DE
SÓCRATES
PLATÃO
APOLOGIA
DE
SÓCRATES
Tradução e Prefácio de
SANT’ANNA DIONISIO
SEARA NOVA 1 9 6 1
Imprensa Portuguesa * Rua Formosa, 108-116 * PORTO
PREFÁCIO
a responder, mas de. modo tão evasivo que salta aos olhos a
gros- seria do seu demagogismo. Em dado momento, Meleto,
assediado, vai ao ponto de afirmar que todos os membros
do tribunal são aptos a «bem educar» a adolescência,
recusando formalmente esse dom a Sócrates (1). Ora] dada a
composição heterogénea da assem- bleia judiciária, (composta
de negociantes, marítimos, artífices, etc), manifesta era a
lisonja e a insinceridade do acusador. Sócrates aproveita-a,
sem cuidar do efeito que o seu comentário teria no ânimo dos
que constituíam o tribunal, e lança uma das suas excla- mações
terrivelmente sardónicas:
— Com que então, todos os que nos escutam são bons
educa- dores, e eu sòmente sou o corruptor da juventude.
Mas onde a sua audácia atinge as raias da temeridade é no
momento em que, já depois de tido pelo tribunal como
culpado, alvitra aos juizes que a condenação fosse o seu
aboletamento vita- lício no Pritaneu, ou seja: no edifício
público onde os arcontes tomavam as suas refeições em
comum. Essa proposta represen- tava o mais insólito dos
sarcasmos pois a instituição da pritania sòmente há cerca de
três anos, após o duríssimo período oligár- quico, voltara a
funcionar em Atenas. Foi certamente esse impre- visto
desafio o que desencadeou a indignação do rumoroso tri-
bunal e provocou a deslocação de votos que determinaria
a sentença fatal.
Podemos dizer, pois, que a condenação de Sócrates ao
suicídio coercitivo, pela cicuta, foi suscitado pela própria
atitude do filósofo. O que não significa que ele deliberadamente
a procurasse. Em mais de um passo da Apologia se vê que o
seu desejo sincero era o de obter a absolvição. Mais do que a
vida. porém, interessava-lhe salvar a liberdade. Pelo recurso
da lisonja, da súplica, ou até da habilidade técnica, própria dos
logógrafos, não lhe interessava
S. D.
— Sim, exactamente.
— Mas, são eles todos —, ou são sòmente alguns
de entre eles, e outros não?
— São todos!
— Por Hera, eis aí, realmente, uma boa saída.
Não nos faltarão, pois, pessoas capazes de bem-
educar! No entanto, esclarece-me: aqueles que nos
escutam pode- rão também tornar melhor a
juventude, sim ou não?
— São igualmente capazes.
— E os membros do Conselho?
— Também.
— E os cidadãos que formam a Assembleia, os
ecle- siastas, acaso eles corrompem os jovens — ou
antes, eles, também, os tornam melhores?
— Sim, esses também.
— Quer dizer, todos os Atenienses, segundo
parece são aptos a bem-educar os adolescentes, —
todos, excepto eu. Eu só, exclusivamente, os
corrompo. Não será isto o que dizes?
— É isso, exactamente..
— Na verdade, que infeliz sorte me atribues!
Mas, dize-me cá; — Em teu parecer, dar-se-á o mesmo
com os cavalos? Achas que toda a gente está em
condições de os ensinar, e que um só os estraga?
Ou antes, pelo contrário, que um só é apto a
adestrar cavalos, ou quando muito alguns raros,
que sejam do ofício, enquanto que todos os outros,
quando tomam conta deles e os montam, não fazem
outra coisa senão estra- gá-los? Não será assim,
Meleto, tanto para os cavalos como para os outros
animais? Indiscutivelmente, esta é que é a verdade,
digas o que disseres, e contigo Anito, acerca deste
assunto. Ah! Na realidade seria uma grande
32 PLATÃO
Croiset).
APOLOGIA DE SÓCRATES 41
FIM