RAE ARTIGO
Mar./Abr. 1993
36 Revistade Administração de Empresas São Paulo, 33(2):36-43
o FENÔMENO DAS ORGANIZAÇÕES SUBSTANTIVAS
produção 5. Nos Estados Unidos, as esti- gico por telefone, um centro de educação
mativas em 1976 indicavam a existência popular, uma entidade de pesquisa so-
de mais de 5.000 organizações, e a criação cial e apoio à organização de comunida-
de aproximadamente 1.000 delas a cada des carentes, uma entidade de difusão
ano>, da macrobiótica e de filosofias com bases
No Brasil, não se dispõe, até então, de orientais, e uma clínica psicológica alter-
qualquer tentativa rigorosa de mapea- nativa que faz parte de uma comunidade
mento quantitativo. O que não impede a rural orientada por uma filosofia pró-
formulação da hipótese da existência de pria.
um número bastante elevado de empre- O ievantamento foi realizado em ba-
endimentos alternativos, pelas próprias ses metodológicas qualitativas". Os pes-
dimensões do país, de sua população, e . quisadores dirigiram-se às organizações
da economia. O estudo rigoroso do cam- munidos de um roteiro, o qual serviu
po alternativo faz-se necessário face não como ponto de partida para interações
só à sua magnitude, como também à sua travadas sob diversas formas: obser-
singularidade. A categoria de "economia vações diretas, entrevistas, discussões
informal" é totalmente inoportuna tanto coletivas.
pela sua natureza conceitual vaga, su- Em seguida, apresentaremos, por
perficial, como pela incapacidade de sua itens, as principais revelações fornecidas
delimitação observada nos analistas eco- pela pesquisa:
nômicos brasileiros até hoje.
1. Princípios norte adores
Vários são os princípios que norteiam
a existência e o funcionamento das orga-
Existe uma preocupação nizações pesquisadas. Eles estão, de cer-
ta forma, bastante inter-relacionados de-
com o efetivo resgate da condição monstrando sua consistência lógica.
humana. Autenticidade, respeito Pode-se afirmar que há o reconhecimen-
to da grande importância da individuali-
à individualidade, dignidade, dade dos seus membros, ao passo que,
solidariedade, afetividade, são também valoriza-se muito a dimensão
coletiva, denotando uma busca perma-
alguns dos aspectos marcantes. nente do equilíbrio entre o homem e a
organização; ou seja, partindo-se do in-
divíduo tenta-se construir uma organi-
Um mapeamento de organizações zação que possa viabilizar seus anseios
substantivas conjugados na base da proximidade e
O Grupo de Pesquisa em Organi- compatibilidade de valores. Daí, surgem
zações Substantivas - GPOS, sediado na os demais princípios, tais como o respei-
Escola de Administração da Universida- to à dignidade humana, o culto à liber-
de Federal da Bahia, empreendeu um le- dade, a assunção espontânea de compro-
vantamento entre julho e novembro de missos (vontade), e a identidade de valo-
1990, menos com fins quantitativos do res gerais.
que com o objetivo de conhecer aspectos Ainda foram apontados como princí-
qualitativos, de organizações substanti- pios a aceitação da existência de confli-
vas atuantes em Salvador. tos, o que demonstra uma disposição
Foram pesquisadas doze organizações permanente de negociação entre as par-
que atuam em ramos bastante diversifi- tes. Os mecanismos formais de controle
cados. Duas associações de defesa da são, em grande parte, substituídos por
ecologia, uma locadora de livros, um es- práticas informais, prevalecendo assim o
5. HUBER, Joseph. Op. clt, paço cultural que congrega também um autocontrole, pois acredita-se que quan-
bar/restaurante, uma escola de educação do o indivíduo não está suficientemente
6. ROTHSCHILD-WHITI, Joyce.
Op. clt. infantil, uma associação de recuperação integrado ao grupo ele fatalmente perde-
de viciados em álcool, uma associação de rá o interesse e se desligará, não necessi-
7. HAGUETIE, Teresa. Metodo- tando-se então de sistemas de controle
logias qualitativas em sociolo-
defesa de direitos dos homossexuais,
gia. Petrópolis: Vozes, 1990. uma entidade que presta apoio psícoló- rígidos e/ ou sofisticados.
