santo Agostinho:
bíblicos, notadamente aqueles
118 | Revista Duc In Altum - Caderno de Direito, vol. 3, nº 4, jul-dez. 2011.

“Ou ter-te-ás esquecido taque em todo do direito, aí


de que, quando investigamos incluído o direito penal.
cerca das realidades que se
conhecem por meio da razão,
reconheceste também que é 2. NOTAS SOBRE O
pela razão que reconhecemos TRATAMENTO
a própria razão? Portanto, se é HISTÓRICO DO
pela vontade livre que faze- SUICÍDIO NA SEARA
mos uso de tudo o mais, não PENAL
te deves admirar que seja tam-
bém pela própria vontade livre Na história de muitos po-
que dela possamos fazer uso. vos antigos, dentre os quais se
De algum modo, é a vontade destaca o povo romano, o
que, quando faz uso de tudo o Direito não punia o suicídio,
mais, faz uso também de si que muitas vezes era tido co-
mesma, tal como a razão, que mo um ato de honra, salvo
conhece tudo o mais, também nos casos nos quais o dito
se conhece a si mesma” (A- suicídio visava a fuga à pena
GOSTINHO, 2001, p.239). capital e a pena pecuniária
(ALTAVILLA, 1921, p.185).
A liberdade será conside-
Deve ser registrado que o
rada pelo filósofo como um
suicídio passou a ser punível
atributo da vontade, pois a
segundo o Direito Penal com
referida vontade será livre, se
a afirmação da religião cristã.
escolher o Bem, porque o mal
Com efeito, “a religião cristã,
a escravizará.
relacionando-se com a tradi-
Com o cristianismo e a
ção hebraica, que negava se-
identificação dos atributos
pultura ao suicida, aportou
diferenciadores do Homem,
uma modificação profunda, e
abre-se o caminho para que a
considerou a morte voluntária
ele se confira uma especial
como um pecado, quase uma
dignidade. Porque o Homem
se reveste desta dignidade a rebelião contra a vontade di-
partir da sua vida, a dita vida vina, negando por isso ao sui-
cida a sepultura em solo santo,
passará a ter um especial des-
toda a pompa religiosa e se-
Revista Duc In Altum - Caderno de Direito, vol. 3, nº 4, jul-dez. 2011. | 119

questrando-lhe o patrimônio.” da prisão (RADBRUCH,


(ALTAVILLA, 1921, p.185). 1955, p.283).
Na Idade Média, o suicí- Neste contexto, não havia
dio consumado era punido nenhum óbice para a punição
com a privação da sepultura da participação em suicídio
eclesiástica e o confisco de alheio, pois a conduta acessó-
bens, isto porque o Direito ria de induzir, instigar ou pres-
Canônico deu uma nova con- tar auxílio gravitava em torno
figuração ao Direito Penal, de uma conduta principal pu-
fazendo inserir nele um con- nível.
teúdo moral expressivo, atra- Porém, a pena não tem o
vés do qual se reconhece a condão de obstaculizar e inti-
proeminência da proteção da midar a conduta daquele que
vida. Por isso o Direito Canô- quer dar cabo a sua própria
nico considerou o suicídio um vida. Por isso, não se encontra
verdadeiro homicídio pratica- justificação a manutenção
do pelo sujeito ativo em face desta incriminação medieval,
dele mesmo2. que somente se justificaria em
Radbruch registra que a face de uma mescla entre o
partir da época medieval, so- mundo da fé e o mundo do
bre a tumba do suicida ora Direito, o que não encontra
afixava-se uma forca ora guarida, por óbvio, no mundo
queimava-se o cadáver porque complexo de separação das
aquele que o praticara deveria funções e papéis sociais que se
desaparecer por completo, verifica no tempo presente.
havendo ainda o confisco de Com efeito, Soler faz lúcida
seus bens e a tentativa de sui- crítica à penalização do suicí-
cídio era igualmente punida, dio, estabelecendo que esta
através do desterro ou através incriminação conduz a uma
sanção bárbara porque a pena
é executava sobre um cadáver
2 O antigo Código de Direito Canô- e as consequências são sofri-
nico, anterior à reforma de João das por terceiros (SOLER,
Paulo II estabelecia: “Qui in seipsos 2000, p.91). Neste contexto, a
manus intulerint, si quidem mors secuta
sit, sepultura ecclesiastica priventur ad partir do humanismo do Sécu-
norman can.” (Cânone 2.350) lo XVIII, com a separação
120 | Revista Duc In Altum - Caderno de Direito, vol. 3, nº 4, jul-dez. 2011.

