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Luiz Roberto Oliveira

O sol e o sal
da zona sul
“Porque o samba nasceu lá na Bahia”. A esta afirmação ca das letras girava entre tristeza, desengano e amores não
de Vinicius de Moraes na letra do Samba da Bênção, feito em correspondidos. Neste estilo impregnado de fumaça de cigar-
parceria com Baden Powell, eu acrescentaria, para polemizar: ros e pileques talvez provenientes do pós-guerra europeu, um
“...e a Bossa Nova também”. Seriam as lavadeiras de Juazeiro estado de espírito cinzento e nebuloso acrescentou ao nosso
possuidoras da fórmula secreta? repertório jóias lindas e inesquecíveis — infelizmente, já um
O samba veio de uma junção de ingredientes: ritmos da tanto esquecidas.
Bahia, com ancestrais africanos, trazidos por negros e mesti- Ainda na juventude, Vinicius de Moraes começou a dar
ços para o Rio de Janeiro, foram combinados com as formas mostras de suas vocações. Aluno dos padres jesuítas no
melódicas e harmônicas praticadas na capital, de fortes raízes curso ginasial do colégio Santo Inácio, já era atraído pela
na cultura européia, tais como se ouvia em valsas, polcas e palavra e pelo texto. Em 1927, produziu talvez a única edi-
schottisches. ção de um pequeno jornal,“O Planeta”. Aos 15 anos, partici-
Nas reuniões em casa de Tia Ciata, mãe de santo baiana pava, com os irmãos Paulo, Haroldo e Oswaldo Tapajós de
que morava no centro do Rio de Janeiro, foram ouvidos os um conjunto musical que se apresentava nas casas dos ami-
primeiros acordes do samba. Naquele começo do século XX, gos e em festas colegiais. Suas primeiras letras são deste
algumas das presenças frequentes eram Hilário Jovino, tempo, em parceria com Haroldo e Paulo.
Sinhô, Germano Lopes da Silva, Pixinguinha, e Donga, que É curioso como alguns fatos da infância podem, até por
em 1916 teve sua música “Pelo Telefone” gravada em disco coincidência, antecipar tendências. Em dezembro de 1937, o
pela Odeon. A História acabou consagrando Donga e seu Externato Mello e Souza, em Copacabana, promoveu uma
parceiro Mauro de Almeida como autores do primeiro festa para comemorar o encerramento do ano letivo. Um dos
samba gravado, embora “Pelo Telefone” estivesse muito mais quadros das apresentações era a Orquestra Maluca, pequeno
para maxixe do que para samba. Ainda por cima, a autoria de grupo instrumental formado por alunos do curso de admis-
Donga também é questionada, sendo mais provável que a são ao ginásio.A regência da orquestra, cargo da mais alta res-
música tenha resultado de colaborações improvisadas dos ponsabilidade, foi confiada a ninguém menos que Antonio
participantes das rodas de samba promovidas por Tia Ciata. Carlos Jobim, então com 10 anos.
Impulsionado pelo compositor Sinhô, o samba começou Em 1953, aos 40 anos, Vinicius de Moraes fez o samba
a ganhar aos poucos sua forma e seus intérpretes. Na década “Quando tu passas por mim”, em que música e letra são, pela
de 30, deixando para trás a influência do maxixe, e com sua primeira vez, de sua autoria. Nas tertúlias do Clube da
identidade caracterizada, passou a fazer jus ao nome. Chave, em Copacabana, assim chamado porque cada sócio
Com o passar dos anos, muitos compositores e intérpre- tinha a chave de um escaninho com uma garrafa de whisky
tes continuaram a enriquecer o cenário da música brasileira. individual,Vinicius ficou conhecendo Tom. Não ficaram ínti-
Na década de 40, ganhou força o samba-canção, gênero deri- mos: a relação manteve-se por algum tempo simplesmente
vado do samba, porém mais lento e romântico, em que a tôni- cordial. E a roda que o poeta frequentava — literatos, críti-
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cos, artistas, embaixadores — impunha respeito pelo conteú- Oscar Niemeyer. Ficava selado o início de uma grande ami-
do e pela idade, e certamente contribuía para manter à distân- zade e um raro entendimento entre música e poesia, tendo
cia o músico de 26 anos, que tocava piano nos bares do bair- como conseqüência alguns anos da mais profícua e brilhante
ro para acertar suas contas de fim de mês. parceria da música popular brasileira.
