virada de século
Georges Benko
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“Governança” (gouvernance), termo inglês. Trata-se das formas de condutas de uma organização
humana, mais abrangente que “governo” (de uma estrutura política territorial). A tradução desse
termo apresenta problemas. “Regulação” parece o mais adequado, mas como “governança”
visa mais particularmente à regulação de relações de poder e de coordenação de preferências
comerciais, nós ficamos próximos da “regulação política”. Entretanto, a palavra “política” se liga
muito especificamente à forma estatal. Faz-se necessário reviver a antiga aceitação francesa da
palavra “governo” (“gouvernement”) (atualizada por Michel Foucault), pois, desde Montesquieu,
a expressão “forma de governo” (“forme de gouvernement”) se liga ao Estado, e não é disso que
se trata. A melhor escolha, talvez, mais do que forjar um neologismo ou do que reanimar o velho
“gouvernement”, seja retomar uma palavra caída em desuso (“governança”: tipo de governo de
Flandres) e lhe dar essa aceitação.
Metropolização
Desde a metade dos anos 1980, a tendência ao retorno das atividades
para as metrópoles é observada de um modo quase unânime. As pes-
quisas, enquetes e publicações são numerosas, e as afirmações, muito
diversificadas. Claude Lacour (1995) e sua equipe em Bordeaux, ao re-
colher diferentes visões de pesquisadores, realizaram uma grande enquete
internacional sobre a “metropolização”. Veja-se o livro de Puissant, As
segregações da cidade-metrópole americana (2006).
Podemos estruturar essas visões segundo quatro eixos principais.
John Friedmann (1986) estabeleceu uma hierarquia urbana mundial
a partir da localização das sedes sociais e dos centros de decisão das
grandes empresas ou das organizações internacionais que têm uma larga
influência internacional. Trata-se de uma extensão da teoria da hierarquia
urbana, pois o autor afirma que o desdobramento geográfico das empresas
multinacionais é responsável pela hierarquia urbana internacional por
meio das transações realizadas – são cidades mundiais.
Manuel Castells (1989 e trabalhos mais recentes) destacou a infor-
matização acentuada de nossa época, que arrasta a desterritorialização da
economia e da sociedade – daí a expressão “espaço de fluxos”. Os fluxos
são estruturados em redes e dominados pelas grandes empresas e por
O local e o global
Já bem no começo dos anos 1980, os pesquisadores abordaram o
problema da articulação dos espaços locais e dos espaços globais. Problema
que serviu de paradigma à reflexão nodal: a relação individual/social.
Uma vez reconhecida a individualização dos territórios regionais e
nacionais (por causa do papel da governança e, a fortiori, do Estado),
fazia-se a questão da regulação de suas relações recíprocas. Mistral
(1986) afastou logo as duas hipóteses habituais: a homogeneização /
otimização pelo mercado, a hierarquização pelo poder. Ele reconhecia
a existência de um mapa da divisão internacional do trabalho, porém,
contra os estruturalistas e dependentistas, insistia no problema da adesão
das formações nacionais à área estratégica do modelo dominante. As
únicas formas de regulação entre essas individualidades separadas pelas
paredes osmóticas – as fronteiras nacionais – eram, portanto, as redes
e firmas transnacionais, as relações do poder monetário e as regras de
ajustamento.
Ao trabalhar mais particularmente a questão das relações Norte-
Sul, em que uma verdadeira divisão do trabalho no centro de processos
de produção unicamente fordistas tendia, entretanto, a se estabelecer,
Lipietz tomou a mesma direção: há, sim, uma “economia-mundial”, mas
ela não é uma força causal, tampouco as firmas multinacionais são as
criadoras da “Nova divisão internacional do trabalho”, e essa divisão é
mais uma configuração, um encontro fragilmente regulado de trajetórias
nacionais de que algumas, é verdade, apresentam uma forte dependência
no contexto global (daí seus nomes de taylorização primitiva, fordismo
periférico etc.).
uma nova revista anual foi lançada a partir de 1997, intitulada O ano da
regulação, nas Éditions de La Découverte. Essa experiência chegou ao fim
com o nº 8 na editora das Sciences Po em 2004. Bernard Billaudot (1996)
propõe nada menos que uma teoria geral das formas institucionais que
estão na base dos modos de regulação e, principalmente, da coesão das
sociedades modernas, salariais e capitalistas.
A coleção “Villes” (Éditions Economica/Anthropos), sob direção
de Denise Pumain, apresenta, desde 1993, uma série de trabalhos
metodológicos ao dar conta de uma dupla expectativa: por um lado, ela
fornece a síntese dos debates teóricos e, por outro lado, produz estudos
empíricos e monografias urbanas.
Outros autores chamam nossa atenção para o papel da cultura nos
mecanismos econômicos regionais, entre eles Claval, Debié e Pitte. Claval
edita a segunda versão da Geografia cultural na editora Colin em 2003.
Ao mesmo tempo, Allen Scott (1997, 2000, 2001, 2004) consagra
uma parte de suas pesquisas às indústrias culturais, particularmente a
Hollywood. Isabelle Géneau de Lamarlière, em seu número especial da
revista Geografia e Culturas, levanta dois problemas essenciais: levar em
conta a dimensão geográfica permite trazer respostas originais às questões
que as disciplinas se fazem ao refletir sobre as relações entre o econômico e
o cultural? Pode a nova geografia econômica trazer, como nos anos 1950-
60, novas contribuições ao modo como a geografia apreende o espaço?
Em nossas sociedades, o risco e sua gestão se tornam um campo
maior do político e da arte de governar. No mundo moderno, técnicas
cada vez mais complexas e nosso meio ambiente cada vez mais artificial
tornam a sociedade vulnerável e sujeita a acidentes imprevisíveis.
Conseqüentemente, é a própria natureza dos riscos que mudou. A ciência
regional está no centro dos problemas ligados tanto aos riscos naturais
quanto às sociedades. As pesquisas se multiplicam nesse domínio desde os
anos 1990 e evoluem em diversos eixos. Entre eles, notemos as reflexões
sobre o risco como fundamento de nossa cultura (BECK, 1992) ou sobre
as previsões, a economia, a organização do território e os riscos naturais
e tecnológicos (FAUGÈRES, 1990).
Conclusão
Não se trata aqui de se estender sobre os desenvolvimentos recentes
desse campo, ou de dar a última palavra nos debates que, no momento
atual, animam a geografia econômica. Dito isto, podemos listar brevemente
algumas tendências maiores. Em primeiro lugar, o novo regionalismo, no
contexto dos processos de mundialização, continua a ocupar um lugar
maior na pesquisa atual. Em segundo lugar, as idéias avançadas pelo
novo regionalismo se encontram, entretanto, cada vez mais estendidas às
questões de desenvolvimento nos países de baixa ou intermediária renda.
Além disso, nos anos 90 e no início dos anos 2000, duas novas vozes
Ela mantém uma ligação forte com a nova geografia dos anos 50 e se
afirma como campo de pesquisa autônomo. O interesse dos economistas
frente ao espaço se acha reforçado em uma nova disciplina denominada
“ciência regional”, com uma participação ativa na planificação urbana
e regional. Disparidades, desigualdades espaciais e mecanismos de
dominação foram as preocupações centrais das análises nos anos 60-70. Os
novos dados do contexto do macroeconômico estimularam as pesquisas
em dois eixos a partir dos anos 80: de um lado, uma formalização aguda;
de outro, a construção de um modelo territorial da produção.
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Anexo
As principais etapas da evolução da geografia econômica francófona