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RAE ARTIGO

o FENÔMENO DAS ORGANIZAÇÕES


SUBSTANTIVAS
• Maurício Serva * PALAVRAS-CHAVE: Organizações substantivas, pesquisa,
Professor Adjunto da Escola de Administração da UFBA, teoria administrativa.
Pesquisador do CETEAD, Mestre e Doutorando na
EAESP/FGV. * ABSTRACT: The article analyzes the phenomenon of subs-
tantive organizations, that also named collectivists or alier-
natives. It shows the results of the research made in Salva-
* RESUMO: Este artigo analisa o fenômeno das organi- dor with twelve substantive organizations. lt also discuss
zações substantivas, também conhecidas como coletivistas the inappropriate of the substantive organizations approach
ou alternativas. Apresenta os resultados de uma pesquisa in Administrative Theory and aims a option into review the
realizada em Salvador junto a doze organizações substanti- theoretic approach, intending a renewal of the Theory in
vas. Discute também a inadequação da sua abordagem via front of the news organizational phenomenons.
Teoria da Administração e acena com uma opção para a re-
novação do quadro referencial teórico, objetivando a atuali- * KEY WORDS: Substantive organizations, research, Admi-
zação da Teoria face aos novos fenômenos organizacionais. nístrative theory.

Mar./Abr. 1993
36 Revistade Administração de Empresas São Paulo, 33(2):36-43
o FENÔMENO DAS ORGANIZAÇÕES SUBSTANTIVAS