entre a fé e o Estado, o suicí- zimento quanto a instigação e


dio deixou de ser punível em o auxílio são, de regra, formas
si mesmo, por isso causa es- acessórias do concurso de
tranheza que, no Direito In- agentes, que traduzem a espé-
glês, dito suicídio somente cie secundária do dito concur-
tenha deixado de ser crime em so de agentes, isto é, a partici-
1961, através da norma de pação. Todavia, neste tipo pe-
norma específica emitida pelo nal, o que seria uma forma
Parlamento britânico, o Suicide acessória, nomeadamente a
Act., que explicitamente revo- participação, é erigida a forma
gou a punição Penal do suicí- nuclear do tipo. Isto posto, o
dio e passou a incriminar ape- crime em análise constitui uma
nas participação no suicídio exceção, que teve seu
alheio, de forma semelhante marco inicial na legislação
ao tipo ora em análise3. penal do Século XVIII da
Neste panorama, o delito Luisiana, nos Estados Unidos
em tela é um crime que não (ALTAVILLA, 1921, p.187).
encontra paradigma em toda a Por este mesmo motivo, em-
parte especial do Código Pe- bora no Brasil seja uma tradi-
nal. Com efeito, tanto o indu- ção incriminar o concurso
acessório em suicídio de ou-
3 Diz textualmente a legislação trem, pois desde o Código
britânica: “1. Suicide to cease Criminal do Império de 1830
to be a crime. The rule of law incrimina-se este fato4, muitos
whereby its a crime for a person
commit suicide is hereby abro- ordenamentos jurídicos, como
gate. 2.Criminal liability for por exemplo, o festejado Di-
complicity em another's sui- reito Penal alemão (ROXIN,
cide. (1) A person who aids, 2012) 5 não tipificam este fato.
abets, consels or prucures the su-
icide of another, or attempt by
another to commit suicide, shall 4 Assim tipificava o fato o art. 196
be liable on conviction on in- do Código Criminal de 1830: “Aju-
dictment to imprisonment for a dar alguém a suicidar-se ou fornecer-
term not exceedin fouteen lhe meios para este fim com conhe-
years.” Disponível em: cimento da causa”.
www.legislation.gov.uk/ukpga/E 5 Roxin diz-nos textualmente: “No

liz2/9-10/60. Acesso em Direito Alemão – de forma diferente


23/09/2012. de muitas outras ordens jurídicas – a
Revista Duc In Altum - Caderno de Direito, vol. 3, nº 4, jul-dez. 2011. | 121