Vinicius carregou o time nas costas. De alma generosa, Tom e Vinicius navegavam basicamente em três estilos:
corajoso para sorver a vida sem se submeter a limites ou con- o samba (que na época era o sambão, ou samba-batucada),
venções, o poeta multiplicou-se, emprestando seu talento a o samba-canção, e a canção de câmara — esta, a meu ver, o
uma geração inteira de compositores, muitos dos quais ponto mais forte e singular da parceria, sem pretender, no
teriam tido uma carreira bem mais difícil não fosse a preciosa entanto, diminuir-lhes a qualidade nos outros gêneros.
parceria. Assim, o primeiro samba de Edu Lobo teve letra de Assim foi que, em 1958, os dois parceiros convidaram a
Vinicius. O estilo denso de Baden Powell encontrou seu cantora Elizete Cardoso para ser a intérprete de uma sele-
grande parceiro. Carlos Lyra e o poeta ainda hoje embalam ção de canções de câmara, sambas, uma valsa, e até uma
corações apaixonados. Francis Hime ganhou letras lindas e toada, que seriam reunidas no LP Canção do Amor
desesperadas. Para Toquinho, Vinicius caiu do céu. Isto, sem Demais, da gravadora Festa. Tom Jobim faria os arranjos e a
falar em Ary Barroso, Capiba, Claudio Santoro, Paulo regência da orquestra. Este disco foi um divisor de águas na
Soledade, Antonio Maria, Adoniran Barbosa, Pixinguinha, e história do nosso cancioneiro. As músicas e letras, de rara
uma série de outros, de ilustres a humildes — inclusive o beleza; os arranjos de Tom, delicados e de extremo bom
autor destas linhas. gosto; a qualidade e o porte da cantora; tudo garantia um
E também Vadico, o ignorado companheiro de Noel resultado excelente. Mas, um pouco pela sorte e muito pela
Rosa em tantos sucessos do calibre de“Feitiço da Vila”.As cir- visão de Tom, um outro atributo haveria de marcar definiti-
cunstâncias e a saúde de Vadico fizeram com que ele, sem vamente a importância do projeto.
saber, abrisse caminho para o maior de todos os parceiros de Naquela época, alguns jovens compositores cariocas,
Vinicius. Em 1956, o poeta, recém-chegado da Europa, tra- como Carlos Lyra e Roberto Menescal, insatisfeitos com o
zendo na algibeira, letra e música, sua Valsa de Eurídice, pro- ritmo do sambão, que consideravam quadrado e pesado,
curava um compositor para as canções da peça teatral Orfeu andavam em busca de uma nova forma para tocar samba no
da Conceição, de texto pronto e premiado — uma adaptação violão. Outros músicos importantes já haviam esboçado
para a favela carioca do mito grego de Orfeu, o músico da caminhos: Dick Farney, Lucio Alves, Garoto (Aníbal
Trácia que desce aos infernos em busca de sua amada Augusto Sardinha), e o pianista e compositor Johnny Alf,
Eurídice. Vadico, compositor e pianista de mão-cheia, foi o atualmente morando em S. Paulo e em plena forma. Mas foi
primeiro convidado. Mas não aceitou a tarefa, talvez pesada um baiano desconhecido que conquistou os louros da desco-
demais para uma saúde que já inspirava cuidados. berta sensacional.Tocando o samba de uma maneira comple-
O segundo convidado ouviu pacientemente a longa tamente nova, com uma batida mais econômica, num ritmo
explanação de Vinicius sobre como deveria ser a música para sincopado, e articulando seu canto em surpreendente entro-
a peça, durante histórico encontro no Bar Villarino, no centro samento com o violão, João Gilberto chegou para arrasar.