INTRODUÇÃO Por conseguinte, a denominação Mo-


vimento Alternativo, empregada por al-
o fenômeno da multiplicação de orga- guns para designar o conjunto de organi-
nizações alternativas ou coletivistas zações substantivas, encontradas em pra-
(aqui denominadas substantivas) tem ticamente toda a parte no mundo con-
tido um forte incremento desde os anos temporâneo, é errônea, significando
sessenta e já é observado em todos os mais uma dificuldade da sociedade insti-
continentes, demonstrando uma curiosa tuída em conceber a alteridade", Definiti-
espontaneidade à medida que a autono- vamente, as organizações substantivas
mia é um dos seus fatores marcantes,
pois nele não se observa o caráter orgâni-
co que determina a natureza das organi-
zações burocráticas ao conferi-las um A expansão das organizações
sentido integrativo e sistêmico. Muito ao 1. Aspectos do surgimento e
contrário, organizações substantivas pa-
substantivas é um fenômeno funcionamento dessas organi-
zações são discutidos em
recem brotar pela força espontânea de de proporções consideráveis: CLEGG, Stewart. Against the
milhares de indivíduos, espalhados por current: organizational socio-
todo o mundo, que têm-se reunido em em 1980, na Alemanha Ocidental, logy and socialism. In: CLEGG,
Stewart (org.). Organization the-
torno de ideais e princípios determinan- estimava-se a existência de 11.500 ory and class analysis: new ap-
tes de ações conjuntas as quais, por sua proaches and new issues. New
Vork : De Gruyter, 1989; HU-
vez, .acabam configurando práticas sócio- delas, envolvendo 80.000 pessoas; SER, Joseph. Quem deve mudar
organizacionais relativamente descom- todas as coisas, as alternativas
promissadas com o estatuto essencial-
nos EUA, em 1976, estimava-se do movimento alternativo. Rio
de Janeiro: Paz e Terra, 1985;
mente sistêmico da sociedade burocra- um número maior que 5.000, e a ROTHSCHILD-WHITT, Joyce.
tizada.' The collectivist organization: an
Um exemplo disso é a dificuldade ex- criação de 1.000 a cada ano. alternative to rational bureau-
cratic models. In: American So-
pressa pela sociedade em muitos casos ciological Review, Itaca: Cornell
quando se tenta classificar, registrar, University, 44, august, p, 509-
aceitar ou até regular uma série de orga- não configuram um movimento, elas não 527; VIEIRA, Marcelo; CUNHA,
Véra. Novas formas organizaci-
nizações substantivas que ocupam espa- são arregimentadas por um órgão ou onais: indicações de um novo
ços, difundem ideais e desenvolvem pra- instituição qualquer que lhes dê, impo- paradigma? In: Anais do 15Q
xis não previstas pelo conjunto de nor- nha ou indique objetivos, ordens, 'ou di- ENANPAD. Salvador: ANPAD, p,
157-170,1991.
mas institucionais que têm norteado so- reção; a noção de centro é inexistente,
bretudo a maioria das sociedades oci- como também as de padronização, siste- 2.0 termo desordem é utlllzado
dentais neste século. matização e organicidade. Analisá-las aqui no sentido estrito empre-
Mesmo a existência de uma infinidade gado pelos pesquisadores inte-
sociologicamente como movimento ou grantes do Paradigma da Com-
de redes interligando muitas organi- qualquer conceito semelhante revela fra- plexidade.
zações em diversos segmentos e cenários gilidade metodológica, perenizando a ló-
sociais, não revela em si uma integração 3. Análises aprofundadas sobre
gica sistêmica e conjuntista incapaz de o tema da alteridade organizaci-
sistematizada comparável ao mundo bu- pensar a autonomia do socíal '. onal podem ser encontradas em
rocratizado, pois, em sua esmagadora As organizações substantivas compõem CHANLAT, Jean-François (org.).
maioria, tais redes estabelecem-se no L 'individu dans I'organisation:
um arranjo, uma multiplicidade. Como les dimensions oubliées. Que-
plano da comunicação, da troca de infor- veremos adiante, tal multiplicidade im- bec : Les Presses de l'Université
mações que possibilitem a ajuda mútua plica, em alto grau, a singularidade e a Lavai et les Editions ESKA,
e, principalmente, a ampliação da consci- heterogeneidade. 1990; MOTTA, Fernando. Alteri-
dade e organização: a associ-
ência do esforço alternativo que é desen- A expansão das organizações substan- ação contra a hierarquia. In:
volvido em regiões distantes entre si. tivas é um fenômeno de proporções con- Anais do 16Q ENANPAD. Salva-
Ainda que algumas redes possuam obje- sideráveis. No início dos anos 80, na dor: ANPAD, 1992, p. 51-57.
tivos específicos fundados em ideais co- então Alemanha Ocidental estimava-se a 4. CASTORIADIS, Cornelius. A
muns, observa-se, via de regra, um ele- existência de aproximadamente 11.500 instituição imaginária da socie-
vado grau de autonomia em cada orga- delas, envolvendo 80.000 pessoas, e atu- dade. Rio de Janeiro: Paz e Ter-
ra, 1986.4. Ver GUERREIRO
nização membro, resultando na não uni- ando em vários campos como agricultu- RAMOS, Alberto. A nova ciencia
formidade obrigatória de sua práticas, ra, informação, tecnologias apropriadas, das organizaçóes. Rio de Janei-
denotando um nível de desordem 2 ina- dentre vários outros, apresentando uma ro: FGV, 1981; MOTTA, Fernan-
do. Teoria das organizaçóes:
ceitável na concepção fundamental de distribuição de 70% em serviços e comér- evolução e crítica. São Paulo:
organização burocrática. cio, 18% de trabalho político, e 12% em Pioneira, 1986.

© 1993, Revista de Administração de Empresas / EAESP / FGV, São Paulo, Brasil. 37