portamentos, que são substan-


3. O TRATAMENTO cialmente diferenciados, sendo
PENAL DO SUICÍDIO os dois primeiros de natureza
NO DIREITO subjetiva6 e o terceiro de natu-
BRASILEIRO: reza objetiva. Registre-se que
REFLEXÕES SOBRE AS no caso do sujeito ativo reali-
CONDUTAS zar mais de um dos núcleos
OBJETIVAMENTE previstos haverá um delito
REALIZADAS único, pois este tipo é classifi-
cado como um tipo misto
É neste contexto que o alternativo.
Direito Penal brasileiro regu- O primeiro núcleo, indu-
lou a participação no suicídio. zir, significa subministrar na
O art. 122 do Código Penal mente de alguém uma idéia até
define o delito em tela a partir então inexistente. Trata-se de
com seguintes elementos: uma modalidade de concor-
“Induzir ou instigar alguém a rência subjetiva na ação de
suicidar-se ou prestar-lhe auxí- outrem, pois o induzimento se
lio para que o faça: Pena – volta para o processo da for-
reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) mação da vontade. No indu-
anos, se o suicídio se consu- zimento ao suicídio, o sujeito
ma; ou reclusão, de 1 (um) a 3 ativo sugere a outrem que ele
(três) anos, se da tentativa de pratique o ato suicida. Deve-
suicídio resulta lesão corporal mos ressaltar que o induzi-
de natureza grave.” mento não se confunde com a
O tipo penal tem três nú- autoria intelectual, pois no
cleos: induzir, instigar ou pres- induzimento ao suicídio quem
tar auxílio. Assim, o tipo penal possui o domínio final da
poderá ser realizado através de
qualquer um destes três com- 6 Maggiore prefere a denominação
concurso moral em face da denomina-
participação no suicídio não é puni- ção participação subjetiva:”Un concurso
da”. Tradução livre de: “Nach deut- moral; tal es determinar a otro al
schem Recht ist - anders als nach suicidio (es decir, hacer surgir en
vielen anderen Rechtsordnungen - otro el proposito que no tenia) o
die Beihilfe zum Selbstmord reforzar el proposito ajeno de suici-
straflos”. (ROXIN, 2012) darse”. (MAGGIORE, 2000, p.234)
122 | Revista Duc In Altum - Caderno de Direito, vol. 3, nº 4, jul-dez. 2011.

conduta não é o sujeito que ativo traduz-se em um apoio


induz, mas o sujeito que prati- subjetivo dado à prática do
ca o ato suicida. Tampouco o suicídio, o que representa um
induzimento se confundo com incentivo para que alguém
a coação. Parafraseando Mag- retire a sua própria vida. Rani-
giore, muito distinto do indu- ere sintetiza a instigação como
zimento é a coação, pois neste a atividade direta de reforçar o
último caso o coagido se con- propósito suicida (RANIERE,
verte em instrumento passivo 1952, p.199). Tal como no
nas mãos do que o obriga, induzimento, a instigação tem
respondendo o coator pelo natureza subjetiva pois se vol-
delito de homicídio, não pelo ta para o processo de forma-
crime em análise (MAGGIO- ção da vontade do sujeito, que
RE, 2000, p.234). constrói subjetivamente o
O induzimento, portanto, desiderato de destruir a sua
é uma sugestão, que possibilita própria vida, contando com o
a representação da conduta suporte no plano subjetivo
suicida na consciência de um daquele que o apóia, que o
sujeito que ainda não a tinha, incentiva.
mas que é realizada em face de Precisa é a lição de Soler
alguém que tem capacidade e, para quem a participação sub-
portanto, tem o domínio final jetiva exclui as formas especi-
de sua ação. De precisão ím- ais de autoria (a autoria inte-
par é a lição de Raniere, para lectual, por exemplo), pois a
quem o induzimento se con- participação subjetivamente
cretiza nos atos dirigidos a no suicídio alheio visa contri-
formar no outro uma manifes- buir no processo interno da
tação de vontade, fazendo determinação de outro e não
sugir no outro o propósito propriamente fazer por meio
suicida anteriormente inexis- de outro. Por isso, prossegue
tente (RANIERE, 1952, Soler em sua precisa síntese:
p.199). “O que se quer é que o
O segundo núcleo é insti- outro se resolva a fazer (o
gar, que significa estimular suicídio). Em consequencia,
uma ideia já existente. Na ins- não poderá se falar em parti-
tigação, o estímulo do sujeito cipação subjetiva no suicídio,
Revista Duc In Altum - Caderno de Direito, vol. 3, nº 4, jul-dez. 2011. | 123