do Rio. Seu único e famoso comentário ao final da prédica, Rapidamente passou a ser assunto nos meios musicais cario-
ainda que de justo fundamento, retrata uma preocupação que cas, provocando o fascínio de muitos e repúdio de uma mino-
o acompanharia durante um bom tempo, mesmo quando já ria. Um diretor da gravadora Odeon em S. Paulo, ao ouvir
não houvesse razão para tal:“Tem um dinheirinho nisso?” uma gravação de João, quebrou o disco, indignado:“É esta a
As músicas de Orfeu da Conceição foram os primeiros novidade que o Rio nos manda?”
trabalhos da dupla Antonio Carlos Jobim e Vinicius de Tom Jobim rapidamente percebeu que o baiano não
Moraes. A peça estreou no mesmo ano no Teatro Municipal estava para brincadeiras. E convidou João para tocar violão
do Rio, com atores negros, direção de Leo Jusi e cenários de em duas faixas de Canção do Amor Demais. Ouvindo-se o
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disco atentamente, não é difícil perceber o contraste e o para um show no Canecão, no Rio, que ficou meses em car-
encontro de duas vertentes no tempo. De um lado, a voz clás- taz, antes de temporadas em S. Paulo e no exterior.
sica de Elizete; numa linha divisória, as orquestrações de João e Tom se afastaram também na década de 60, e
Tom, camerísticas, lindas, mas ainda um pouco envolvidas anos mais tarde, uma tentativa de reaproximá-los levou-os
pelos estilos vigentes; e do lado oposto, nas faixas Chega de ao palco, mas nenhum dos dois ficou à vontade.
Saudade e Outra Vez, a locomotiva que é o violão revolucio- Permaneceram o respeito e a admiração de um pelo outro.
nário de João Gilberto. Até hoje, João inclui em seu repertório inúmeras composi-
Tom e outros compositores mais jovens aderiram sem ções de Tom.
hesitação ao novo ritmo de samba. É interessante notar que o Numa fase mais madura, Tom Jobim resolveu dar maior
samba evoluiu também geograficamente, progredindo na vazão a sua veia literária, talvez sentindo a lacuna deixada por
esteira da ocupação do Rio de Janeiro: dos subúrbios e do Vinicius, ou porque Chico Buarque não tivesse tempo para
centro, em direção à zona sul. E dos morros para o litoral. O uma colaboração mais assídua. Criou excelentes letras.
samba do subúrbio cedia a vez à Bossa Nova de Copacabana. Águas de março, Luiza, Falando de amor, Passarim e
Aliás, o nome Bossa Nova, trazido à baila por circunstâncias Gabriela são apenas alguns exemplos. Aliás, Tom sempre se
sem grande relevância, tornou-se mundialmente conhecido, sentiu à vontade nas letras, mesmo em começo de carreira,
apontando não somente para uma nova maneira de tocar quando fez Outra Vez, As Praias Desertas, e Corcovado.
samba, mas refletindo uma atitude característica dos jovens Mas o tempo passa, e dois destes três gênios já nos dei-
da zona sul, que gostavam de freqüentar a praia e de se reunir
para cantar baixinho ao som do violão. As letras deixaram a Vinícius e Toquinho
tristeza de lado, passando a curtir a beleza das garotas, o sol,
o mar. Tom Jobim, que volta e meia mudava de residência,
seguiu o mesmo movimento: nascido na Tijuca, transferiu-se
com a família para Copacabana, e depois para Ipanema, onde,
no apartamento da Rua Nascimento Silva, fez alguns de seus
maiores sucessos.
Com colaboração e participação de Tom Jobim, João
Gilberto gravou na Odeon três LPs históricos: Chega de
Saudade em 1959, O Amor, o Sorriso e a Flôr em 1960, e
João Gilberto um ano depois. No auge da forma e do gás,
João mostra quem é e a que veio. O terceiro LP tem, em cinco
faixas, a sensacional participação do conjunto do organista
Walter Wanderley. Se você ainda não conhece, ouça depressa
antes que acabe.
