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Cada teologia tem a sociedade que merece

Bráulia Ribeiro

O cristão precisa situar-se no mundo em que vive.

Jesus orou para que, estando no mundo, ficássemos livres do mal, mas parece que insistimos
em sair do mundo e continuar com o mal. Afastamo-nos das formas culturais como se fossem
malignas por si mesmas, mas permitimos que valores errados nos influenciem, desde que
tomem formas religiosas. Afastamo-nos também das indagações do mundo. Como disse
alguém: dizemos que Cristo é a resposta, mas para qual pergunta? Já não conhecemos as
perguntas que o mundo nos faz.

Vamos investigar uma idéia que é constante no cinema atual: carma ou escolha. Existe o livre-
arbítrio ou seguimos um destino pré-determinado? Vários filmes recentes tratam do assunto.
Talvez seja um sinal de que esta nossa megacultura ocidental está descobrindo suas
fraquezas, precisando se reinventar, e busca subsídios teológicos para isso.

Um desses filmes, o mais poderoso em formar pensamentos, é “Matrix” (1 e 2). O primeiro


virou “cult”, filme cheio de inovações gráficas e de pseudo-enigmas; digo pseudo porque o
segundo filme responde a todos eles e revela o balaio de gato sem fim que é o mundo de
“Matrix”. Se o primeiro deixou dúvidas quanto à filosofia dos autores, o segundo traz tudo às
claras. Quando Neo (Keanu Reaves) finalmente encontra o “Arquiteto” (que, na cabeça dos
diretores delirantes, deve ser uma mistura de Deus como foi retratado por Michelangelo na
capela Sistina, e de Bill Gates), este discursa longamente sobre o livre-arbítrio. Propõe que o
grande problema do messias é o livre-arbítrio. Ele tem capacidade de escolha, e a usa mal, o
que o coloca num círculo infinito de novas tentativas, forçado a repetir o mesmo destino
cármico de fracasso, deixado pelo que veio antes dele... Sei lá se entendi mesmo essa
bagunça hinduísta-exotérica-digital, que é o retrato perfeito do pós-modernismo. Mas esse
vale-tudo filosófico traz à cabeça da geração atual uma importante pergunta: podemos escolher
nosso destino? Ou temos apenas uma falsa sensação de liberdade, criada pelo arquiteto
sádico desta matrix em que vivemos?

A história de “Minority Report”, de Spielberg, é mais simples. Num futuro não muito distante
decide-se testar um programa para evitar assassinatos. O programa é parte da polícia local,
chamada Divisão Pré-crimes, que se baseia em informações transmitidas por três videntes,
chamados Precogs. Os videntes são capazes de ver os crimes antes de acontecerem. A polícia
corre ao local e evita o crime, prendendo o pré-criminoso, que é tratado como um criminoso de
fato, apesar de não ter cometido nenhum homicídio.

A história esquenta quando os videntes têm uma premonição de um crime que o próprio chefe
da polícia John Anderton (Tom Cruise) cometeria. As imagens dele matando um homem que
ele nem mesmo conhecia aparecem na tela das premonições. O feitiço se volta contra o
feiticeiro. O chefe dedicado se vê vítima do sistema no qual confiava plenamente. De acordo
com este sistema, um pré-criminoso é um criminoso real, porque o futuro visto pelos videntes é
tratado como uma realidade inexorável.

Alguns teólogos já disseram que se o futuro é conhecido (seja por Precogs ou por Deus), o
livre-arbítrio não existe de fato. Tudo obedece a um desenho previamente feito — uma vontade
soberana que engole todas as outras vontadezinhas em seu grande útero.

Essa “teologia” gera a sociedade do pré-crime. A predeterminação torna essa utopia possível,
até desejável. Basta que conheçamos o destino programado para cada um e nos
encarreguemos de protegê-lo desse destino, prendendo pré-assassinos, eliminando intra-
uterinamente alguns indivíduos cujo mal inerente o justifique. Se os Precogs conseguissem
prever um novo Hitller ou um novo Saddam, sua eliminação seria automática.

Esse futuro pode estar mais perto do que imaginamos. A genética moderna sofre da mesma
síndrome dos Precogs. Alguns cientistas afirmam que existem genes responsáveis por
comportamentos morais. No futuro, um exame de sangue poderá nos dar as dicas que
precisamos, poderá desenhar o perfil do indivíduo — se assassino, estuprador ou franco-
atirador. Será um mundo limpo. Um hemograma, um perfil genético, e a sociedade do pré-crime
se arma de razões para processar, prender e até eliminar seres humanos.
Essa utopia é um produto direto de nossa teologia cristã. Somos o que cremos. Nossas
crenças são a base de tudo o que construímos. A teologia da predeterminação está no coração
da cultura ocidental, desde Philo e Agostinho. Também está no coração das sociedades
islâmicas fundamentalistas, absolutas e totalitárias: “Maktub” — está escrito. Será Deus o
mesmo Alá?