mas sim em homicídio, quan- forme leciona Maggiore, tanto


do o sujeito ao qual se dirige a no induzimento quanto na
ação é um inimputável, ou instigação, os atos do sujeito
quando se empregue coação ativo devem dirigir-se inequi-
ou violência, ou quando se vocamente para fazer surgir
induza o suicida em erro acer- ou consolidar o propósito
ca da ação que realiza, supos- suicida, sem esse estreito nexo
tos incompatíveis com a parti- causal não haverá o crime
cipação subjetiva, que supõe (MAGGIORE, 2000, p.236).
um destinatário capaz de re- Assim, “não constitui instiga-
solver-se por sua própria von- ção ao suicídio dizer a alguém
tade.” (SOLER, 2000, p.94) 'mata-te', como nos acostu-
Com relação a participa- mamos a fazer na linguagem
ção subjetiva no suicídio uma quotidiana” (MAGGIORE,
pergunta deve ser enfretada. 2000, p.236).
As referências genéricas de assen- O terceiro núcleo do deli-
timento sobre da produção da morte to é prestar auxílio. Aqui cuida
pelas próprias mãos da vítima pode o tipo penal do fornecimento
realizar o tipo objetivo deste crime? de meios e modos para que
Com efeito, não é incomum, um terceiro realize a prática de
nas relações familiares, os um ato suicida. Enquanto as
filhos adolescentes dirigirem- duas condutas antecedentes
se aos pais barganhando de- cuidavam da concorrência
terminadas questões através de subjetiva na conduta suicida,
ameaças suicidas. Por exem- este último núcleo cuida da
plo, caso um filho adolescente concorrência objetiva, isto é,
diga ao seu pai que se seu de- da concorrência que está fora
sejo não for satisfeito ele se do âmbito da formação da
matará e o pai responda ao seu consciência e da vontade de
filho afirmando que ele pode alguém e se verifica no mundo
se matar que não satisfará o exterior. Destarte, o forneci-
seu desejo, podemos identifi- mento de meios, que são os
car a realização do crime em instrumentos necessários para
tela? A resposta é negativa, a ação que dará cabo à vida de
ainda que o ato suicida seja alguém, e de modos, que são
efetivamente praticado. Con- os mecanismos de forma de
124 | Revista Duc In Altum - Caderno de Direito, vol. 3, nº 4, jul-dez. 2011.

execução daquela ação, tor- comportamento omissivo, que


nam concreto o núcleo prestar será considerado, em face da
auxílio. A prestação de auxílio norma, relevante para a pro-
facilita de alguma maneira a dução do resultado. Estas
realização do ato de execução, hipóteses taxativas criam um
podendo ser antecedente ou dever jurídico de impedir o
concomitante a este último, resultado e, sobre o tema, é
mas que sempre terá um cará- exemplar a lição de Nelson
ter secundário ou subsidiário, Hungria:
sem tomar diretamente parte “A prestação de auxílio
no processo executivo e con- pode ser comissiva ou omissi-
sumativo do suicídio7. va. Neste último caso, o crime
Nesta terceira modalida- só se apresenta quando haja
de, a conduta do sujeito ativo um dever jurídico de impedir
poderá ser tanto comissiva o suicídio. Exemplo: o pai
quanto omissiva. Com efeito, deixa, propositalmente, que o
embora a construção do tipo filho menor, acusado de um
prestar auxílio indique uma fato desonroso, ponha termo
conduta comissiva, a omissão à vida; o indivíduo que sedu-
imprópria torna possível, nas ziu uma jovem e a abandonou
hipóteses taxativamente pre- em estado de gravidez assiste,
vistas no art. 13, §2º do Códi- impassível, ao seu suicídio”
go Penal, a realização dos cri- (HUNGRIA, 1968, p.232).
mes comissivos através de um Os núcleos típicos se
dirigem para a prática de um
7 Sobre o tema veja-se Fontan Bales- suicídio. Com bem define Costa
tra: “Esta otra modalidad de acción Andrade, “há suicídio quando
típica consiste em ayudar material- uma pessoa, com domínio do
mente al suicidio de otro antes del facto, causa 'dolosamente' sua
hecho o durante su ejecución. Esta
exigencia de materialidad, que resulta
própria morte. Só há suicídio
por exclusión de la acción de insti- quando uma pessoa, cansada
gar, es la aceptada en general por la de viver, quer morrer e é ela a
doctrina. Los actos del que ayuda no decidir do se de sua própria
deben llegar a constituir actos de morte” (ANDRADE, 1999,
ejecución del delito de lesiones o del
de homicidio”. (BALESTRA, 1998, p.80)
pp.65-66).
Revista Duc In Altum - Caderno de Direito, vol. 3, nº 4, jul-dez. 2011. | 125