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produção 5. Nos Estados Unidos, as esti- gico por telefone, um centro de educação
mativas em 1976 indicavam a existência popular, uma entidade de pesquisa so-
de mais de 5.000 organizações, e a criação cial e apoio à organização de comunida-
de aproximadamente 1.000 delas a cada des carentes, uma entidade de difusão
ano>, da macrobiótica e de filosofias com bases
No Brasil, não se dispõe, até então, de orientais, e uma clínica psicológica alter-
qualquer tentativa rigorosa de mapea- nativa que faz parte de uma comunidade
mento quantitativo. O que não impede a rural orientada por uma filosofia pró-
formulação da hipótese da existência de pria.
um número bastante elevado de empre- O ievantamento foi realizado em ba-
endimentos alternativos, pelas próprias ses metodológicas qualitativas". Os pes-
dimensões do país, de sua população, e . quisadores dirigiram-se às organizações
da economia. O estudo rigoroso do cam- munidos de um roteiro, o qual serviu
po alternativo faz-se necessário face não como ponto de partida para interações
só à sua magnitude, como também à sua travadas sob diversas formas: obser-
singularidade. A categoria de "economia vações diretas, entrevistas, discussões
informal" é totalmente inoportuna tanto coletivas.
pela sua natureza conceitual vaga, su- Em seguida, apresentaremos, por
perficial, como pela incapacidade de sua itens, as principais revelações fornecidas
delimitação observada nos analistas eco- pela pesquisa:
nômicos brasileiros até hoje.
1. Princípios norte adores
Vários são os princípios que norteiam
a existência e o funcionamento das orga-
Existe uma preocupação nizações pesquisadas. Eles estão, de cer-
ta forma, bastante inter-relacionados de-
com o efetivo resgate da condição monstrando sua consistência lógica.
humana. Autenticidade, respeito Pode-se afirmar que há o reconhecimen-
to da grande importância da individuali-
à individualidade, dignidade, dade dos seus membros, ao passo que,
solidariedade, afetividade, são também valoriza-se muito a dimensão
coletiva, denotando uma busca perma-
alguns dos aspectos marcantes. nente do equilíbrio entre o homem e a
organização; ou seja, partindo-se do in-
divíduo tenta-se construir uma organi-
Um mapeamento de organizações zação que possa viabilizar seus anseios
substantivas conjugados na base da proximidade e
O Grupo de Pesquisa em Organi- compatibilidade de valores. Daí, surgem
zações Substantivas - GPOS, sediado na os demais princípios, tais como o respei-
Escola de Administração da Universida- to à dignidade humana, o culto à liber-
de Federal da Bahia, empreendeu um le- dade, a assunção espontânea de compro-
vantamento entre julho e novembro de missos (vontade), e a identidade de valo-
1990, menos com fins quantitativos do res gerais.
que com o objetivo de conhecer aspectos Ainda foram apontados como princí-
qualitativos, de organizações substanti- pios a aceitação da existência de confli-
vas atuantes em Salvador. tos, o que demonstra uma disposição
Foram pesquisadas doze organizações permanente de negociação entre as par-
que atuam em ramos bastante diversifi- tes. Os mecanismos formais de controle
cados. Duas associações de defesa da são, em grande parte, substituídos por
ecologia, uma locadora de livros, um es- práticas informais, prevalecendo assim o
5. HUBER, Joseph. Op. clt, paço cultural que congrega também um autocontrole, pois acredita-se que quan-
bar/restaurante, uma escola de educação do o indivíduo não está suficientemente
6. ROTHSCHILD-WHITI, Joyce.
Op. clt. infantil, uma associação de recuperação integrado ao grupo ele fatalmente perde-
de viciados em álcool, uma associação de rá o interesse e se desligará, não necessi-
7. HAGUETIE, Teresa. Metodo- tando-se então de sistemas de controle
logias qualitativas em sociolo-
defesa de direitos dos homossexuais,
gia. Petrópolis: Vozes, 1990. uma entidade que presta apoio psícoló- rígidos e/ ou sofisticados.

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o FEN(}MENO DAS ORGANIZAÇÕES SUBSTANTIVAS