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grupos de trabalho mas, mesmo com nação no trabalho foram os itens utiliza-
este expediente, as reuniões de tais coor- dos para expressar suas respectivas auto-
denações são abertas a qualquer membro imagens.
da organização.
10. Aferição do rendimento individual
7. Remuneração A aferição é coletiva, ou seja, ela é
As microempresas pagam salários que operacionalizada pelo grupo como um
são combinados com base na função que todo em reuniões periódicas onde exerci-
cada membro exerce, nestas, os recursos ta-se o diálogo e a negociação. Vale res-
para este fim são gerados pela venda de saltar que algumas organizações, em me-
serviços e/ou produtos. nor número, não consideram a aferição
No espaço cultural a remuneração é primordial, não realizando-a de forma
estipulada com base na quantidade de sistemática.
trabalho que o indivíduo executa, o
montante da renda da organização varia 11. Expressão social da organização
A expressão social da organização está
relacionada com a ampla divulgação dos
seus ideais e valores, bem como a trans-
A eficiência e a eficácia são parência em suas práticas e atividades,
atingidas, só que por outros principalmente nas entidades de defesa
de direitos civis e organização político-
caminhos. O que não quer dizer social de comunidades. As preocupações
que tais organizações sejam com a autenticidade, legitimidade e pro-
fundidade estão vinculadas a pratica-
modelos perfeitos de mente todas as organizações no que tan-
produtividade e efetividade. ge à avaliação de sua respectiva ex-
pressão social.
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realmente seja seguido, que indicasse dições de aprofundamento enriquecedor
alguma padronização ou homogenei- da análise, não só de organizações subs-
zação, tantivas, como também da ambiência or- 11. Evento, imprevisibilidade,
A singularidade e a conseqüente he- ganizacional global pós-moderna; tal pa- despadronização, como conteú-
terogeneidade encontrada relevam o do essencial da história social.
radigma pode ser uma opção a conside- Ver MORIN, Edgar. Le retour de
événement 11 como pedra angular na rar no empreendimento analítico das or- I' événement. In: Communicati-
existência e funcionamento das organi- ganizações aqui discutidas. Temos em- ons, 18, Paris: Ecole Pratique
zações substantivas; a própria "prefe- des Hautes Etudes, Seuil. 1972;
preendido, no Brasil, um esforço de di- MOLES, Abraham. Notes pour
rência" pelo vivenciamento do presente vulgação dessa efetiva renovação para- une typologie des événernents.
em detrimento do futuro confirma tal In: Communicatíons, 18, Paris:
característica, enquanto nas organi- Ecole Pratique des Hautes Etu-
des, Seuil, 1972.
zações burocráticas o futuro é uma di-
mensão primordial recuperada pela teo- Em verdade, a compreensão 12. Ver CAPRA, Fritjof. O ponto
ria da administração por intermédio de de mutação. São Paulo: Cultrix,
do fenômeno das organizações 1982; Sabedoria incomum. São
todas as suas modalidades técnicas de- Paulo: Cultrix, 1988; OUPYY,
nominadas planejamento. substantivas requer uma Jean-Pierre. Ordres et désor-
fundamentação nova, que dres, enquDte sur un nouveau
paradigme. Paris: Seuil, 1982;
Uma opção para a renovação do quadro OUMOUCHEL, Paul; OUPUY,
teórico possa dar conta de seus Jean-Pierre (orgs.) L' auto-or-
Em verdade, a compreensão do fenô- aspectos emergentes. ganisatíon: de la ptiysique au
polítique. Paris: Seuil, 1983;
meno das organizações substantivas re- HAWKING, Stephen. Uma breve
quer uma fundamentação nova, que pos- história do tempo: do Big Bang
sa dar conta de seus aspectos emergentes. digmática da ciência, destacando as suas aos buracos negros. Rio de Ja-
Traços relevantes como a singularidade, neiro: Rocco, 1988; MONOO,
amplas possibilidades no campo das or- Jacques. O acaso e a necessida-
a multiplicidade, a heterogeneidade, o ganizações 14. de. Petrópolis: Vozes, 1989;
événement, paradoxos como ordem/de- Por outro lado, como frisamos acima, MORIN, Edgar. O parad.igff/a
sordem, na base da existência concreta perdido: a natureza humana.