Neste panorama, a di- zimento, instigação ou auxílio


ferença entre o induzimento, ao suicídio, mas aquele que
instigação ou auxílio ao suicí- retira o apoio para que um
dio e o homicídio consentido terceiro se enforque responde-
é que nesta primeira figura rá por homicídio. Com efeito,
penal a ação hábil para ceifar a na primeira conduta, o sujeito
vida é produto da conduta da não realizou a prática de um
própria vítima, enquanto na ato de execução enquanto na
segunda modalidade, a condu- segunda o realizou, assim, a
ta é produto da conduta de linha divisória entre o homicí-
um terceiro, que a realiza por dio e o delito do art. 122 do
vontade da dita vítima Código Penal é a realização do
(MAGGIORE, 2000, p.235). referido ato de execução.
Em nenhuma hipótese É indispensável que a a-
poderá o sujeito ativo praticar ção do sujeito ativo contribua
algum ato de execução, que de alguma forma para a pro-
seja hábil para produzir a mor- dução do resultado. A partici-
te. Se for praticado um ato de pação, assim, não poderá se
execução o crime imputado completamente inócua, pois
será o homicídio. É, pois, in- “se a ação do sujeito ativo não
dispensável para a realização tiver qualquer influência, nem
do induzimento, instigação ou física, nem psíquica, sobre o
auxílio ao suicídio que a con- fato, ele não pode ser chama-
duta do sujeito ativo esteja do a responder pelo crime,
circunscrita aos ditos auxílio, qualquer que tenha sido o seu
instigação ou induzimento, propósito”(FRAGOSO, 1995,
que são formas de conduta p.72)
que gravitam em torno de Entretanto, advirta-se que
outra conduta – esta de maior não se exige que a ação do
relevo moral e jurídico, embo- sujeito ativo seja a única causa
ra atípica – de alguém que tira determinante para o suicídio
a sua própria vida. Assim, (BALESTRA, 1998, pp.64), o
aquele que, voluntária e cons- que se exige é que a conduta
cientemente, fornece a corda do sujeito ativo não seja inó-
para o suicídio de outrem res- cua, pois ela deve contribuir
ponderá pelo delito de indu- para o resultado, funcionando
126 | Revista Duc In Altum - Caderno de Direito, vol. 3, nº 4, jul-dez. 2011.