2. Relacionamento entre os membros da como microempresas, prevalecem for-


organização mas de administração participativa, vari-
Nota-se que nestas organizações há ando o seu grau em função do peso da
uma intenção geral de que o trabalho ideologia dos seus proprietários ou fun-
seja uma atividade prazerosa, na qual o dadores.
processo de sua realização se sobrepo- Naquelas organizações tipicamente co-
nha às próprias finalidades, observando- letivistas não existe nenhuma hierarquia,
se um alto grau de solidariedade e afeti- observa-se o rodízio na execução de tare-
vidade entre os membros, bem como a fas, sendo a aptidão e interesse indivi-
existência de uma participação efetiva de duais a base para a assunção de tarefas e
cada um na vida da organização. funções. Nelas a supervisão é coletiva.
A intensidade das relações interpes- Algumas destas características também
soais é bastante elevada, conjugada com podem ser encontradas nas organizações
os princípios da aceitação de conflitos e anteriores, porém em menor grau.
da disposição permanente de negociação
revela o extenso uso da comunicação
verbal, da palavra, da discussão, preva-
lecendo os contatos face a face. Tal confi- A primazia da racionalidade
guração cria condições para a expressão substantiva constitui-se no
de sentimentos no cotidiano.
traço mais marcante de tais
3. Reflexão sobre a organização organizações. Nelas, não
A reflexão a respeito da organização, constatamos alguns preceitos
seus caminhos, objetivos e práticas, em
fundamentais encontrados nas
geral é intensa e coletivizada. Nota-se a
participação generalizada dos membros burocracias, como por exemplo,
nas discussões. a excessiva supremacia da
A intensidade das interações parece
ser um dos fatores primordiais para um
organização sobre o indivíduo.
estado de vivência e avaliação do pre-
sente que se sobrepõe a preocupações
com o futuro, valorizando mais a política 5. Critérios para a escolha/aceitação dos
do cotidiano do que o planejamento de membros da organização
ações para longo prazo. A sintonia com a causa maior da orga-
O processo de reflexão tende a ser nização e a identificação com os valores
mais burocratizado naquelas organi- pessoais e grupais são os critérios essen-
zações que têm uma área de atuação ciais. Disponibilidade para realização de
mais voltada para o macrossocial, para a tarefas e empatia são critérios comple-
sociedade global; percebe-se que, em ge- mentares.
ral, essas organizações, apesar de algu-
mas delas apresentarem nítidos traços de 6. Veiculação de informações e processo
contestação ao social, não inovaram ain- decisório
da os seus processos de reflexão face às As informações são veiculadas livre-
organizações burocráticas tradicionais. mente, não sendo encontrado nenhum
caso de estabelecimento de condições de
4. Hierarquia confidencialidade. Isto é valido também
A flexibilidade da estrutura hierárqui- para as informações contábeis-financei-
ca é o traço marcante. ras.
Nas entidades voltadas para o ma- O processo decisório é coletivo, basea-
crossocial, tais como as associações de do em reuniões com a participação de to-
defesa de direitos civis, observa-se uma dos os interessados, com exceção das mi-
curiosa ambigüidade: para o mundo ex- croempresas onde o processo é em deter-
terior elas possuem uma estrutura for- minados aspectos operacionalizado por
mal bem definida mas, internamente há seus proprietários.
a neutralização relativa da hierarquia. Em algumas organizações pratica-se a
N as organizações que funcionam divisão de tarefas em coordenações ou

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grupos de trabalho mas, mesmo com nação no trabalho foram os itens utiliza-
este expediente, as reuniões de tais coor- dos para expressar suas respectivas auto-
denações são abertas a qualquer membro imagens.
da organização.
10. Aferição do rendimento individual
7. Remuneração A aferição é coletiva, ou seja, ela é
As microempresas pagam salários que operacionalizada pelo grupo como um
são combinados com base na função que todo em reuniões periódicas onde exerci-
cada membro exerce, nestas, os recursos ta-se o diálogo e a negociação. Vale res-
para este fim são gerados pela venda de saltar que algumas organizações, em me-
serviços e/ou produtos. nor número, não consideram a aferição
No espaço cultural a remuneração é primordial, não realizando-a de forma
estipulada com base na quantidade de sistemática.
trabalho que o indivíduo executa, o
montante da renda da organização varia 11. Expressão social da organização
A expressão social da organização está
relacionada com a ampla divulgação dos
seus ideais e valores, bem como a trans-
A eficiência e a eficácia são parência em suas práticas e atividades,
atingidas, só que por outros principalmente nas entidades de defesa
de direitos civis e organização político-
caminhos. O que não quer dizer social de comunidades. As preocupações
que tais organizações sejam com a autenticidade, legitimidade e pro-
fundidade estão vinculadas a pratica-
modelos perfeitos de mente todas as organizações no que tan-
produtividade e efetividade. ge à avaliação de sua respectiva ex-
pressão social.