Quis o destino que a colaboração de Tom Jobim com
seus dois companheiros se tornasse rarefeita até quase a
Ilustração sobre foto de Mario Thompson

interrupção. Vinicius e Tom produziram até meados da


década de 60; após isto, pouca ou nenhuma parceria.
Embora menos próximos, continuaram grandes amigos. A
obra-prima Amparo, gravada em forma instrumental em
1970, teve o nome mudado para Olha Maria quando
Vinicius e Chico Buarque lhe deram letra, um ano depois.
Em 1977, Tom e Vinicius se juntaram a Miucha e Toquinho
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xaram. Se me perguntassem por nomes de brasileiros mun- que já vi. Para ele só existe o essencial: canto e violão. Até a
dialmente conhecidos e reconhecidos, sem hesitação citaria forma como apresenta suas interpretações aponta para este
Tom Jobim e Pelé. A música de Tom tem dois atributos núcleo. Prova disto é seu desinteresse por adornos: para mui-
inquestionáveis: a qualidade, que garante ao compositor a tas músicas que canta nem introdução faz. Entra diretamen-
posição de maior entre os maiores da música popular brasilei- te no tema, no que importa, repetindo a canção inteira várias
ra; e a universalidade, que a faz admirada nos cantos mais vezes, como num tremendo esforço para superar o insuperá-
remotos do planeta. Outros compatriotas, não menos ilus- vel. Perguntado aonde teria ido buscar sua batida, respondeu:
tres, não chegam a ter seu nome e seus méritos tão difundi- “Aprendi com os requebros das lavadeiras de Juazeiro”.
dos – e globalizados. Poeta e diplomata, erudito, falando várias línguas,
João Gilberto, aos 71 anos, mantém seu modelo de per- Vinicius foi aos poucos procurando uma forma de comunica-
feição. Influenciou músicos pelo mundo afora. Ainda que em ção mais abrangente e popular. Funcionário do Itamaraty,
seu país possa, de vez em quando, ser mal compreendido, ou, com trânsito livre nos refinados salões da intelectualidade,
o que é pior, mal recebido. É demais pretender impôr a um íntimo de Manuel Bandeira e João Cabral de Melo Neto, pas-
artista de sua dimensão o ônus de ter de se comportar como sou a fazer canções de grande lirismo com Tom e Carlos
o resto de nós. Criticá-lo ou até vaiá-lo em suas excentricida- Lyra; ao lado de Baden Powell, enfronhou-se no denso uni-
des é não saber respeitar a enormidade de seu talento. João é verso das heranças negras, criando um dos mais fascinantes
um dos músicos mais íntegros e mais dedicados ao trabalho conjuntos de peças de nosso cancioneiro, os afro-Sambas;
mantendo a trajetória, desaguou na parceria com Toquinho,
de melodias e letras bem mais simples, algumas quase ingê-
nuas. Interessante é notar que ele também estimulou Tom
Jobim a despir-se de maneirismos e meandros da erudição.
No texto para a contracapa de Canção do Amor Demais,
refere-se com carinho ao parceiro:
“...gostaria de chamar a atenção para a crescente simplici-
dade e organicidade de suas melodias e harmonias, cada vez
mais libertas da tendência um quanto mórbida e abstrata que
tiveram um dia. O que mostra a inteligência de sua sensibili-
dade, atenta aos dilemas do seu tempo, e a construtividade do
seu espírito, voltado para os valores permanentes na relação
humana.”
Com Vinicius começamos, e nele encerraremos. A ele
dirigimos nosso pensamento e nossas homenagens. O capi-
tão do time e do mato Vinicius de Moraes, parceiro de tantos
compositores que fizeram de nossa música uma das melhores
do mundo, cantou como poucos a beleza da mulher brasilei-
ra, fez da vida sua maior poesia, e jamais será esquecido. A
bênção, poeta. Saravá.

Luiz Roberto Oliveira é músico, diretor da produtora Norte


Magnético, administrador do site Clube do Tom (www.clubedotom.com),
curador do site oficial de Tom Jobim (www.tomjobim.com.br), e
parceiro de Vinicius.
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