dogmaticamente como uma Entretanto, um livro não se


causa para a sua produção. dirige a sujeito determinado,
Somente pode haver in- sendo impossível, através des-
duzimento, instigação ou pres- ta conduta a pertinência ao
tação de auxílio para o suicídio tipo objetivo do delito em tela,
alheio que a conduta do agen- já que os núcleos exigem que a
te se dirigir para sujeito de- conduta do sujeito ativo gravi-
terminado. Se alguém, por te em face da conduta de um
exemplo, publica um livro autor, concorrendo objetiva
sobre as melancolias da vida, ou subjetivamente para a sua
ressaltando as dificuldades da realização, o que vai pressupor
existência e a dor presente no a determinação do sujeito que
desenrolar da experiência quo- tira a sua própria vida.
tidiana, não poderá responder
pelo delito em tela, ainda que 4. APRECIAÇÃO
alguém ou alguns venham a CONCLUSIVA
efetivamente se suicidar, pois
não existe conduta acessória Toda trajetória do suicí-
em face de sujeitos indetermi- dio foi vinculada às mudanças
nados. Há na história, inclusi- na concepção da pessoa hu-
ve, o registro de fato seme- mana e no consequente trata-
lhante. Quando Goethe publi- mento jurídico da vida, por
cou o livro Os sofrimentos do isso, no caso brasileiro – o que
jovem Werthers (Die Leiden des guarda similitude em muitos
jungen Werthers) o livro, que ordenamentos – o delito em
desenrola em cartas das per- tela é um crime que não en-
sonagens e é estruturado de contra paradigma em toda a
uma forma tão real, levou ao parte especial do Código Pe-
suicídio de um número signifi- nal, pois tanto o induzimento
cativo de pessoas, demons- quanto a instigação e o auxílio
trando como a literatura pode se traduzem em formas aces-
influenciar a sociedade, a pon- sórias do concurso de agentes,
to do autor da obra ser publi- rectius, são formas de partici-
camente acusado de construir pação, que significam a forma
uma obra imoral, que levava menos importante de contri-
os jovens a se suicidarem. buição para a ocorrência do
Revista Duc In Altum - Caderno de Direito, vol. 3, nº 4, jul-dez. 2011. | 127

resultado não querido pelo ALTAVILLA, Enrico. Trattato


direito e, por isso, proibido de Diritto Penale, Vol. X, Mila-
pela lei penal. A exceção a esta no, Vallardi, 1921.
regra do referido concurso de ANDRADE, Manuel da Cos-
agentes encontra-se neste tipo ta. “Art. 135º - Incitamento ou
penal, porque a participa- ajuda ao suicídio”, Comentários
ção foi nele elevada ao núcleo Conimbricences ao Código Penal,
do tipo, transforma-se, neste T.1, Coimbra,Coimbra Edito-
caso específico, em formas de ra, 1999.
autoria. BALESTRA, Carlos Fontán.
Tal exceção encontra uma Derecho Penal. Parte Especial,
justificação na dogmática pe- Buenos Aires,Abeledo-
nal. Somente pode haver a Perrot,1998.
participação dentro do con- FRAGOSO, Heleno Cláudio.
curso de agentes se houver a Lições de Direito Penal. Parte
conduta principal de um autor. Especial, Vol. I, Rio de Janei-
Como aquele que realiza um ro,Forense, 1995.
ato de suicídio não é tido co- GALUPPO, Marcelo Campos.
mo autor de uma conduta Igualdade e Diferença – Estado
criminosa, pois o suicídio por democrático de direito a partir do
razões de política criminal é pensamento de Habermas, Belo
um fato atípico, não é possível Horizonte, Mandamentos,
punir – à luz da regra do con- 2002.
curso de agentes – esse ato. HUNGRIA, Nelson. Comentá-
Assim, a figura da participação rios ao Código Penal, Vol. V, Rio
em suicídio alheio passou a ser de Janeiro, Forense, 1958.
tutelada no Código Penal co- MAGGIORE, Giuseppe. De-
mo um crime autônomo. recho Penal. Parte Especial, Vol.
IV, Bogotá,Temis, 2000.
REFERÊNCIAS RADBRUCH, Gustav;
GWINNER, Enrique. Historia
AGOSTINHO. Diálogo sobre o de la Criminalidad, Barcelona,
livre-arbítrio, Lisboa, Universi- Bosch, 1955.
dade de Lisboa, 2001. RANIERE, Silvio. Manuale di
Diritto Penale, V.3, Padova,
CEDAM, 1952.
128 | Revista Duc In Altum - Caderno de Direito, vol. 3, nº 4, jul-dez. 2011.

ROXIN, Claus. “Zur stra-


frechtlichen Beurteilung der
Sterbehilfe”, Revista Eletronica
de Ciencia Penal y Criminologia,
disponível em:
http://criminet.ugr.es/recpc/
recpc_01-10vo.html, acesso
em 23/09/2012.
SOLER, Sebastian. Derecho
Penal Argentino, T.3, Buenos
Aires, TEA, 2000.

Anda mungkin juga menyukai