de acordo com o faturamento da venda 12. Satisfação do usuário


de serviços e/ ou produtos. Algumas organizações nunca empreen-
Em uma entidade dedicada à organi- deram qualquer esforço sistemático para
zação social de populações carentes, os medir o grau de satisfação do usuário.
salários são pagos com referência ao Outras apontam a própria ineficácia da
mercado de trabalho; sua receita princi- sociedade com referência à criação de
pal advém de financiamentos destinados bem-estar aos indivíduos como a razão
por entidades internacionais. essencial de uma demanda permanente
Nas demais organizações o trabalho é pelos serviços prestados pelas organi-
totalmente voluntário, não havendo pa- zações pesquisadas.
gamento de salários. Aquelas que já efetuaram algum tipo
de levantamento desta questão relataram
8. Horário que receberam um retorno positivo, po-
A tônica são horários de trabalho ex- rém não forneceram maiores detalhes, re-
tremamente flexíveis, a partir de variá- velando que tal aspecto ainda não foi tra-
veis tais como disponibilidade, compro- tado com grande profundidade.
'misso individual e funcionamento da en-
tidade. 13. Inserção da organização na
sociedade
9. Auto-avaliação A fronteira com a sociedade burocrati-
Na auto-avaliação realizada pelas or- zada constitui-se numa delicada área de
ganizações pesquisadas vê-se que os as- atuação das organizações pesquisadas.
pectos subjetivos preenchem todos os Em geral, busca-se, naturalmente, o
pontos enfocados. Uma organização apoio das pessoas e/ou grupos sociais
onde existe satisfação oriunda da perse- identificados com a causa e valores de-
guição de um ideal; onde o trabalho é re- fendidos, como também dos meros sim-
alizado com prazer através da satisfação patizantes destes. Nota-se um raio de
individual e grupal; e a ausência de alie- ação social onde as organizações conse-

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o FENÔMENO DAS ORGANIZAÇÕES SUBSTANTIVAS

guem inserir-se e sobreviver, isto parece relacional, interativo, parece importar


ser o suficiente. mais até do que o conteúdo na ativida-
O caso das entidades de defesa de di- de grupal.
reitos civis é mais crítico, pois estas ne- Nem por isso elas deixam de apre-
cessitam do respaldo efetivamente popu- sentar efetividade. Apenas à guisa de
lar, já que atuam no terreno institucional, ilustração, relacionaremos alguns fatos
travando relacionamentos intensos com e considerações que, inegavelmente,
organizações que são prepostos da so- atestam esta afirmação. A associação de
ciedade burocrática. defesa dos direitos dos homossexuais é
a primeira entidade do ramo no Brasil,
Uma visão global da racionalidade e da fundada em 1980 e registrada como so-
eficácia ciedade civil, já conseguiu êxitos como a
No mapeamento realizado, observou- inclusão na recente Constituição Muni-
se que nestas organizações existe uma cipal de Salvador de um dispositivo que
preocupação com o efetivo resgate da impede a discriminação de opção sexual
condição humana. Autenticidade, res- em qualquer nível do município (único,
peito à individualidade, dignidade, soli- até então, no país), além da realização
dariedade, afetividade, são alguns dos de diversas campanhas esclarecedoras e
aspectos marcantes, revelando a presen- preventivas da AIDS, em favor dos di-
ça de racionalidade substantiva e crian- reitos civis dos homossexuais etc.
do estruturas produtivas onde o traba- A associação de recuperação de vicia-
lho é realizado com prazer, com grande dos em álcool vem promovendo o trata-
destaque para as relações pessoais, as mento de milhares de viciados, na Bahia,
interações e a vivência do presente. desde 1953.
A questão da racionalidade predomi- O centro de educação popular atua
nante é crucial para a compreensão des- desde 1978, desenvolvendo diversas ati-
ses organizadores. Enquanto as demais vidades, dentre elas, a fundação da As-
organizações tipicamente burocráticas, sociação das Escolas Comunitárias de
econômicas ou não, orientam-se por' Salvador que congrega mais de 50 esco-
uma razão baseada no cálculo utilitário las em bairros de baixa renda onde hoje
de conseqüências dos atos humanos, estudam cerca de 15.000 pessoas entre
impregnando-os de um pensamento adultos e crianças.
que conduz a um agir onde todos os O espaço cultural, no período de ma-
meios são subordinados a determinados peamento, constituía-se no bar/ponto de
fins eticamente inquestionados, desva- encontro mais procurado pela juventude
lorizando também a ação efetiva - a ra- de Salvador, tendo sido forçado a dupli-
cionalidade ou razão instrumental" - as car o tamanho de suas instalações para
organizações aqui analisadas guiam-se, atender à demanda crescente.
predominantemente, por uma racionali- A escola de educação infantil é uma
dade que habilita o indivíduo a ordenar das mais conceituadas da cidade, pro-
a sua vida eticamente, gerando ações move regularmente atividades artísticas
que buscam concretizar um equilíbrio tais como peças teatrais com a partici-
dinâmico entre a satisfação pessoal e a pação dos alunos em vários teatros de
satisfação social, como também da auto- Salvador.
realização pela plena concretização de As organizações de defesa ecológica já
suas potencialidades humanas - a racio- são oficializadas como entidades de utili-
nalidade substantiva 9. dade pública e têm firmado convênios
A primazia da racionalidade substan- com órgãos públicos e entidades priva-
tiva constitui-se no traço mais marcante das envolvendo somas razoáveis de re-
de tais organizações. Daí decorre deno- cursos para projetos ambientais, além de
minação que a elas imputamos: organi- promoverem campanhas já reconhecidas
zações substantivas. Nelas, não consta- 8. Ver GUERREIRO RAMOS, Al-
e encampadas pela comunidade, confe- berto. Op. cit; MOITA, Fernan-
tamos alguns preceitos fundamentais rindo-lhes um alto grau de credibilidade do. Teorização das organizações:
encontrados nas burocracias, como por no estado. evolução e crítica. Op. cit.
exemplo, a excessiva supremacia da or- A eficiência e a eficácia são atingidas,
9. Ver GUERREIRO RAMOS.
ganização sobre o indivíduo; o processo só que por outros caminhos. O que não Op. cit.