Mas, e se fosse diferente? Se, em vez de teologarmos e filosofarmos, acreditássemos


puramente na Bíblia? Ela diz que Deus se arrependeu de ter feito o homem (Gn 6.6). Ao
descobrir que o ser livre que havia criado escolheu negar-lhe amor e ainda afrontá-lo com uma
impiedade além de todos os limites, Ele sofreu. Sofreu tanto quanto um homem que, tendo
tirado uma mulher da mais suja lama moral, drogada, suja, prostituída, se casa com ela, tem
filhos, constitui uma família. Um dia este homem chega em casa e não vê sua esposa. Ela
voltou para as ruas. Preferiu a lama, as drogas, o sofrimento degradante. O marido sofre agora,
não por si mesmo, mas pelo destino que sua amada escolheu e que a fará sofrer. Essa é a
metáfora proposta por Deus para falar de seu amor pelo povo de Israel, no livro de Oséias.
Alguns teólogos que me desculpem, mas esta não é a imagem de um Deus-Alá indiferente e
soberano sobre a vontade humana.

Todas estas, além de inúmeras outras passagens literais e metafóricas da Bíblia, perdem o
sentido se o futuro for causado, se o livre-arbítrio humano não for real, mas um artifício divino
para nos dar apenas a impressão de liberdade. A Bíblia passa a ser um livro sobre a grande
matrix ilusória de Deus, e não o livro destinado a nos descortinar a verdade sobre o amor de
um Deus que espera para ser amado, que nos pede para escolher a bênção em vez da
maldição.

Engraçado que, diferente dos idealizadores de “Matrix”, o judeu Steven Spielberg escolhe como
final esta última versão da verdade sobre o ser humano. No final a sociedade do “Minority
Report” redescobre que é livre. O chefe da polícia, quando encara face a face o seu próprio
crime, é surpreendido pela voz da vidente que lhe diz: “Não! Você é livre para não matá-lo.” O
próprio criador do sistema, Lamar (Max von Sydow), que por anos seguidos prendeu pré-
criminosos, também se vê de frente com o seu próprio destino. A visão de seu pré-crime
aparece na tela. Com uma arma na mão, encara Anderton, que lhe diz: “Se você me matar, vai
para a cadeia, mas prova para todos que você está certo”.

No entanto, ele próprio se sabe livre e atira contra si mesmo, numa confissão desesperada de
fracasso. A sociedade se liberta da arbitrariedade do pré-crime, antes consagrada como a
solução de todos os males. Os pré-criminosos voltam às ruas e deixam de pagar pelo que
poderiam ter feito, mas nunca fizeram. E todos respiram aliviados por se verem restaurados
novamente à sua dignidade de seres humanos no comando de seu destino.

Ligados a uma rede de fios, mergulhados numa piscina azulada que lhes mantinha aquecidos,
os Precogs eram uma visão grotesca no início do filme. O local onde ficavam chamava-se
templo e não era visitado por ninguém. Eles não eram capazes de interagir. Sua única função
era prever o futuro. Eram três, uma trindade divinizada (coincidência?) e seus policiais do pré-
crime eram chamados de sacerdotes. No fim, invalidadas suas previsões, recobram sua
humanidade e voltam a viver como qualquer outro ser humano, numa metáfora que me faz
pensar em Salmos 78.41, Isaías 53, Lucas 23 e tantas outras passagens que nos mostram o
Deus supremo limitando-se em seu próprio poder por nos ter feito livres e sujeitando-se à morte
na cruz para assim, apesar de nossas escolhas erradas, poder nos redimir.

Se verdadeiro livre-arbítrio implica uma definição diferente para a onisciência divina não me
importa. Se o livre-arbítrio respalda a idéia da meta-história, que se desenrola para Deus na
eternidade e para os homens na terra, numa interação dinâmica e temporal da divindade com a
humanidade, também não me importa. Se é armeniana ou calvinista esta idéia não me importa.
Como os judeus, povo tribal sem pretensões filosóficas, não pretendo dissecar Deus e sua
vontade como se disseca um defunto numa aula de anatomia. Para mim, a teologia verdadeira
é aquela que me aproxima dele e de seu amor.

Spielberg tem razão em sua crítica às incoerências da teologia cristã. O Deus do Antigo
Testamento não escolheu o caminho mais simples, o de eliminar a possibilidade do mal,
criando um jardim perfeito de autômatos sem vontade. Conviver com a possibilidade do mal,
permitindo-nos ser capazes de discernir e escolher entre o bem e o mal, foi um caminho mais
arriscado, mas que tornou possível o amor. Que Deus nos permita continuar crendo nisso.
Cada teologia tem a sociedade que merece. Uma proposta “teo-filosófica” diferente poderia
mudar o futuro do mundo? Resta a nós, cristãos, decidirmos.

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