analisar as organizações substantivas me- Lisboa: Europa-América, 1973;
definindo formas e modos de funciona- diante os conceitos de burocracia ou de ----o O método I: a natu-
mento; aspectos organizacionais internos autogestão seria restabelecer o dualismo reza da natureza. Lisboa: Euro-
denotando elevada racionalidade subs- pa-América, 1977; -. O
do velho pensamento com todo o seu ana- método 11: a vida da vida. lis-
tantiva nas interações pessoais, e, acima cronismo, buscando uma estrutura per- boa: Europa-América, 1980; -
de tudo, a produção da auto-organização, manente no objeto, ou enveredando pela ----. CiDncia com cons-
definitivamente não são "recuperáveis" ciDncia. Lisboa: Europa-Améri-
dicotomia centrada exclusivamente no su-
ca, 1982; O problema epistemo-
pelo frágil conhecimento disponível teci- jeito. Em qualquer destas duas opções, es- lógiCO da complexidade. Lisboa:
do no paradigma funcionalista que tem taríamos encerrando o fenômeno em cate- Europa-América, 1984, --
abordado as organizações burocráticas na gorias apriorísticas, aprisionando-o pelo -. O método 111: o conheci"
mento do conhecimento. lis-
teoria da administração, baseado num significante, destruindo a possibilidade de boa: Europa-América, 1986;
ponto de vista mecânico-físico hoje já ul- conceber a multiplicidade complexa e efe- PRIGOGINE, lIya; STENGERS,
trapassado na própria física moderna e tivamente nova que ele engendra. Isabelle. A nova aliança. Brasí-
lia: Universidade de Brasília,
vítima de um funcionalismo de há muito O fenômeno da profusão de organi- 1984; THOMPSON, William
ultrapassado na própria biologia, ciência zações substantivas é concomitante com (org.). Gaia: uma teoria do co-
que lhe serviu de inspiração. a pós-modernidade. A ciência não sinto- nhecimento. São Paulo: Gaia,
1990.
Um novo paradigma científico engen- nizada com a era pós-moderna não ofe-
drado na segunda metade deste século, o rece condições adequadas para a sua 13. Constelação dos compro-
chamado paradigma de complexidade, análise e compreensão, portanto insistir missos grupais tats como gene-
partindo da cibernética, física e biologia, ralizações simbólicas, crenças,
com os velhos paradigmas (principal- valores e exemplos comparti-
vem paulatinamente influenciando a di- mente, com o funcionalismo) é, no míni- lhados, que caracterizam os cí-
reção do desenvolvimento científico glo- mo, permanecer no obscurantismo. Urge entistas pertencentes a um
bal, e mais recentemente com grande ên- mesmo paradigma, conforme
uma fundamentação nova, sintonizada KUHN, Thomas. A estrutura das
fase nas ciências humanas. Os aspectos com a evolução que a pós-modernidade revoluções científicas. São Pau-
citados acima tais como a consideração tem imposto ao mundo. Uma fundamen- lo: Perspectica, 1987.
do événement, ordem/desordem, auto-or- tação que denote uma ciência do devir. 14. Ver SERVA, Maurício. O pa-
ganização, dentre outros, são assumidos Este é o nosso desafio caso queiramos radigma da complexidade e a
como temas de estudo e discussão pelos consolidar o estatuto científico da teoria análise organizacional. In: Re-
seguidores desse paradigma 12. Sua ma- vista de Administração de Em-
da administração face aos novos fenôme- presas, São Paulo: FGV, v. 32,
triz disciplinar 13 estabelece plenas con- nos deste campo. O nQ 2, p. 26-35, abr/jun. 1992.
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