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quer dizer que tais organizações sejam como autogestão.


modelos perfeitos de produtividade e No entanto, elas também não se au-
efetividade. Elas debatem-se com muitos todenominam organizações autogestio-
problemas, alguns semelhantes aos en- nárias, não perseguem explicitamente
frentados pelas burocracias, como escas- tal classificação. Fato que poderia frus-
sez de recursos, e outros mais diferencia- trar também aqueles que partindo de
dos, como é o caso das relações com a so- um modelo teórico de autogestão qui-
ciedade estabelecida, fronteira muito sessem encerrá-las neste constructo
mais complexa naquelas organizações prévio; a rigor, em apenas uma das or-
devido à sua própria natureza. ganizações pesquisadas, o espaço cultu-
ral, os membros revelaram a preocu-
o problema da teorização, ou da inade- pação explícita em estabelecer práticas
quação em abordar o novo através de autogestionárias, mesmo assim eles de-
quadros referenciais ultrapassados ram grande ênfase à micro política do
Deve-se ter o cuidado para não mitifi- cotidiano como dimensão existencial
car as organizações substantivas nem a fundamentalmente geradora de so-
sua dinâmica de atuação, não tentar luções, criadora de formas de organi-
apreendê-las mediante o aprisionamen- zação do trabalho e de práticas adequa-
to num significante, pois elas não apre- das a cada tempo e lugar (a predomi-
sentam um padrão fixo, não seguem e nância do presente).
não se constituem em modelos a serem A multiplicidade, em si, é não signi-
seguidos, não obedecem a técnicas de ficante, nem tampouco postula uma
elaboração de estruturas, nem a sistemá- unidade baseada em subjetivação iD.
ticas de design organizacional que impli- Logo, a natureza não significante dessa
cam a padronização científica de tarefas, multiplicidade, cremos, advém da es-
rotinas e procedimentos, como também pontaneidade com a qual os seus mem-
o estabelecimento de cargos, dentre ou- bros agem entre si nos processos intera-
tros ditames da chamada Ciência: da tivos. Deduz-se que a forte presença de
Administração, que fornece as soluções racionalidade substantiva enseja a es-
utilizadas pela grande maioria das orga- pontaneidade, dispensando rígidos mo-
nizações burocráticas contemporâneas. delos prévios a seguir.
Não há dúvidas, pelo que foi visto e ex- Nas organizações substantivas, a pro-
posto acima, que estas organizações, em funda singularidade, no plano individual,
geral, diferem bastante dos modelos es- determina um elevado grau de heteroge-
truturais e das práticas empregadas pe- neidade em seu conjunto.
las burocracias - via de regra, sistemati-
zadas, padronizadas. Nas formas de A dificuldade de abordagem via teoria
atuação das organizações substantivas, o da administração
caráter fundamental encontrado foi a Constatamos que estaríamos total-
singularidade. mente perdidos se tentássemos apro-
Comumente, costuma-se em termos fundar a análise das organizações subs-
teóricos, opor à organização burocrática tantivas utilizando a lógica e / ou instru-
uma organização autogestionária. Se es- mentos fornecidos pela teoria da admi-
tivéssemos em busca de uma signifi- nistração.
cação que servisse de pivô para poder Em que pese a possibilidade de isola-
explicar o fenômeno das organizações mento de determinados aspectos e a sin-
substantivas, certamente afirmaríamos tetização de alguns traços comuns com
que a pesquisa demonstrou que a práti- referência aos mesmos, como foi operacio-
ca autogestionária encaminha-se em di- nalizado na pesquisa acima descrita,
ferentes estágios de desenvolvimento, percebemos que quanto mais aprofun-
possuindo maior ou menor grau em dávamos a tentativa de compreensão
função das particularidades de cada or- desses traços eles apontavam sempre
10. Ver DELEUZE, Gilles; GAT- ganização. Desse modo, umas organi- na direção da singularidade, como tam-
TARI, Félix. Introduction: Rhizo- zações estariam mais próximas e outras bém da heterogeneidade do conjunto,
me. In: Mille plateaux, capitalis- pois não há, de fato, nenhuma estrutura
me et schizoprénie. Paris: Les mais distantes dos modelos estabeleci-
Editions de Minuit, 1980. dos e codificados (subjetivamente) subjacente, nenhum modelo teórico que

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o FEN6MENO DAS ORGANIZAÇÕES SUBSTANTIVAS
realmente seja seguido, que indicasse dições de aprofundamento enriquecedor
alguma padronização ou homogenei- da análise, não só de organizações subs-
zação, tantivas, como também da ambiência or- 11. Evento, imprevisibilidade,
A singularidade e a conseqüente he- ganizacional global pós-moderna; tal pa- despadronização, como conteú-
terogeneidade encontrada relevam o do essencial da história social.
radigma pode ser uma opção a conside- Ver MORIN, Edgar. Le retour de
événement 11 como pedra angular na rar no empreendimento analítico das or- I' événement. In: Communicati-
existência e funcionamento das organi- ganizações aqui discutidas. Temos em- ons, 18, Paris: Ecole Pratique
zações substantivas; a própria "prefe- des Hautes Etudes, Seuil. 1972;
preendido, no Brasil, um esforço de di- MOLES, Abraham. Notes pour
rência" pelo vivenciamento do presente vulgação dessa efetiva renovação para- une typologie des événernents.
em detrimento do futuro confirma tal In: Communicatíons, 18, Paris:
característica, enquanto nas organi- Ecole Pratique des Hautes Etu-
des, Seuil, 1972.
zações burocráticas o futuro é uma di-
mensão primordial recuperada pela teo- Em verdade, a compreensão 12. Ver CAPRA, Fritjof. O ponto
ria da administração por intermédio de de mutação. São Paulo: Cultrix,
do fenômeno das organizações 1982; Sabedoria incomum. São
todas as suas modalidades técnicas de- Paulo: Cultrix, 1988; OUPYY,
nominadas planejamento. substantivas requer uma Jean-Pierre. Ordres et désor-
fundamentação nova, que dres, enquDte sur un nouveau
paradigme. Paris: Seuil, 1982;
Uma opção para a renovação do quadro OUMOUCHEL, Paul; OUPUY,
teórico possa dar conta de seus Jean-Pierre (orgs.) L' auto-or-
Em verdade, a compreensão do fenô- aspectos emergentes. ganisatíon: de la ptiysique au
polítique. Paris: Seuil, 1983;
meno das organizações substantivas re- HAWKING, Stephen. Uma breve
quer uma fundamentação nova, que pos- história do tempo: do Big Bang
sa dar conta de seus aspectos emergentes. digmática da ciência, destacando as suas aos buracos negros. Rio de Ja-
Traços relevantes como a singularidade, neiro: Rocco, 1988; MONOO,
amplas possibilidades no campo das or- Jacques. O acaso e a necessida-
a multiplicidade, a heterogeneidade, o ganizações 14. de. Petrópolis: Vozes, 1989;
événement, paradoxos como ordem/de- Por outro lado, como frisamos acima, MORIN, Edgar. O parad.igff/a
sordem, na base da existência concreta perdido: a natureza humana.
analisar as organizações substantivas me- Lisboa: Europa-América, 1973;
definindo formas e modos de funciona- diante os conceitos de burocracia ou de ----o O método I: a natu-
mento; aspectos organizacionais internos autogestão seria restabelecer o dualismo reza da natureza. Lisboa: Euro-
denotando elevada racionalidade subs- pa-América, 1977; -. O
do velho pensamento com todo o seu ana- método 11: a vida da vida. lis-
tantiva nas interações pessoais, e, acima cronismo, buscando uma estrutura per- boa: Europa-América, 1980; -
de tudo, a produção da auto-organização, manente no objeto, ou enveredando pela ----. CiDncia com cons-
definitivamente não são "recuperáveis" ciDncia. Lisboa: Europa-Améri-
dicotomia centrada exclusivamente no su-
ca, 1982; O problema epistemo-
pelo frágil conhecimento disponível teci- jeito. Em qualquer destas duas opções, es- lógiCO da complexidade. Lisboa:
do no paradigma funcionalista que tem taríamos encerrando o fenômeno em cate- Europa-América, 1984, --
abordado as organizações burocráticas na gorias apriorísticas, aprisionando-o pelo -. O método 111: o conheci"
mento do conhecimento. lis-
teoria da administração, baseado num significante, destruindo a possibilidade de boa: Europa-América, 1986;
ponto de vista mecânico-físico hoje já ul- conceber a multiplicidade complexa e efe- PRIGOGINE, lIya; STENGERS,
trapassado na própria física moderna e tivamente nova que ele engendra. Isabelle. A nova aliança. Brasí-
lia: Universidade de Brasília,
vítima de um funcionalismo de há muito O fenômeno da profusão de organi- 1984; THOMPSON, William
ultrapassado na própria biologia, ciência zações substantivas é concomitante com (org.). Gaia: uma teoria do co-
que lhe serviu de inspiração. a pós-modernidade. A ciência não sinto- nhecimento. São Paulo: Gaia,
1990.
Um novo paradigma científico engen- nizada com a era pós-moderna não ofe-
drado na segunda metade deste século, o rece condições adequadas para a sua 13. Constelação dos compro-
chamado paradigma de complexidade, análise e compreensão, portanto insistir missos grupais tats como gene-
partindo da cibernética, física e biologia, ralizações simbólicas, crenças,
com os velhos paradigmas (principal- valores e exemplos comparti-
vem paulatinamente influenciando a di- mente, com o funcionalismo) é, no míni- lhados, que caracterizam os cí-
reção do desenvolvimento científico glo- mo, permanecer no obscurantismo. Urge entistas pertencentes a um
bal, e mais recentemente com grande ên- mesmo paradigma, conforme
uma fundamentação nova, sintonizada KUHN, Thomas. A estrutura das
fase nas ciências humanas. Os aspectos com a evolução que a pós-modernidade revoluções científicas. São Pau-
citados acima tais como a consideração tem imposto ao mundo. Uma fundamen- lo: Perspectica, 1987.
do événement, ordem/desordem, auto-or- tação que denote uma ciência do devir. 14. Ver SERVA, Maurício. O pa-
ganização, dentre outros, são assumidos Este é o nosso desafio caso queiramos radigma da complexidade e a
como temas de estudo e discussão pelos consolidar o estatuto científico da teoria análise organizacional. In: Re-
seguidores desse paradigma 12. Sua ma- vista de Administração de Em-
da administração face aos novos fenôme- presas, São Paulo: FGV, v. 32,
triz disciplinar 13 estabelece plenas con- nos deste campo. O nQ 2, p. 26-35, abr/jun. 1992.

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